O Papa
Francisco, por Quirógrafo publicado hoje, dia 10, renovou, “ad experimentum”
por dois anos, os Estatutos do Instituto
para as Obras de Religião (IOR), aprovados,
por Quirógrafo de 1 de março de 1990, de São João Paulo II, que, por sua vez,
para melhor o adaptar “às exigências dos tempos”, lhe havia dado uma nova
configuração, mas mantendo-lhe o nome e a finalidade.
Recorda o
Papa que, por Quirógrafo de 27 de junho de 1942, do Servo de
Deus Pio XII erigia na Cidade do Vaticano o IOR (Instituto para as Obras de Religião), com personalidade jurídica, pública
incluindo nele a pré-existente “Administração
para as Obras de Religião”, cujos estatutos foram aprovados pelo mesmo
Pontífice a 17 de março de 1941 e cuja origem remontava à “Comissão ad
pias causas” constituída por Leão XIII em 1887. Depois, por Quirógrafo de
24 de janeiro de 1944, estabelecia novas normas para o regime do IOR, pedindo à
Comissão Cardinalícia de Vigilância do Instituto que propusesse aos Estatutos
de 1941 as modificações que julgasse necessárias para a execução literal do
Quirógrafo.
O
editorialista do Vatican News
salienta o esforço de purificação do IOR levado a cabo por Bento XVI e
completado por Francisco, por meio de textos legislativos e adequação às normas
canónicas, no atinente a transações financeiras, transparência, combate à
lavagem de dinheiro.
***
As linhas
seguintes estribam-se na leitura dos Estatutos, de 32 artigos, e no Quirógrafo
em referência, de 9 números ou parágrafos (após um pequeno preâmbulo), que lhes deu aprovação.
A finalidade
do Instituto permanece inalterada, com a tarefa de “prover à custódia e à administração dos bens móveis e imóveis
transferidos ou confiados ao Instituto por pessoas físicas ou jurídicas e
destinados a obras de religião ou de caridade”.
Uma das
principais alterações é a introdução do auditor externo, que pode ser uma
pessoa física ou uma empresa, jamais existindo, nos órgãos do Instituto, os
três auditores internos, cujos cargos eram sempre renovados. O auditor externo
é nomeado pela Comissão Cardinalícia, que integra o governo o Instituto, sob
proposta do Conselho de Superintendência e exerce as suas funções por um
período de três exercícios consecutivos, renováveis uma única vez. É da sua
responsabilidade a revisão legal das contas, pelo que exprime “a sua opinião
sobre as demonstrações financeiras do Instituto num relatório especial”, “examina
todos os livros e demais documentos de contabilidade” e “recebe do Instituto qualquer
informação que lhe peça por a entender útil para a sua atividade de auditoria”.
A estrutura de
governo do IOR é constituída pelos seguintes órgãos: a Comissão Cardinalícia; o Prelado; o Conselho de
Superintendência; e a Direção.
A Comissão Cardinalícia, composta por 5
cardeais nomeados pelo Papa por um período de 5 anos que só pode ser confirmada
uma vez (antes o
mandato era sempre renovável).
O Conselho de Superintendência, composto
por 7 membros (anteriormente eram 5), nomeados
por um período de 5 anos pela Comissão de Cardeais, agora só pode ser
confirmado uma vez. O Conselho pode instituir no seu interior “comités
consultivos especiais, a fim de receber apoio adequado na tomada de decisões
sobre questões específicas”. O presidente do Conselho de Superintendência, nomeado
pela Comissão Cardinalícia, é o representante legal do IOR.
Depois há o Prelado, nomeado por cinco anos pela
Comissão Cardinalícia e agora confirmado apenas uma vez. O novo Estatuto
especifica em pormenor a sua tarefa, que consiste em promover a “dimensão
ética” dos administradores e funcionários, de modo que o seu trabalho seja
coerente com os princípios católicos e a missão do Instituto, mantendo um
intercâmbio constante com todo o pessoal do IOR. Mantém também no seu gabinete
o arquivo da Comissão Cardinalícia, mantendo-o à disposição dos purpurados.
O quarto
órgão é a Direção. O Diretor-Geral pode ser nomeado por um
período determinado (por um período de 5 anos e pode ser confirmado apenas
uma vez) ou por um período indeterminado:
em qualquer caso, deixa de exercer o cargo aos 70 anos de idade. Dantes, em
casos excecionais, podia ultrapassar este limiar.
