segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Vergonha nacional: Foram precisas 64 mortes para se falar do SIRESP!

Ainda se fala nos fenómenos do Entroncamento. Ora, pelos vistos, este país de governos incompetentes no serviço ao bem-estar das populações e de empresas sem consciência pública no desempenho dos papéis que se comprometeram a prestar ao Estado pagante e, através deste, ao país, é um verdadeiro e gigantesco fenómeno do Entroncamento. E virados da esquerda para a direita e da direita para a esquerda não há grande margem para riso ou satisfação.
No dia 3 de agosto, durante uma audição no Parlamento, a Ministra da Administração Interna, escudou-se no facto de as falhas de funcionamento do SIRESP não serem “de hoje”, recordando que este sistema de comunicações de emergência também falhou em 2012 e 2013. Mas já lá vão
5 e 4 anos, respetivamente e este Governo está em funções há quase dois anos!
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Só depois de 11 anos de (não) funcionamento e de 7 anos de inauguração do marcador de falhas graves é que vem um jornal de referência, replicado pelos demais, alertar para todas as falhas do SIRESP (desde 2010). De facto, o acesso do JN (Jornal de Notícias) aos diversos relatórios do famigerado sistema integrado de segurança mostra que “não foi nos incêndios deste verão que o sistema de comunicações de emergência começou a falhar”.
Falhou gravemente o sistema de segurança prestado em regime de PPP (parceria público-privada) na visita do então Papa Bento XVI, em 2010, e na Tempestade Stephanie, em 2014. Mas há mais.
Segundo o Observador, que cita o JN de hoje, 7 de agosto, registam-se casos de “voos cancelados, árvores arrancadas, inundações, carros arrastados pelas águas e até um Benfica-Sporting adiado, depois de uma placa se partir na cobertura do Estádio da Luz, enchendo o relvado de pedaços de lã de rocha”.
De facto, entre 8 e 10 de fevereiro de 2010, com a tempestade Stephanie Portugal ficou em alvoroço, sendo que o SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal) não esteve à altura dos acontecimentos. Cortes de energia em série deixaram inoperacional 13% de toda a rede (65 estações-base) do país (E depois houve um “apagão” quando se acabaram as baterias que alimentavam o sistema) – o que exemplifica o teor da informação veiculada esta segunda-feira sobre as falhas operacionais registadas desde 2010 e que só veem a luz pública depois da tragédia de Pedrógão Grande e concelhos limítrofes e replicada sucessivamente nos demais territórios que vêm sendo pasto das labaredas.
De acordo com o JN, que refere ter acedido a cerca de uma dezena de relatórios de desempenho do próprio SIRESP – elaborados entre 2010 e 2017 –, o sistema não está preparado nem para situações de incêndios como os registados este ano nem para situações de tempestade ou mesmo de grandes eventos programados. Assim, quando o então papa Bento XVI visitou o país, entre 11 e 14 de maio de 2010, as estações da rede de comunicação de emergência na zona de Fátima ficaram saturadas. Meses depois, com a chegada a Lisboa cerca de 60 chefes de Estado e de Governo para a cimeira da NATO, o sistema acusou novos problemas: “falta de cobertura de rede e saturação dos equipamentos”.
Nas épocas de fogos de 2011, 2012, 2013 e 2016 houve cabos ardidos e antenas em baixo. E, nas intempéries de 2013, verificou-se o colapso de 16 por cento da rede. Enfim, a rede SIRESP, utilizada pelas forças de segurança e pelos bombeiros, tem colapsado praticamente todos os anos por altura das tempestades.
De acordo com o JN, as antenas móveis que permitem suprir as falhas das antenas fixas raramente foram usadas. O panorama descrito por este jornal diário do Porto a partir da compulsação dos relatórios do SIRESP é arrasador:
“Cortes de energia, falhas em baterias, ausência de geradores de reserva, cabos ardidos ou destruídos durante tempestades, estações em modo local (fora da rede) e antenas móveis e fixas com pouca capacidade para dar conta das comunicações de emergência”.
Este panorama mostra que o sistema “colapsa praticamente todos os anos” sem que alguma vez o Estado tenha exigido o pagamento de quaisquer indemnizações à empresa que o opera por isso. O JN confrontou o Ministério da Administração Interna com o teor dos relatórios, mas este departamento governamental escusou-se a tecer qualquer comentário, remetendo uma “posição final” para quando estiver concluído o estudo técnico independente encomendado em julho ao Instituto das Telecomunicações.
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Com um custo de cerca de 500 milhões de euros, este sistema não está preparado para aguentar qualquer espécie de flagelo natural ou de mão humana como tempestades, terramotos, incêndios, acidentes em cadeia, atos terroristas e colapsa praticamente todos os anos.
