Eleições e resultados
Mesmo antes de serem conhecidos os resultados finais oficiais das
eleições, o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) anunciou ter a “maioria qualificada assegurada” e
a eleição de João Lourenço para Presidente da República, o que a UNITA contesta,
pelo que pede À CNE (Comissão Nacional Eleitoral) a divulgação dos resultados reais. O secretário do
Bureau Político do partido ganhador para as questões políticas e eleitorais disse
a este respeito:
“Temos vindo a fazer a compilação dos dados que os nossos delegados de lista
nos têm remetido, das atas-síntese que obtiveram das assembleias de voto a
nível de todo o país. E, numa altura em que temos escrutinado acima de cinco
milhões de eleitores, o MPLA pode garantir que tem a maioria qualificada assegurada.”.
Tal declaração
foi produzida no quadro da informação transmitida hoje, dia 24, cerca das 11,50
horas, na sede nacional do MPLA, em Luanda. Assim, João Martins assegurou:
“É com tranquilidade que podemos assegurar que o futuro Presidente da
República será o camarada João Manuel Gonçalves Lourenço e o futuro
vice-Presidente da República será o camarada Bornito de Sousa Baltazar Diogo”.
Este anúncio
surgiu quando ainda decorria o escrutínio das 12 512 assembleias de voto, que
incluem 25.873 mesas de voto, e quando a CNE, no seu pronunciamento, durante a
madrugada, não avançava resultados provisórios nem prazos para o efeito, contra
o que era expectável.
Na sede do
MPLA, no centro de Luanda, está reunido o “estado-maior” da campanha eleitoral
do partido que dirige os destinos de Angola desde 1975, tendo João Martins
reconhecido a necessidade de passar uma mensagem de tranquilidade aos
apoiantes, pelo que, apesar de os dados oficiais serem os que forem publicados
pela CNE, aquando do anúncio dos resultados definitivos das eleições, assegurou:
“Nós constatamos essa necessidade. É por demais a pressão, quer da
comunicação social, quer da nossa massa militante, de todos os que apostaram no
nosso projeto, na proposta do MPLA, no nosso candidato, e tínhamos necessidade
de os tranquilizar de que o MPLA tem assegurada a maioria qualificada”.
Cedo, o
secretário daquele Bureau Político anunciava aos jornalistas que a vitória
do partido nas eleições gerais do dia 23, é “inequívoca e incontornável”. Com efeito,
logo após o cabeça de lista e vice-presidente do partido, João Lourenço, ter
abandonado a sede do partido, João Martins disse aos jornalistas:
“A vitória do MPLA é inequívoca, praticamente incontornável, e ela está-se
a consolidar em termos numéricos e acreditamos que nas próximas horas já
podemos começar a anunciar os números que são ansiados pelos cidadãos”.
Os
resultados anunciados pelo MPLA surgem à margem da contagem oficial da CNE, que
informou, na noite de 23, que estava a decorrer a contagem nas mesas de voto
das eleições gerais, processo que permitia a elaboração das atas de operações
eleitorais e síntese do processo de votação. Em conferência de imprensa, Júlia
Ferreira, porta-voz da CNE, disse que a contagem dos votos era feita nas mesas
de voto e, depois, eram elaboradas as atas, que são também entregues aos
delegados de lista das forças concorrentes presentes nas mesas. De facto, as
atas são entregues às comissões municipais eleitorais e, posteriormente,
remetidas às comissões provinciais eleitorais, para efeitos de apuramento
provincial.
Relativamente
à ata-síntese da assembleia de voto, a responsável deu a indicação de que
“tão logo seja enviada para os centros de escrutínio provinciais e para o
centro de escrutínio nacional, a CNE estará em condições de passar a divulgar
os resultados provisórios, que são feitos com base na ata-síntese das
assembleias de voto”.
