O ano letivo que se aproxima surge com um misto de
novidade e rotina habitual.
A nível do habitual, as escolas optam por tempos
letivos de 45 ou de 50 minutos; constituem turmas com o mesmo número de alunos que
nos anos anteriores; fazem a interrupção das atividades letivas por ocasião do
Natal, Carnaval e Páscoa; adotam manuais escolares; têm os órgãos de administração
e gestão a funcionar; gerem os planos curriculares conforme o respetivo ciclo e
ano; e desenvolvem os programas de cada disciplina – tudo de acordo com os
normativos legais e os regulamentos (interno e setoriais) e projetos de cada unidade orgânica (Projeto
Educativo, Projeto Curricular e os previsto no Regulamento Interno).
Como novidades para a escola em geral, temos a
aplicação em pleno das novas orientações curriculares na educação pré-escolar;
a utilização do “Referencial da Educação para a Saúde, um guia com os temas a
abordar pelas escolas na matéria; a gratuitidade dos manuais escolares para
todos os alunos do 1.º ciclo; a mesma extensão do calendário escolar da
educação pré-escolar que para os demais ciclos; a contagem como tempo de
serviço (docente e discente) dos intervalos de aula no 1.º ciclo, com exceção
do intervalo de almoço; a redução do número de alunos por turma nas unidades
orgânicas consideradas territórios de intervenção prioritária (TEIP); e a experiência pedagógica da flexibilização
curricular em 236 estabelecimentos públicos e privados em turmas dos anos
iniciais de ciclo (1.º, 5.º, 7.º e 10.º).
Entretanto, continua de pé a institucionalização do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade
Obrigatória, a cuja homologação procedeu o Secretário de Estado da Educação
através do Despacho n.º 6478/2017, de 26 de julho, que determina que o dito
perfil
“Se
afirma como referencial para as decisões a adotar por decisores e atores
educativos ao nível dos estabelecimentos de educação e ensino e dos organismos
responsáveis pelas políticas educativas”
E se constitui
“Como matriz comum para todas as
escolas e ofertas educativas no âmbito da escolaridade obrigatória,
designadamente ao nível curricular, no planeamento, na realização e na
avaliação interna e externa do ensino e da aprendizagem”.
Por outro lado, mantém-se a atenção
vigilante em relação ao processo de municipalização, às alterações à legislação
da educação especial e às regras de acesso ao ensino superior.
***
A flexibilização curricular será a maior mudança no
ano letivo 2017/2018. Com efeito o ME, através do Despacho n.º 5908/2017, de 5 de julho, do
Secretário de Estado da Educação – que aprova o projeto de autonomia e
flexibilidade curricular, em regime de experiência pedagógica, definindo os
princípios e regras orientadores da conceção, operacionalização e avaliação do
currículo dos ensinos básico e secundário, de modo a alcançar o Perfil dos
alunos à saída da escolaridade obrigatória – põe em desenvolvimento o projeto-piloto que dará mais autonomia às escolas na
gestão dos seus currículos em 236 estabelecimentos de ensino, que se voluntariaram
para o efeito (dos quais 171 são públicos, 61 privados e 4 são escolas portuguesas no
estrangeiro).
Neste quadro, foram definidos “os princípios e regras orientadores da
conceção, operacionalização e avaliação do currículo dos ensinos básico e
secundário”; pretende-se garantir “uma
escola inclusiva, cuja diversidade, flexibilidade, inovação e personalização
respondem à heterogeneidade dos alunos”; fazer “maior articulação entre os três
ciclos do ensino básico e o ensino secundário”; valorizar a “gestão e
lecionação interdisciplinar e articulada do currículo através do
desenvolvimento de projetos que aglutinem aprendizagens das diferentes
disciplinas, planeados, realizados e avaliados pelo conjunto dos professores de
cada conselho de turma ou de cada ano de escolaridade”: assumir a “importância
da natureza transdisciplinar das aprendizagens, da mobilização de literacias
diversas, de múltiplas competências, teóricas e práticas, promovendo o
conhecimento científico, a curiosidade intelectual, o espírito crítico e
interventivo, a criatividade e o trabalho colaborativo”; afirmar a “avaliação
das aprendizagens como parte integrante da gestão do currículo enquanto
instrumento ao serviço do ensino e das aprendizagens”; promover a “capacidade
reguladora dos instrumentos de avaliação externa, valorizando uma intervenção
atempada e rigorosa, sustentada pela informação decorrente do processo de
aferição, no sentido de superar dificuldades nos diferentes domínios curriculares”;
e reconhecer os “professores enquanto agentes principais do desenvolvimento do
currículo, com um papel fundamental na sua avaliação, na reflexão sobre as
opções a tomar, na sua exequibilidade e adequação aos contextos de cada
comunidade escolar”.
