A um de
agosto de 2017, Paulo Trigo Pereira publicava no Observador artigo de opinião em que sustentava o esquecimento e a
não recomendação do novo PSD e advogava a renovação do velho PS.
Dizer, como o colunista o fez, que o PSD é
indispensável para o funcionamento da democracia portuguesa vale como dizê-lo
do PS, do CDS, do PCP, do BE, do PEV e do PAN ou ainda dos diversos partidos,
embora sublinhe aqui os que têm assento parlamentar nesta legislatura.
É certo que
muitas das reformas essenciais para o país estão ainda por concretizar. E as
que têm a ver com o sistema político (revisão constitucional e leis de
valor reforçado, como, por exemplo, as leis eleitorais) postulam o convénio dos grandes partidos. As demais,
mesmo as atinentes aos grandes investimentos públicos, precisam de ampla
discussão, mas, embora a convergência possa constituir uma apreciável
mais-valia, as maiorias parlamentares não podem abster-se de tomar decisões. Se
estivermos à espera dos consensos (na saúde, na justiça, na educação) não
passamos da cepa torta. E os governantes têm mandato para governar. Porém, as
legislaturas não podem divertir-se a rever e alterar os principais diplomas da
anterior, devendo introduzir as alterações legislativas meramente necessárias e
depois de proceder a necessária avaliação da lei anterior e da realidade.
E não vale a
pena engordar a nostalgia pelos primeiros líderes do PSD (Sá Carneiro,
Emídio Guerreiro, Sousa Franco, Menéres Pimentel, Pinto Balsemão, Mota Pinto), apesar do seu mérito, pensamento e obra. O mesmo se
diga dos antigos líderes do PS (Mário Soares, Almeida Santos, Salgado Zenha, Jorge
Sampaio ou António Guterres) ou os do
PCP (Álvaro
Cunhal ou Carlos Carvalhas) e do CDS/PP
(Freitas do
Amaral, Amaro da Costa, Adriano Moreira ou Lucas Pires). Não voltam a liderar os partidos!
Nem sei se
acordo com Paulo Trigo em que “hoje ser político é mais difícil, pois é
necessário também conhecer tecnicamente muitos dos dossiês, numa sociedade de
informação que escrutina, e bem, cada vez mais, as decisões e os decisores
políticos”. O que sucede é que ou não se dedicam à causa ou pensam sobretudo na
disputa de lugares no partido e/ou no país ou saltam do poder político para a
malha empresarial e vice-versa sem distinguir as águas.
Olhando para
alguns possíveis candidatos à liderança do PSD ou para o recém-eleito seu líder
parlamentar, parecem longe dos perfis desejáveis para os referidos cargos. Ocupam
os lugares porque souberam gerir as redes de solidariedades dentro e fora do
aparelho e manipular habilmente a arte do poder. Passos Coelho estatelou-se ao
usar como arma de arremesso o número de mortes nos incêndios de Pedrogão
Grande, mormente o alegado caso de suicídio, prontamente desmentido e o
candidato socialdemocrata à Câmara de Loures abusou da chicana política com a
questão étnica. Por outro lado, Passos Coelho criticou as leis da imigração e
da nacionalidade sem dizer efetivamente para quem pretende destinar o país,
mostrando não as ter lido convenientemente ou querer utilizá-las abusivamente
para marcação da agenda. Agora, quando Costa acena com acordo para os grandes
investimentos públicos de que o país precisa, vem a acusação primária de
regresso do socratismo. Parece nem se ter ouvido ou percebido o manifesto sobre
a europeização da ferrovia. Aí Marcelo, que foi líder do PSD, está melhor.
