quinta-feira, 24 de agosto de 2017

As eleições em Angola e a semipassagem de testemunho

Eleições e resultados

Mesmo antes de serem conhecidos os resultados finais oficiais das eleições, o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) anunciou ter a “maioria qualificada assegurada” e a eleição de João Lourenço para Presidente da República, o que a UNITA contesta, pelo que pede À CNE (Comissão Nacional Eleitoral) a divulgação dos resultados reais. O secretário do Bureau Político do partido ganhador para as questões políticas e eleitorais disse a este respeito:
“Temos vindo a fazer a compilação dos dados que os nossos delegados de lista nos têm remetido, das atas-síntese que obtiveram das assembleias de voto a nível de todo o país. E, numa altura em que temos escrutinado acima de cinco milhões de eleitores, o MPLA pode garantir que tem a maioria qualificada assegurada.”.
Tal declaração foi produzida no quadro da informação transmitida hoje, dia 24, cerca das 11,50 horas, na sede nacional do MPLA, em Luanda. Assim, João Martins assegurou:
“É com tranquilidade que podemos assegurar que o futuro Presidente da República será o camarada João Manuel Gonçalves Lourenço e o futuro vice-Presidente da República será o camarada Bornito de Sousa Baltazar Diogo”.
Este anúncio surgiu quando ainda decorria o escrutínio das 12 512 assembleias de voto, que incluem 25.873 mesas de voto, e quando a CNE, no seu pronunciamento, durante a madrugada, não avançava resultados provisórios nem prazos para o efeito, contra o que era expectável.
Na sede do MPLA, no centro de Luanda, está reunido o “estado-maior” da campanha eleitoral do partido que dirige os destinos de Angola desde 1975, tendo João Martins reconhecido a necessidade de passar uma mensagem de tranquilidade aos apoiantes, pelo que, apesar de os dados oficiais serem os que forem publicados pela CNE, aquando do anúncio dos resultados definitivos das eleições, assegurou:
“Nós constatamos essa necessidade. É por demais a pressão, quer da comunicação social, quer da nossa massa militante, de todos os que apostaram no nosso projeto, na proposta do MPLA, no nosso candidato, e tínhamos necessidade de os tranquilizar de que o MPLA tem assegurada a maioria qualificada”.
Cedo, o secretário daquele Bureau Político anunciava aos jornalistas que a vitória do partido nas eleições gerais do dia 23, é “inequívoca e incontornável”. Com efeito, logo após o cabeça de lista e vice-presidente do partido, João Lourenço, ter abandonado a sede do partido, João Martins disse aos jornalistas:
“A vitória do MPLA é inequívoca, praticamente incontornável, e ela está-se a consolidar em termos numéricos e acreditamos que nas próximas horas já podemos começar a anunciar os números que são ansiados pelos cidadãos”.
Os resultados anunciados pelo MPLA surgem à margem da contagem oficial da CNE, que informou, na noite de 23, que estava a decorrer a contagem nas mesas de voto das eleições gerais, processo que permitia a elaboração das atas de operações eleitorais e síntese do processo de votação. Em conferência de imprensa, Júlia Ferreira, porta-voz da CNE, disse que a contagem dos votos era feita nas mesas de voto e, depois, eram elaboradas as atas, que são também entregues aos delegados de lista das forças concorrentes presentes nas mesas. De facto, as atas são entregues às comissões municipais eleitorais e, posteriormente, remetidas às comissões provinciais eleitorais, para efeitos de apuramento provincial.
Relativamente à ata-síntese da assembleia de voto, a responsável deu a indicação de que
“tão logo seja enviada para os centros de escrutínio provinciais e para o centro de escrutínio nacional, a CNE estará em condições de passar a divulgar os resultados provisórios, que são feitos com base na ata-síntese das assembleias de voto”.
Para tanto, a CNE reunirá o seu plenário para um balanço daquilo que foi o ato eleitoral. Numa análise provisória do ato eleitoral em si, a porta-voz do órgão eleitoral afirmou que “o ato eleitoral correu sob feição”, destacando o “papel cívico, ordeiro, de respeito pela legalidade, pelas instituições angolanas”, assumidos pelos eleitores.
A votação decorreu entre as 7 e as 18 horas do dia 23, em todo o país (mas os eleitores que estivessem dentro das assembleias de voto tiveram a oportunidade de votar, pelo que as assembleias fecharam às 19,30 horas), e a CNE indicou dever anunciar nas próximas horas os resultados preliminares da eleição. Mais de 9,3 milhões de angolanos estavam inscritos para escolherem, entre 6 candidatos, o sucessor de José Eduardo dos Santos – que não integrou qualquer lista.
A estas quartas eleições gerais da história angolana (desde a independência, em 1975) concorreram: o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), desde sempre no poder; a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola); a CASA-CE (Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral); o PRS (Partido de Renovação Social); a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola); e a APN (Aliança Patriótica Nacional). O cabeça de lista pelo círculo nacional do partido (ou coligação de partidos) mais votado é automaticamente eleito Presidente da República e chefe do executivo, segundo a Constituição, moldes em que decorreram as eleições de 2012. Na verdade, a Constituição aprovada em 2010 prevê a realização de eleições gerais a cada 5 anos, elegendo 130 deputados pelo círculo nacional e mais 5 deputados pelos círculos eleitorais de cada uma das 18 províncias do país (total de 90).
