Ainda se fala nos fenómenos do Entroncamento. Ora,
pelos vistos, este país de governos incompetentes no serviço ao bem-estar das
populações e de empresas sem consciência pública no desempenho dos papéis que
se comprometeram a prestar ao Estado pagante e, através deste, ao país, é um
verdadeiro e gigantesco fenómeno do Entroncamento. E virados da esquerda para a
direita e da direita para a esquerda não há grande margem para riso ou
satisfação.
No dia 3 de
agosto, durante uma audição no Parlamento, a Ministra da Administração Interna,
escudou-se no facto de as falhas de funcionamento do SIRESP não serem “de
hoje”, recordando que este sistema de comunicações de emergência também falhou
em 2012 e 2013. Mas já lá vão
5 e 4 anos, respetivamente e este Governo está em
funções há quase dois anos!
***
Só depois de 11 anos de (não) funcionamento e de
7 anos de inauguração do marcador de falhas graves é que vem um jornal de
referência, replicado pelos demais, alertar para todas as falhas do SIRESP (desde 2010). De facto, o acesso do
JN (Jornal de Notícias) aos diversos relatórios do famigerado sistema
integrado de segurança mostra que “não foi nos
incêndios deste verão que o sistema de comunicações de emergência começou a
falhar”.
Falhou gravemente
o sistema de segurança prestado em regime de PPP (parceria
público-privada) na visita
do então Papa Bento XVI, em 2010, e na Tempestade Stephanie, em 2014. Mas há mais.
Segundo o Observador, que cita o JN de hoje, 7 de agosto, registam-se
casos de “voos cancelados, árvores arrancadas, inundações, carros arrastados pelas
águas e até um Benfica-Sporting adiado, depois de uma placa se partir na
cobertura do Estádio da Luz, enchendo o relvado de pedaços de lã de rocha”.
De facto, entre 8 e 10 de fevereiro de 2010, com a tempestade
Stephanie Portugal ficou em alvoroço,
sendo que o SIRESP (Sistema Integrado de
Redes de Emergência e Segurança de Portugal) não esteve à altura dos
acontecimentos. Cortes de energia em série deixaram inoperacional 13% de toda a
rede (65 estações-base) do país (E depois houve um
“apagão” quando se acabaram as baterias que alimentavam o sistema) – o que
exemplifica o teor da informação veiculada esta segunda-feira sobre as falhas operacionais
registadas desde 2010 e que só veem a luz pública depois da tragédia de Pedrógão
Grande e concelhos limítrofes e replicada sucessivamente nos demais territórios
que vêm sendo pasto das labaredas.
De acordo com
o JN, que refere ter acedido a cerca
de uma dezena de relatórios de desempenho do próprio SIRESP – elaborados entre
2010 e 2017 –, o sistema não está preparado nem para situações de incêndios
como os registados este ano nem para situações de tempestade ou mesmo de
grandes eventos programados. Assim, quando o então papa Bento XVI visitou o
país, entre 11 e 14 de maio de 2010, as estações da rede de comunicação de
emergência na zona de Fátima ficaram saturadas. Meses depois, com a chegada a
Lisboa cerca de 60 chefes de Estado e de Governo para a cimeira da NATO, o
sistema acusou novos problemas: “falta de cobertura de rede e saturação dos
equipamentos”.
Nas épocas de fogos de 2011, 2012, 2013 e 2016 houve cabos ardidos e
antenas em baixo. E, nas intempéries de 2013, verificou-se o colapso de 16 por
cento da rede. Enfim,
a rede SIRESP, utilizada pelas forças de segurança e pelos bombeiros, tem
colapsado praticamente todos os anos por altura das tempestades.
De acordo com o JN, as antenas
móveis que permitem suprir as falhas das antenas fixas raramente foram
usadas. O panorama descrito
por este jornal diário do Porto a partir da compulsação dos relatórios do
SIRESP é arrasador:
“Cortes de energia, falhas em
baterias, ausência de geradores de reserva, cabos ardidos ou destruídos durante
tempestades, estações em modo local (fora
da rede) e antenas móveis e fixas com pouca capacidade para dar conta das
comunicações de emergência”.
Este panorama
mostra que o sistema “colapsa praticamente todos os anos” sem que alguma vez o
Estado tenha exigido o pagamento de quaisquer indemnizações à empresa que o
opera por isso. O JN confrontou o Ministério da Administração Interna com o teor dos
relatórios, mas este departamento governamental escusou-se a tecer qualquer comentário,
remetendo uma “posição final” para quando estiver concluído o estudo técnico
independente encomendado em julho ao Instituto das Telecomunicações.
***
Com um custo
de cerca
de 500 milhões de euros, este sistema não está preparado para
aguentar qualquer espécie de flagelo natural ou de mão humana como tempestades,
terramotos, incêndios, acidentes em cadeia, atos terroristas e colapsa praticamente
todos os anos.