A atuação
deste PSD é atrabiliária. Partindo da escolha dum evento com impacto na opinião
pública, faz-se dele o único acontecimento relevante e britam-se todos os
deslizes, inépcias e contradições das entidades políticas ou administrativas; associam-se
opiniões diferentes e novos casos relacionados; pressiona-se continuamente, em
comissões, audições, requerimentos, perguntas o responsável político direto para
o quebrar pessoalmente induzindo a demissão; e, se ele não tirar consequências políticas da situação (Que rico
eufemismo!) há que o enferretar junto da
opinião pública a ele(a) e ao Governo, sobretudo ao Primeiro-Ministro. A esse
nível, foi eloquente o caso dos SMS entre Centeno e Domingues que até gerou a
criação duma surreal comissão de inquérito. Às vezes, esta tática tem sucesso
como sucedeu com o Galpgate de que
resultou a demissão de secretários de Estado e chefes de Gabinete. Mas é sucesso
relativo dado o seu efeito de ricochete. Assim, pode falar-se de situações
análogas em que se apontam líderes parlamentares do PSD que deram justificações
não apropriadas para faltas à Assembleia da República, bem como de um deputado,
autarca e presidente da junta do PSD que foram à China com despesas pagas
por uma empresa chinesa.
Ora, o PSD
tem de passar a fazer política séria e a sustentar as ideias que defende para o
país e para a relação com a Europa e o Mundo, combatendo menos as pessoas, e,
sobretudo, purificar a postura não atirando lama para outrem se ela tem o risco
de cair sobre si próprio.
***
Diz também o mencionado articulista que “o PS é um partido indissociável da
génese e do dinamismo da democracia portuguesa”. Porém, se em relação ao PSD, suspira
pelo velho com aculturações, no caso do PS, rejeita o velho, “conservador e
imobilista”, que julga não precisar de evoluir na sua cultura política e “aprender
com os erros do passado”. E aponta a esse PS o não ter aprendido com o colapso
do PASOK e do PSOE, nem com a vanidade do Partido Socialista francês. Não
percebeu que o revés de Hollande se deve à ignorância da necessidade de redução
do défice público e que a vitória de Macron teve pouco a ver com o seu programa
económico e muito com o acenar da reforma do sistema político. Poderia o PS ter
acreditado que, nesta sociedade aberta, os partidos perderam o monopólio da
informação política e que os cidadãos têm mais poder que no passado e mais o terão
no futuro. E, sobretudo, partido velho não é sensível “a que um dos últimos
monopólios que os partidos portugueses dominam – o sistema eleitoral, de listas
fechadas e bloqueadas, hoje residual na Europa civilizada – é um obstáculo à
renovação do sistema político”. Mas, convenhamos, o PSD merece a mesma crítica.
O velho PS
tem de se reciclar e vir a perceber a necessidade da existência e funcionamento
de entidades reguladoras independentes (mas têm de ser mesmo independentes), bem como do escrutínio parlamentar dos seus
dirigentes. E todos os partidos do arco da governação ou do arco da sustentabilidade
do Governo devem considerar, de uma vez por todas, que não basta a confiança
política como critério para a nomeação de todos os cargos de direção superior; têm
de renunciar de vez ao Jobs for the boys;
e devem abandonar o narcisismo e as tiradas ocas à oposição.
Há, segundo
Paulo Trigo Pereira, um velho PS a coexistir e conflituar com um PS novo que
deseja alterar más tradições e más práticas. E este sabe que deve melhorar a
qualidade da democracia e as exigências de transparência aos titulares de
cargos políticos e públicos.
Os bons
resultados do Governo, não só na dimensão económica (crescimento
e emprego) e orçamental, mas também na
garantia da estabilidade política, mostram a predominância deste novo PS,
embora tendo socialistas velhos na gestão do partido e do Governo. É a
relevância conferida à estabilidade política e à compreensão de que esta é uma
condição necessária, embora não suficiente, para a boa governação que permite
fazer boa política. Depois, pela assunção de que não é suficiente o crescimento
e o emprego, um novo PS sente que o cidadão sabe que sem responsabilidade
orçamental e finanças públicas sustentáveis o país não tem futuro. De nenhum
modo os bons resultados da governação do novo PS podem ser apropriados pelo
velho PS para manter o imobilismo em áreas-chave da reforma do sistema político
a coberto das boas notícias económicas. Em 2019, o Governo e a maioria que o
apoia não serão apenas avaliados na vertente económica e orçamental, mas
sobretudo nos passos dados na justiça social e na reforma e transparência do
sistema político.
