Tudo
se está a preparar para que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) venha a ter participação na
capital da Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), com abertura a outros
investidores, “desde que sejam da economia social e nacionais” (Tomás
Correia dixit).
Para
tanto, a Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) teve de tomar a decisão de sair
da bolsa, no que poderá gastar cerca de 86 milhões de euros.
Na
verdade, está em marcha a Oferta Pública de Aquisição (OPA) do Montepio Geral Associação
Mutualista sobre as unidades de participação da CEMG, decorrendo até 8 de
setembro, com a contrapartida de um euro por cada título. Ou seja, a AMMG poderá
gastar a predita importância de cerca de 86 milhões na operação, tendo em conta
as unidades de participação da CEMG que não estão em suas mãos. A divulgação
dos resultados da OPA está prevista para 11 de setembro, pela Euronext Lisbon.
O
objetivo da OPA é preparar a nova fase do banco mutualista e, caso tenha
sucesso, os títulos da CEMG deixarão de ser cotados em bolsa, vindo a servir
também para a entrada de novos acionistas, sobretudo instituições de economia
social. E é aqui que a SCML pode vir ter um novo peso: se entrar no capital da
Caixa Económica, o capital social deixa de ser na totalidade da Associação
Mutualista. Tudo isto se passa após o cumprimento de uma agenda negocial entre
a Associação Mutualista e a SCML, tendo o Primeiro-Ministro declarado que o
Governo nada tinha a opor à negociação e Santana Lopes, o provedor da SCML,
dito que nada estava decidido, mas que era uma hipótese a considerar.
Pelos vistos, a questão não era só de considerar,
mas estava a ser trabalhada com vista à sua concretização. A CEMG tem estado à
beira da ruína, sobretudo após a aquisição do Finibanco e dos problemas internos de gestão por que tem sido
acossada, ela própria e a AMMG, além do arrastamento em que teve de embarcar
com a crise do sistema bancário português e do sistema financeiro em geral. E, caso a caixa económica continuasse a estar cotada em
bolsa, existiriam mais obstáculos à definição do preço de entrada da Santa
Casa, principalmente devido à volatilidade do preço das ações do banco.
No final da
inauguração de um novo edifício do Hospital de Sant’Ana (no concelho de
Cascais), que pertence à SCML, Santana Lopes foi questionado sobre o comunicado
que dá conta de que esta instituição e a Montepio Geral Associação Mutualista (MGAM) assinaram um memorando de entendimento que
possibilita a participação da SCML no capital do banco. E declarou:
“Nós continuamos onde estávamos, apesar dos comunicados que saíram. Foi
assinado um memorando que permite a abertura de negociações, não quer dizer
mais nada do que isso”.
O provedor
da Santa Casa salientou que têm existido “boas notícias” em relação ao
Montepio, referindo-se ao aumento de capital em 250 milhões de euros (a cargo da associação
por exigências do Banco de Portugal para fazer face às exigências de solidez
impostas pelo supervisor) e ao
crescimento da economia nacional, e considerou que “já não há aquela emergência
de que se falava”.
Dá
a impressão que a negociação resulta, além da corda na garganta que aperta a
AMMG e a CEMG, da dupla caraterística do provedor da SCML, Pedro Miguel Santa
Lopes, antigo Secretário de Estado da Cultura, Presidente da Câmara Municipal
de Figueira da Foz e da Câmara Municipal de Lisboa e Primeiro-Ministro: uma
pessoa ambiciosa, com uma grande capacidade de trabalho e de liderança no
terreno, quando delimitado e não minado; e, ao mesmo tempo, uma pessoa bastante
condicionável pela atratividade dos fins.
***
Tomás
Correia, presidente da Associação Mutualista, mas que muitos entendem que
deveria ter declinado o cargo e colocá-lo à disposição dos associados (que
o deviam ter exonerado),
já tinha avançado ao DN/Dinheiro Vivo que a sua instituição
estava “aberta a outros investidores” além da Santa Casa, “desde que sejam da
economia social e nacionais”. E os responsáveis da SCML disseram ao DN/Dinheiro Vivo não terem “qualquer
comentário a fazer” sobre o início OPA.
O
Montepio Geral Associação Mutualista e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
já assinaram em julho o “memorando de entendimento para uma parceria
estratégica” entre as duas instituições, tendo em vista a eventual entrada da
Santa Casa na Caixa Económica. O provedor da SCML tem dito, no entanto, que
esta “só participará num processo estratégico, amplo, de todo o setor social” e
que “não aparecerá sozinha, individualmente, em nada”.
Por
seu turno, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) “deliberou registar a OPA,
geral e voluntária”. No final de julho, a CEMG tinha considerado que “a oferta,
não obstante não ter sido solicitada, é amigável”. Quanto à contrapartida
oferecida, de um euro por título, a CEMG considera que “representa um prémio de
116% face à cotação média ponderada dos seis meses anteriores”. O banco de
Félix Morgado considera que o preço não inclui um prémio de controlo, até porque
“detém e sempre deteve, o controlo da CEMG”, mas que, por outro lado,
“contempla de modo relevante os interesses dos destinatários da oferta”.
O antigo Primeiro-Ministro defendeu que o momento que Portugal vive “exige
que o setor da economia social se reorganize”, incluindo as instituições
de solidariedade social, Misericórdias ou Caixas Agrícolas.