Para tanto,
a CNE reunirá o seu plenário para um balanço daquilo que foi o ato eleitoral. Numa
análise provisória do ato eleitoral em si, a porta-voz do órgão eleitoral
afirmou que “o ato eleitoral correu sob feição”, destacando o “papel cívico,
ordeiro, de respeito pela legalidade, pelas instituições angolanas”, assumidos
pelos eleitores.
A votação
decorreu entre as 7 e as 18 horas do dia 23, em todo o país (mas os
eleitores que estivessem dentro das assembleias de voto tiveram a oportunidade
de votar, pelo que as assembleias fecharam às 19,30 horas), e a CNE indicou dever anunciar nas próximas horas
os resultados preliminares da eleição. Mais de 9,3 milhões de angolanos estavam
inscritos para escolherem, entre 6 candidatos, o sucessor de José Eduardo dos
Santos – que não integrou qualquer lista.
A estas
quartas eleições gerais da história angolana (desde a
independência, em 1975) concorreram:
o MPLA (Movimento Popular
de Libertação de Angola), desde
sempre no poder; a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola); a CASA-CE (Convergência Ampla de Salvação de
Angola – Coligação Eleitoral); o PRS (Partido de
Renovação Social); a FNLA (Frente
Nacional de Libertação de Angola); e a APN (Aliança
Patriótica Nacional). O cabeça
de lista pelo círculo nacional do partido (ou coligação de partidos) mais votado é automaticamente eleito Presidente da
República e chefe do executivo, segundo a Constituição, moldes em que
decorreram as eleições de 2012. Na verdade, a Constituição aprovada em 2010
prevê a realização de eleições gerais a cada 5 anos, elegendo 130 deputados
pelo círculo nacional e mais 5 deputados pelos círculos eleitorais de cada uma
das 18 províncias do país (total de 90).
***
Como ficou suposto,
o vice-presidente da UNITA, Raúl Danda (segundo atrás de Isaías
Samakuva), contestou o anúncio de vitória do MPLA nas eleições,
exortando a CNE “a ter a coragem de divulgar os resultados provisórios reais”
que chegam aos partidos. A isto, disse à agência Lusa:
“Não
sei de onde o MPLA está a tirar este resultado. Nós estamos a falar daquele que
é o resultado real, e que estamos à espera que a CNE tenha coragem de divulgar.
Não sabemos porque não o fez até agora.”.
Assegurando
que os resultados que lhe estão a chegar contradizem o anúncio, referiu:
“O resultado que nos está a chegar das mesas e das atas-síntese das
assembleias de voto, que devem estar afixadas, contradizem completamente isso
que o MPLA está a tentar dizer. […]. Não é só o MPLA que está a fazer contagem.
A UNITA também se preparou para fazer contagem e estamos a fazê-lo com base nas
atas, nas contagens feitas nas assembleias de voto.”.
De acordo com
a contagem paralela e provisória do principal partido da oposição, o MPLA
estava naquele momento com uma votação pouco acima dos 40%, seguido da UNITA
com mais de 30%. E, segundo Danda, ainda estavam por processar resultados de
áreas afetas à UNITA. Só em Luanda, tem de considerar-se o Cacuaco e Viana, com
bastante expressão no voto da capital. À medida que os votos são contados, a
tendência é o MPLA ir baixando e a UNITA ir subindo.
E aquele responsável
da UNITA conclui:
“A informação que temos é que a Cidade
Alta [Presidência da República] proibiu a CNE de divulgar os resultados. E
porquê? É fácil de saber.”.
***
O ambiente
das eleições
A porta-voz
da CNE, ao ser questionada, se naquelas zonas onde se registou atraso na
abertura das assembleias de voto, por questões de logísticas, como avaria de
helicópteros, nas zonas de difícil acesso, o prazo poderá ser estendido, rejeitou
essa hipótese, aduzindo que, se tal sucedeu, foi uma diferença mínima de 10 a
15 minutos e o que interessa é que os eleitores estejam dentro da assembleia de
voto. E referiu o lado positivo do ambiente das eleições, referindo que “os
pressupostos e os procedimentos consignados na lei foram escrupulosamente
observados”. Júlia Ferreira, que falava aos jornalistas no centro de divulgação
dos resultados, após reunião plenária da CNE, frisou a “afluência massiva dos
eleitores”, apesar dos relatos que foram divulgados na imprensa a dar conta do
contrário.