De acordo
com os novos Estatutos, a substituição de qualquer membro pode ter lugar, não
só caso venha a falecer, mas também
quando “se tornar incapaz ou cessar
antecipadamente o seu mandato por qualquer motivo”.
Além disso,
foi inserido um parágrafo sobre os funcionários para preencher uma lacuna dos
anteriores Estatutos:
“Todos os funcionários do Instituto, em constante relação de trabalho,
são obrigados à exclusividade do emprego. Não podem exercer qualquer outro tipo
de trabalho/ou de consultoria, remunerada ou não, nem podem exercer qualquer
atividade comercial ou participar, em qualquer qualidade, dentro ou fora do Estado
da Cidade do Vaticano. (…) Todos os colaboradores devem cumprir o Código de
Ética aprovado pelo Conselho de Superintendência.”.
É
introduzida a figura do Secretário
Único do Conselho, com formação jurídica adequada, que é responsável
pelas atas das reuniões do Conselho e dos comités e pela custódia das suas
atas. A este respeito, são introduzidas normas mais rigorosas sobre as atas das
“reuniões”: solicita-se explicitamente que as atas sejam “fiéis, precisas e
completas” e que sejam lidas e aprovadas no final de cada encontro. Mantêm-se
no arquivo e disponíveis para garantir a memória histórica dos factos e a
rastreabilidade dos documentos em qualquer momento.
O Instituto tem
a sede na Cidade Estado do Vaticano e não possui filiais ou sucursais. A
responsabilidade pela custódia e administração dos bens recebidos é regida não
só pelas normas do Estado da Cidade do Vaticano, pelos Estatutos e pelo
Regulamento de aplicação, mas também pelas normas do Direito Canónico. Em casos
de comprovada necessidade, as reuniões do Conselho de Superintendência podem
ser realizadas por meio de telecomunicações.
Em junho
passado, o IOR publicou o balanço do exercício de 2018, que registou um lucro
de 17,5 milhões de euros (contra 31,9 milhões em 2017): um montante doado ao Papa. O resultado, embora muito
inferior ao do ano anterior (como especificou uma declaração do Instituto) foi alcançado apesar da forte turbulência dos
mercados e da persistência das taxas de juro ainda muito baixas.
Não se deve
esquecer, escrevia na ocasião o presidente da Comissão Cardinalícia, Cardeal
Santos Abril y Castelló, que o Instituto “se encontrou nos últimos tempos numa
fase de ajuste e esclarecimento que, às vezes, também envolvem sacrifícios”.
Tudo com a firme vontade de criar uma situação em plena sintonia com a prática
de uma irrenunciável orientação ética, como deseja o Papa. Deram-se grandes
passos nesta direção. Foram feitos progressos no contexto do caminho de
transparência financeira para a Santa Sé também reconhecido pela Moneyval, o
Comité de peritos para a avaliação das medidas contra a lavagem de dinheiro e o
financiamento do terrorismo, criado pelo Conselho da Europa.
Lia-se no
comunicado de imprensa de junho passado que, em 2018, o IOR
“Aperfeiçoou ainda mais a integração de critérios negativos e positivos
para a seleção de atividades financeiras nas quais se devem fazer investimentos
coerentes com a ética católica, selecionando apenas empresas que realizem
atividades em conformidade à Doutrina Social da Igreja Católica; (…) continuou
a realizar investimentos destinados a incentivar o desenvolvimento dos países
mais pobres, no respeito de escolhas coerentes com a realização de um futuro
sustentável para as gerações futuras [; e] contribuiu para a implementação de
numerosas atividades beneficentes e sociais, tanto por meio de doações de
caráter financeiro, como por meio de conceções em locações a uma taxa
facilitada ou uso gratuito de imóveis de sua propriedade a entidades com fins
sociais”.
Por fim, no
que se refere aos ativos patrimoniais detidos pelo IOR, de acordo com o
relatório de 2018, o Instituto possui 14.953 clientes, assim distribuídos: ordens
religiosas (53%); dicastérios da Cúria Romana,
escritórios da Santa Sé e do Estado da Cidade do Vaticano e nunciaturas
apostólicas (12%); conferências episcopais, dioceses
e paróquias (9%); entidades de direito canónico (8%); cardeais, bispos e clero (8%); funcionários e aposentados do Vaticano (8%); outros sujeitos, incluindo as fundações de direito
canónico (2%).
É de
recordar que foram canceladas muitas contas de clientes que nada tinham a ver
com o Estado Cidade do Vaticano nem com as estruturas institucionais da Igreja
Católica.
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Andrea Tornielli, editorialista do Vatican
News, destaca, nos Estatutos, o papel do Prelado,
a atenção às normas éticas, o cuidado dos funcionários, o tempo determinado para
os cargos e o auditor externo. E diz: Assim
se renova o Instituto das Obras de Religião.
Considera que
“a renovação dos Estatutos do IOR representa um passo importante no processo de
adaptação aos melhores padrões internacionais, mas também, e sobretudo, de
renovada fidelidade à missão original do Instituto das Obras de Religião”.
Sustenta não
ser obra do acaso, nesse sentido, constituir uma das inovações mais significativas
a definição do papel do Prelado, “figura-chave
para manter o contacto com cada componente do Instituto e, assim, assegurar a
circulação de informações e o cuidado das relações”. Na verdade, o Prelado mantém
agora “um constante intercâmbio com
administradores e funcionários” e “promove
a dimensão ética do seu trabalho”, assim como custodia “o arquivo da Comissão Cardinalícia”. O
cargo não poderá permanecer vacante, como já ocorreu no passado.
Por outro
lado, é significativa a atenção aos funcionários, com o pedido de adesão ao
Código de Ética aprovado pelo Conselho de Superintendência, bem como as normas
claras que impedem o duplo cargo, a consultoria e a participação dos trabalhadores
noutras empresas, devendo, por consequência, ter obrigatoriamente uma relação
de trabalho exclusiva com o IOR.
Os Estatutos
renovados mostram maior atenção à garantia da renovação moderada dos cargos de
direção, controlo e supervisão: tanto os membros da Comissão Cardinalícia como
os do Conselho de Superintendência não podem ter mais de uma renovação,
enquanto o Diretor – que, tal como estabelecia o regulamento anterior, podia
ter um cargo por tempo determinado ou indeterminado – deverá, em todo caso,
sair aos 70 anos, sem a possibilidade de prorrogações. Enquanto os Estatutos
anteriores previam a figura do Vice-diretor, os Estatutos renovados
mencionam-na apenas como “possível”.
Enfim, são duas
as importantes inovações estruturais. A primeira é a redução de 5 para 4 órgãos
do Instituto (de facto, os auditores internos desaparecem desta lista, até agora com um
mandato de três anos, mas renovável sem limites). Por conseguinte, temos a previsão estatutária da figura do Auditor
Externo, que será nomeado pela Comissão Cardinalícia sob proposta do Conselho
de Superintendência e poderá exercer a sua função por um período de três
exercícios consecutivos, renovável só uma vez. A escolha do Auditor Externo,
que formaliza uma prática de facto que o Instituto tem seguido durante anos
para cumprir as normas internacionais, elimina um possível conflito de
interesses inerente aos Estatutos de 1990, que previa que a nomeação de três
auditores deveria ser da responsabilidade do Conselho de
Superintendência. A segunda novidade é a ampliação do número de membros do
Conselho de Superintendência, que passará a ser composto por 7 membros, enquanto
até o momento eram 5 – decisão que torna mais fácil aos membros do Conselho
trabalhar também divididos em comités consultivos de acordo com as matérias
tratadas. O trabalho do Conselho também é facilitado pela possibilidade de
participar nas reuniões, em caso de real necessidade, à distância através de
meios de telecomunicação.
É também
introduzida a figura do Secretário Único do Conselho, responsável pela ata dos
encontros do Conselho e pela custódia das relativas atas: escolha conforme com
a prática bancária e, em relação a quanto previsto nos Estatutos de 1990, evita
o envolvimento, numa atividade tão delicada, de dirigentes que poderiam
encontrar-se numa situação de conflito de interesses.
Com o novo
Estatuto em vigor, o IOR deverá elaborar e aprovar um novo Regulamento interno
para melhor pormenorizar e reforçar a sua gestão, aumentando a sua
transparência.
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Enfim, mais
uma pedrada no charco para a renovação sustentável do Estado Cidade do Vaticano
e para a revolução global do Papa Francisco no governo central da Igreja Católica,
sem oportunismos ou necessidades factícias e desvios à ética.
2019.08.10 – Louro
de Carvalho
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