A 18 de
agosto, Vera Novais publicou no
Observador uma reportagem multimédia
sobre o estado das pedreiras, sendo que, após o acidente de Borba, o Governo
apontou 191 pedreiras críticas. Mas há mais: cemitérios, casas e estradas
coladas ao risco, até mesmo a A1. Dada a relevância da matéria aqui se deixa
uma breve síntese.
O Observador fez o raio-X das pedreiras,
para o que realizou dezenas de entrevistas, percorreu centenas de quilómetros e
filmou com recurso a um drone. Em dois
quilómetros pela estrada nacional 254, que liga Vila Viçosa a Bencatel (no Alentejo), a circulação é forma alternada. A estrada parece
estar intacta e os arbustos da propriedade colada à berma não permitem ver o
que se passa do outro lado, mas, entrando por um dos caminhos de terra batida,
percebe-se a causa do condicionamento de trânsito: uma pedreira está para lá da
vegetação. As gruas enferrujadas e o buraco cheio de água deixam antever que a
exploração está abandonada.
Antes de a
circulação na estrada ser condicionada, quem passava ali diariamente não fazia
ideia da situação. Muitos continuam sem o saberem, mas o facto de a via estar
semicortada deixa-os preocupados. O medo aumentou depois do acidente de Borba, em novembro de 2018,
admitem duas funcionárias da Cáritas, que ainda por ali passam por falta de caminho
alternativo para a área que lhes foi atribuída.
A queda da antiga
estrada nacional 255, que liga Borba a Vila Viçosa, acordou o país e o Governo
para os riscos associados à exploração das pedreiras e para a série de
incumprimentos e exceções à regra que podem levar a acidentes daquele
tipo. A reação foi imediata, mas
apressada e descoordenada. Avançaram para o terreno todas as entidades
fiscalizadoras após terem morrido 5 pessoas num local há muito sinalizado, mas
sobre o qual ainda pouco (ou nada) se tinha
feito. Em poucos meses, já havia estradas cortadas pela IP (Infraestruturas
de Portugal) e Plano de
Intervenção em Pedreiras em Situação Crítica, aprovado em Conselho de
Ministros. Porém, o resultado está longe de traduzir uma radiografia completa
ou rigorosa do problema; e os empresários a quem foi ordenada a correção de
alguns erros dizem que não conseguem fazê-lo. O plano analisado pelo Observador revela muitas lacunas e
incongruências nas medidas implementadas pelos vários organismos do Estado.
Na urgência
de medidas imediatas, não foram visitadas todas as pedreiras (legais e
ilegais, ativas ou abandonadas), nem tão
pouco as 1.426 licenciadas e fiscalizadas pela administração central. A lista
das “Pedreiras em Situação Crítica”, preparada pela DGEG (Direção-Geral
de Energia e Geologia), que
indicou 191 pedreiras nessa
situação, foi feita por simples amostragem. O plano define “as medidas
prioritárias, urgentes e extraordinárias” a implementar já em 2019, mas a lista
inclui, por exemplo, uma pedreira que já está totalmente tapada, havendo muitas
situações em falta na lista do Governo, como pedreiras à beira da estrada sem
qualquer marca de que ali há um buraco, a não ser os blocos de pedra
abandonados na paisagem. Além disso, as instruções da DGEG e da IP às pedreiras analisadas não são compatíveis:
enquanto umas pedem estudos para viabilizar a exploração, outras mandam tapar
rapidamente.
Os
empresários queixam-se da mudança de atitude da DGEG depois do acidente de
Borba. Contam que a entidade reguladora tinha, dantes, uma postura menos
exigente, parecendo querer resolver num ano o que não foi feito em vinte.
Alguns trabalhadores acham que é um exagero e não consideram que os locais onde
trabalham corram o mesmo risco. Já entre as pessoas que vivem junto às explorações,
as opiniões dividem-se: há os que só se queixam do pó; e há os que estão
dispostos a levar a luta contra as minas a céu aberto até às últimas
instâncias.
