A
solenidade da Assunção de Nossa Senhora há de ser enquadrada no mistério de
Cristo e da Igreja na perspetiva da economia da Salvação. E esta passa pelo sinal
na Terra dado ao rei Acaz pelo profeta Isaías: “a jovem está grávida e vai dar à luz um
filho, e há de pôr-lhe o nome de Emanuel”
(Is 7,14). É uma profecia que se cumpre em Maria, como disse o Anjo a
José:
“José, filho de David, não temas receber
Maria, tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo. Ela
dará à luz um filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo
dos seus pecados.” (Mt 1,20-21).
E o evangelista explica:
“Tudo isto
aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta: Eis
que a virgem conceberá e dará à luz um filho; e hão de chamá-lo Emanuel, que quer dizer:
Deus connosco” (Mt 1,22-23).
Obviamente
que nós lemos no Evangelho de Lucas o anúncio do nascimento de Jesus. É a Cheia
de Graça que havia de atualizar, nestes tempos que são os últimos, aquele sinal
concebendo e dando à luz um filho ao qual poria o nome de Jesus – tornando-se a
serva do Mistério e a cumpridora da Palavra (cf Lc 1,26-38). E é nesta dimensão de nova Arca da Aliança, que traz dentro de si,
já não as tábuas da Lei, mas o corpo do Filho de Deus, que Maria calcorreia as
montanhas para ajuda àquela que estava já no 6.º mês da sua gravidez – Isabel havia
de dar à luz aquele que vinha preparar os caminhos do Senhor.
Isabel
não dançou nem cantou como David diante da Arca da Lei, mas o menino saltou-lhe
dentro do seio à chegada da Mãe do Senhor. E a mãe do Batista fez o ato de fé
exultante e pedagógico:
“Bendita és tu entre as mulheres e
bendito é o fruto do teu ventre. E donde me é dado que venha ter comigo a mãe
do meu Senhor? Pois, logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino
saltou de alegria no meu seio. Feliz de ti que acreditaste, porque se vai
cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor.” (Lc 1,42-45).
E a Mãe de Jesus entoou exultante o ‘Magnificat’, cântico da misericórdia divina, reconhecendo as
maravilhas de Deus em quem é humilde e profetizando a aclamação de todas as
gerações sobre o nome de Maria que nos traz Jesus e que para Ele nos encaminha
(vd Lc 1,45-55).
***
Porém, o dia
da Assunção é, por si, um dia pascal, cristológico. Como pela Páscoa Paulo nos convida
a aspirar às coisas do Alto e a libertar-nos das da Terra (cf Cl 3,1-4), também na Solenidade da Assunção a
Liturgia nos manda olhar para o Céu, onde aparece um sinal deveras grandioso – signum magnum – uma mulher revestida de
sol, com a lua debaixo dos pés e uma coroa de estrelas na cabeça. E este
sinal é um sinal de guerra: a guerra feroz que Satanás e as suas forças fazem à
Igreja ao longo dos séculos, mas sem que as forças do inferno prevaleçam (cf Mt 16,18), pois a vitória, por mérito de
Cristo, o verdadeiro Sol, pertence à Mulher vestida de sol, a Igreja, que d’Ele
recebe a luz, e a Virgem Maria, protótipo e membro primevo da Igreja, nossa Mãe
e Mãe da Igreja. Por isso rezamos na Missa (oração coleta) e na Liturgia das Horas:
“Deus eterno e omnipotente, que elevastes à
glória do Céu em corpo e alma a Imaculada Virgem Maria, Mãe do vosso Filho,
concedei-nos a graça de aspirarmos sempre às coisas do alto, para merecermos
participar da sua glória”.
E hoje, na
igreja dos Passionistas, começava-se a celebração eucarística com o cântico
cujo estribilho é: “Jesus Cristo
Ontem e Hoje e por toda a eternidade”. Com efeito, “o seu reinado não terá fim”
(Lc 1,33).
***
A Leitura I da Missa (Ap 11, 19a 12, 1-6a.10ab ) é eloquente:
O templo de Deus abriu-se no Céu e a
arca da aliança foi vista no seu templo. Apareceu no Céu um sinal grandioso:
uma mulher revestida de sol, com a lua debaixo dos pés e uma coroa de 12
estrelas na cabeça. Estando para ser mãe, gritava com as dores e ânsias da
maternidade. E outro sinal: um enorme dragão cor de fogo, com 7 cabeças e 10
chifres e nas cabeças 7 diademas. A cauda arrastava um terço das estrelas do céu
e lançou-as sobre a terra. O dragão colocou-se ante a mulher que estava para ser
mãe, para lhe devorar o filho logo que nascesse. Ela teve um filho varão, que
há de reger todas as nações com cetro de ferro. O filho foi levado para junto
de Deus e do seu trono e a mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe tinha
preparado um lugar. E ouvi uma voz poderosa que clamava no Céu: Agora chegou a salvação, o poder e a realeza
do nosso Deus e o domínio do seu Ungido.
