A designação
posta em epígrafe refere-se aos Valinhos, sítio correspondente aos terrenos que
os três pastorinhos de Fátima percorriam desde as suas casas em Aljustrel até
à Cova da Iria para o pastoreio dos rebanhos dos pais e local escolhido
por Maria para a comunicação da mensagem do Céu. Foi neste lugar que ocorreram
duas das aparições do Anjo de
Portugal ou Anjo da Paz, em 1916 –
a 1.ª e a 3.ª, já que a 2.ª ocorreu junto ao poço do Arneiro, quando as
crianças estavam a brincar no terreiro da casa dos pais de Lúcia – e a aparição
de Nossa Senhora no dia 19 de agosto de 1917. Na atualidade, os Valinhos são
visitados por milhares de peregrinos portugueses e estrangeiros que neles
efetuam o percurso da Via-Sacra até ao Calvário Húngaro, visitam a Capela
de Santo Estêvão da Hungria (contígua ao mesmo Calvário) e dali seguem para visitar a Casa de Lúcia e a
Casa de Francisco Marto e Jacinta Marto na aldeia de
Aljustrel.
Também, nos
Valinhos, a uns 500 metros de Aljustrel, se encontra o monumento celebrativo da 4.ª aparição de Nossa Senhora, a 19 de agosto,
por os pastorinhos estarem retidos, a 13, pelo administrador de Ourém para
interrogatório, o que os impediu de se deslocarem à Cova da Iria. Construído a
expensas dos católicos húngaros, foi inaugurado a 12 de agosto de 1956.
Com início
na Rotunda de Santa Teresa, Rotunda de Ourém ou Rotunda Sul e seguindo o caminho habitualmente percorrido pelos
pastorinhos, a Via-sacra no Caminho dos Pastorinhos termina no Calvário Húngaro – originariamente
designado por “Calvário Húngaro Cardeal
Mindzenty” –, cuja capela é dedicada a Santo Estêvão, rei da Hungria.
As tradicionais
estações da Via-sacra, em memória da Paixão do Senhor, e a capela – ofertas dos
católicos húngaros – foram projetadas por Ladislau Marec. A primeira pedra da
Via-sacra foi benzida a 21 de junho de 1959 e a primeira pedra da capela,
a 11 de agosto de 1962. As estações e a Capela de Santo Estêvão foram
benzidas a dia 12 de maio de 1964. A 15.ª estação, em memória da Ressurreição, aumentada
à Via-Sacra por influência da doutrina do Vaticano II, foi benzida e inaugurada
em 13 de outubro de 1992 e é uma oferta da paróquia húngara de Lajosmizse
em sinal de gratidão pela “ressurreição” da Hungria.
Os painéis
das estações, em baixo relevo, e a imagem de Nossa Senhora Padroeira da
Hungria, que está na capela, são da autoria de Maria Amélia Carvalheira da
Silva, que também esculpiu as imagens do Anjo de Portugal e a da Senhora do monumento
evocativo da 4.ª aparição. As esculturas do Calvário são obra de Domingos
Soares Branco. Na capela, os vitrais, da autoria de Pedro Prokop, representam
santos húngaros; e os dois grandes mosaicos do teto, do mesmo autor e compostos
por pequenas pedras de mármore, figuram a aparição de Nossa Senhora aos três
videntes e a entrega da coroa da Hungria pelo rei Santo Estêvão a Nossa
Senhora.
***
Em ano de centenário, este amplo espaço não deixou de ser convenientemente
assinalado, bem como a memória da 4.ª aparição de Nossa Senhora. Assim, a 19 de
agosto pp, o Santuário
de Fátima assinalou o centenário desta aparição com a recitação do rosário em
várias línguas.
Já na manhã
do mesmo dia, o reitor do Santuário de Fátima, o Padre Carlos Cabecinhas,
na missa votiva dos Santos Francisco e Jacinta Marto, na Basílica da SS.ma
Trindade, lembrou o “apelo insistente à oração” que a Virgem Maria fez naquele
lugar. Com efeito, quando, a 19 de agosto, a Virgem apareceu aos videntes nos
Valinhos, pediu-lhes que continuassem a ir à Cova da Iria no dia 13 e que
rezassem o terço todos os dias, acrescentando:
“Rezai,
rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, que vão muitas almas para o
inferno por não haver quem se sacrifique e peça por elas”.
***
De igual modo, a 19 de agosto, a Casa-Museu de Aljustrel – situada
no centro da aldeia que viu nascer os Pastorinhos, Francisco, Jacinta e Lúcia –
que preserva o quotidiano social da época das Aparições de Fátima, assinalou o
seu 25.º aniversário com entradas gratuitas a todos os visitantes. E, para assinalar
a efeméride, o reitor do Santuário fez uma visita simbólica ao espaço, aonde chegou
pelas 14,30 horas, tendo dali partido para o monumento que invoca a quarta
aparição de Nossa Senhora aos três Pastorinhos para dar início ao momento de
oração nos Valinhos, a que já se aludiu.
