domingo, 20 de agosto de 2017

Discurso político, credibilidade do novo PSD e renovação do velho PS

A um de agosto de 2017, Paulo Trigo Pereira publicava no Observador artigo de opinião em que sustentava o esquecimento e a não recomendação do novo PSD e advogava a renovação do velho PS.
Dizer, como o colunista o fez, que o PSD é indispensável para o funcionamento da democracia portuguesa vale como dizê-lo do PS, do CDS, do PCP, do BE, do PEV e do PAN ou ainda dos diversos partidos, embora sublinhe aqui os que têm assento parlamentar nesta legislatura.
É certo que muitas das reformas essenciais para o país estão ainda por concretizar. E as que têm a ver com o sistema político (revisão constitucional e leis de valor reforçado, como, por exemplo, as leis eleitorais) postulam o convénio dos grandes partidos. As demais, mesmo as atinentes aos grandes investimentos públicos, precisam de ampla discussão, mas, embora a convergência possa constituir uma apreciável mais-valia, as maiorias parlamentares não podem abster-se de tomar decisões. Se estivermos à espera dos consensos (na saúde, na justiça, na educação) não passamos da cepa torta. E os governantes têm mandato para governar. Porém, as legislaturas não podem divertir-se a rever e alterar os principais diplomas da anterior, devendo introduzir as alterações legislativas meramente necessárias e depois de proceder a necessária avaliação da lei anterior e da realidade.     
E não vale a pena engordar a nostalgia pelos primeiros líderes do PSD (Sá Carneiro, Emídio Guerreiro, Sousa Franco, Menéres Pimentel, Pinto Balsemão, Mota Pinto), apesar do seu mérito, pensamento e obra. O mesmo se diga dos antigos líderes do PS (Mário Soares, Almeida Santos, Salgado Zenha, Jorge Sampaio ou António Guterres) ou os do PCP (Álvaro Cunhal ou Carlos Carvalhas) e do CDS/PP (Freitas do Amaral, Amaro da Costa, Adriano Moreira ou Lucas Pires). Não voltam a liderar os partidos!
Nem sei se acordo com Paulo Trigo em que “hoje ser político é mais difícil, pois é necessário também conhecer tecnicamente muitos dos dossiês, numa sociedade de informação que escrutina, e bem, cada vez mais, as decisões e os decisores políticos”. O que sucede é que ou não se dedicam à causa ou pensam sobretudo na disputa de lugares no partido e/ou no país ou saltam do poder político para a malha empresarial e vice-versa sem distinguir as águas.
Olhando para alguns possíveis candidatos à liderança do PSD ou para o recém-eleito seu líder parlamentar, parecem longe dos perfis desejáveis para os referidos cargos. Ocupam os lugares porque souberam gerir as redes de solidariedades dentro e fora do aparelho e manipular habilmente a arte do poder. Passos Coelho estatelou-se ao usar como arma de arremesso o número de mortes nos incêndios de Pedrogão Grande, mormente o alegado caso de suicídio, prontamente desmentido e o candidato socialdemocrata à Câmara de Loures abusou da chicana política com a questão étnica. Por outro lado, Passos Coelho criticou as leis da imigração e da nacionalidade sem dizer efetivamente para quem pretende destinar o país, mostrando não as ter lido convenientemente ou querer utilizá-las abusivamente para marcação da agenda. Agora, quando Costa acena com acordo para os grandes investimentos públicos de que o país precisa, vem a acusação primária de regresso do socratismo. Parece nem se ter ouvido ou percebido o manifesto sobre a europeização da ferrovia. Aí Marcelo, que foi líder do PSD, está melhor.
