terça-feira, 22 de agosto de 2017

O outro pulmão do Santuário de Fátima

A designação posta em epígrafe refere-se aos Valinhos, sítio correspondente aos terrenos que os três pastorinhos de Fátima percorriam desde as suas casas em Aljustrel até à Cova da Iria para o pastoreio dos rebanhos dos pais e local escolhido por Maria para a comunicação da mensagem do Céu. Foi neste lugar que ocorreram duas das aparições do Anjo de Portugal ou Anjo da Paz, em 1916 – a 1.ª e a 3.ª, já que a 2.ª ocorreu junto ao poço do Arneiro, quando as crianças estavam a brincar no terreiro da casa dos pais de Lúcia – e a aparição de Nossa Senhora no dia 19 de agosto de 1917. Na atualidade, os Valinhos são visitados por milhares de peregrinos portugueses e estrangeiros que neles efetuam o percurso da Via-Sacra até ao Calvário Húngaro, visitam a Capela de Santo Estêvão da Hungria (contígua ao mesmo Calvário) e dali seguem para visitar a Casa de Lúcia e a Casa de Francisco Marto e Jacinta Marto na aldeia de Aljustrel.
Também, nos Valinhos, a uns 500 metros de Aljustrel, se encontra o monumento celebrativo da 4.ª aparição de Nossa Senhora, a 19 de agosto, por os pastorinhos estarem retidos, a 13, pelo administrador de Ourém para interrogatório, o que os impediu de se deslocarem à Cova da Iria. Construído a expensas dos católicos húngaros, foi inaugurado a 12 de agosto de 1956.
Com início na Rotunda de Santa Teresa, Rotunda de Ourém ou Rotunda Sul e seguindo o caminho habitualmente percorrido pelos pastorinhos, a Via-sacra no Caminho dos Pastorinhos termina no Calvário Húngaro – originariamente designado por “Calvário Húngaro Cardeal Mindzenty” –, cuja capela é dedicada a Santo Estêvão, rei da Hungria.
As tradicionais estações da Via-sacra, em memória da Paixão do Senhor, e a capela – ofertas dos católicos húngaros – foram projetadas por Ladislau Marec. A primeira pedra da Via-sacra foi benzida a 21 de junho de 1959 e a primeira pedra da capela, a 11 de agosto de 1962. As estações e a Capela de Santo Estêvão foram benzidas a dia 12 de maio de 1964. A 15.ª estação, em memória da Ressurreição, aumentada à Via-Sacra por influência da doutrina do Vaticano II, foi benzida e inaugurada em 13 de outubro de 1992 e é uma oferta da paróquia húngara de Lajosmizse em sinal de gratidão pela “ressurreição” da Hungria.
Os painéis das estações, em baixo relevo, e a imagem de Nossa Senhora Padroeira da Hungria, que está na capela, são da autoria de Maria Amélia Carvalheira da Silva, que também esculpiu as imagens do Anjo de Portugal e a da Senhora do monumento evocativo da 4.ª aparição. As esculturas do Calvário são obra de Domingos Soares Branco. Na capela, os vitrais, da autoria de Pedro Prokop, representam santos húngaros; e os dois grandes mosaicos do teto, do mesmo autor e compostos por pequenas pedras de mármore, figuram a aparição de Nossa Senhora aos três videntes e a entrega da coroa da Hungria pelo rei Santo Estêvão a Nossa Senhora.
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Em ano de centenário, este amplo espaço não deixou de ser convenientemente assinalado, bem como a memória da 4.ª aparição de Nossa Senhora. Assim, a 19 de agosto pp, o Santuário de Fátima assinalou o centenário desta aparição com a recitação do rosário em várias línguas. 
Já na manhã do mesmo dia, ​o reitor do Santuário de Fátima, o Padre Carlos Cabecinhas, na missa votiva dos Santos Francisco e Jacinta Marto, na Basílica da SS.ma Trindade, lembrou o “apelo insistente à oração” que a Virgem Maria fez naquele lugar. Com efeito, quando, a 19 de agosto, a Virgem apareceu aos videntes nos Valinhos, pediu-lhes que continuassem a ir à Cova da Iria no dia 13 e que rezassem o terço todos os dias, acrescentando:
Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, que vão muitas almas para o inferno por não haver quem se sacrifique e peça por elas”.
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De igual modo, a 19 de agosto, a Casa-Museu de Aljustrel – situada no centro da aldeia que viu nascer os Pastorinhos, Francisco, Jacinta e Lúcia – que preserva o quotidiano social da época das Aparições de Fátima, assinalou o seu 25.º aniversário com entradas gratuitas a todos os visitantes. E, para assinalar a efeméride, o reitor do Santuário fez uma visita simbólica ao espaço, aonde chegou pelas 14,30 horas, tendo dali partido para o monumento que invoca a quarta aparição de Nossa Senhora aos três Pastorinhos para dar início ao momento de oração nos Valinhos, a que já se aludiu.