O contrato para a montagem do SIRESP foi negociado durante o Governo de Santana Lopes, em fevereiro de 2005, três dias depois de ter perdido as eleições para o PS e depois de três anos em estado de banho-maria.  Acabou por ser assinado apenas em 2006, já sob a tutela de António Costa como ministro da Administração Interna, no Governo de José Sócrates.
Sabe-se que, já em dezembro de 2006, o Tribunal de Contas, na sua apreciação concluíra que o contrato se revelava nefasto para o interesse público. No entanto, como para o conhecimento público das falhas recorrentes do sistema, foi preciso ocorrerem 64 mortes e contexto de incêndio florestal para que tal apreciação do TdC fosse conhecida publicamente. E, se o poder político eleito tem culpas no cartório, o poder político encarregado de administrar a justiça em nome do povo não tem menos.  
O SIRESP é uma PPP (Parceria Público-Privada), que tem como maior acionista a Galilei, empresa agora insolvente que antes era a SLN (Sociedade Lusa de Negócios), que caiu no seguimento da nacionalização do BPN, e que detém 33% das ações. Os outros acionistas são: a tecnológica Datacomp, com 9,55%, outra empresa do universo Galilei que está em Processo Especial de Revitalização; a PT, com 30,55%; a Motorola, com 14,9%; e a Esegur, sociedade da CGD e do Novo Banco que sucedeu ao ex-BES, com 12%. Tudo operadores de alta dedicação à pátria dos negócios ruinosos, mas sem qualquer penalização significativa. Por exemplo, critica-se a SLN por gestão calamitosa e deixa-se criar uma empresa sucedânea a que se confia um serviço de responsabilidade. Uma PT vai ao charco embrulhada no bavismo e continua no grupo. Um BES/GES continua a merecer a confiança do Estado. Estaremos nós no reino da Alice?
Os relatórios do próprio SIRESP entre 2010 e 2017 revelam as falhas que vão além dos incêndios de Pedrógão Grande e Mação ou dos fogos de 2011, 2012, 2013 e 2016. E o MAI mantém confiança no SIRESP, que falhou 284 horas em 2013!
Em 2010, na Cimeira da NATO, houve problemas de cobertura de rede e a PSP chegou a recorrer ao seu próprio equipamento. No mesmo ano, durante a visita de Bento XVI a Fátima as três-estações base da zona não aguentaram o volume de telecomunicações. Nas intempéries de 19 e 20 de Janeiro de 2016, houve 84 estações que falharam (16% do total da rede de todo o país). Já durante a tempestade Stephanie, em Fevereiro de 2014, registaram-se 77 falhas em 65 estações no espaço de 72 horas. Que mais pretextos e razões quer o Governo ter para anular o contrato?
Miguel Macedo, MAI entre 2011 e 2014, vem agora explicar que o Governo que integrava optou pela “renegociação do contrato”, o que permitiu a poupança de 25 milhões de euros. Ora, mais importante que a poupança era importante a garantia da eficácia!
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O SIRESP constitui mais um exemplo da má preparação de uma PPP. Na verdade, a incauta postura atitudinal e comportamental dos representantes do Estado em celebrar contratos totalmente gizados pelos parceiros privados coloca-o, no caso SIRESP, numa posição de dificuldade ou incapacidade para apurar factos e responsabilidades.
A SIRESP – Gestão de Redes Digitais de Segurança e Emergência, SA, é a parceira do Estado Português na área da segurança desde 4 de julho de 2006, com base numa parceria público-privada. Uma PPP tem como fundamento último o racional de maior economia, eficiência e eficácia da gestão privada de tarefas públicas. Para tal, a preparação e desenho da parceria deve constituir o “ponto de partida” do projeto, ponto a partir do qual estes negócios nascem saudáveis, se bem planeados, ou enfermos, se fundados em rudimentares “esquissos” traçados exclusivamente sob a agenda política de quem governa ou sob mira interesseira de quem pretende o lucro. Esta fase preparatória deve integrar múltiplas ponderações e tarefas do parceiro público, sustentadas na sólida assessoria técnica de especialistas, como a análise, no plano de custo-benefício, das vantagens económicas e maior eficiência e eficácia da parceria face a outras alternativas, as projeções dos custos para o erário público associados à PPP e os parâmetros que a parceria deve respeitar para atingir os objetivos definidos e servir os seus fins.
