Depois de o JN
ter publicado dados sobre as muitas e graves falhas do SIRESP e ter referido
que, ao ter confrontado o MAI com o teor dos relatórios do próprio grupo
empresarial responsável pelo sistema, esbarrou com a ausência de comentário e
com a promessa de explicações aquando da publicação do estudo encomendado ao IT
(Instituto das
Telecomunicações), o jornal
“I”
assegura que o Gabinete do Primeiro-Ministro lhe confirmou pedido de novos
esclarecimentos, adiantando que as conclusões serão divulgadas “oportunamente”.
Na verdade, o
Primeiro-Ministro, que já tinha criticado publicamente, embora em termos
pessoais, uma das empresas que integram a SIRESP, não ficou satisfeito com as
conclusões dos relatórios que analisaram os procedimentos seguidos pelas autoridades
no combate às chamas em Pedrógão Grande, Góis e Castanheira de Pera. Assim, solicitou
“esclarecimentos adicionais” à informação que lhe chegou na semana passada,
quando o IT (Instituto
das Telecomunicações) e
a IGAI (Inspeção Geral da
Administração Interna)
entregaram as respetivas análises às falhas de procedimentos das autoridades na
hora do combate às chamas de Pedrógão Grande.
Esta informação
tinha sido avançada ao “I”, que ainda ontem questionou o
Gabinete do Primeiro-Ministro sobre o momento em que seriam divulgados os
resultados das análises pedidas pelo Executivo. O predito gabinete esclareceu o
jornal de que “foram pedidos alguns esclarecimentos adicionais” aos dados
enviados pelo IT e pela IGAI, adiantando que as conclusões serão “divulgadas
oportunamente à semelhança do que foi feito com os restantes documentos” – ou seja,
depois de esclarecidas todas as questões levantadas.
Será certo
que a decisão do Governo sobre o futuro do sistema de comunicações de
emergência e segurança seja conhecida apenas em setembro, como já adiantara o JN.
O
relatório e a auditoria tinham sido pedidos há mais de um mês pela Ministra
Constança Urbano de Sousa, depois de terem sido divulgadas as respostas
exigidas por António Costa ao grupo empresarial responsável pela “SIRESP – Gestão de Redes Digitais de
Segurança e Emergência, SA”, e à Secretaria-Geral do MAI.
Ao IT
incumbe um estudo independente sobre o funcionamento do SIRESP de forma que
sejam apontados os “eventuais constrangimentos” em situações “de acidente grave
ou de catástrofe”. Além disso, a Ministra solicitou ao IT que apontasse
“possíveis medidas que possam garantir que o SIRESP responde às necessidades
para o qual foi criado”.
Já a
IGAI terá de avaliar o cumprimento, por parte da Secretaria-Geral – responsável
pela gestão da rede de comunicações de emergência e segurança – das “obrigações
legal e contratualmente estabelecidas, nomeadamente ao nível da gestão,
manutenção e fiscalização” do SIRESP.
Além
deste relatório e da auditoria, o MAI solicitou ao escritório de advogados
Linklaters a análise dum artigo do contrato estabelecido entre o Estado e a
empresa SIRESP, S.A. Em causa está, segundo o “Público”, a cláusula 17.ª onde estão definidas as regras que podem,
ou não, responsabilizar a empresa pelas eventuais falhas da rede de
comunicações de emergência.
A
empresa responsável pelo sistema de comunicações de emergência e segurança
admitiu que a rede de comunicações está preparada para a utilização, em
simultâneo, de apenas 25 equipas. Ora, de acordo com uma fonte ligada às
autoridades de socorro, há incêndios ou tempestades em que o sistema é
utilizado por 400 ou 500 equipas. Então, o SIRESP “não está dimensionado às
necessidades”. Foi o que revelou ao “I” uma fonte que esteve presente na
última reunião, no passado dia 11 de julho, entre a empresa responsável pelo
SIRESP e as autoridades que utilizam o sistema de comunicações. Apesar de tudo,
segundo a mesma fonte, a empresa julga que “foram cumpridas rigorosamente as
exigências que estão no caderno de encargos”.
Outro
pormenor do que foi tornado público é que, embora estejam previstas na lei
reuniões trimestrais entre a SIRESP, SA e as forças de segurança, militares e
autarquias, há mais de dois anos que não acontecia qualquer encontro. Porquê? E
era nessas putativas reuniões que as forças de segurança poderiam comunicar à
empresa as falhas sentidas no terreno.