Inaugurada a 19 de agosto de 1992, aquela unidade museológica exibe, há 25 anos, testemunhos materiais relativos ao quotidiano das populações ao tempo das aparições. Visitantes e turistas podem encontrar naquele espaço desde instrumentos de trabalho a peças de mobiliário e roupas caraterísticas daquele tempo.
Aquele espaço, que o reitor do Santuário considera um “complemento interessante porque ajuda os peregrinos a tomar consciência daquilo que era a vida em Aljustrel no tempo das aparições”, recebeu até agora 483 139 visitantes oriundos de todos os continentes, 13 620 mil dos quais em 2016. Destes,11 746 fizeram-no individualmente e 1 874 visitaram o espaço museológico em grupo, num total de 65 grupos organizados. A maioria dos visitantes é portuguesa, mas também se registam visitantes de todos os continentes, destacando-se pelo seu expressivo número os visitantes de origem italiana, espanhola, polaca, alemã, mas também indiana, colombiana, peruana, sul-coreana e até da Nova Zelândia.
A origem desta relíquia museológica assenta na oferta da casa por Lúcia, em 1981, ao Santuário, que dela tomou posse apenas em 1986. Depois, foi arranjado o espaço envolvente e, no quintal, construiu-se um novo Posto de Acolhimento e Informações, inaugurado em agosto de 1994.
Guilhermina Rosa, funcionária da Casa-Museu de Aljustrel desde a abertura, recorda que, a 19 de agosto de 1992, Monsenhor Luciano Guerra, então reitor do Santuário de Fátima (foi-o durante 35 anos) escolheu a data por se assinalarem os 75 anos da aparição da Senhora nos Valinhos.
Nesse dia, segundo a funcionária, as portas abriram pelas 15 horas para acolher gratuitamente os visitantes. E comentou, salientando a especificidade deste espaço:
“Por norma, os peregrinos saem muito felizes porque, ao entrarem neste lugar, são transportados para a vida quotidiana da altura das aparições; e isso ajuda a compreender a história, sobretudo àqueles que vêm de uma cultura diferente ou nunca tiveram contacto com a vida rural”.
O espólio que ali se expõe de forma permanente pertence, sobretudo, à Coleção “Mobiliário, Casa e Trabalho”. Está patente ao público na casa contígua à casa de Lúcia de Jesus, que outrora pertenceu à sua madrinha, e encontra-se organizado em diferentes núcleos que levam o visitante ao Portugal rural das primeiras décadas do século XX, percorrendo o “ciclo das profissões”, o “ciclo do pão” e o “ciclo da casa”, percecionáveis através dos diferentes espaços domésticos. 
A Casa-Museu de Aljustrel está aberta ao público das 9 às 13 horas e das 14 às 18 horas (de novembro a maio) e das 14,30 às 18,30 horas (de novembro a outubro), encerrando à segunda-feira. 
Já visitei a Casa algumas vezes. Porém, nunca me apeteceu beber água do poço. Creio que a minha aversão ao rótulo Água de Fátima – bebo-a lá nas fontes, nas torneiras ou no café – resulta do facto de quando, em criança, por causa de uma constipação, me tentarem dar aguardente para cura, dizendo-me que era água de Fátima, e eu a ter sentido muito amarga.
Mais importante que tal memória de infância – convenhamos – foi o programa gizado para o dia 19 de agosto, pp: Rosário, na Capelinha das Aparições, às 10 horas, seguido de procissão para a Basílica da Santíssima Trindade; Missa, na Basílica da Santíssima Trindade, às 11 horas; e Celebração com Partida em Aljustrel e oração do terço nos Valinhos, pelas 14,30 horas.
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Aljustrel e Valinhos, o outro pulmão do Santuário de Fátima foi tema das II Jornadas Nacionais promovidas pelo Santuário em contexto celebrativo do 90.º aniversário das aparições de Fátima, de 28 a 30 de abril de 2006. Aí se proporcionou o espaço apropriado para o Santuário, os naturais de Aljustrel e Fátima (ali residentes), as instituições públicas e privadas implicadas e outros interessados (foram ao todo 204 pessoas) refletirem sobre a singular vocação daqueles lugares e partilharem preocupações e projetos que a todos envolvem e efetuarem uma visita guiada aos Valinhos e a Aljustrel. Entre outras, aí ocorreram intervenções de especialistas relativas às aparições angélicas e marianas e à geografia e ao urbanismo do lugar do nascimento dos três videntes da Senhora mais brilhante que o Sol.
Por outro lado, “Aljustrel e Valinhos, o outro pulmão do Santuário de Fátima” é o título da publicação apresentada durante o Congresso Internacional sobre a Santíssima Trindade, realizado em maio de 2007, em Fátima. Nessa edição, vêm publicadas as atas das jornadas nacionais realizadas em abril 2006, acima referida.