Porem, apesar
de as eleições deverem ocorrer em todo o território, 15 assembleias não tiveram
votação, por motivos que se prendem com causas de natureza objetiva – condições
climáticas adversas impediram a entrega do material logístico, o que “decorre
de uma situação anterior, que teve a ver com o despenhamento de uma aeronave
que fazia a distribuição logística”, despenhamento ocorrido na província do Moxico, uma das afetadas. Assim,
a CNE (que tinha
até 8 dias para decidir sobre a realização do ato eleitoral nas províncias
afetadas) deliberou que os 1.310 eleitores –
de Moxico, Lunda-Norte e Benguela – que não votaram, vão poder fazê-lo a 26 de
agosto.
Também a Polícia
Nacional considerou “estável” o ambiente do ato de votação em todo o país, com
o registo de 24 detenções. A situação da segurança ao ato de votação foi dada a
conhecer em conferência de imprensa, em que a polícia informou que foram
desenvolvidas ações de patrulhamento e vigilância para prevenção e segurança
geral, com vista a assegurar a estabilidade da situação operativa no país. Segundo
a polícia, procedeu-se à escolta do transporte da logística eleitoral às
assembleias de voto e o retorno destas às sedes municipais e provinciais da
Comissão Nacional Eleitoral.
No relatório
de ocorrências, a polícia aponta a notificação de 27 infrações (24 foram
esclarecidas) – que
resultaram num total de 24 detidos, 13 por crimes comuns e 14 por infrações
eleitorais – ocorridas nas províncias do Huambo, Lunda Norte, Cuanza Sul,
Huíla, Moxico e Luanda, Namibe, Benguela, Bié, Uíge e Malange. E destaca como
facto relevante a concentração de manifestantes junto de assembleias de voto
nos municípios do Huambo, Cachiungo, Bailundo e Longonjo, na província do
Huambo, para criar desacatos, tendo sido advertidos e dispersos.
Contudo, a oposição
tem outra leitura. Além da UNITA, que vem contestando os resultados, a direção
da CASA-CE queixou-se de casos de delegados de lista retirados das mesas de
voto durante o escrutínio, situação que a CNE diz desconhecer. Esta posição foi
assumida em declarações aos jornalistas três horas após o encerramento das
urnas, na sede da segunda força da oposição angolana, pelo seu secretário
executivo nacional Leonel Gomes, que classificou a situação como uma “violação
gravíssima à lei”.
Também a
UNITA, o maior partido da oposição, além da dúvida sobre a fiabilidade dos
resultados, denunciou a detenção de varias pessoas pela polícia, em número
ainda por apurar, na província do Huambo, no dia do processo de votação. A
informação foi hoje avançada pelo secretário provincial do Huambo da UNITA,
Liberty Chiaka, que fala igualmente em alegados disparos efetuados pela polícia
para dispersar as pessoas.
Depois, o
grande número de assembleias de voto e outros problemas levaram a alguma
confusão. De facto, alguns eleitores no município do Cazenga, província de
Luanda, passaram a manhã à procura das respetivas assembleias de voto. Gabriel
Tchova disse à Lusa:
“Tenho aqui esta ficha na mão e até agora estou a circular para ver se
consigo encontrar a minha assembleia de voto, porque não sei onde fica o bairro
11 de Novembro”.
Também
Verónica Ngangula Nzuzi esteve com dificuldades em localizar a sua assembleia
de voto, afirmando que nem mesmo os agentes de educação cívica eleitoral aos
quais recorreu conseguiram esclarecer onde deve votar. E explicou:
“Estou aqui já a circular desde as 7 horas e ainda nem sei onde votar.