***
Depois de se evidenciar o que esteve e está mal, havia que definir o que
fazer. Assim, depois de longo período de gestação legislativa no Parlamento, que
acabou por ser acelerada face ao ocorrido na última primavera e neste verão, o
Presidente da República
promulgou hoje, dia 8 de agosto, os diplomas aprovados na AR (Assembleia
da República) atinentes
à reforma das florestas: um cria o sistema de informação cadastral simplificada
e revoga a Lei n.º 152/2015, de 14 de setembro (Decreto n.º
143/XIII, da AR);
outro estabelece o regime aplicável aos baldios e aos demais meios de produção
comunitários, revogando a Lei n.º 68/93, de 4 de setembro (Decreto
n.º 144/XIII, da AR);
um outro altera o Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios,
procedendo à 5.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho (Decreto
n.º 145/XIII, da AR);
e ainda um outro que introduz a 1.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 96/2013, de 19
de julho, que estabelece o regime jurídico das ações de arborização e
rearborização (Decreto n.º 165/XIII, da AR). Estes decretos da AR, após a
promulgação pelo Presidente e a referenda pelo Primeiro-Ministro, são
publicados como leis sob a numeração atribuída pelo Diário da República.
O Presidente
da República, como sucede muitas vezes e como se pode ler no site da Presidência, justificou a promulgação
dos referidos diplomas, apesar de
considerar que ainda havia trabalho
a fazer na elaboração dos mesmos, com o “esforço de enquadramento jurídico e de
ensaio de novas pistas para enfrentar antigos e não ultrapassados problemas”. Nestes
termos, ressalvando que apenas a criação do cadastro florestal não suscita
reparos, o Chefe de Estado alertou para o facto de as leis estarem “longe de esgotar todas as atuações dos
poderes públicos”.
Incluídos na reforma da floresta do atual Governo, os quatro diplomas
promulgados visam criar um sistema de informação cadastral simplificada e um
regime aplicável aos baldios e aos demais meios de produção comunitários,
alterar o Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios e o regime
jurídico aplicável às ações de arborização e rearborização.
No âmbito da promulgação destes diplomas, Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou
que estas leis “conheceram um longo processo de elaboração, iniciado em outubro
de 2016 e acelerado em junho deste ano, perante o dramatismo da realidade
vivida”.
***
A predita reforma florestal não foi tão longe ainda quanto o que era expectável.
E esteve em perigo de ficar pelo caminho. O PCP, como adiante se refere, teceu
fortes críticas à insuficiência da reforma e a direita parlamentar não se mostrou
entusiasmada a grandes alterações. Os Bloquistas, por seu turno, queriam que a
área de replantação de eucalipto fosse zero, mas os socialistas não se
mostraram disponíveis para apoiar essa medida
Mesmo depois da tragédia de Pedrógão Grande, que veio dar ainda mais
relevância ao tema, o Expresso
referia, a 18 de julho, que a reforma das florestas foi quase dada como perdida
para este ano. Entretanto, o PS e o Bloco de Esquerda chegaram a um acordo de
última hora, tendo o acordo sobre o pacote florestal sido explicado em pormenor
e votado em maratona na Comissão de Agricultura e Mar.
Como revelava o Público, houve
cedências de ambos os partidos. O BE queria que a área de replantação de
eucalipto fosse zero, mas o PS não se mostrou disponível para apoiar essa
medida. O Bloco teve, então, de reformular a suas exigências e o PS de reduzir
os apoios à plantação de eucalipto. O que se sabe ter sido acordado é o seguinte:
por cada hectare de eucalipto eliminado, o Estado apenas dará apoio para a
replantação de meio hectare – na prática, isto fará diminuir o número de
terrenos de eucaliptal de forma gradual. Mais: para replantar, o requerente
estará obrigado a apresentar o plano de ordenamento florestal, que deve estar
em dia.
***
O DN e o JN de hoje trazem uma súmula da reflexão
de Luciano Lourenço, diretor do núcleo de investigação de incêndios florestais
da Universidade de Coimbra. É certo que a criação dum sistema de informação
cadastral simplificada consta de um dos três diplomas aprovados, a 19 de julho,
pela Assembleia da Republica, no âmbito da reforma florestal, mas, segundo o
especialista, o cadastro florestal vem, “no mínimo, com 30 anos de atraso”,
persistindo a dúvida se é desta vez que será realmente implementado.
Ainda, de acordo com Lourenço, o cadastro florestal poderá
ser uma boa medida para se “saber, efetivamente, quantos proprietários existem
e quantas parcelas detém cada um desses proprietários”. Questionado sobre a
existência de terrenos sem dono conhecido, o investigador disse que “existem,
efetivamente, muitas terras aparentemente sem dono, mas não são tantas quanto
às vezes os defensores dessas medidas pretendem fazer crer”. E afirmou que, “quando
chega alguém junto das propriedades a tentar identificá-las, os donos ou alguém
que representa os proprietários aparecem e sabem identificá-las”. Todavia,
reconhece haver cada vez mais terrenos cuja identificação se torna difícil,
porque “o território sofreu uma série de alterações, nomeadamente em função dos
incêndios florestais, e os proprietários passaram a residir fora da área onde
detêm essas propriedades”, que abandonam.