A apresentação da obra, feita pelo Reitor do Santuário de Fátima de então na noite de 10 de maio daquele ano, teve lugar na Igreja Paroquial de Fátima, ocasião em que foi realizado um concerto de música sacra, pelo grupo “Choral Phidellius”. Mons. Luciano Guerra sintetizava:
“Ousamos exprimir o voto de que Aljustrel e Valinhos, os seus habitantes, as suas autoridades e os seus peregrinos, tenham o amor e o brio de deixarem aos vindouros o vigor das grandes raízes capazes se fazer com que as levas de forasteiros se sucedam sem cessar”.
Na publicação “Aljustrel e Valinhos, o outro pulmão do Santuário de Fátima” estão todas as conferências apresentadas nas jornadas, que procuraram abraçar a história, a importância o futuro e a missão destes lugares relacionados com as aparições em Fátima. 
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Porém, como não podia deixar de ser, o Santuário não quer que o culto a Maria fique pelo enlevo, gratidão e prece à Virgem Mãe. E, se já no sábado, dia 19, o culto eucarístico mereceu o justo relevo, sobretudo na Missa Votiva dos santos pastorinhos Jacinta e Francisco, na Basílica da Santíssima Trindade, o dia 20, domingo, ficou marcado pelo culto eucarístico com a celebração da Eucaristia no Recinto de Oração, como ponto culminante da peregrinação do fim de semana. Para esta celebração, inscreveram-se 32 grupos provenientes de 9 países. 
Na sua homilia, o reitor do Santuário comentou os pontos fundamentais da Liturgia da Palavra do XX domingo do Tempo Comum (Ano A), cujo núcleo é a salvação universal e inclusiva – merecida, proposta e oferecida por Cristo – e a que se acede pela fé perseverante, firme e profunda, a exemplo do que se pode ler no Evangelho da Cananeia.
O Padre Carlos Cabecinhas afirmou que “a fé não é uma questão de origem ou cultura”. E, se é verdade que a tradição cultural e familiar facilita ou dificulta o acesso à fé, também é certo que “nunca substitui o esforço de busca de uma relação com Deus autêntica e pessoal”, pois “a fé, enquanto relação com Deus, não vem por tradição, como se se tratasse de uma herança que se recebe, sem nada fazer por isso”. E sustentou que se torna membro da comunidade de Jesus “quem se deixa tocar pessoalmente por Ele e pela sua mensagem”, independentemente da raça, da cor da pele, do local de nascimento, da tradição familiar, da formação académica, da capacidade intelectual.
Com efeito, diz o reitor, “o Evangelho sugere uma reflexão sobre a forma como acolhemos aqueles que vêm até nós, os estrangeiros, os irmãos diferentes, os “outros” que, por razões políticas, económicas, sociais, laborais, culturais, turísticas, vêm ao nosso encontro. E assegura que “aqui reside o segundo desafio do Evangelho de hoje”: o do acolhimento sem discriminação. Neste contexto, o Presidente da Celebração deixou uma questão: “Se Deus não discrimina ninguém, mas aceita acolher à sua mesa todos os homens e mulheres, sem distinção, porque não havemos de proceder da mesma forma?”.
E deu a pista da resposta:
 “O convite que Deus nos faz é que vejamos em cada pessoa um irmão, independentemente das diferenças existentes”.
Depois, verificou e apelou:
Os conflitos armados e atos terroristas, fruto da incapacidade para acolher os outros nas suas diferenças e do desrespeito pelo valor fundamental da vida humana, voltaram à primeira página dos jornais e a abrir os noticiários; neste momento em que subsistem as tensões, por causa do acolhimento a migrantes e refugiados, o apelo evangélico torna-se ainda mais urgente”.
Por fim, articulando a mensagem deste Evangelho da universalidade, do fortalecimento da fé e do acolhimento, concluiu:
A mensagem de Fátima sublinha os desafios que o Evangelho hoje nos lança: exorta-nos a estabelecermos com Deus uma relação pessoal, cimentada sobre a oração; convida-nos à confiança em Deus, que nunca nos abandona; desafia-nos a acolhermos os outros”.
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Se calhar, Fátima com os seus dois pulmões de respiração de Evangelho encarnado na vida dos homens e mergulhado na profundeza do mistério será sempre, através de Maria, um apelo à conversão do coração, à comunidade fraterna, à transformação do mundo no reino de Deus, que é paz e justiça, misericórdia e perdão. O recinto de oração, com a Capelinha e as Basílicas, faz celebrar a fé em regime de assembleia reunida concentrada; e a passagem pelos Valinhos (Via-Sacra, Loca do Cabeço, monumento evocativo da 4.ª aparição e Casa da Lúcia) permite a celebração da fé dos convocados em estilo orante e de andarilhos pelos montes a proclamar aos quatro ventos o Evangelho da paz e a congraçar o tempo do hoje com a história e a etnografia – enquanto lugares de Deus, que nos prepara o futuro de harmonia e convivência entre todos os seus filhos.

2017.08.22 – Louro de Carvalho  

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