quinta-feira, 17 de agosto de 2017

A degradação do mutualismo e a imprudência de investimento

Tudo se está a preparar para que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) venha a ter participação na capital da Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), com abertura a outros investidores, “desde que sejam da economia social e nacionais” (Tomás Correia dixit).
Para tanto, a Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) teve de tomar a decisão de sair da bolsa, no que poderá gastar cerca de 86 milhões de euros.
Na verdade, está em marcha a Oferta Pública de Aquisição (OPA) do Montepio Geral Associação Mutualista sobre as unidades de participação da CEMG, decorrendo até 8 de setembro, com a contrapartida de um euro por cada título. Ou seja, a AMMG poderá gastar a predita importância de cerca de 86 milhões na operação, tendo em conta as unidades de participação da CEMG que não estão em suas mãos. A divulgação dos resultados da OPA está prevista para 11 de setembro, pela Euronext Lisbon.
O objetivo da OPA é preparar a nova fase do banco mutualista e, caso tenha sucesso, os títulos da CEMG deixarão de ser cotados em bolsa, vindo a servir também para a entrada de novos acionistas, sobretudo instituições de economia social. E é aqui que a SCML pode vir ter um novo peso: se entrar no capital da Caixa Económica, o capital social deixa de ser na totalidade da Associação Mutualista. Tudo isto se passa após o cumprimento de uma agenda negocial entre a Associação Mutualista e a SCML, tendo o Primeiro-Ministro declarado que o Governo nada tinha a opor à negociação e Santana Lopes, o provedor da SCML, dito que nada estava decidido, mas que era uma hipótese a considerar.
Pelos vistos, a questão não era só de considerar, mas estava a ser trabalhada com vista à sua concretização. A CEMG tem estado à beira da ruína, sobretudo após a aquisição do Finibanco e dos problemas internos de gestão por que tem sido acossada, ela própria e a AMMG, além do arrastamento em que teve de embarcar com a crise do sistema bancário português e do sistema financeiro em geral. E, caso a caixa económica continuasse a estar cotada em bolsa, existiriam mais obstáculos à definição do preço de entrada da Santa Casa, principalmente devido à volatilidade do preço das ações do banco.
No final da inauguração de um novo edifício do Hospital de Sant’Ana (no concelho de Cascais), que pertence à SCML, Santana Lopes foi questionado sobre o comunicado que dá conta de que esta instituição e a Montepio Geral Associação Mutualista (MGAM) assinaram um memorando de entendimento que possibilita a participação da SCML no capital do banco. E declarou:
“Nós continuamos onde estávamos, apesar dos comunicados que saíram. Foi assinado um memorando que permite a abertura de negociações, não quer dizer mais nada do que isso”.
O provedor da Santa Casa salientou que têm existido “boas notícias” em relação ao Montepio, referindo-se ao aumento de capital em 250 milhões de euros (a cargo da associação por exigências do Banco de Portugal para fazer face às exigências de solidez impostas pelo supervisor) e ao crescimento da economia nacional, e considerou que “já não há aquela emergência de que se falava”.
Dá a impressão que a negociação resulta, além da corda na garganta que aperta a AMMG e a CEMG, da dupla caraterística do provedor da SCML, Pedro Miguel Santa Lopes, antigo Secretário de Estado da Cultura, Presidente da Câmara Municipal de Figueira da Foz e da Câmara Municipal de Lisboa e Primeiro-Ministro: uma pessoa ambiciosa, com uma grande capacidade de trabalho e de liderança no terreno, quando delimitado e não minado; e, ao mesmo tempo, uma pessoa bastante condicionável pela atratividade dos fins.
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Tomás Correia, presidente da Associação Mutualista, mas que muitos entendem que deveria ter declinado o cargo e colocá-lo à disposição dos associados (que o deviam ter exonerado), já tinha avançado ao DN/Dinheiro Vivo que a sua instituição estava “aberta a outros investidores” além da Santa Casa, “desde que sejam da economia social e nacionais”. E os responsáveis da SCML disseram ao DN/Dinheiro Vivo não terem “qualquer comentário a fazer” sobre o início OPA.
O Montepio Geral Associação Mutualista e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa já assinaram em julho o “memorando de entendimento para uma parceria estratégica” entre as duas instituições, tendo em vista a eventual entrada da Santa Casa na Caixa Económica. O provedor da SCML tem dito, no entanto, que esta “só participará num processo estratégico, amplo, de todo o setor social” e que “não aparecerá sozinha, individualmente, em nada”.
Por seu turno, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) “deliberou registar a OPA, geral e voluntária”. No final de julho, a CEMG tinha considerado que “a oferta, não obstante não ter sido solicitada, é amigável”. Quanto à contrapartida oferecida, de um euro por título, a CEMG considera que “representa um prémio de 116% face à cotação média ponderada dos seis meses anteriores”. O banco de Félix Morgado considera que o preço não inclui um prémio de controlo, até porque “detém e sempre deteve, o controlo da CEMG”, mas que, por outro lado, “contempla de modo relevante os interesses dos destinatários da oferta”.
O antigo Primeiro-Ministro defendeu que o momento que Portugal vive “exige que o setor da economia social se reorganize”, incluindo as instituições de solidariedade social, Misericórdias ou Caixas Agrícolas.