O investigador de incêndios florestais sustenta que, a par do
cadastro, “seria importante fazer o emparcelamento de áreas de minifúndio para
que possam ser geridas e ser rentáveis”, através da criação de unidades de
gestão florestal. E, a propósito disto, explicou:
"Os
pequenos proprietários estarão disponíveis para o emparcelamento se a medida
lhes for apresentada de uma forma que tenha interesse para eles. Normalmente aquilo
que chega aos pequenos proprietários é uma noção de que alguém quer usurpar os
seus territórios e fazer deles qualquer coisa dos quais os pequenos
proprietários não estejam envolvidos.”.
Embora concorde com a
existência do cadastro florestal, Lourenço critica esta reforma, por considerar
que, “mais importante do que alterar a legislação, é fazer cumprir a legislação”,
pois, segundo o investigador, “quando há uma preocupação muito centrada em
produzir nova legislação, normalmente o que se faz é retocar o que existe,
quando a preocupação deveria ser implementar o que existe”. Com efeito, os
protagonistas são os mesmos ao longo do tempo, o que leva a “não acreditar que
efetivamente haja vontade política para resolver o problema da floresta”. E este
especialista em florestas explica a sua perspetiva, dizendo:
“O
problema dos incêndios e o problema da floresta passam sobretudo por olhar para
o território com uma visão integrada, com o envolvimento dos proprietários, e
tentar encontrar soluções que permitam fazer uma nova gestão do espaço
florestal, que se alterou significativamente nestes últimos 40, 50 anos,
essencialmente por falta de população nesses territórios”.
Assim, Lourenço pensa que a
floresta tem de ser equacionada como um problema social, sustentando que “não é
com medidas legislativas que se resolve”, pois “as reformas não são apenas
legislativas ou as principais não são legislativas, mas de ordem social. E, lembrando
o ditado popular “quem guarda a floresta é a sombra do dono” para reforçar que
o despovoamento dificulta o ordenamento da floresta, afirmou que a atual reforma
é prova de que, “por vezes, o legislador desconhece o que se passa no
território e não está interessado em envolver os proprietários florestais”.
O JN também regista
a opinião de Pedro Bingre, investigador do Instituto Politécnico de Coimbra,
que invoca a problemática das heranças que estão a condicionar o ordenamento
florestal devido à demora das partilhas, bem como o abandono das terras. Diz o
investigador:
“Há uma
percentagem do país, que por ventura andará a rondar o mesmo número das terras
sem dono conhecido ou um bocadinho superior, de terras em condições de heranças
indivisas, que são imóveis cujo titular morreu e os herdeiros nunca realizaram
as partilhas.
Nisto, vai ao encontro do pensamento de Lourenço no atinente
ao abandono de terras.
***
Sintetiza-se aqui a posição do PCP
por corresponder ao que muitos pensam, mesmo à direita, contrariando o política
e economicamente correto.
O PCP defende que a valorização da
floresta tem de se centrar nos rendimentos dos produtores, na defesa dos
Baldios e do seu uso e gestão pelos povos (com os apoios necessários), na elaboração do Cadastro Florestal investindo os meios
necessários para tal, na atribuição de mais meios públicos (humanos, técnicos, financeiros e
materiais) às estruturas
que intervêm na floresta e na inversão da diminuição do peso relativo do
sobreiro, pinheiro e espécies autóctones, face ao eucalipto. Ora, o Governo
anunciou profunda reforma da política florestal, sem ouvir todos os
interessados, sem assegurar “o necessário investimento público” e sem que se perceba
“o potencial de mobilização de investimento privado”. Por exemplo, no caso do
cadastro florestal, procura-se “passar o ónus e os custos da realização dessa
importantíssima tarefa, que se estimava que teria um custo de cerca de 700
milhões de euros, para os proprietários florestais e designadamente os mais
pequenos”. Porém, subsidiaram-se as celuloses para a eucaliptização!
Por outro lado, este “Pacote
Florestal”, como demonstram os muitos projetos que aguardam análise técnica, “não
assume a necessidade do reforço dos meios humanos e materiais das estruturas do
Ministério da Agricultura e Pescas” para as florestas. Depois, vem a exigência
de muitos e mais qualificados profissionais (ao nível da concepção, direção e intervenção
operacional) para o
trabalho de ordenamento da floresta, acompanhamento das medidas do Sistema de
Defesa das Florestas contra Incêndios, coordenação da intervenção das equipas
de Sapadores Florestais, aconselhamento dos produtores sobre as melhores
práticas e espécies, apoio aos Baldios, atenção às Matas Nacionais e às Áreas
Protegidas – além da adequada clarificação das responsabilidades e funções (competências e atribuições) do aparelho de Estado, adequada
distribuição e hierarquização e os meios necessários em cada uma das
estruturas.
Na ótica do PCP, isto não fica suficientemente
acautelado. E, como diz Brandão Ferreira n’ O
Diabo, nos elementos de incêndio (comburente, combustível e calor), intervém-se apenas em dois: combustível (prevenindo) e calor, que provoca a ignição (combatendo a tempo, com os meios
adequados).
***
Convenhamos que é mais fácil ver o
que está mal que decidir o que fazer. Ai os interesses!
2017.08.08 – Louro de Carvalho
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