segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Estado global das pedreiras após o acidente de Borba


A 18 de agosto, Vera Novais publicou no Observador uma reportagem multimédia sobre o estado das pedreiras, sendo que, após o acidente de Borba, o Governo apontou 191 pedreiras críticas. Mas há mais: cemitérios, casas e estradas coladas ao risco, até mesmo a A1. Dada a relevância da matéria aqui se deixa uma breve síntese.
O Observador fez o raio-X das pedreiras, para o que realizou dezenas de entrevistas, percorreu centenas de quilómetros e filmou com recurso a um drone. Em dois quilómetros pela estrada nacional 254, que liga Vila Viçosa a Bencatel (no Alentejo), a circulação é forma alternada. A estrada parece estar intacta e os arbustos da propriedade colada à berma não permitem ver o que se passa do outro lado, mas, entrando por um dos caminhos de terra batida, percebe-se a causa do condicionamento de trânsito: uma pedreira está para lá da vegetação. As gruas enferrujadas e o buraco cheio de água deixam antever que a exploração está abandonada.
Antes de a circulação na estrada ser condicionada, quem passava ali diariamente não fazia ideia da situação. Muitos continuam sem o saberem, mas o facto de a via estar semicortada deixa-os preocupados. O medo aumentou depois do acidente de Borba, em novembro de 2018, admitem duas funcionárias da Cáritas, que ainda por ali passam por falta de caminho alternativo para a área que lhes foi atribuída.
A queda da antiga estrada nacional 255, que liga Borba a Vila Viçosa, acordou o país e o Governo para os riscos associados à exploração das pedreiras e para a série de incumprimentos e exceções à regra que podem levar a acidentes daquele tipo. A reação foi imediata, mas apressada e descoordenada. Avançaram para o terreno todas as entidades fiscalizadoras após terem morrido 5 pessoas num local há muito sinalizado, mas sobre o qual ainda pouco (ou nada) se tinha feito. Em poucos meses, já havia estradas cortadas pela IP (Infraestruturas de Portugal) e Plano de Intervenção em Pedreiras em Situação Crítica, aprovado em Conselho de Ministros. Porém, o resultado está longe de traduzir uma radiografia completa ou rigorosa do problema; e os empresários a quem foi ordenada a correção de alguns erros dizem que não conseguem fazê-lo. O plano analisado pelo Observador revela muitas lacunas e incongruências nas medidas implementadas pelos vários organismos do Estado.
Na urgência de medidas imediatas, não foram visitadas todas as pedreiras (legais e ilegais, ativas ou abandonadas), nem tão pouco as 1.426 licenciadas e fiscalizadas pela administração central. A lista das “Pedreiras em Situação Crítica”, preparada pela DGEG (Direção-Geral de Energia e Geologia), que indicou 191 pedreiras nessa situação, foi feita por simples amostragem. O plano define “as medidas prioritárias, urgentes e extraordinárias” a implementar já em 2019, mas a lista inclui, por exemplo, uma pedreira que já está totalmente tapada, havendo muitas situações em falta na lista do Governo, como pedreiras à beira da estrada sem qualquer marca de que ali há um buraco, a não ser os blocos de pedra abandonados na paisagem. Além disso, as instruções da DGEG e da IP às pedreiras analisadas não são compatíveis: enquanto umas pedem estudos para viabilizar a exploração, outras mandam tapar rapidamente.
Os empresários queixam-se da mudança de atitude da DGEG depois do acidente de Borba. Contam que a entidade reguladora tinha, dantes, uma postura menos exigente, parecendo querer resolver num ano o que não foi feito em vinte. Alguns trabalhadores acham que é um exagero e não consideram que os locais onde trabalham corram o mesmo risco. Já entre as pessoas que vivem junto às explorações, as opiniões dividem-se: há os que só se queixam do pó; e há os que estão dispostos a levar a luta contra as minas a céu aberto até às últimas instâncias.