De Marco de
Canaveses (região do Norte e sub-região do
Tâmega e Sousa) a Vila
Viçosa (Alentejo), com paragens pelo centro do país, o Observador visitou algumas das ditas 191
pedreiras de risco. Há quintais prestes a cair para dentro das explorações,
estradas quase sem margem de segurança para as minas, até mesmo autoestradas,
como a A1, buracos gigantescos e cheios de água, empresários que se sentem
injustiçados e moradores revoltados. E há explorações abandonadas, sem vedações
nem sinalização, que não vêm indicadas no plano de intervenção.
***
Caso
em que da janela da casa se vê um buraco enorme.
Uma pedreira faz paredes meias com a
pequena horta ao lado da casa. Aliás, parede não existe: o pequeno muro que
divide os dois espaços veda apenas uma parte da horta e de nada serviria se o
terreno abatesse, se um trator na horta se descontrolasse ou se os íncolas se
desequilibrassem enquanto andam nas suas lides. Além disso, o pó é o
principal inimigo dos olhos e dos pulmões.
A
proximidade da pedreira não é um problema apenas por causa das casas. Está
colada também a uma rua que dá acesso a outras moradias naquela zona e a mais
pedreiras. Do caminho público só se vê um muro alto, mas, vista de dentro (ou por cima), fica nítido que a empresa não deixou os 15 metros de distância de segurança em relação à
estrada, nem perto disso.
Outro caso há em que para a pedreira caiu uma
parede de garagem. Quando a
casa foi construída, em 1967, a pedreira já estava lá, aliás, tinha sido
licenciada seis anos antes, mas já também ali havia um edifício conhecido por
“cantina”. E a pedreira foi afundando e alargando, até o buraco chegar mesmo
até aos limites da moradia, e passou a tocar no muro do quintal e na parede da
garagem. Mas não querem que a pedreira feche por dar emprego a muita gente, mas
era bom que se controlasse a emissão de poeiras e os tiros de pólvora e se
procedesse à segurança da pedreira e terrenos circundantes.
***
Um
buraco gigantesco à beira da principal autoestrada do país. Os casos de pedreiras muito próximas de estrada não se
encontram só nos caminhos municipais ou secundários. Há uma junto à principal e mais
movimentada autoestrada do país, a A1. Pouco antes da saída para Fátima, no sentido
sul/norte, uma parede de pedra com mais de três metros acompanha a berma. É
impossível perceber que, do outro lado, está uma pedreira com mais de 20 metros
de profundidade: a Cova da Feitosa. A exploração já existe ali há mais de 70 anos, dizem os moradores, mas o
troço da autoestrada que ali passa só abriu em 1991. A pedreira era uma coisa pequena e a pedra era apanhada
à mão. Agora está mecanizada e ganhou extensão.
E, lado a
lado, pedreira e autoestrada não estão sequer a 50 metros de distância uma da
outra, o mínimo que estava definido para vias públicas desde 1976. Em
alguns pontos, aliás, está longe de cumprir essa margem. A lei, entretanto, mudou e é agora ainda mais
exigente: obriga a que a distância de
segurança seja de 70 metros – o que significa que, mesmo que a
pedreira cumprisse os 50 metros definidos em 1976, agora estaria sempre, pelo
menos, 20 metros mais perto da autoestrada do que deveria pelas regras atuais. Não
se sabe se foi a pedreira que se aproximou da estrada ou se a estrada foi
construída já sem ter em conta a distância necessária em relação à pedreira. O
certo é que não cumpre os limites que, segundo a lei, garantem a segurança de
forma rigorosa. E a Cova da Feitosa está na lista das pedreiras em situação
crítica, mas com um grau de intervenção baixo.
O Ministério
do Ambiente refere que “foi solicitada apresentação de projeto de execução que
identifique a melhor solução técnica para as intervenções de caráter
estrutural, de reposição das zonas de defesa à A1”. Assim, a empresa terá 120
dias para apresentar um plano de como pensa repor o terreno e garantir a
distância de segurança à autoestrada que é definida por lei. Já a IP,
competente para fiscalizar a segurança das estradas e que andou a notificar
pedreiras no Alentejo, nada fez em
relação a esta exploração. A autoestrada foi concessionada à Brisa e a
entidade que regula o setor das infraestruturas rodoviárias é o IMT (Instituto da
Mobilidade e dos Transportes). A Brisa diz
não ter conhecimento das pedreiras que existem na zona; e o IMT assenta em que
que, embora caiba à concessionária comunicar as violações do Estatuto das
Estradas da Rede Rodoviária Nacional, “quem zela pelo seu cumprimento é a
administração rodoviária, que corresponde à Infraestruturas de Portugal”.
