Nuno Dala,
investigador universitário angolano e um dos 17 ativistas condenado a prisão
pelo tribunal de Luanda, criticou a mensagem de felicitação que o Presidente da
República de Portugal enviou a João Lourenço pela sua eleição como Presidente
da República de Angola, alegadamente pelo facto de nenhum candidato ter ainda
sido declarado vencedor. Na verdade, como pode ler-se no site da Presidência da
República, a 26 de agosto pp,
“O Presidente da República felicitou o Presidente eleito da República de
Angola, João Lourenço, sublinhando os laços fraternais que unem os dois Países
e os dois Povos”.
Porém, em
carta aberta endereçada a Marcelo Rebelo de Sousa, divulgada hoje, dia 28, o académico
ativista atira-se à “incompreensível mensagem congratulatória” do Presidente a
João Lourenço, candidato do MPLA nas eleições de 23 de agosto, que julga “totalmente
infeliz”. Refere o ativista e investigador universitário:
“A Comissão
Nacional Eleitoral [CNE] da República de Angola ainda não declarou vencedor
nenhum dos candidatos e os respetivos partidos pelos quais concorreram às
eleições de 23 de agosto do ano em curso”.
Além disso,
alega que o processo de escrutínio dos votos fora iniciado pelos centros
provinciais de escrutínio da CNE só a 25 de agosto, depois de “a instituição se
ter visto obrigada a assim proceder”. Com efeito, em escandalosa violação da Lei
Eleitoral angolana e da ética eleitoral, a CNE “tinha dado início a 24 de
agosto ao anúncio de resultados totalmente forjados, na medida em que, tal como
demonstrado por um grupo de comissários da CNE, os dados anunciados não eram
originários dos centros provinciais de escrutínio”.
Os
resultados provisórios divulgados pela CNE no dia 25 apontam a vitória do MPLA
nas eleições, com 61% dos votos, e a eleição de João Lourenço como Presidente
da República de Angola. Porém, os principais partidos da oposição, UNITA e
CASA-CE, anunciaram que estão a fazer contagem paralela e que os dados apontam,
até ao momento, para resultados diferentes dos divulgados pela CNE.
É óbvio que,
nos países europeus, as novidades principais resultam das indicações das projeções
face às tendências decorrentes de amostras significativas, sem que tenha havido
grandes desilusões. Por isso e, embora sabendo que, em Angola, os dados das
projeções pudessem ser conhecidos mais tarde, o Presidente português, pesando as
circunstâncias, emitiu a felicitação de cortesia diplomática – diga-se em abono
da verdade em termos bastante contidos.
Assim, por
mais que lhe custe, o ativista não tem razão quando critica o Presidente
português, cuja atitude não significa manifestação de aprovação do regime ou da
futura ação do novel presidente angolano. No entanto, Dala não é parcimonioso,
pois explicita contrastivamente:
“Durante os
374 dias em que estive preso, junto com outros companheiros do célebre processo
15+2 (...), calaram-me no fundo da alma as incontáveis manifestações de
solidariedade do Povo Português, que muito se bateu pela nossa libertação.
Constituiu para mim uma aziaga surpresa o facto de Sua Excelência ter
felicitado não apenas um falso vencedor como, também, de ter legitimado a
fraude que o regime do MPLA está a forjar.”.
Na sua mensagem,
o ativista angolano acrescenta que o “facto de existirem centros de escrutínio
paralelos”, montados pela oposição, será “estranho a países como Portugal”, que
são Estados democráticos de Direito, com processos eleitorais credíveis, “porque
as respetivas instituições de administração eleitoral são sérias e fortes”.
Porém, falando de Angola, assegura:
“Em Angola,
os processos eleitorais não são credíveis. Daí a criação e funcionamento de
centros de escrutínio paralelos, graças aos quais os partidos na oposição têm
conseguido refutar a falsa estatística apresentada pela CNE, uma instituição
que não tem poder real, não passando de instrumento de implementação da
engenharia da fraude.”.
É por isso
que o ativista considera as felicitações transmitidas ao MPLA por Marcelo “um
grave erro político, que põe seriamente em causa a sua idoneidade tanto de
académico, como de especialista em Direito”. E, aqui, incorre no erro em que
Marcelo e alguns dos portugueses incorrem, visto que os atos do Presidente não
podem ser avaliados pelo seu perfil académico nem pela sua especialidade, mas
pelas exigências da função presidencial.
Também, no
dia 27, o portal Maka Angola,
dirigido pelo jornalista Rafael Marques, publicou um texto intitulado Marcelo
Rebelo de Sousa rejeita direito dos angolanos à democracia, em que a
atitude do presidente e professor de direito também é criticada nos termos
seguintes:
“O gesto do
Presidente da República de Portugal não é neutro nem inocente, e representa o
culminar do processo internacional de legitimação da ditadura angolana comandado
por Portugal”.
Tenham os
ativistas referidos paciência, mas vão excessivamente longe no juízo de valor
que fazem do Presidente português. As coisas são como são, não cabendo às nossas
autoridades tecer criticas aos resultados eleitorais em Angola, a não ser na medida
em que observadores internacionais forneçam dados de fraudes inquestionáveis.