Inaugurada a 19 de agosto de 1992, aquela unidade museológica
exibe, há 25 anos, testemunhos materiais relativos ao quotidiano das populações
ao tempo das aparições. Visitantes e turistas podem encontrar naquele espaço
desde instrumentos de trabalho a peças de mobiliário e roupas caraterísticas
daquele tempo.
Aquele
espaço, que o reitor do Santuário considera um “complemento interessante porque
ajuda os peregrinos a tomar consciência daquilo que era a vida em Aljustrel no
tempo das aparições”, recebeu até agora 483 139 visitantes oriundos de todos os
continentes, 13 620 mil dos quais em 2016. Destes,11 746 fizeram-no individualmente e 1 874 visitaram o
espaço museológico em grupo, num total de 65 grupos organizados. A maioria dos
visitantes é portuguesa, mas também se registam visitantes de todos os
continentes, destacando-se pelo seu expressivo número os visitantes de origem
italiana, espanhola, polaca, alemã, mas também indiana, colombiana, peruana,
sul-coreana e até da Nova Zelândia.
A origem
desta relíquia museológica assenta na oferta da casa por Lúcia, em 1981, ao Santuário,
que dela tomou posse apenas em 1986. Depois, foi arranjado o espaço envolvente e,
no quintal, construiu-se um novo Posto de Acolhimento e Informações, inaugurado
em agosto de 1994.
Guilhermina
Rosa, funcionária da Casa-Museu de Aljustrel desde a abertura, recorda que, a
19 de agosto de 1992, Monsenhor Luciano Guerra, então reitor do Santuário de
Fátima (foi-o durante 35
anos) escolheu a data
por se assinalarem os 75 anos da aparição da Senhora nos Valinhos.
Nesse dia,
segundo a funcionária, as portas abriram pelas 15 horas para acolher gratuitamente
os visitantes. E comentou, salientando a especificidade deste espaço:
“Por norma, os peregrinos saem muito
felizes porque, ao entrarem neste lugar, são transportados para a vida quotidiana
da altura das aparições; e isso ajuda a compreender a história, sobretudo àqueles
que vêm de uma cultura diferente ou nunca tiveram contacto com a vida rural”.
O espólio que
ali se expõe de forma permanente pertence, sobretudo, à Coleção “Mobiliário, Casa e Trabalho”. Está patente
ao público na casa contígua à casa de Lúcia de Jesus, que outrora pertenceu à sua
madrinha, e encontra-se organizado em diferentes núcleos que levam o visitante
ao Portugal rural das primeiras décadas do século XX, percorrendo o “ciclo das
profissões”, o “ciclo do pão” e o “ciclo da casa”, percecionáveis através dos
diferentes espaços domésticos.
A Casa-Museu
de Aljustrel está aberta ao público das 9 às 13 horas e das 14 às 18 horas (de novembro a maio) e das 14,30 às 18,30 horas (de novembro a outubro), encerrando à segunda-feira.
Já visitei a Casa algumas vezes. Porém, nunca me apeteceu
beber água do poço. Creio que a minha aversão ao rótulo Água de Fátima – bebo-a lá nas fontes, nas torneiras ou no café –
resulta do facto de quando, em criança, por causa de uma constipação, me
tentarem dar aguardente para cura, dizendo-me que era água de Fátima, e eu a
ter sentido muito amarga.
Mais importante que tal memória de infância – convenhamos – foi o
programa gizado para o dia 19 de agosto, pp: Rosário, na Capelinha das Aparições,
às 10 horas, seguido de procissão para a
Basílica da Santíssima Trindade; Missa, na Basílica da Santíssima Trindade, às
11 horas; e Celebração com Partida em Aljustrel e oração do terço nos Valinhos,
pelas 14,30 horas.
***
“Aljustrel e
Valinhos, o outro pulmão do Santuário de Fátima” foi tema das II Jornadas Nacionais promovidas
pelo Santuário em contexto celebrativo do 90.º aniversário das aparições de
Fátima, de 28 a 30 de abril de 2006. Aí se proporcionou o espaço apropriado
para o Santuário, os naturais de Aljustrel e Fátima (ali residentes), as instituições
públicas e privadas implicadas e outros interessados (foram ao todo 204
pessoas)
refletirem sobre a singular vocação daqueles lugares e partilharem preocupações
e projetos que a todos envolvem e efetuarem uma visita guiada aos Valinhos e a
Aljustrel. Entre outras, aí ocorreram intervenções de especialistas relativas
às aparições angélicas e marianas e à geografia e ao urbanismo do lugar do nascimento
dos três videntes da Senhora mais brilhante que o Sol.
Por outro lado, “Aljustrel
e Valinhos, o outro pulmão do Santuário de Fátima” é o título da publicação
apresentada durante o Congresso Internacional sobre a Santíssima Trindade,
realizado em maio de 2007, em Fátima. Nessa edição, vêm publicadas as atas
das jornadas nacionais realizadas em abril 2006, acima referida.