Sob a imagem
da Arca (v. 19) e da mulher (vv. 1-17) é-nos apresentada a Igreja e, com ela e como ela, a Virgem
Maria, “membro eminente e singular da Igreja, seu tipo e exemplar perfeitíssimo
na fé e na caridade e sua Mãe amorosíssima” (cf LG 53). Santo Agostinho, no seu comentário ao Apocalipse (Homilia IX), explica:
“O
Dragão colocou-se diante da mulher...”. A Igreja dá à luz sempre no meio de sofrimentos, e
o Dragão está sempre de vigia a ver se devora Cristo, quando nascem os seus
membros. Disse-se que deu à luz um filho varão, vencedor do diabo. “E a
mulher fugiu para o deserto”.
O
mundo é o deserto onde Cristo governa e alimenta a Igreja até ao fim; e, nele,
a Igreja calca e esmaga, com o auxílio de Cristo, os soberbos e os ímpios, como
escorpiões e víboras, e todo o poder de Satanás. Mas a Igreja tem de saber
estar em deserto e agir a partir dele. Por outro lado, a confiança na vitória
tem de lhe vir do Alto e da capacidade de encontro com Deus e com os homens, e
não pelas alianças bélicas ou pecuniárias com o reino iníquo dos homens. A fé na
vitória funda-se na paz e não no arrastamento das estrelas, no esmagamento dos
povos e no desrespeito inquisitorial da dignidade humana ou da autonomia das sociedades
e dos povos.
A força
da vitória ganha-se na oração e na abertura, na ação e no diálogo, no dar de mãos,
na esperança de que ressuscitaremos e de que os nossos corpos serão
glorificados com a vitória definitiva de Jesus sobre a morte (cf 1Cor 15,20-27), pois Ele ressuscitou dos mortos
como primícias dos que morreram.
***
O Senhor quis glorificar Aquela que não tinha sido manchada
pelo pecado, causador da morte e da corrupção, levando-A em corpo e alma para o
Céu. Assim, glorificamos a Mãe de Deus e glorificamos a vitória do Seu Filho sobre
a morte e o pecado. E a solenidade da Assunção é para nós ocasião
de aprofundamento da fé, de avivamento da esperança e de fortalecimento a
caridade. A ressurreição de Jesus e a assunção da Virgem ao Céu são como que as
primícias da sorte maravilhosa que nos espera.
Pio XII,
antes de proclamar como dogma esta verdade, comprovou a fé nela de todo o povo
cristão, consultando os bispos do mundo inteiro. As cartas recebidas foram
quase unânimes na manifestação desta crença do povo de Deus. E o Papa proclamou-a
a 1 de novembro de 1950:
“Pela autoridade de Nosso Senhor Jesus
Cristo e dos Bem aventurados Apóstolos Pedro e Paulo e também pela nossa
proclamamos, declaramos e definimos ter sido divinamente revelado o dogma de
que Imaculada sempre Virgem Maria Mãe de Deus, terminado o curso da Sua vida na
terra, foi elevada em corpo e alma à glória do Céu” (Const. Apost. Munificentissimus
Deus, em AAS 43(1951)638 ).
***
A perícopa do Evangelho de Lucas tomada para a solenidade apresenta
a visitação de Maria a Isabel. A mãe do precursor, cheia do Espírito Santo
dirige a Maria o mais belo elogio. Também, guiada pelo Espírito de Deus, a Igreja
continuou ao longo dos séculos a louvar a Mãe do Senhor. Ao ouvir
tal elogio de Isabel, Maria não nega a verdade dele. Ao invés, diz que todas as
gerações A proclamarão bem-aventurada, porém, encaminhando para Deus todos os
louvores:
“A Minha alma glorifica o Senhor e
o Meu espírito se alegra em Deus Meu Salvador… O Todo poderoso fez em Mim
maravilhas: santo é o Seu nome”.