Depois dos factos de Pedrógão Grande, têm-se evidenciado as insuficiências do sistema SIRESP para responder aos eventos ocorridos e a possibilidade de o SIRESP se exonerar, com base no contrato, de qualquer responsabilidade associada a “falhas” do sistema. Fala-se mesmo na eventualidade de o parceiro privado permanecer, incólume e impune, a receber a contrapartida financeira (“renda” por disponibilidade do sistema) acordada com o Estado até ao termo do contrato, sem qualquer penalização. Isto, porque, de acordo com o Relatório de Desempenho da Rede SIRESP divulgado pela comunicação social, terá ficado demonstrado que o sistema esteve à altura do teatro das operações e que a rede funcionou de acordo com a respetiva “arquitetura” desenhada – pelo próprio parceiro privado, acrescente-se.
Estes factos constituem uma exemplar chamada de atenção para o maior défice das PPP: a inexistência de rigorosa preparação pelo parceiro público destes contratos, quer na avaliação da necessidade e vantagens da PPP face a outras alternativas, quer na correta definição do respetivo objeto, quer na repartição dos riscos entre os parceiros e na delimitação das responsabilidades contratuais de cada um.
O gizamento apressado de rascunhos contratuais para inglês ver substitui o planeamento atempado do rigoroso desenho contratual da parceria. E é ao Estado que, por lei (Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril) – e já em 2002-2005-2006 incumbia – incumbe fazer o desenho da PPP. A questão que ora se levanta é se foi tido em conta o estipulado legalmente na preparação do SIRESP. Com efeito, as consequências da insuficiência de preparação pelo Estado deste tipo de contratos estão patentes nos inúmeros processos de “reequilíbrio” das PPP, quase sempre em favor dos privados. Tal se deve, segundo alguns, ao facto do fácil trânsito de muitos do campo das empresas privadas para o do Estado. Assim, se por exemplo, alguém que agora tem funções de responsabilidade em termos do Estado e antes esteve no desenho de uma PPP, que autoridade tem para chorar sobre leite derramado? Isto parece ter sucedido em PPP e contratos swap!
É, pois, necessário agora o Estado focar-se no essencial e refletir sobre o rigor então empregue (ou não) no desenho das PPP, tentar a eliminação de condutas de “adesão” do Estado a contratos pensados pelos privados em detrimento do interesse público e promover o reforço da transparência destes negócios – aspetos instrumentais para o cabal apuramento de factos e de responsabilidades.
Porém, no caso do SIRESP, há boas razões para denunciar o contrato, fazer cessar a concessão ou nacionalizar o serviço. Seja qual for a figura jurídica a invocar, o caso SIRESP não pode prosseguir impune!  
Por isso, poucas vezes como agora, dou total razão à coordenadora do BE, Catarina Martins, que insistiu, a 4 de agosto, na necessidade de acabar com o contrato com a atual concessionária privada do SIRESP, visto que pagar por um serviço que não funciona é “insultar o país”.
Na verdade, questionada pelos jornalistas sobre as falhas do SIRESP no combate aos incêndios florestais que têm assolado o país, numa conferência de imprensa na sede do BE, em Lisboa, Catarina Martins, respondeu que o país
Precisa de um sistema de comunicações eficaz, com redundâncias e capaz de assegurar o seu funcionamento em momentos de catástrofe, em momentos de tragédia e em momentos difíceis”.
Isto não será feito pela concessionária, que não sabe ou não quer. Por isso, a deputada reiterou:
Esse contrato deve terminar e o Estado deve colocar todos os seus esforços num sistema que funcione porque, a cada dia que passa e pagamos a uma concessionária privada um serviço que não funciona, insultamos o país”.
E a líder bloquista atirou para o ar uma hipótese:
Eu, aliás, gostaria de saber qual foi o dia em que o SIRESP foi necessário e funcionou”.
Segundo Catarina Martins, “o BE foi o único partido a apresentar uma proposta sobre o SIRESP no Parlamento”, que era de “uma simplicidade absoluta”. O que o BE propôs é que se acabasse com esta PPP absurda, de pagar a privados para não fazerem o trabalho que devem fazer”. Mas O PS, disse a líder bloquista, “chumbou esta proposta e foi acompanhado pela direita, que teria tido a possibilidade de acabar com este negócio ruinoso, mas que preferiu abster-se, fazendo de conta que este não era um problema do país”.
Como é que a Catarina queria que a direita votasse a favor se efetivamente esteve na génese deste contrato abortivo do interesse público, que dois Governos do PS levaram por diante e a que um Governo pré-Paf fechou os olhos?
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Não digo que o país está a saque, mas que temos uns governos incompetentes no zelo do Estado, isso temos! Não digo que temos empresas predadoras, mas que temos empresas com supina inconsciência pública, isso temos! Depois, todos nos aconselham a desconfiar da política e a fazer intervenção cívica… Que não gozem connosco, tá, meu?!

2017.08.07 – Louro de Carvalho

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