De Marco de Canaveses (região do Norte e sub-região do Tâmega e Sousa) a Vila Viçosa (Alentejo), com paragens pelo centro do país, o Observador visitou algumas das ditas 191 pedreiras de risco. Há quintais prestes a cair para dentro das explorações, estradas quase sem margem de segurança para as minas, até mesmo autoestradas, como a A1, buracos gigantescos e cheios de água, empresários que se sentem injustiçados e moradores revoltados. E há explorações abandonadas, sem vedações nem sinalização, que não vêm indicadas no plano de intervenção.
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Caso em que da janela da casa se vê um buraco enorme. Uma pedreira faz paredes meias com a pequena horta ao lado da casa. Aliás, parede não existe: o pequeno muro que divide os dois espaços veda apenas uma parte da horta e de nada serviria se o terreno abatesse, se um trator na horta se descontrolasse ou se os íncolas se desequilibrassem enquanto andam nas suas lides. Além disso, o pó é o principal inimigo dos olhos e dos pulmões.
A proximidade da pedreira não é um problema apenas por causa das casas. Está colada também a uma rua que dá acesso a outras moradias naquela zona e a mais pedreiras. Do caminho público só se vê um muro alto, mas, vista de dentro (ou por cima), fica nítido que a empresa não deixou os 15 metros de distância de segurança em relação à estrada, nem perto disso.
Outro caso há em que para a pedreira caiu uma parede de garagem. Quando a casa foi construída, em 1967, a pedreira já estava lá, aliás, tinha sido licenciada seis anos antes, mas já também ali havia um edifício conhecido por “cantina”. E a pedreira foi afundando e alargando, até o buraco chegar mesmo até aos limites da moradia, e passou a tocar no muro do quintal e na parede da garagem. Mas não querem que a pedreira feche por dar emprego a muita gente, mas era bom que se controlasse a emissão de poeiras e os tiros de pólvora e se procedesse à segurança da pedreira e terrenos circundantes.
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Um buraco gigantesco à beira da principal autoestrada do país. Os casos de pedreiras muito próximas de estrada não se encontram só nos caminhos municipais ou secundários. Há uma junto à principal e mais movimentada autoestrada do país, a A1. Pouco antes da saída para Fátima, no sentido sul/norte, uma parede de pedra com mais de três metros acompanha a berma. É impossível perceber que, do outro lado, está uma pedreira com mais de 20 metros de profundidade: a Cova da Feitosa. A exploração já existe ali há mais de 70 anos, dizem os moradores, mas o troço da autoestrada que ali passa só abriu em 1991. A pedreira era uma coisa pequena e a pedra era apanhada à mão. Agora está mecanizada e ganhou extensão.
E, lado a lado, pedreira e autoestrada não estão sequer a 50 metros de distância uma da outra, o mínimo que estava definido para vias públicas desde 1976. Em alguns pontos, aliás, está longe de cumprir essa margem. A lei, entretanto, mudou e é agora ainda mais exigente: obriga a que a distância de segurança seja de 70 metros – o que significa que, mesmo que a pedreira cumprisse os 50 metros definidos em 1976, agora estaria sempre, pelo menos, 20 metros mais perto da autoestrada do que deveria pelas regras atuais. Não se sabe se foi a pedreira que se aproximou da estrada ou se a estrada foi construída já sem ter em conta a distância necessária em relação à pedreira. O certo é que não cumpre os limites que, segundo a lei, garantem a segurança de forma rigorosa. E a Cova da Feitosa está na lista das pedreiras em situação crítica, mas com um grau de intervenção baixo.
O Ministério do Ambiente refere que “foi solicitada apresentação de projeto de execução que identifique a melhor solução técnica para as intervenções de caráter estrutural, de reposição das zonas de defesa à A1”. Assim, a empresa terá 120 dias para apresentar um plano de como pensa repor o terreno e garantir a distância de segurança à autoestrada que é definida por lei. Já a IP, competente para fiscalizar a segurança das estradas e que andou a notificar pedreiras no Alentejo, nada fez em relação a esta exploração. A autoestrada foi concessionada à Brisa e a entidade que regula o setor das infraestruturas rodoviárias é o IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes). A Brisa diz não ter conhecimento das pedreiras que existem na zona; e o IMT assenta em que que, embora caiba à concessionária comunicar as violações do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, “quem zela pelo seu cumprimento é a administração rodoviária, que corresponde à Infraestruturas de Portugal”.