O contrato
para a montagem do SIRESP foi negociado durante o Governo de Santana Lopes, em
fevereiro de 2005, três dias depois de ter perdido as eleições para o PS e depois
de três anos em estado de banho-maria. Acabou por ser assinado apenas em
2006, já sob a tutela de António Costa como ministro da
Administração Interna, no Governo de José Sócrates.
Sabe-se que,
já em dezembro de 2006, o Tribunal de Contas, na sua apreciação concluíra que o
contrato se revelava nefasto para o interesse público. No entanto, como para o
conhecimento público das falhas recorrentes do sistema, foi preciso ocorrerem
64 mortes e contexto de incêndio florestal para que tal apreciação do TdC fosse
conhecida publicamente. E, se o poder político eleito tem culpas no cartório, o
poder político encarregado de administrar a justiça em nome do povo não tem
menos.
O SIRESP é
uma PPP (Parceria Público-Privada), que tem como maior acionista a Galilei, empresa agora insolvente que
antes era a SLN (Sociedade Lusa de Negócios), que caiu no seguimento da
nacionalização do BPN, e que detém
33% das ações. Os outros acionistas são: a
tecnológica Datacomp, com 9,55%, outra empresa do universo Galilei que está
em Processo Especial de Revitalização; a PT,
com 30,55%; a Motorola, com 14,9%; e
a Esegur, sociedade da CGD e do Novo Banco que sucedeu ao ex-BES, com
12%. Tudo operadores de alta dedicação à pátria dos negócios ruinosos, mas sem
qualquer penalização significativa. Por exemplo, critica-se a SLN por gestão
calamitosa e deixa-se criar uma empresa sucedânea a que se confia um serviço de
responsabilidade. Uma PT vai ao charco embrulhada no bavismo e continua no
grupo. Um BES/GES continua a merecer a confiança do Estado. Estaremos nós no
reino da Alice?
Os
relatórios do próprio SIRESP entre 2010 e 2017 revelam as falhas que vão além
dos incêndios de Pedrógão Grande e Mação ou dos fogos de 2011, 2012, 2013 e
2016. E o MAI mantém confiança no SIRESP, que falhou 284 horas em 2013!
Em 2010, na
Cimeira da NATO, houve problemas de cobertura de rede e a PSP chegou a recorrer
ao seu próprio equipamento. No mesmo ano, durante a visita de Bento XVI a
Fátima as três-estações base da zona não aguentaram o volume de
telecomunicações. Nas intempéries de 19 e 20 de Janeiro de 2016, houve 84
estações que falharam (16% do total da rede de todo o país). Já durante a tempestade Stephanie, em Fevereiro de
2014, registaram-se 77 falhas em 65 estações no espaço de 72 horas. Que mais
pretextos e razões quer o Governo ter para anular o contrato?
Miguel
Macedo, MAI entre 2011 e 2014, vem agora explicar que o Governo que integrava
optou pela “renegociação do contrato”, o que permitiu a poupança de 25 milhões
de euros. Ora, mais importante que a poupança era importante a garantia da
eficácia!
***
O SIRESP
constitui mais um exemplo da má preparação de uma PPP. Na verdade, a incauta postura
atitudinal e comportamental dos representantes do Estado em celebrar contratos
totalmente gizados pelos parceiros privados coloca-o, no caso SIRESP, numa
posição de dificuldade ou incapacidade para apurar factos e responsabilidades.
A SIRESP –
Gestão de Redes Digitais de Segurança e Emergência, SA, é a parceira do Estado
Português na área da segurança desde 4 de julho de 2006, com base numa parceria
público-privada. Uma PPP tem como fundamento último o racional de maior
economia, eficiência e eficácia da gestão privada de tarefas públicas. Para tal,
a preparação e desenho da parceria deve constituir o “ponto de partida” do projeto,
ponto a partir do qual estes negócios nascem saudáveis, se bem planeados, ou
enfermos, se fundados em rudimentares “esquissos” traçados exclusivamente sob a
agenda política de quem governa ou sob mira interesseira de quem pretende o
lucro. Esta fase preparatória deve integrar múltiplas ponderações e tarefas do parceiro
público, sustentadas na sólida assessoria técnica de especialistas, como a
análise, no plano de custo-benefício, das vantagens económicas e maior eficiência
e eficácia da parceria face a outras alternativas, as projeções dos custos para
o erário público associados à PPP e os parâmetros que a parceria deve respeitar
para atingir os objetivos definidos e servir os seus fins.