Estas escolas podem,
nos termos do predito despacho, “gerir até 25 % da carga horária semanal
inscrita nas matrizes curriculares-base, por ano de escolaridade, ou, no caso
de cursos de educação e formação de jovens e de cursos profissionais, da carga
horária total do ciclo de formação”. Tendo em conta o respetivo contexto, “podem
ser criados domínios de autonomia curricular ou novas disciplinas, não
prejudicando a existência das áreas disciplinares e disciplinas previstas nas
matrizes curriculares-base”. Essas novas disciplinas, “criadas no tempo
destinado à Oferta Complementar, apresentam identidade e documentos
curriculares próprios”.
As disciplinas anuais poderão passar a semestrais ou
mesmo virem ser fundidas. Os tempos poderão ser redistribuídos de outros modos
para investir no trabalho interdisciplinar. Haverá duas novas disciplinas: Cidadania e Desenvolvimento (CD) e Tecnologias
de Informação e Comunicação (TIC), que integram,
em regra, as matrizes de todos os anos de escolaridade
do ensino básico.
Estas componentes constituem, no 1.º ciclo, área
de natureza transdisciplinar, potenciada pela dimensão
globalizante do ensino neste ciclo;
e nos 2.º e 3.º ciclos, disciplinas que podem funcionar numa organização semestral,
anual ou outra.
Nos cursos de educação e formação de jovens de nível básico e no
ensino secundário, a componente do currículo CD é desenvolvida
com o contributo de todas as disciplinas e componentes de formação
constantes nas matrizes curriculares-base. E foram
definidas, para cada disciplina do currículo nacional, as “aprendizagens
essenciais”, ou seja, o que os alunos devem saber em cada disciplina, à
semelhança das famigeradas metas curriculares, ora menos rígidas e mais
maleáveis.
Fica
estabelecido que o planeamento curricular ao nível de escola e de turma
concretiza os pressupostos do projeto educativo e se constitui “como uma
apropriação contextualizada do currículo, adequada à consecução das
aprendizagens e ao desenvolvimento integral dos alunos”. Além do projeto
educativo, que consagra as opções de natureza curricular, é também instrumento
de planeamento curricular o plano curricular da turma (valorizado com esta reforma).
Porém,
a escola pode adotar outros instrumentos de planeamento curricular,
designadamente, planos curriculares de ano de escolaridade, a gerir por equipa
educativa docente responsável, em cada ano de escolaridade, pelas aprendizagens a desenvolver pelos
alunos.
Fica
também estabelecido que as opções de natureza curricular, designadamente os
critérios de organização e de gestão pedagógica, são inscritas no projeto
educativo e se constituem como referência no trabalho de planeamento, realização
e avaliação do ensino e da aprendizagem, a concretizar ao nível da turma ou do
ano de escolaridade. No planeamento curricular a desenvolver pela escola, o
projeto educativo integra ainda, entre outros elementos considerados
pertinentes, os procedimentos de monitorização e avaliação.
***
Reduzir o número de alunos por turma é vontade da
comunidade docente e assunto habitual à mesa das negociações. Assim, essa
redução gradual do número de alunos consta no programa governamental e, no
próximo ano letivo, serão dados passos nesse sentido. O Ministério da Educação (ME) ainda não divulgou que turmas que ficarão com menos
alunos. Mas sabe-se que tal redução avançará, pelo menos, em escolas de TEIP e
nos anos iniciais de ciclo de ensino (1.º, 5.º, 7.º e 10.º anos) nas escolas e turmas do projeto-piloto. Entretanto,
Tiago Brandão Rodrigues avisou que a medida dependeria do impacto financeiro. E
as escolas em regime de experiência pedagógica não podem, por via desta,
contratar mais docentes nem ter mais encargos com horas extraordinárias.
O calendário do próximo ano letivo coloca a educação pré-escolar
em pé de igualdade com os outros níveis de educação e ensino. Tal como
acontecia há 15 anos, a educação pré-escolar volta a conhecer interrupção de
atividades no Natal, Carnaval e Páscoa e acaba o ano uma semana mais cedo. E, em
relação à ocupação das crianças nesses tempos, a tutela afirmou que estava a
trabalhar com os municípios e determinou, no despacho do novo calendário
escolar, que devem ser adotadas, durante essas pausas, “medidas organizativas e adequadas, em estreita articulação com as
famílias e as autarquias, de modo a garantir o atendimento das crianças”.