Por isso, o
novo PSD tem de se refontalizar e adequar à realidade; e o velho PS tem de se
renovar e, em certa medida, renascer. Ou, como formula o aludido colunista, “que
do novo nasça o velho e do velho nasça o novo”. E a mezinha quadra a todos os
atores políticos.
***
A este propósito, é de ter em conta a posição de Feliciano Barreiras Duarte, antigo secretário de Estado em vários Governos, ex-Chefe de
Gabinete de Passos (antes de este ser governante) e a maior autoridade dos
sociais-democratas em políticas de imigração, que admite haver, no PSD,
elementos “racistas e xenófobos” a ganhar peso e a influenciar o discurso do
partido.
Em
entrevista ao Expresso, deixa um aviso
aos correligionários:
“Se o PSD para ganhar eleições tiver
de fazer eleitoralismo com a imigração e minorias étnicas, é um sinal
preocupante e de fraqueza. Parece que afinal vale tudo para ter votos e tentar
ganhar eleições.”.
Nessa
entrevista, insurge-se contra as referências de Passos à nova lei da imigração,
no comício do Pontal. No discurso, o líder criticou a possibilidade de
“qualquer um” poder entrar em Portugal e associou a imigração à criminalidade.
Ora, na ótica do entrevistado, é um discurso baseado em “achismos” sem
correspondência com a realidade e só a servir a radicais. A “grande dúvida” que
verbaliza é “se este tipo de proclamações é apenas típico da época
pré-eleitoral autárquica ou se é o início de um caminho diferente do PSD
relativamente a estas matérias”
Viu as declarações de Passos Coelho sobre as alterações à lei da
imigração “com
muita preocupação” e sabe da preocupação, revolta e indignação da parte de
pessoas e instituições, mesmo do PSD, que “não se reveem neste tipo de
proclamações e temem o efeito rastilho que podem ter negativamente para
Portugal e os portugueses”. E pensa não existir qualquer
razão para preocupações, aduzindo:
“Portugal mantém-se em vários rankings internacionais como um dos países
mais seguros, atrativo, competitivo a esses níveis. Por razões diversas, não
temos nada que ver, nestas matérias, com países como a França, a Hungria, a
Inglaterra, a República Checa, a Grécia, etc. O perfil dos imigrantes e da
imigração em Portugal é muito diferente em muitas variáveis – religiosas,
económicas, sociais e culturais.”.
Sobre a alegada
possibilidade de bastar a promessa de contrato de trabalho para alguém poder
residir em Portugal, o especialista
inscreve tal suspeita no rol de “perceções e opiniões erradas e de interpretações importadas
de outras geografias, sustentando que “o ‘achismo’ na vida e na política” e “as
análises e proclamações políticas, muitas vezes baseadas no ‘achismo’, só
aumentam os problemas”. Depois, afirmando que “o fenómeno imigratório é
demasiado sério para as sociedades contemporâneas inclusivas e plurais estarem
à mercê do ‘achismo’”, diz que “Portugal tem um quadro jurídico relativo a
estas matérias muito equilibrado, em conformidade com o Direito da Imigração
europeu”, e assegura que “os portugueses podem estar serenos”.
Contra a crítica à
alegada “possibilidade de qualquer um residir em Portugal, fala do histórico do
seu partido em matéria imigratória:
“O PSD é o partido político em
Portugal que mais trabalho tem feito sobre as migrações e minorias étnicas. Foi
o PSD que criou, solidificou e aplicou uma verdadeira política de imigração em
Portugal com resultados positivos. Com reconhecimento internacional. Portugal
tem ganho muito com a imigração, a vários níveis. Até económica e socialmente.
Mas também demograficamente, culturalmente, etc.”.
E explica
o fenómeno do aninhamento do xenofobismo no partido:
“O que acontece agora é que o PSD,
pelo que se percebe, também tem racistas e xenófobos, que pelos vistos têm
apoios internos para defenderem essas posições. Pelo que me dizem, estão no PSD
porque é um partido maior. E escolheram-no, não pela ideologia e património
político, mas sim pelo seu tamanho. Mas o PSD nunca foi, não é nem deverá ser
um partido político com discursos (e espero práticas) com tiques ‘trumpistas’ e
‘lepenistas’.”