Depois dos
factos de Pedrógão Grande, têm-se evidenciado as insuficiências do sistema
SIRESP para responder aos eventos ocorridos e a possibilidade de o SIRESP se
exonerar, com base no contrato, de qualquer responsabilidade associada a
“falhas” do sistema. Fala-se mesmo na eventualidade de o parceiro privado
permanecer, incólume e impune, a receber a contrapartida financeira (“renda” por
disponibilidade do sistema) acordada
com o Estado até ao termo do contrato, sem qualquer penalização. Isto, porque, de
acordo com o Relatório de Desempenho da Rede SIRESP divulgado pela comunicação
social, terá ficado demonstrado que o sistema esteve à altura do teatro das
operações e que a rede funcionou de acordo com a respetiva “arquitetura”
desenhada – pelo próprio parceiro privado, acrescente-se.
Estes factos
constituem uma exemplar chamada de atenção para o maior défice das PPP: a
inexistência de rigorosa preparação pelo parceiro público destes contratos,
quer na avaliação da necessidade e vantagens da PPP face a outras alternativas,
quer na correta definição do respetivo objeto, quer na repartição dos riscos
entre os parceiros e na delimitação das responsabilidades contratuais de cada
um.
O gizamento
apressado de rascunhos contratuais para inglês ver substitui o planeamento
atempado do rigoroso desenho contratual da parceria. E é ao Estado que, por lei
(Decreto-Lei
n.º 86/2003, de 26 de abril) – e já em 2002-2005-2006
incumbia – incumbe fazer o desenho da PPP. A questão que ora se levanta é se foi
tido em conta o estipulado legalmente na preparação do SIRESP. Com efeito, as
consequências da insuficiência de preparação pelo Estado deste tipo de
contratos estão patentes nos inúmeros processos de “reequilíbrio” das PPP,
quase sempre em favor dos privados. Tal se deve, segundo alguns, ao facto do
fácil trânsito de muitos do campo das empresas privadas para o do Estado. Assim,
se por exemplo, alguém que agora tem funções de responsabilidade em termos do
Estado e antes esteve no desenho de uma PPP, que autoridade tem para chorar
sobre leite derramado? Isto parece ter sucedido em PPP e contratos swap!
É, pois, necessário
agora o Estado focar-se no essencial e refletir sobre o rigor então empregue (ou não) no desenho das PPP, tentar a eliminação de condutas
de “adesão” do Estado a contratos pensados pelos privados em detrimento do
interesse público e promover o reforço da transparência destes negócios –
aspetos instrumentais para o cabal apuramento de factos e de responsabilidades.
Porém, no
caso do SIRESP, há boas razões para denunciar o contrato, fazer cessar a
concessão ou nacionalizar o serviço. Seja qual for a figura jurídica a invocar,
o caso SIRESP não pode prosseguir impune!
Por isso,
poucas vezes como agora, dou total razão à coordenadora do BE, Catarina
Martins, que insistiu, a 4 de agosto, na necessidade de acabar com o contrato
com a atual concessionária privada do SIRESP, visto que pagar por um serviço
que não funciona é “insultar o país”.
Na verdade,
questionada pelos jornalistas sobre as falhas do SIRESP no combate aos
incêndios florestais que têm assolado o país, numa conferência de imprensa na
sede do BE, em Lisboa, Catarina Martins, respondeu que o país
“Precisa de um sistema de comunicações eficaz, com redundâncias e capaz
de assegurar o seu funcionamento em momentos de catástrofe, em momentos de tragédia e em momentos
difíceis”.
Isto não
será feito pela concessionária, que não sabe ou não quer. Por isso, a deputada reiterou:
Esse contrato deve terminar e o Estado deve colocar todos os seus esforços
num sistema que funcione porque, a cada dia que passa e pagamos a uma
concessionária privada um serviço que não funciona, insultamos o país”.
E a líder
bloquista atirou para o ar uma hipótese:
“Eu, aliás, gostaria de saber qual foi o dia em que o SIRESP foi
necessário e funcionou”.
Segundo
Catarina Martins, “o BE foi o único partido a apresentar uma proposta sobre o
SIRESP no Parlamento”, que era de “uma simplicidade absoluta”. O que o BE
propôs é que se acabasse com esta PPP absurda, de pagar a privados para não
fazerem o trabalho que devem fazer”. Mas O PS, disse a líder bloquista, “chumbou esta proposta e foi acompanhado pela
direita, que teria tido a possibilidade de acabar com este negócio
ruinoso, mas que preferiu abster-se, fazendo de conta que este não era um
problema do país”.
Como é que a
Catarina queria que a direita votasse a favor se efetivamente esteve na génese
deste contrato abortivo do interesse público, que dois Governos do PS levaram
por diante e a que um Governo pré-Paf fechou os olhos?
***
Não digo que
o país está a saque, mas que temos uns governos incompetentes no zelo do Estado,
isso temos! Não digo que temos empresas predadoras, mas que temos empresas com
supina inconsciência pública, isso temos! Depois, todos nos aconselham a
desconfiar da política e a fazer intervenção cívica… Que não gozem connosco, tá, meu?!
2017.08.07 – Louro de Carvalho
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