A atuação deste PSD é atrabiliária. Partindo da escolha dum evento com impacto na opinião pública, faz-se dele o único acontecimento relevante e britam-se todos os deslizes, inépcias e contradições das entidades políticas ou administrativas; associam-se opiniões diferentes e novos casos relacionados; pressiona-se continuamente, em comissões, audições, requerimentos, perguntas o responsável político direto para o quebrar pessoalmente induzindo a demissão; e, se ele não tirar consequências políticas da situação (Que rico eufemismo!) há que o enferretar junto da opinião pública a ele(a) e ao Governo, sobretudo ao Primeiro-Ministro. A esse nível, foi eloquente o caso dos SMS entre Centeno e Domingues que até gerou a criação duma surreal comissão de inquérito. Às vezes, esta tática tem sucesso como sucedeu com o Galpgate de que resultou a demissão de secretários de Estado e chefes de Gabinete. Mas é sucesso relativo dado o seu efeito de ricochete. Assim, pode falar-se de situações análogas em que se apontam líderes parlamentares do PSD que deram justificações não apropriadas para faltas à Assembleia da República, bem como de um deputado, autarca e presidente da junta do PSD que foram à China com despesas pagas por uma empresa chinesa.
Ora, o PSD tem de passar a fazer política séria e a sustentar as ideias que defende para o país e para a relação com a Europa e o Mundo, combatendo menos as pessoas, e, sobretudo, purificar a postura não atirando lama para outrem se ela tem o risco de cair sobre si próprio.
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Diz também o mencionado articulista que “o PS é um partido indissociável da génese e do dinamismo da democracia portuguesa”. Porém, se em relação ao PSD, suspira pelo velho com aculturações, no caso do PS, rejeita o velho, “conservador e imobilista”, que julga não precisar de evoluir na sua cultura política e “aprender com os erros do passado”. E aponta a esse PS o não ter aprendido com o colapso do PASOK e do PSOE, nem com a vanidade do Partido Socialista francês. Não percebeu que o revés de Hollande se deve à ignorância da necessidade de redução do défice público e que a vitória de Macron teve pouco a ver com o seu programa económico e muito com o acenar da reforma do sistema político. Poderia o PS ter acreditado que, nesta sociedade aberta, os partidos perderam o monopólio da informação política e que os cidadãos têm mais poder que no passado e mais o terão no futuro. E, sobretudo, partido velho não é sensível “a que um dos últimos monopólios que os partidos portugueses dominam – o sistema eleitoral, de listas fechadas e bloqueadas, hoje residual na Europa civilizada – é um obstáculo à renovação do sistema político”. Mas, convenhamos, o PSD merece a mesma crítica.
O velho PS tem de se reciclar e vir a perceber a necessidade da existência e funcionamento de entidades reguladoras independentes (mas têm de ser mesmo independentes), bem como do escrutínio parlamentar dos seus dirigentes. E todos os partidos do arco da governação ou do arco da sustentabilidade do Governo devem considerar, de uma vez por todas, que não basta a confiança política como critério para a nomeação de todos os cargos de direção superior; têm de renunciar de vez ao Jobs for the boys; e devem abandonar o narcisismo e as tiradas ocas à oposição.
Há, segundo Paulo Trigo Pereira, um velho PS a coexistir e conflituar com um PS novo que deseja alterar más tradições e más práticas. E este sabe que deve melhorar a qualidade da democracia e as exigências de transparência aos titulares de cargos políticos e públicos.
Os bons resultados do Governo, não só na dimensão económica (crescimento e emprego) e orçamental, mas também na garantia da estabilidade política, mostram a predominância deste novo PS, embora tendo socialistas velhos na gestão do partido e do Governo. É a relevância conferida à estabilidade política e à compreensão de que esta é uma condição necessária, embora não suficiente, para a boa governação que permite fazer boa política. Depois, pela assunção de que não é suficiente o crescimento e o emprego, um novo PS sente que o cidadão sabe que sem responsabilidade orçamental e finanças públicas sustentáveis o país não tem futuro. De nenhum modo os bons resultados da governação do novo PS podem ser apropriados pelo velho PS para manter o imobilismo em áreas-chave da reforma do sistema político a coberto das boas notícias económicas. Em 2019, o Governo e a maioria que o apoia não serão apenas avaliados na vertente económica e orçamental, mas sobretudo nos passos dados na justiça social e na reforma e transparência do sistema político.