Também, no
final de março, o Ministro Vieira da Silva disse que o Governo vê com “simpatia
e naturalidade” a eventual entrada da SCML e de outras instituições da área
social no capital da Caixa Económica Montepio Geral. Obviamente, o Governo não
exclui investidores!
Depois, em
maio, Pedro Santana Lopes disse que teria uma decisão fundamentada sobre uma
eventual entrada no capital da Caixa Económica Montepio Geral até ao final de junho.
***
Penso
que a SCML tem sido um portento do bem-fazer em assistência e na ação social em
termos estruturantes e também da saúde pública. Trata-se da principal
instituição do ramo.
No
entanto, é de clarificar a sua origem e natureza estatutária e o seu regime
procedimental. Estatutariamente é uma instituição de natureza e gestão privada
e a sua origem, como aliás a das congéneres, é de criação real no âmbito do eclesiástico.
Por isso, sofre da irregularidade visceral de o seu provedor proceder de
nomeação governamental, como indiretamente os diversos componentes dos seus
órgãos sociais e de os seus titulares serem remunerados, o que está em
contradição com os termos do compromisso subscrito nas organizações congéneres,
cujos elementos dos respetivos órgãos sociais renunciam expressamente a
qualquer benefício económico pelo exercício do cargo, são eleitos em assembleia
geral – e as eleições são homologados pelo competente prelado diocesano, que
também aprova os estatutos (e revisões).
Pode
objetar-se que o volume de negócios, decorrente dos jogos e das
responsabilidades, torna a SCML um caso excecional. É certo. Todavia, era
possível e desejável enveredar por outro caminho. A SCML deveria manter o seu
estatuto de autonomia como as demais instituições congéneres, com órgãos
sociais eleitos e compromisso de renúncia a contrapartidas económicas pelo
exercício do cargo, no respeito pelos princípios da solidariedade. E, em regime
de complementaridade, deveria ser assistida por um representante – singular ou
coletivo – do Estado com vista à emissão de parecer, de caráter vinculativo
quanto à gestão de receitas e à assunção de despesas de capital. É
contraindicada, numa grande instituição de solidariedade, a existência de um
lugar de nomeação estatal, pago pela instituição e habitualmente utilizado como
moeda de compensação partidária. Mas é usual o Estado apoderar-se de entes eclesiais…
No
atinente à participação no capital social da CEMG, dada a degradação do
mutualismo espelhado na AMMG, que os 6300 associados têm de resolver – não
valendo continuar a fazer a propaganda dos benefícios dos associados –, a
entrada da SCML não passa de um ato de temeridade imprudente, por expor,
desnecessariamente e sem o mínimo de garantias de êxito, os resultados das
receitas arrecadadas de várias fontes, todas elas provenientes dos cidadãos que
sabem qual o destino dessas receitas: solidariedade e justa remuneração dos
titulares dos trabalhadores e também dos titulares dos órgãos sociais.
Santana
Lopes está a tempo de arrepiar caminho. Basta, pensar, querer e renegociar.
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Porém,
mais grave me parece a disponibilidade da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) para entrar no capital do
Montepio, se este se tornar num banco de economia social.
Como
é possível esperar que a CEMG se torne num banco de economia social, se como
banco tem de seguir os ditames do sistema bancário e as indicações do BCE?
Entretanto,
Manuel Lemos, por quem tenho enorme consideração, disse que teve contactos com
Pedro Santana Lopes, da Misericórdia de Lisboa, sobre o assunto. E declarou
interesse “num banco de economia social” e abertura para “conversar”. Mais
disse que as Misericórdias preferem “fazer as coisas com calma e em estreita
cooperação com todas as entidades”, incluindo a direção do Montepio.
Lemos
defende que à UMP interessa um “banco de economia social”, que “apoie as
Pequenas e Médias Empresas (PME), instituições de economia social e pessoas que
precisam de pequenos empréstimos”. E admite que o Montepio pode ser esse instrumento.
Balelas,
Senhor Presidente da UMP! Todos os bancos dizem querer ajudar as PME. Mas,
depois, vêm os temores dos riscos, as garantias e as execuções… Olhe para as
caixas agrícolas.
No
entanto, gosto de perguntar:
Sendo
a UMP uma associação, união ou federação de Misericórdias do país, o Presidente
da UMP consultou as suas associadas, unidas ou federadas? E estas deram-lhe
mandato para negociar?
Sendo
as Misericórdias instituições de origem e inspiração cristã e tendo cada uma a
supervisão do bispo diocesano, o Presidente da UMP avistou-se com a CEP (Conferência Episcopal Portuguesa) ou com a competente comissão da
mesma para estas matérias?
Com
efeito, nem Tomás Correia nem Santana Lopes são seus superiores hierárquicos.
São pares. Mas também o é o Padre Lino Maia, Presidente da CNIS (Confederação
Nacional das instituições de Solidariedade).
Falou com Ele sobre o tema?
Depois,
sempre há que ponderar os riscos de espatifar capital proveniente de pessoas
coletivas pobres posto ao serviço de pessoas singulares débeis e de grupos de risco!
Sede prudentes como as
serpentes, mas simples como as pombas (Mt
10,16)!
– disse Cristo aos discípulos…
2017.08.17 – Louro de Carvalho
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