Também, no final de março, o Ministro Vieira da Silva disse que o Governo vê com “simpatia e naturalidade” a eventual entrada da SCML e de outras instituições da área social no capital da Caixa Económica Montepio Geral. Obviamente, o Governo não exclui investidores!
Depois, em maio, Pedro Santana Lopes disse que teria uma decisão fundamentada sobre uma eventual entrada no capital da Caixa Económica Montepio Geral até ao final de junho.
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Penso que a SCML tem sido um portento do bem-fazer em assistência e na ação social em termos estruturantes e também da saúde pública. Trata-se da principal instituição do ramo.
No entanto, é de clarificar a sua origem e natureza estatutária e o seu regime procedimental. Estatutariamente é uma instituição de natureza e gestão privada e a sua origem, como aliás a das congéneres, é de criação real no âmbito do eclesiástico. Por isso, sofre da irregularidade visceral de o seu provedor proceder de nomeação governamental, como indiretamente os diversos componentes dos seus órgãos sociais e de os seus titulares serem remunerados, o que está em contradição com os termos do compromisso subscrito nas organizações congéneres, cujos elementos dos respetivos órgãos sociais renunciam expressamente a qualquer benefício económico pelo exercício do cargo, são eleitos em assembleia geral – e as eleições são homologados pelo competente prelado diocesano, que também aprova os estatutos (e revisões).
Pode objetar-se que o volume de negócios, decorrente dos jogos e das responsabilidades, torna a SCML um caso excecional. É certo. Todavia, era possível e desejável enveredar por outro caminho. A SCML deveria manter o seu estatuto de autonomia como as demais instituições congéneres, com órgãos sociais eleitos e compromisso de renúncia a contrapartidas económicas pelo exercício do cargo, no respeito pelos princípios da solidariedade. E, em regime de complementaridade, deveria ser assistida por um representante – singular ou coletivo – do Estado com vista à emissão de parecer, de caráter vinculativo quanto à gestão de receitas e à assunção de despesas de capital. É contraindicada, numa grande instituição de solidariedade, a existência de um lugar de nomeação estatal, pago pela instituição e habitualmente utilizado como moeda de compensação partidária. Mas é usual o Estado apoderar-se de entes eclesiais…
No atinente à participação no capital social da CEMG, dada a degradação do mutualismo espelhado na AMMG, que os 6300 associados têm de resolver – não valendo continuar a fazer a propaganda dos benefícios dos associados –, a entrada da SCML não passa de um ato de temeridade imprudente, por expor, desnecessariamente e sem o mínimo de garantias de êxito, os resultados das receitas arrecadadas de várias fontes, todas elas provenientes dos cidadãos que sabem qual o destino dessas receitas: solidariedade e justa remuneração dos titulares dos trabalhadores e também dos titulares dos órgãos sociais.
Santana Lopes está a tempo de arrepiar caminho. Basta, pensar, querer e renegociar.
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Porém, mais grave me parece a disponibilidade da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) para entrar no capital do Montepio, se este se tornar num banco de economia social.
Como é possível esperar que a CEMG se torne num banco de economia social, se como banco tem de seguir os ditames do sistema bancário e as indicações do BCE?
Entretanto, Manuel Lemos, por quem tenho enorme consideração, disse que teve contactos com Pedro Santana Lopes, da Misericórdia de Lisboa, sobre o assunto. E declarou interesse “num banco de economia social” e abertura para “conversar”. Mais disse que as Misericórdias preferem “fazer as coisas com calma e em estreita cooperação com todas as entidades”, incluindo a direção do Montepio.
Lemos defende que à UMP interessa um “banco de economia social”, que “apoie as Pequenas e Médias Empresas (PME), instituições de economia social e pessoas que precisam de pequenos empréstimos”. E admite que o Montepio pode ser esse instrumento.
Balelas, Senhor Presidente da UMP! Todos os bancos dizem querer ajudar as PME. Mas, depois, vêm os temores dos riscos, as garantias e as execuções… Olhe para as caixas agrícolas.
No entanto, gosto de perguntar:
Sendo a UMP uma associação, união ou federação de Misericórdias do país, o Presidente da UMP consultou as suas associadas, unidas ou federadas? E estas deram-lhe mandato para negociar?
Sendo as Misericórdias instituições de origem e inspiração cristã e tendo cada uma a supervisão do bispo diocesano, o Presidente da UMP avistou-se com a CEP (Conferência Episcopal Portuguesa) ou com a competente comissão da mesma para estas matérias?
Com efeito, nem Tomás Correia nem Santana Lopes são seus superiores hierárquicos. São pares. Mas também o é o Padre Lino Maia, Presidente da CNIS (Confederação Nacional das instituições de Solidariedade). Falou com Ele sobre o tema?
Depois, sempre há que ponderar os riscos de espatifar capital proveniente de pessoas coletivas pobres posto ao serviço de pessoas singulares débeis e de grupos de risco!  
Sede prudentes como as serpentes, mas simples como as pombas (Mt 10,16)! – disse Cristo aos discípulos…

2017.08.17 – Louro de Carvalho     

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