Atualizei o meu cartão, mas não consigo localizar esta referência que meteram
aqui no papel.”.
Porém, em ronda
por outras assembleias de voto, no município do Cazenga, não foram constatados casos
do género acima descritos. E, na assembleia de voto número 686, no distrito
urbano do Hoji-Ya-Henda, a votação começou às 7,10 horas e decorreu sem
sobressaltos, como atestou à Lusa o
presidente da assembleia, Inácio Francisco Almeida:
“Até aqui, o processo está a decorrer normalmente, do jeito como nós
esperávamos. Estamos a trabalhar com nove mesas e também nove cadernos
eleitorais. A nossa previsão, à luz do que está nos cadernos eleitorais, é
atender 500 eleitores por cada mesa.”.
***
A posição da
CEAST
A
Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST)
veio exortar o poder político a que “aceite o que o povo exprimiu de forma
livre nas urnas”, depois da divulgação dos primeiros resultados das eleições
presidenciais no país.
A posição dos bispos angolanos, expressa através do porta-voz da CEAST,
José Imbamba, veio na sequência do anúncio de que o candidato do MPLA terá
ganho as eleições por maioria qualificada e na da verificação de que a UNITA
contestou os resultados alegando que os dados que estavam a chegar contradiziam
a posição vitoriosa do partido no poder.
A Igreja
Católica angolana exprimiu, hoje, dia 24, a importância de uma nação
“unida” e em “paz”, independentemente dos resultados eleitorais.
Esta ida às urnas marcou o fim de quase 40 anos de governação do
presidente cessante José Eduardo dos Santos. E o candidato agora apontado como
vencedor, João Lourenço, tem 63 anos, é atualmente vice-presidente do MPLA e
exerceu também os cargos de ministro da Defesa e chefe da direção política das
Forças Armadas de Angola.
***
Haverá mesmo uma mudança de ciclo político?
Angola votou para escolher o sucessor de José Eduardo dos Santos. Será que
este sai mesmo? Dizem os observadores que tudo depende da perspetiva. Dos Santos deixa de ser Presidente da República de
Angola. Todavia, não deixa de ser Presidente do MPLA. Ironicamente, vai ser Presidente
do Presidente da República – o que leva alguns analistas a dizer que,
apesar de se encerrar um ciclo com a saída de cena de José Eduardo dos Santos,
pode não se inaugurar um novo, já que o presidente eleito estará rodeado das
mesmas forças que o presidente emérito, tendo este, pelos vistos, acautelado o
controlo político do território e das instituições, pondo em lugares-chave
recentemente pessoas da sua inteira confiança. E, mais que os outros itens do
estatuto do presidente emérito, de índole social, económica e logística (para si e
família), choca a permanência da imunidade,
o que não o deixa, como seria de desejar, acima de qualquer suspeita. O presidente
eleito tem mantido um silêncio considerado prudente.
É, ainda, de
recordar que a família Dos Santos controla algumas das mais importantes e
valiosas empresas angolanas (e tem participação em importantes empresas portuguesas). E, a política, para ser eficaz, tem de gerir e
melhorar as questões socioeconómicas e financeiras. Será o novo Governo capaz
de inverter a crise económica angolana resultante da baixa drástica do peço do
petróleo? Será o próximo Presidente capaz de fazer a total desminagem do
território, pondo Angola a rendibilizar os seus recursos naturais, a produzir e
a distribuir riqueza, a partir da policultura? Será o novo Presidente capaz de minorar
o campo da corrupção?
Se assim não
for, o 23 de agosto não passará de mera passagem de testemunho formal, provavelmente
mais democrática, mas só isso. E então será uma semivitória do povo, uma
semipassagem de testemunho político. Contribuirá para a verdadeira reconciliação
almejada pela CEAST?
2017.08.24 – Louro de Carvalho
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