Por isso, o novo PSD tem de se refontalizar e adequar à realidade; e o velho PS tem de se renovar e, em certa medida, renascer. Ou, como formula o aludido colunista, “que do novo nasça o velho e do velho nasça o novo”. E a mezinha quadra a todos os atores políticos.
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A este propósito, é de ter em conta a posição de Feliciano Barreiras Duarte, antigo secretário de Estado em vários Governos, ex-Chefe de Gabinete de Passos (antes de este ser governante) e a maior autoridade dos sociais-democratas em políticas de imigração, que admite haver, no PSD, elementos “racistas e xenófobos” a ganhar peso e a influenciar o discurso do partido.
Em entrevista ao Expresso, deixa um aviso aos correligionários:
“Se o PSD para ganhar eleições tiver de fazer eleitoralismo com a imigração e minorias étnicas, é um sinal preocupante e de fraqueza. Parece que afinal vale tudo para ter votos e tentar ganhar eleições.”.
Nessa entrevista, insurge-se contra as referências de Passos à nova lei da imigração, no comício do Pontal. No discurso, o líder criticou a possibilidade de “qualquer um” poder entrar em Portugal e associou a imigração à criminalidade. Ora, na ótica do entrevistado, é um discurso baseado em “achismos” sem correspondência com a realidade e só a servir a radicais. A “grande dúvida” que verbaliza é “se este tipo de proclamações é apenas típico da época pré-eleitoral autárquica ou se é o início de um caminho diferente do PSD relativamente a estas matérias”
Viu as declarações de Passos Coelho sobre as alterações à lei da imigração “com muita preocupação” e sabe da preocupação, revolta e indignação da parte de pessoas e instituições, mesmo do PSD, que “não se reveem neste tipo de proclamações e temem o efeito rastilho que podem ter negativamente para Portugal e os portugueses”. E pensa não existir qualquer razão para preocupações, aduzindo:
“Portugal mantém-se em vários rankings internacionais como um dos países mais seguros, atrativo, competitivo a esses níveis. Por razões diversas, não temos nada que ver, nestas matérias, com países como a França, a Hungria, a Inglaterra, a República Checa, a Grécia, etc. O perfil dos imigrantes e da imigração em Portugal é muito diferente em muitas variáveis – religiosas, económicas, sociais e culturais.”.
Sobre a alegada possibilidade de bastar a promessa de contrato de trabalho para alguém poder residir em Portugal, o especialista inscreve tal suspeita no rol de “perceções e opiniões erradas e de interpretações importadas de outras geografias, sustentando que “o ‘achismo’ na vida e na política” e “as análises e proclamações políticas, muitas vezes baseadas no ‘achismo’, só aumentam os problemas”. Depois, afirmando que “o fenómeno imigratório é demasiado sério para as sociedades contemporâneas inclusivas e plurais estarem à mercê do ‘achismo’”, diz que “Portugal tem um quadro jurídico relativo a estas matérias muito equilibrado, em conformidade com o Direito da Imigração europeu”, e assegura que “os portugueses podem estar serenos”.
Contra a crítica à alegada “possibilidade de qualquer um residir em Portugal, fala do histórico do seu partido em matéria imigratória:
“O PSD é o partido político em Portugal que mais trabalho tem feito sobre as migrações e minorias étnicas. Foi o PSD que criou, solidificou e aplicou uma verdadeira política de imigração em Portugal com resultados positivos. Com reconhecimento internacional. Portugal tem ganho muito com a imigração, a vários níveis. Até económica e socialmente. Mas também demograficamente, culturalmente, etc.”.
E explica o fenómeno do aninhamento do xenofobismo no partido:
“O que acontece agora é que o PSD, pelo que se percebe, também tem racistas e xenófobos, que pelos vistos têm apoios internos para defenderem essas posições. Pelo que me dizem, estão no PSD porque é um partido maior. E escolheram-no, não pela ideologia e património político, mas sim pelo seu tamanho. Mas o PSD nunca foi, não é nem deverá ser um partido político com discursos (e espero práticas) com tiques ‘trumpistas’ e ‘lepenistas’.”