É certo que o facto de a pedreira não cumprir a margem que a lei
considera necessária para garantir a segurança não significa, por si, que
represente um risco para quem circula na autoestrada. Mas a ordem é para repor o terreno em falta.
Uma
aldeia no meio dos buracos das pedreiras. Há, em Moleanos (a apenas alguns quilómetros de
Ataíja-de-Cima) duas casas
totalmente rachadas, sendo uma de um dos empresários da exploração e outra duma
vizinha. A empresa
exploradora (a mesma da aldeia de Ataíja-de-cima) ocupa uma
pequena área do buraco escavado no meio da aldeia, onde cabem pelo menos 4 pedreiras
em funcionamento, de 3 empresas diferentes. Das 4 só uma é que não foi
notificada pela DGEG. Às restantes foram dados 30 dias para vedarem melhor os limites exteriores, 60 dias para criarem
mais áreas de proteção na parte de dentro e 120 dias para apresentarem um
projeto em relação à estrada adjacente ao buraco.
E uma
estrada confinante, um caminho vicinal (da responsabilidade da Junta de
Freguesia), já tinha sido identificada num
levantamento feito pela respetiva câmara municipal. O caminho vicinal está entalado
entre pedreiras: de um lado, o buraco que junta as quatro já referidas; do
outro, uma quinta pedreira, também em exploração. Todas estão tapadas com muros
de cerca de dois metros de altura, feitos para cumprir a primeira medida
imposta pela entidade que licencia e fiscaliza as pedreiras. São esses muros
que impedem que, a partir da rua, que só é usada quase por quem acede às
explorações, se veja que as
empresas exploraram mais do que permitia a lei e que as pedreiras
já não têm os 15 metros de distância até ao caminho que deveriam ter.
A todos os proprietários
foram dados 4 meses para apresentarem um projeto para resolver o problema – o que
implica o enchimento dos buracos para reposição das zonas de defesa.
Seja qual
for o plano apresentado, terá sempre de ser avaliado e aprovado pela DGEG e
poderá passar pela interdição temporária do caminho.
Uma pedreira mesmo do lado de lá do muro do cemitério. Estremoz divide o território com pedreiras e mesmo no
meio da localidade. Visto a partir do estaleiro da Câmara Municipal, com um
muro que chega apenas à altura da cintura, o fundo da pedreira ali colada, a
pelo menos 70 metros de profundidade e onde as máquinas parecem brinquedos, é
impróprio para quem sofre de vertigens. O lado do estaleiro é o mesmo lado do
cemitério de Estremoz, cujo muro alinha com os limites da pedreira. E é assim:
o cemitério, um muro e o precipício, sem cumprir a margem mínima de segurança. O Cemitério de Estremoz,
à entrada da cidade, está mesmo ao lado do buraco da pedreira (à esquerda).
O presidente
do Grupo Galrão, dono duma das explorações em atividade, atesta a segurança da
zona junto ao cemitério: “Geologicamente,
não há risco de derrocadas da parte do cemitério, é um maciço rochoso compacto”
– diz. No caso da empresa, que explora a zona mais perto do estaleiro,
refere-se que a DGEG pediu apenas que aumentassem a sinalização.
“Se a
estrada tiver de cair, não cai pelo picotado”. Cortadas as estradas municipais para Vila Viçosa, a
única hipótese é ir pela estrada nacional que vem do Alandroal até Borba. Mas,
a poucos metros do cruzamento para Pardais, há uma situação de alerta: a
estrada tem uma via fechada, a que fica mais perto duma pedreira, e a
circulação faz-se alternadamente pela outra via. E o presidente da Junta de
Freguesia de Pardais diz que “se a
estrada tiver de cair, não cai pelo picotado”, referindo-se ao facto de o
limite da zona interdita ser a linha tracejada que divide as duas vias da
estrada. Se há risco, a estrada
devia ser desviada, aponta. Este troço da nacional 255 não é o único
“cortado pelo picotado”. Quando se vira em direção a Bencatel, encontra-se
uma situação equivalente, poucos quilómetros depois.