É certo que o facto de a pedreira não cumprir a margem que a lei considera necessária para garantir a segurança não significa, por si, que represente um risco para quem circula na autoestrada. Mas a ordem é para repor o terreno em falta.
Uma aldeia no meio dos buracos das pedreiras. Há, em Moleanos (a apenas alguns quilómetros de Ataíja-de-Cima) duas casas totalmente rachadas, sendo uma de um dos empresários da exploração e outra duma vizinha. A empresa exploradora (a mesma da aldeia de Ataíja-de-cima) ocupa uma pequena área do buraco escavado no meio da aldeia, onde cabem pelo menos 4 pedreiras em funcionamento, de 3 empresas diferentes. Das 4 só uma é que não foi notificada pela DGEG. Às restantes foram dados 30 dias para vedarem melhor os limites exteriores, 60 dias para criarem mais áreas de proteção na parte de dentro e 120 dias para apresentarem um projeto em relação à estrada adjacente ao buraco.
E uma estrada confinante, um caminho vicinal (da responsabilidade da Junta de Freguesia), já tinha sido identificada num levantamento feito pela respetiva câmara municipal. O caminho vicinal está entalado entre pedreiras: de um lado, o buraco que junta as quatro já referidas; do outro, uma quinta pedreira, também em exploração. Todas estão tapadas com muros de cerca de dois metros de altura, feitos para cumprir a primeira medida imposta pela entidade que licencia e fiscaliza as pedreiras. São esses muros que impedem que, a partir da rua, que só é usada quase por quem acede às explorações, se veja que as empresas exploraram mais do que permitia a lei e que as pedreiras já não têm os 15 metros de distância até ao caminho que deveriam ter.
A todos os proprietários foram dados 4 meses para apresentarem um projeto para resolver o problema – o que implica o enchimento dos buracos para reposição das zonas de defesa.
Seja qual for o plano apresentado, terá sempre de ser avaliado e aprovado pela DGEG e poderá passar pela interdição temporária do caminho.
Uma pedreira mesmo do lado de lá do muro do cemitério. Estremoz divide o território com pedreiras e mesmo no meio da localidade. Visto a partir do estaleiro da Câmara Municipal, com um muro que chega apenas à altura da cintura, o fundo da pedreira ali colada, a pelo menos 70 metros de profundidade e onde as máquinas parecem brinquedos, é impróprio para quem sofre de vertigens. O lado do estaleiro é o mesmo lado do cemitério de Estremoz, cujo muro alinha com os limites da pedreira. E é assim: o cemitério, um muro e o precipício, sem cumprir a margem mínima de segurança. O Cemitério de Estremoz, à entrada da cidade, está mesmo ao lado do buraco da pedreira (à esquerda).
O presidente do Grupo Galrão, dono duma das explorações em atividade, atesta a segurança da zona junto ao cemitério: “Geologicamente, não há risco de derrocadas da parte do cemitério, é um maciço rochoso compacto” – diz. No caso da empresa, que explora a zona mais perto do estaleiro, refere-se que a DGEG pediu apenas que aumentassem a sinalização.
Se a estrada tiver de cair, não cai pelo picotado”. Cortadas as estradas municipais para Vila Viçosa, a única hipótese é ir pela estrada nacional que vem do Alandroal até Borba. Mas, a poucos metros do cruzamento para Pardais, há uma situação de alerta: a estrada tem uma via fechada, a que fica mais perto duma pedreira, e a circulação faz-se alternadamente pela outra via. E o presidente da Junta de Freguesia de Pardais diz que “se a estrada tiver de cair, não cai pelo picotado”, referindo-se ao facto de o limite da zona interdita ser a linha tracejada que divide as duas vias da estrada. Se há risco, a estrada devia ser desviada, aponta. Este troço da nacional 255 não é o único “cortado pelo picotado”. Quando se vira em direção a Bencatel, encontra-se uma situação equivalente, poucos quilómetros depois.