Sobre a associação da imigração e criminalidade da parte de Passos como eventual tática de explorar medos, sustenta, embora admita que há terroristas que exploram a figura do migrante:
“Quem estuda o fenómeno da imigração comprova que associar imigração com terrorismo é errado, demagógico, é redutor e é perigosíssimo. Bem sabemos que para alguns na vida política a polémica é o seu único alimento, sobretudo por via mediática. […]. No século XXI, num mundo cada vez mais aberto, as migrações vieram para ficar. Os Estados têm de ver as migrações como uma oportunidade, não um problema.”.
Em relação à política de imigração do PSD e a evolução das leis de imigração, observa:
“O PSD, quer em governos quer na oposição, sempre assumiu a imigração como algo positivo. Fiel sempre à história do nosso país, ao humanismo cristão e à defesa da dignidade da pessoa humana. Na esteira da defesa de valores da nossa genética ideológica e programática. Trabalhei estas matérias com Durão Barroso e Santana Lopes e sobretudo com Nuno Morais Sarmento, e as suas orientações foram sempre essas. Aliás, veja-se o excelente trabalho que Santana Lopes tem feito sobre estas matérias na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. São todos gente culta, com mundo, cosmopolitas, moderados, com preocupações sociais, humanistas.”.
De a postura de Passos poder contrariar a história do PSD nestas matérias, diz:
“Pode, se deixar de considerar o essencial do que deve ser uma política de imigração, que, ao ser criada e aplicada, para servir os interesses de um país e da sua população, tem de basear-se em princípios, no nosso caso concreto, rigor nas entradas e humanismo no acolhimento e na integração. E fiéis à nossa tradição de país aberto ao mundo. É conveniente pensarmos bem de cada vez que queremos diabolizar o estrangeiro, um imigrante, ou um refugiado, porque temos cerca de cinco milhões de portugueses a viver em quase 140 países. Para quem há muitas décadas exige que sejam bem acolhidos, até mete dó a contradição e a incoerência de algumas pessoas que brincam com o fogo, ao abordarem de forma populista e generalista estas matérias, descurando potenciais efeitos de ricochete sobre os portugueses.”
Porém, não acredita que voltem as suspeitas de xenofobia em relação ao PSD, depois das declarações de André Ventura sobre a comunidade cigana ou que o PSD vá por essa via populista para ter ganhos eleitorais. E justifica a sua crença:
“Porque, a acontecer, o PSD estará a hipotecar muito do seu futuro de partido político moderado, tolerante e humanista, e a acantonar-se na direita política retrógrada, caceteira, populista e oportunista, renegando o património político nestas e noutras matérias”.
E critica duramente os que chegaram demasiado tarde ao partido, que apenas o conhecem pela Internet e pelo Google:
“Aliás, não deixa de ser curioso verificar a incoerência de pessoas que se têm assumido tão liberais, defensoras da sociedade aberta, do globalismo, da circulação de capitais e de empresas, e que, nestas matérias, são por um Portugal a preto e branco e fechado. O PSD nunca foi isso e no futuro deverá tudo fazer para combater isso. Mas infelizmente são sinais dos tempos. Existe um conjunto de pessoas que chegaram ao PSD ontem e que não respeitam referências, património ideológico e afins. Acham que o PSD só começou a existir e a servir Portugal quando eles aderiram.”.
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Posto isto, estaremos em condições de responder a Maria João Avillez, que em artigo de opinião no Observador de 1 de agosto, perguntava: “Já ‘se’ desistiu de Passos Coelho?”.
Não e sim. Depende do que ele queira ser para o país e em que direção pense mobilizar as hostes. E isto vale para qualquer líder que pretenda liderar a governação do país! Mais não sei.

2017.08.20 – Louro de Carvalho

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