O Referencial da
Educação para a Saúde, acima referido, passou a temática da interrupção
voluntária da gravidez do 2.º para o 3.º ciclo do Ensino Básico, atendendo à
petição que reuniu mais de 8.000 assinaturas a pedir a matéria não fosse
tratada no 2.º ciclo, que tem alunos com idades entre os 10 e os 12 anos.
O ano letivo (não confundir com ano escolar, que
vai de 1 de setembro a 31 de agosto) começará
entre 7 e 13 de setembro com temas que se mantêm na agenda política. A
municipalização ou transferência de competências educacionais do poder central
para as câmaras municipais embate em forte resistência e, apesar de a tutela
garantir que a contratação e a gestão de docentes continuarão fora da alçada
municipal, há responsáveis por escolas e sindicatos que temem que as escolas fiquem
sujeitas ao jogo político-partidário, tendo já afirmado que a interferência da
câmara cria problemas à gestão do pessoal. A legislação da educação especial
terá mexidas, como prevê o diploma que está em consulta pública até ao final de
agosto, e há algumas reservas sobretudo quanto a eventual redução de recursos humanos.
As regras de acesso ao ensino superior poderão mudar, havendo propostas nesse
sentido, e o poderá haver desenvolvimentos a curto prazo.
***
Sobre a flexibilização têm-se ouvido verdadeiros
disparates, de que ressalta, por exemplo, que todos os alunos vão aprender o
mesmo, sendo apenas diferente a forma como se transmitem as aprendizagens (disse
Presidente da ANDAEP à RR). Ora as
aprendizagens não se transmitem, mas só conteúdos e as informações. Depois, os
iluminados dão a ideia de que até agora os professores se têm limitado a
papaguear os programas de cada disciplina na escola e turma – o que é deveras
ofensivo por não poder refletir desconhecimento da realidade, mas
superficialidade e má-fé.
Por outro lado, os professores vão mesmo ser obrigados
a flexibilizar ou inventar, pois, olhando a sério para a matrizes-base dos
planos curriculares pespegadas nos diversos anexos do projeto aprovado pelo Despacho
n.º 5908/2017, de 5 de julho, aqueles
minutos não dão todos número inteiro nem na divisão por 50 nem por 45, como não
permitem uma divisão equitativa do número de tempos semanais pelas diversas
disciplinas do mesmo bloco.
Também se endeusa a possibilidade de dividir o ano
letivo em dois semestres à espera que de que os alunos ganhem mais motivação e
melhorem os comportamentos desviantes. Se não se explorarem outros meios, será caso para
dizer (como os
malucos do riso): Vai lá, vai. Até a barraca abana! Com efeito,
há que implicar a sério o aluno como o principal agente na aquisição e
desenvolvimento das aprendizagens e suscitar a cumplicidade do encarregado de
educação.
Por fim, a definição de aprendizagens essenciais e a
incidência exclusiva nelas por parte das provas de avaliação externa, neste
contexto de rankings e de hipervalorização dos exames, afiguram-se como perigo
acrescido, se não houver ação inspetiva acurada e honestidade reforçada. As
aprendizagens essenciais ficam grandemente reduzidas… E francamente cheira-me a
esturro que algumas escolas privadas tenham alinhado na flexibilização
curricular, como se já não tivessem até agora margem de autonomia mais que
suficiente, embora nem sempre ortodoxa! Além disso, recordo o que deu em
malefício pedagógico a grande simplificação de programas no ensino secundário
em 1996 com vista à materialização dos exames do 12.º ano.
É que podem muito bem os 25% do currículo cair em poço
sem fundo ou saírem barbaramente subvalorizados, se não se previrem mecanismos
de avaliação externa.
Ora, se a autonomia não se consegue por decreto,
também flexibilização e um novo perfil de aluno, bem como a decência pedagógica
e administrativa não se conseguem por despacho.
Pior seria nada fazer, mas, uma vez feito, há que
responsabilizar, acompanhando, fiscalizando e punindo a mediocridade e
premiando as boas práticas. E oxalá que a flexibilização não se torne um
pretexto de negócio para as editoras, o que tem sucedido sempre que há inovação
na escola.
2017.08.29 – Louro de Carvalho
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