O
túnel duma pedreira que vai ter um altar. No fundo da pedreira Monte d’El Rei, e olhando para
cima, o buraco formado pela exploração parece estreito. Mas o cenário é
surpreendente: a rampa de acesso para camiões, máquinas e trabalhadores vem
desde a superfície em espiral e, a dada altura, enfia-se na parede de pedra,
através dum túnel. Lá dentro há uma bifurcação: outro túnel, que está a ser
construído para servir de acesso a camiões, segue para um lado; para o outro,
fica a saída provisória, que é através dum buraco triangular cavado na parede,
com uma abertura tão alta que no
interior caberia um prédio de 26 andares (cerca de 78 metros).
A dúvida
sobre a segurança da estrutura é pertinente: um buraco de tais dimensões e com
aquelas caraterísticas na parede da pedreira porá em risco a estabilidade,
sobretudo tendo sido o triângulo cavado abaixo e na direção à estrada que passa
mesmo ao lado? O dono da empresa exploradora garante que não, pois o projeto do
engenheiro António Crespo, responsável técnico da pedreira na altura em que a
intervenção foi feita, é único no mundo e os estudos feitos não encontraram
problemas no local. E Matilde Costa e Silva, especialista em minas e pedreiras
no IST (Instituto
Superior Técnico), confirmou
ao Observador que não se faz este tipo de intervenções sem avaliação
prévia dos riscos, embora não possa dar dados específicos sobre o caso. A
investigadora, que faz estudos de estabilidade para as pedreiras, acrescenta
que, às vezes, especialmente quando os buracos já estão muito fundos, pode até
ser mais seguro trabalhar dentro dos túneis, desde que as rochas sejam
estáveis, porque existe uma laje de proteção.
Aquele
triângulo foi o início do túnel que António Alves estava a escavar à procura da
melhor pedra. Mas com os avisos e notificações que recebeu, os trabalhos foram
interrompidos e foram encomendados estudos de estabilidade das paredes. Ainda
não sabe se no futuro continuará a escavar o túnel em direção à estrada. Mas
tem uma certeza: vai construir lá
dentro um altar com Jesus Cristo na cruz. E planeia fazer, uns metros
abaixo do altar, uma plataforma de vidro para que os turistas possam ver os
homens a tirar pedra no fundo da mina.
A pedreira
surge na lista do Governo com um nível de intervenção “moderado”. O
proprietário confirma que foi notificado para fazer correções, mas não disse
quais nem porquê.
Uma
lista incompleta, prazos irrealistas e entidades descoordenadas.
Apesar da escassez informação sobre
a forma como foi construída a lista de pedreiras em situação crítica e as
lacunas encontradas, sabe-se que são muitas as incongruências e lacunas e,
sobretudo, que há descoordenação. Muitas das pedreiras em incumprimento estão
assim há vários anos, com o conhecimento dos inspetores. O que não era problema
tornou-se alvo de notificação para resolução com urgência. E a urgência foi
tanta após o acidente em Borba que as entidades competentes não hesitaram em
impor alterações às pedreiras, mas de forma tão descoordenada que, por vezes,
os pedidos de duas entidades (como a DGEG e a IP) são incompatíveis.
***
Enfim,
quando as situações de exploração se arrastam sem cumprimento da lei e sem
fiscalização eficaz, chega-se ao caos ou a beco sem saída. É preciso morrerem
pessoas para se pôr alguma ordem na barracada nacional, mas é intolerável que a
ordem não resulte de coordenação de vontades departamentais e cada um mande
fazer o que entende e como entende, sem notar que há a inércia e a resistência,
além da dificuldade económica e física de repor situações ao nível do
desejável.
Todos os
dias quem de direito tem de cuidar da segurança das populações e dos seus
bens!
2019.08.19 –
Louro de Carvalho
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