Sobre a associação da
imigração e criminalidade da parte de Passos como eventual tática de explorar
medos, sustenta, embora admita que há terroristas que exploram a figura do
migrante:
“Quem estuda o fenómeno da imigração
comprova que associar imigração com terrorismo é errado, demagógico, é redutor
e é perigosíssimo. Bem sabemos que para alguns na vida política a polémica é o
seu único alimento, sobretudo por via mediática. […]. No século XXI, num mundo
cada vez mais aberto, as migrações vieram para ficar. Os Estados têm de ver as
migrações como uma oportunidade, não um problema.”.
Em relação à política
de imigração do
PSD e a evolução das leis de imigração, observa:
“O PSD, quer em governos quer na
oposição, sempre assumiu a imigração como algo positivo. Fiel sempre à história
do nosso país, ao humanismo cristão e à defesa da dignidade da pessoa humana.
Na esteira da defesa de valores da nossa genética ideológica e programática.
Trabalhei estas matérias com Durão Barroso e Santana Lopes e sobretudo com Nuno
Morais Sarmento, e as suas orientações foram sempre essas. Aliás, veja-se o
excelente trabalho que Santana Lopes tem feito sobre estas matérias na Santa
Casa da Misericórdia de Lisboa. São todos gente culta, com mundo, cosmopolitas,
moderados, com preocupações sociais, humanistas.”.
De a postura de
Passos poder contrariar a história do PSD nestas matérias, diz:
“Pode, se deixar de considerar o
essencial do que deve ser uma política de imigração, que, ao ser criada e
aplicada, para servir os interesses de um país e da sua população, tem de
basear-se em princípios, no nosso caso concreto, rigor nas entradas e humanismo
no acolhimento e na integração. E fiéis à nossa tradição de país aberto ao
mundo. É conveniente pensarmos bem de cada vez que queremos diabolizar o
estrangeiro, um imigrante, ou um refugiado, porque temos cerca de cinco milhões
de portugueses a viver em quase 140 países. Para quem há muitas décadas exige
que sejam bem acolhidos, até mete dó a contradição e a incoerência de algumas
pessoas que brincam com o fogo, ao abordarem de forma populista e generalista
estas matérias, descurando potenciais efeitos de ricochete sobre os
portugueses.”
Porém, não acredita
que voltem as suspeitas de xenofobia em relação ao PSD, depois das declarações
de André Ventura sobre a comunidade cigana ou que o PSD vá por essa via populista
para ter ganhos eleitorais. E justifica a sua crença:
“Porque, a acontecer, o PSD estará a
hipotecar muito do seu futuro de partido político moderado, tolerante e
humanista, e a acantonar-se na direita política retrógrada, caceteira,
populista e oportunista, renegando o património político nestas e noutras
matérias”.
E critica
duramente os que chegaram demasiado tarde ao partido, que apenas o conhecem
pela Internet e pelo Google:
“Aliás, não deixa de ser curioso
verificar a incoerência de pessoas que se têm assumido tão liberais, defensoras
da sociedade aberta, do globalismo, da circulação de capitais e de empresas, e
que, nestas matérias, são por um Portugal a preto e branco e fechado. O PSD
nunca foi isso e no futuro deverá tudo fazer para combater isso. Mas
infelizmente são sinais dos tempos. Existe um conjunto de pessoas que chegaram
ao PSD ontem e que não respeitam referências, património ideológico e afins.
Acham que o PSD só começou a existir e a servir Portugal quando eles aderiram.”.
***
Posto isto,
estaremos em condições de responder a Maria João Avillez, que em artigo de opinião
no Observador de 1 de agosto, perguntava: “Já ‘se’ desistiu de
Passos Coelho?”.
Não e sim. Depende do que ele queira ser para o
país e em que direção pense mobilizar as hostes. E isto vale para qualquer
líder que pretenda liderar a governação do país! Mais não sei.
2017.08.20
– Louro de Carvalho
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