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Como ficou suposto, o vice-presidente da UNITA, Raúl Danda (segundo atrás de Isaías Samakuva), contestou o anúncio de vitória do MPLA nas eleições, exortando a CNE “a ter a coragem de divulgar os resultados provisórios reais” que chegam aos partidos. A isto, disse à agência Lusa:
“Não sei de onde o MPLA está a tirar este resultado. Nós estamos a falar daquele que é o resultado real, e que estamos à espera que a CNE tenha coragem de divulgar. Não sabemos porque não o fez até agora.”.
Assegurando que os resultados que lhe estão a chegar contradizem o anúncio, referiu:
“O resultado que nos está a chegar das mesas e das atas-síntese das assembleias de voto, que devem estar afixadas, contradizem completamente isso que o MPLA está a tentar dizer. […]. Não é só o MPLA que está a fazer contagem. A UNITA também se preparou para fazer contagem e estamos a fazê-lo com base nas atas, nas contagens feitas nas assembleias de voto.”.
De acordo com a contagem paralela e provisória do principal partido da oposição, o MPLA estava naquele momento com uma votação pouco acima dos 40%, seguido da UNITA com mais de 30%. E, segundo Danda, ainda estavam por processar resultados de áreas afetas à UNITA. Só em Luanda, tem de considerar-se o Cacuaco e Viana, com bastante expressão no voto da capital. À medida que os votos são contados, a tendência é o MPLA ir baixando e a UNITA ir subindo.
E aquele responsável da UNITA conclui:
“A informação que temos é que a Cidade Alta [Presidência da República] proibiu a CNE de divulgar os resultados. E porquê? É fácil de saber.”.
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O ambiente das eleições
A porta-voz da CNE, ao ser questionada, se naquelas zonas onde se registou atraso na abertura das assembleias de voto, por questões de logísticas, como avaria de helicópteros, nas zonas de difícil acesso, o prazo poderá ser estendido, rejeitou essa hipótese, aduzindo que, se tal sucedeu, foi uma diferença mínima de 10 a 15 minutos e o que interessa é que os eleitores estejam dentro da assembleia de voto. E referiu o lado positivo do ambiente das eleições, referindo que “os pressupostos e os procedimentos consignados na lei foram escrupulosamente observados”. Júlia Ferreira, que falava aos jornalistas no centro de divulgação dos resultados, após reunião plenária da CNE, frisou a “afluência massiva dos eleitores”, apesar dos relatos que foram divulgados na imprensa a dar conta do contrário.
Porem, apesar de as eleições deverem ocorrer em todo o território, 15 assembleias não tiveram votação, por motivos que se prendem com causas de natureza objetiva – condições climáticas adversas impediram a entrega do material logístico, o que “decorre de uma situação anterior, que teve a ver com o despenhamento de uma aeronave que fazia a distribuição logística”, despenhamento ocorrido  na província do Moxico, uma das afetadas. Assim, a CNE (que tinha até 8 dias para decidir sobre a realização do ato eleitoral nas províncias afetadas) deliberou que os 1.310 eleitores – de Moxico, Lunda-Norte e Benguela – que não votaram, vão poder fazê-lo a 26 de agosto.
Também a Polícia Nacional considerou “estável” o ambiente do ato de votação em todo o país, com o registo de 24 detenções. A situação da segurança ao ato de votação foi dada a conhecer em conferência de imprensa, em que a polícia informou que foram desenvolvidas ações de patrulhamento e vigilância para prevenção e segurança geral, com vista a assegurar a estabilidade da situação operativa no país. Segundo a polícia, procedeu-se à escolta do transporte da logística eleitoral às assembleias de voto e o retorno destas às sedes municipais e provinciais da Comissão Nacional Eleitoral.
No relatório de ocorrências, a polícia aponta a notificação de 27 infrações (24 foram esclarecidas) – que resultaram num total de 24 detidos, 13 por crimes comuns e 14 por infrações eleitorais – ocorridas nas províncias do Huambo, Lunda Norte, Cuanza Sul, Huíla, Moxico e Luanda, Namibe, Benguela, Bié, Uíge e Malange. E destaca como facto relevante a concentração de manifestantes junto de assembleias de voto nos municípios do Huambo, Cachiungo, Bailundo e Longonjo, na província do Huambo, para criar desacatos, tendo sido advertidos e dispersos.
Contudo, a oposição tem outra leitura. Além da UNITA, que vem contestando os resultados, a direção da CASA-CE queixou-se de casos de delegados de lista retirados das mesas de voto durante o escrutínio, situação que a CNE diz desconhecer. Esta posição foi assumida em declarações aos jornalistas três horas após o encerramento das urnas, na sede da segunda força da oposição angolana, pelo seu secretário executivo nacional Leonel Gomes, que classificou a situação como uma “violação gravíssima à lei”.