A apresentação da obra, feita pelo Reitor do Santuário de
Fátima de então na noite de 10 de maio daquele ano, teve lugar na Igreja
Paroquial de Fátima, ocasião em que foi realizado um concerto de música sacra,
pelo grupo “Choral Phidellius”. Mons.
Luciano Guerra sintetizava:
“Ousamos exprimir o voto de que Aljustrel e Valinhos, os seus
habitantes, as suas autoridades e os seus peregrinos, tenham o amor e o brio de
deixarem aos vindouros o vigor das grandes raízes capazes se fazer com que as
levas de forasteiros se sucedam sem cessar”.
Na publicação “Aljustrel
e Valinhos, o outro pulmão do Santuário de Fátima” estão todas as
conferências apresentadas nas jornadas, que procuraram abraçar a história, a
importância o futuro e a missão destes lugares relacionados com as aparições em
Fátima.
***
Porém, como não podia deixar de ser, o Santuário não quer que o culto a
Maria fique pelo enlevo, gratidão e prece à Virgem Mãe. E, se já no sábado, dia
19, o culto eucarístico mereceu o justo relevo, sobretudo na Missa Votiva dos santos
pastorinhos Jacinta e Francisco, na Basílica da Santíssima Trindade, o dia 20, domingo,
ficou marcado pelo culto eucarístico com a celebração da Eucaristia no Recinto
de Oração, como ponto culminante da peregrinação do fim de semana. Para esta celebração, inscreveram-se 32 grupos
provenientes de 9 países.
Na sua homilia, o reitor do Santuário comentou os pontos fundamentais da
Liturgia da Palavra do XX domingo do Tempo Comum (Ano A), cujo núcleo é a salvação universal e inclusiva – merecida, proposta e oferecida
por Cristo – e a que se acede pela fé perseverante, firme e profunda, a exemplo
do que se pode ler no Evangelho da Cananeia.
O Padre
Carlos Cabecinhas afirmou que “a fé não é
uma questão de origem ou cultura”. E, se é verdade que a tradição cultural
e familiar facilita ou dificulta o acesso à fé, também é certo que “nunca substitui o esforço de busca de uma
relação com Deus autêntica e pessoal”, pois “a fé, enquanto relação com
Deus, não vem por tradição, como se se tratasse de uma herança que se recebe,
sem nada fazer por isso”. E sustentou que se torna membro da comunidade de
Jesus “quem se deixa tocar pessoalmente
por Ele e pela sua mensagem”, independentemente da raça, da cor da pele, do
local de nascimento, da tradição familiar, da formação académica, da capacidade
intelectual.
Com efeito,
diz o reitor, “o Evangelho sugere uma reflexão sobre a forma como acolhemos
aqueles que vêm até nós, os estrangeiros, os irmãos diferentes, os “outros”
que, por razões políticas, económicas, sociais, laborais, culturais,
turísticas, vêm ao nosso encontro. E assegura que “aqui reside o segundo
desafio do Evangelho de hoje”: o do acolhimento sem discriminação. Neste contexto,
o Presidente da Celebração deixou uma questão: “Se Deus não discrimina ninguém,
mas aceita acolher à sua mesa todos os homens e mulheres, sem distinção, porque
não havemos de proceder da mesma forma?”.
E deu a pista da resposta:
“O convite que Deus nos faz é
que vejamos em cada pessoa um irmão, independentemente das diferenças
existentes”.
Depois,
verificou e apelou:
“Os conflitos armados e atos
terroristas, fruto da incapacidade para acolher os outros nas suas diferenças e
do desrespeito pelo valor fundamental da vida humana, voltaram à primeira
página dos jornais e a abrir os noticiários; neste momento em que subsistem as
tensões, por causa do acolhimento a migrantes e refugiados, o apelo evangélico
torna-se ainda mais urgente”.
Por fim, articulando
a mensagem deste Evangelho da universalidade, do fortalecimento da fé e do acolhimento,
concluiu:
“A mensagem de Fátima sublinha os
desafios que o Evangelho hoje nos lança: exorta-nos a estabelecermos com Deus
uma relação pessoal, cimentada sobre a oração; convida-nos à confiança em Deus,
que nunca nos abandona; desafia-nos a acolhermos os outros”.
***
Se calhar, Fátima
com os seus dois pulmões de respiração de Evangelho encarnado na vida dos
homens e mergulhado na profundeza do mistério será sempre, através de Maria, um
apelo à conversão do coração, à comunidade fraterna, à transformação do mundo
no reino de Deus, que é paz e justiça, misericórdia e perdão. O recinto de oração,
com a Capelinha e as Basílicas, faz celebrar a fé em regime de assembleia reunida
concentrada; e a passagem pelos Valinhos (Via-Sacra, Loca do Cabeço, monumento evocativo da 4.ª aparição
e Casa da Lúcia) permite
a celebração da fé dos convocados em estilo orante e de andarilhos pelos montes
a proclamar aos quatro ventos o Evangelho da paz e a congraçar o tempo do hoje
com a história e a etnografia – enquanto lugares de Deus, que nos prepara o
futuro de harmonia e convivência entre todos os seus filhos.
2017.08.22 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário