Comparativamente
com o ano letivo anterior, a taxa de reutilização dos manuais escolares
aumentou 40%. São dados oficiais. Com efeito, no ano letivo que terminou em
junho passado, a taxa de reutilização dos manuais escolares oferecidos pelo
Governo ascendeu acima dos 50%. Ou seja, uma diferença de mais de 40 pontos
percentuais quando comparados com os 10% conseguidos no primeiro ano da medida,
segundo o que noticiou o “Jornal de
Notícias” (JN), no dia 16 de
agosto.
Isto sabe-se
poucas semanas antes do início do primeiro ano letivo em que a gratuitidade dos
manuais escolares chega a todos os anos e ciclos de ensino (do 1.º ano ao
12.º), tendo o ME (Ministério
da Educação) concluído
que, em 2018-2019, existiu um aumento da taxa de reutilização dos manuais
escolares “oferecidos” pelo Governo.
Esclareça-se,
antes de mais, que os livros não são oferecidos, mas emprestados, pelo que os
encarregados de educação que não os devolvam ou não os devolvam totalmente limpos
e em razoável estado de conservação terão de os pagar ou perderão o direito aos
mais que forem necessários.
Sabe-se que
há alunos que os recebem com escrita pelo aluno anterior e com exercícios
corrigidos pelo professor a tinta vermelha como é usual em testes, fichas de
avaliação e trabalhos de casa. Isso terá sucedido porque o trabalho de limpeza
dos manuais é complexo, não se definiu quem deve proceder a essa limpeza e
pensavam alguns que os livros eram dados.
Ora, penso
que, embora seja discutível dar ou emprestar manuais escolares a todos os
alunos independentemente das suas carências económicas (não compram
livros, mas têm telemóvel e Tablet
topo de gama e internet), até as
editoras serem obrigadas a elaborar manuais que não sejam simultaneamente livros
de exercícios, ficando os exercícios para fichários privativos de cada aluno,
os manuais do 1.º Ciclo deveriam ser oferecidos e não emprestados, ao passo que
nos outros ciclos, o aluno, tendo sido progressivamente motivado a usar a passagem
dos exercícios para o caderno diário, nos últimos dois anos do 1.º Ciclo, deve
ser obrigado a fazer isso mesmo para evitar a tarefa morosa e desgastante do
apagão.
Ora, apesar de os dados parecerem
favoráveis, há ainda quem se mostre apreensivo quanto à reutilização dos
materiais. Pais e
diretores de escolas dizem que, pelo menos os livros de 1.º e 2.º anos não
devem ser reutilizados,
já que a sua utilização implica práticas como o recorte, o desenho, o colorir ou
a pintura, a colagem (sobretudo autocolagem), o contorno de letras e números,
o labirinto, quadros de correspondência, etc., sendo vistos, assim, como
manuais de trabalho, ao contrário dos restantes, considerados manuais de
consulta.
O presidente
da ANDAEP (Associação de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas) disse ao JN,
considerando possível “uma baixa taxa de reutilização no 1.º Ciclo e tendencialmente
mais elevada no 2.º”:
“É preciso acabar com a paranoia de tratar o
manual escolar como se fosse uma autêntica obra de arte. Os alunos não podem ser impedidos de utilizar
as técnicas de estudos que nós ensinámos; sublinhar, por exemplo.”.
Por seu
turno, outra associação de dirigentes escolares, A ANDE (Associação Nacional de Dirigentes
Escolares), considera
que os livros dos 1.º e 2.º anos do 1.º Ciclo do Ensino Básico “não vão ser
reutilizáveis” pelos alunos no próximo ano letivo. A declaração surge
depois de o Ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues ter dito, no
Parlamento, que 45% dos manuais até ao 6.º ano transitaram para os estudantes
no ano seguinte. E, em entrevista ao DN,
Manuel Pereira, presidente da ANDE, vem a considerar que “a estrutura dos manuais
não está pensada para a reutilização” nos primeiros anos destes níveis de
ensino. Isto porque os alunos escrevem, desenham e colam autocolantes nos
livros. Dados do Tribunal de Contas referentes ao ano letivo passado, dão conta
de uma taxa de reutilização de 11% nos manuais do 1.º ciclo, mas Manuel Pereira
previa que este ano a taxa seja “muito abaixo” desse valor.
Vários
professores e funcionários continuam a fazer uma triagem dos livros, apagando o
que estava escrito e decidindo se os manuais podem ou não ser usados por
outros. “O próprio Governo sabe que a forma como estão arquitetados torna-os de
difícil reutilização”, refere o dirigente associativo.
Manuel Pereira
acrescenta que o balanço geral da reutilização até é “muito positivo”. E diz:
“É
um bom princípio emprestar os manuais. Isto faz-se passo a passo e espero que o
novo ciclo de manuais tenha uma estrutura pensada.”.
Para resolver esta questão, espera-se
pela comercialização dos primeiros manuais escolares do 1.º ciclo feitos
especificamente de raiz para serem reutilizados, agendada para 2022-2023, altura
em que estarão certificados os primeiros manuais do 1.º ciclo concebidos de
raiz para serem reutilizados.
A notícia
surge depois de a ANDE ter avisado, na semana passada, que os livros dos 1.º e
2.º anos do 1.º Ciclo do Ensino Básico “não vão ser reutilizáveis” pelos alunos
no próximo ano letivo de 2019/2020.
À declaração
do Ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues no Parlamento de que 45% dos
manuais até ao 6.º ano transitaram para os estudantes no ano seguinte, o
presidente da ANDE reagiu dizendo que “a estrutura dos manuais não está pensada
para a reutilização” nos primeiros anos da escolaridade, porque os alunos
escrevem, desenham e colam autocolantes nos livros e os professores devem assinalar
as correções.
Ao JN, o ME diz que “a vigência dos manuais
escolares para todas as disciplinas do 1.º ciclo do ensino básico expira,
independentemente da editora que os produz”, no mesmo prazo: o final do ano de
2023/24 para o 1.º ano; do ano letivo 2024/25, para o 2.º ano; do ano letivo
2021/22, para o 3.º ano; e do ano letivo de 2022/23, para o 4.º ano.
De acordo com
o JN, a gratuitidade dos manuais
escolares abrangeu 528 mil alunos entre o 1.º Ciclo e o 2.º, no ano passado. A
distribuição gratuita de manuais escolares para este ano letivo custará cerca
de 160 milhões de euros, sendo que o Governo já confirmou que o 3.º Ciclo e o ensino
secundário vão receber manuais novos. Espera-se que mais de um milhão de
estudantes beneficiem desta medida.
***
No âmbito das
devoluções, anotam-se, nas associações de pais (e os diretores de escolas o confirmam), casos de manuais corrigidos a esferográfica
pelos professores, manuais com colagens e pinturas e manuais rasgados. O ME considera
que são caso pontuais.
O problema
parece residir nos critérios, na medida em que incumbe a cada escola decidi-los
e aplicá-los. O JN refere que uma
aluna, a frequentar o 4.º ano de escolaridade passou o dia, em sala de aula, a
apagar manuais. Confrontada com a situação, a mãe, que pertence à respetiva associação
de pais, fez saber que não o autorizava e que se recusava a entregar os manuais
apagados. Assim, receberam o de Estudo do Meio, porque já tinha sido apagado,
mas não o de Matemática e o de Português, porque não os tinham apagado. Em contrapartida
receberam o de Inglês do 5.º ano totalmente escrito.
Cláudia
Almeida, da Associação de Pais da Escola da Restauração, em Alcochete, diz que
tem de haver o mínimo de regras para todos. Ora, segundo a CONFAP (Confederação Nacional das Associações
de Pais), a lei é
omissa, não prevendo em lado nenhum que tenham de ser os alunos a apagar os
manuais, mas está previsto que devem ser devolvidos bem tratados, como frisa
Jorge Ascenção. E Filinto
Lima, presidente da ANDAEP, admite que a generalidade dos estabelecimentos
tenha pedido aos alunos que usaram os manuais que os apagassem.
Com efeito, segundo
o presidente da ANDE, as escolas têm muito “pouco tempo para verem os manuais”.
Manuel Pereira diz que “são milhares de manuais, vistos página a página”, em altura
de exames, provas finais e de equivalência à frequência e avaliações (conselhos de turma e correção/classificação
de provas), pelo que não
se admira de que hajam sido dados como reutilizáveis livros que, de facto, não
o são. Repare-se que, no 1.º Ciclo, as escolas, tiveram 5 dias úteis e, no 2.º Ciclo,
tiveram 9 dias para recolher e triar os manuais. Isto, sem considerar os
feriados municipais. E a limpeza
dos manuais não pode constituir, a meu ver, mais um encargo do professor, que
não está em sua casa, mas na escola.
É de recordar
que, no caso de o manual não ser devolvido ou ser devolvido em mau estado, é
entregue o valor do mesmo ou o aluno perde o direito a receber outro manual
gratuito.
Não devia
haver dúvidas: quem usou o manual é que tem o dever de o pôr em condições de reutilização
e não quem o recebe – é do senso comum, tal como é do senso comum que quem
estraga paga.
Devo ainda
dizer que, dados ou comprados, os livros do 1.º Ciclo não deveriam em futuras edições
a qualidade e variedade de meios e possibilidades que hoje facultam. E não vale
a pena contestar o peso das mochilas. Não seria melhor recomendar a mochila troley que uma qualquer criança normal em
idade escolar consegue mover sem dificuldade?
***
Enfim, é
preciso criar a cultura do respeito pelos outros, da economia de meios e da
riqueza de possibilidades, que passa por deixar em condições de utilização,
como se fosse a 1.ª vez, aquilo que nos é confiado para uso nosso e que há de
servir para uso de outrem. Isto seria mais fácil se as pessoas se convencessem
de que não lhes assiste o direito de fazerem o que quiserem daquilo que é seu,
até porque a propriedade não deixa de ter uma função social.
Lembro-me de que,
há muito tempo, na minha terra natal, um homem foi condenado em tribunal à pena
de prisão remível por multa por ter pegado o fogo a um moinho seu e aduzia que
no que era seu era livre de fazer o que entendesse. E a razão é que ele, se não
queria utilizar o moinho, deveria permitir que outros o utilizassem, obviamente
a troco de pagamento de renda ou por ato isolado.
E ainda sou
do tempo em que não poderíamos ter o telefone impedido ou desligado por muito
tempo, dado ser ele um bem social. Mas tudo lá vai indo “por água abaixo” em
termos de valores. Haja quem os reponha, estimule e promova! E o legislador, ou
fazer lei, deve regulamentá-la de modo a não deixar tantas dúvidas àqueles que
têm de a cumprir. Nada pior do que legislar à pressa, nem em caso de emergência.
Aí manda a lucidez de quem tem o dever de cuidar da comunidade, servindo de lei
viva a interpretar a lei existente.
2019.08.17 – Louro de Carvalho
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