A Virgem é
para nós, na sua simplicidade pedagógica e profética, modelo da verdadeira
humildade, a qual não consiste em negar as coisas boas que recebemos, mas em
encaminhar para Deus, que no-las deu, todos os louvores recebidos. Escolhida
para Mãe de Deus, foi pôr-se ao serviço da prima durante três meses, como
simples ancila, para a ajudar. Agora, está tão perto de Deus a
criatura mais perfeita, revestida da dignidade maior concedida a uma criatura,
mas, ao mesmo tempo, é a mais humilde, mais perto de cada um de nós: pelo
trabalho, que foi igual ao de tantas mulheres, pela simplicidade, pelo amor a
cada a homem, que o Senhor Lhe entregou numa relação de mãe-filho, pelo papel
de mensageira do Céu e testemunha dos dramas da humanidade ferida no seu devir
e na dignidade dos seus membros. Com este intuito nos visita.
Muitas vezes
Lhe poderemos dirigir o elogio de tantas gerações “Salve Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa...”
ou “Ave, Maria, cheia de graça” e pedir
“Depois deste desterro nos mostrai Jesus,
bendito fruto do Vosso ventre”.
***
A visão do Apocalipse apresenta a Mulher com dores de
maternidade e o contrassinal de Satanás com grande poder e manifestações de
arrogância. É um sinal, um aviso para todos. Se a Mulher – Igreja-Mãe e
Maria-Mãe – quer proteger-nos, o Pai da Mentira e Príncipe das Trevas quer
perder-nos, levar-nos a ofender a Deus e a separar-nos de Deus para sempre.
Parece muitas vezes, ao longo da História, que vence os amigos de Deus. Parece
que a Igreja vai ser derrotada por ele. Mas o Senhor deixou-nos um sinal e
garantia de esperança, que se pode ver na Terra ao olhar para o Céu. O Sinal é
do Céu, mas tem uma função na Terra.
Maria, a
mulher dada como sinal que a serpente não pode vencer, é a mulher vestida de
sol, adornada da graça e beleza de Deus e revestida do seu poder. Por isso,
Satanás não levará a melhor contra Ela e contra os que se acolhem à Sua proteção.
Em 1830, a Virgem aparecia a Santa Catarina Labouré em Paris, na capela das
freiras de São Vicente de Paulo, na Rua du Bac, a pedir-lhe que espalhasse pelo
mundo a medalha com a imagem de Nossa Senhora com as mãos abertas derramando
feixes de graças sobre o mundo e com estas palavras em redor:
“Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós
que recorremos a Vós”.
***
Por fim, fixemo-nos
na síntese cristológica e eclesiológica de Maria que Paulo VI fez no seu Credo do Povo de Deus (nn. 14.15), a 30 de junho de 1968:
“Cremos que Maria Santíssima,
que permaneceu sempre Virgem, tornou-se Mãe do Verbo Encarnado, nosso Deus e
Salvador, Jesus Cristo; e que por motivo desta eleição singular, em consideração dos méritos de
seu Filho, foi remida de modo mais sublime e preservada imune de toda a mancha do pecado original; e que supera de longe todas
as demais criaturas, pelo dom de uma graça insigne. Associada por estreito e
indissolúvel vínculo aos mistérios da Encarnação e da Redenção, a Santíssima Virgem Maria,
Imaculada, depois de terminar o curso de sua vida terrestre, foi elevada em
corpo e alma à glória celestial; e, tornada semelhante a seu Filho, que ressuscitou dentre os mortos,
participou antecipadamente da sorte de todos os justos. Cremos que a Santíssima
Mãe de Deus, nova Eva, Mãe da Igreja, continua no céu a desempenhar seu ofício materno, em relação aos membros
de Cristo, cooperando para gerar e desenvolver a vida divina em cada uma das
almas dos homens que foram remidos.”.
E, na Exortação Apostólica “Signum Magnum”, de 13 de maio de
1967 (n.º 8), diz:
“Mesmo depois de Jesus subir ao céu, ficou unida a Ele por um
ardentíssimo amor, enquanto cumpria com fidelidade a nova missão de Mãe
espiritual do discípulo predileto e da Igreja nascente. Pode afirmar-se, assim,
que toda a vida da humilde Serva do Senhor, desde o momento em que foi saudada
pelo Anjo até à sua assunção em alma e corpo à glória celeste, foi uma vida de
amoroso serviço. […]. Cheios de admiração, contemplamos Maria, firme na
fé, pronta na obediência, simples na humildade, exultante no louvor do Senhor,
ardente na caridade, forte e constante no cumprimento da sua missão até ao
holocausto de si própria, em plena comunhão de sentimentos com o seu Filho, que
se imolava na Cruz para dar aos homens uma vida nova”.
***
“Cristo, nossa Páscoa foi imolado. Celebremos a festa, não
com o fermento velho, nem com o fermento da malícia e da corrupção, mas com os
ázimos da pureza e da verdade.” (1Cor 5,7-8).
2017.08.15
– Louro de Carvalho
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