Também a UNITA, o maior partido da oposição, além da dúvida sobre a fiabilidade dos resultados, denunciou a detenção de varias pessoas pela polícia, em número ainda por apurar, na província do Huambo, no dia do processo de votação. A informação foi hoje avançada pelo secretário provincial do Huambo da UNITA, Liberty Chiaka, que fala igualmente em alegados disparos efetuados pela polícia para dispersar as pessoas.
Depois, o grande número de assembleias de voto e outros problemas levaram a alguma confusão. De facto, alguns eleitores no município do Cazenga, província de Luanda, passaram a manhã à procura das respetivas assembleias de voto. Gabriel Tchova disse à Lusa:
“Tenho aqui esta ficha na mão e até agora estou a circular para ver se consigo encontrar a minha assembleia de voto, porque não sei onde fica o bairro 11 de Novembro”.
Também Verónica Ngangula Nzuzi esteve com dificuldades em localizar a sua assembleia de voto, afirmando que nem mesmo os agentes de educação cívica eleitoral aos quais recorreu conseguiram esclarecer onde deve votar. E explicou:
“Estou aqui já a circular desde as 7 horas e ainda nem sei onde votar. Atualizei o meu cartão, mas não consigo localizar esta referência que meteram aqui no papel.”.
Porém, em ronda por outras assembleias de voto, no município do Cazenga, não foram constatados casos do género acima descritos. E, na assembleia de voto número 686, no distrito urbano do Hoji-Ya-Henda, a votação começou às 7,10 horas e decorreu sem sobressaltos, como atestou à Lusa o presidente da assembleia, Inácio Francisco Almeida:
“Até aqui, o processo está a decorrer normalmente, do jeito como nós esperávamos. Estamos a trabalhar com nove mesas e também nove cadernos eleitorais. A nossa previsão, à luz do que está nos cadernos eleitorais, é atender 500 eleitores por cada mesa.”.
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A posição da CEAST
A Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) veio exortar o poder político a que “aceite o que o povo exprimiu de forma livre nas urnas”, depois da divulgação dos primeiros resultados das eleições presidenciais no país.
A posição dos bispos angolanos, expressa através do porta-voz da CEAST, José Imbamba, veio na sequência do anúncio de que o candidato do MPLA terá ganho as eleições por maioria qualificada e na da verificação de que a UNITA contestou os resultados alegando que os dados que estavam a chegar contradiziam a posição vitoriosa do partido no poder.
A Igreja Católica angolana exprimiu, hoje, dia 24, a importância de uma nação “unida” e em “paz”, independentemente dos resultados eleitorais.
Esta ida às urnas marcou o fim de quase 40 anos de governação do presidente cessante José Eduardo dos Santos. E o candidato agora apontado como vencedor, João Lourenço, tem 63 anos, é atualmente vice-presidente do MPLA e exerceu também os cargos de ministro da Defesa e chefe da direção política das Forças Armadas de Angola.
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Haverá mesmo uma mudança de ciclo político?
Angola votou para escolher o sucessor de José Eduardo dos Santos. Será que este sai mesmo? Dizem os observadores que tudo depende da perspetiva. Dos Santos deixa de ser Presidente da República de Angola. Todavia, não deixa de ser Presidente do MPLA. Ironicamente, vai ser Presidente do Presidente da República – o que leva alguns analistas a dizer que, apesar de se encerrar um ciclo com a saída de cena de José Eduardo dos Santos, pode não se inaugurar um novo, já que o presidente eleito estará rodeado das mesmas forças que o presidente emérito, tendo este, pelos vistos, acautelado o controlo político do território e das instituições, pondo em lugares-chave recentemente pessoas da sua inteira confiança. E, mais que os outros itens do estatuto do presidente emérito, de índole social, económica e logística (para si e família), choca a permanência da imunidade, o que não o deixa, como seria de desejar, acima de qualquer suspeita. O presidente eleito tem mantido um silêncio considerado prudente.
É, ainda, de recordar que a família Dos Santos controla algumas das mais importantes e valiosas empresas angolanas (e tem participação em importantes empresas portuguesas). E, a política, para ser eficaz, tem de gerir e melhorar as questões socioeconómicas e financeiras. Será o novo Governo capaz de inverter a crise económica angolana resultante da baixa drástica do peço do petróleo? Será o próximo Presidente capaz de fazer a total desminagem do território, pondo Angola a rendibilizar os seus recursos naturais, a produzir e a distribuir riqueza, a partir da policultura? Será o novo Presidente capaz de minorar o campo da corrupção?
Se assim não for, o 23 de agosto não passará de mera passagem de testemunho formal, provavelmente mais democrática, mas só isso. E então será uma semivitória do povo, uma semipassagem de testemunho político. Contribuirá para a verdadeira reconciliação almejada pela CEAST?

2017.08.24 – Louro de Carvalho

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