O túnel duma pedreira que vai ter um altar. No fundo da pedreira Monte d’El Rei, e olhando para cima, o buraco formado pela exploração parece estreito. Mas o cenário é surpreendente: a rampa de acesso para camiões, máquinas e trabalhadores vem desde a superfície em espiral e, a dada altura, enfia-se na parede de pedra, através dum túnel. Lá dentro há uma bifurcação: outro túnel, que está a ser construído para servir de acesso a camiões, segue para um lado; para o outro, fica a saída provisória, que é através dum buraco triangular cavado na parede, com uma abertura tão alta que no interior caberia um prédio de 26 andares (cerca de 78 metros).
A dúvida sobre a segurança da estrutura é pertinente: um buraco de tais dimensões e com aquelas caraterísticas na parede da pedreira porá em risco a estabilidade, sobretudo tendo sido o triângulo cavado abaixo e na direção à estrada que passa mesmo ao lado? O dono da empresa exploradora garante que não, pois o projeto do engenheiro António Crespo, responsável técnico da pedreira na altura em que a intervenção foi feita, é único no mundo e os estudos feitos não encontraram problemas no local. E Matilde Costa e Silva, especialista em minas e pedreiras no IST (Instituto Superior Técnico), confirmou ao Observador que não se faz este tipo de intervenções sem avaliação prévia dos riscos, embora não possa dar dados específicos sobre o caso. A investigadora, que faz estudos de estabilidade para as pedreiras, acrescenta que, às vezes, especialmente quando os buracos já estão muito fundos, pode até ser mais seguro trabalhar dentro dos túneis, desde que as rochas sejam estáveis, porque existe uma laje de proteção.
Aquele triângulo foi o início do túnel que António Alves estava a escavar à procura da melhor pedra. Mas com os avisos e notificações que recebeu, os trabalhos foram interrompidos e foram encomendados estudos de estabilidade das paredes. Ainda não sabe se no futuro continuará a escavar o túnel em direção à estrada. Mas tem uma certeza: vai construir lá dentro um altar com Jesus Cristo na cruz. E planeia fazer, uns metros abaixo do altar, uma plataforma de vidro para que os turistas possam ver os homens a tirar pedra no fundo da mina.
A pedreira surge na lista do Governo com um nível de intervenção “moderado”. O proprietário confirma que foi notificado para fazer correções, mas não disse quais nem porquê.
Uma lista incompleta, prazos irrealistas e entidades descoordenadas. Apesar da escassez informação sobre a forma como foi construída a lista de pedreiras em situação crítica e as lacunas encontradas, sabe-se que são muitas as incongruências e lacunas e, sobretudo, que há descoordenação. Muitas das pedreiras em incumprimento estão assim há vários anos, com o conhecimento dos inspetores. O que não era problema tornou-se alvo de notificação para resolução com urgência. E a urgência foi tanta após o acidente em Borba que as entidades competentes não hesitaram em impor alterações às pedreiras, mas de forma tão descoordenada que, por vezes, os pedidos de duas entidades (como a DGEG e a IP) são incompatíveis.
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Enfim, quando as situações de exploração se arrastam sem cumprimento da lei e sem fiscalização eficaz, chega-se ao caos ou a beco sem saída. É preciso morrerem pessoas para se pôr alguma ordem na barracada nacional, mas é intolerável que a ordem não resulte de coordenação de vontades departamentais e cada um mande fazer o que entende e como entende, sem notar que há a inércia e a resistência, além da dificuldade económica e física de repor situações ao nível do desejável.
Todos os dias quem de direito tem de cuidar da segurança das populações e dos seus bens! 
2019.08.19 – Louro de Carvalho

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