É óbvio que
os portugueses e, na medida do possível, os nossos governantes, para lá de
erros cometidos, serão solidários com angolanos afastados da participação
cívica e política, espezinhados nos seus direitos e na sua dignidade ou mesmo perseguidos.
Mas a diplomacia tem as suas exigências de prudência, cortesia e diálogo
cordado e firme.
***
O MPLA reafirma que venceu “convincentemente” as eleições. Com efeito, na habitual mensagem pelo aniversário de José Eduardo dos
Santos, líder do partido e Chefe de Estado, o partido repete que venceu “convincentemente”
as eleições gerais de 23 de agosto em Angola.
A posição,
expressa pelo Bureau Político do MPLA,
surge numa altura em que os partidos da oposição, que estão a fazer escrutínio
paralelo da votação, afirmam ter resultados diferentes dos dados provisórios
avançados no dia 25 pela CNE, com ameaças de impugnação do escrutínio.
Efetivamente
os resultados provisórios apontam a vitória do MPLA com 61% dos votos e, apesar
da perda de 25 deputados, a manutenção da maioria qualificada no Parlamento.
Também, na
mensagem pelo 75.º aniversário de José Eduardo, o último enquanto Presidente da
República, ao fim de 38 anos na liderança, o MPLA volta a garantir que venceu
as eleições, às quais concorreu com João Lourenço como cabeça de lista. Na mensagem
pode ler-se:
“Neste
momento de festa, o Bureau Político
expressa a sua profunda gratidão por tão excelente trabalho realizado, em que
deixa como legado uma Angola totalmente pacificada e reconciliada, numa altura
em que os seus filhos acabam de dar, com base nos dados provisórios, mais uma
vitória decisiva ao MPLA, o partido do coração do povo angolano, que acaba de
vencer, convincentemente, as eleições gerais de 2017”.
Sobre José
Eduardo dos Santos, o aniversariante que já no dia 27 contou com um espetáculo
musical de homenagem, de 6 horas e que reuniu 25 dos mais populares artistas
nacionais ao vivo na baía de Luanda, o MPLA sublinha as “qualidades de patriota
consequente, que soube manter a soberania da pátria angolana”, enfrentando “todas
as invasões militares externas e as vergonhosas ingerências políticas de todo o
tipo”. Além disso, a mensagem enfatiza:
“A sua
entrega invulgar à nobre causa da paz, da liberdade e do desenvolvimento de
Angola é uma qualidade que o camarada presidente José Eduardo dos Santos, o
arquiteto da paz, tem demonstrado ao longo da sua vida de militante e de
dirigente político, caraterística que o tornou num excecional estadista, numa bandeira
e num caminho a seguir”.
O partido (no poder desde
1975) aprecia a “complexa missão de garante do funcionamento das instituições” do
partido e do Estado, realizada pelo Presidente, “ressaltando os seus atributos de diplomata hábil, que tem sabido
granjear prestígio para o país, no concerto das nações”.
José Eduardo
dos Santos (que anunciou em março de 2016 retirar-se da vida política em 2018) foi reeleito em 2016 como líder do MPLA, mas nas
eleições de agosto não integrou qualquer lista do partido, pelo que deixará as
funções presidenciais no próximo mês, com a tomada de posse, prevista para 21
de setembro, do novo Presidente.
Resta saber
se o MPLA se estará a queixar de todas as ingerências do exterior em Angola ou
apenas das que não lhe convêm. Por outro lado, deveria interrogar-se se não tem
abusado da sua intervenção noutros países, condicionando o seu devir económico
e fazendo acirradas críticas à atuação dos governos. E, quanto à paz, sem negar
a tentativa de pacificação do país, é difícil aceitar como faz o esforço de paz
concentrar a riqueza nas mãos de uns poucos – o clã familiar e afins – e insiste
na perseguição a quem pense diferente.
***
Por sua vez, a UNITA, em nome da transparência e da legalidade pede à CNE
que cesse a divulgação de resultados provisórios “até que sejam sanadas as irregularidades constatadas”.
A reclamação
ao plenário foi apresentada no dia 27, pelo mandatário do partido, Estevão
Kachiungo, depois de a CNE ter divulgado resultados provisórios, que colocam o
MPLA à frente da contagem, com 61% dos votos, elegendo João Lourenço como Presidente.
Nos
resultados provisórios (que antecedem a divulgação dos dados finais, a partir
de 6 de setembro), a UNITA vem
em segundo, com 26,7% dos votos. Contudo, a contagem está a ser contestada
pelos partidos da oposição que, baseados nas atas-síntese enviadas pelos
delegados de lista às mais de 25.000 mesas de voto, dizem ter números
diferentes. Na reclamação, a UNITA requer ao plenário da CNE que “cesse a
divulgação dos resultados provisórios até que sejam sanadas as irregularidades
constatadas” pelos representantes do partido e “que se abram os centros
provinciais de escrutínio” aos mandatários das candidaturas “para presenciarem
o apuramento”, em conformidade com a lei. Também solicita que a CNE, que “hipoteticamente
dispõe no Centro de Escrutínio de atas-síntese arquivadas por municípios e
províncias, se digne colocá-las à disposição”, para que as “possa comparar”, na
presença de “todos os mandatários”.
A UNITA diz
que os resultados divulgados não se baseiam nas atas-síntese enviadas pelas
assembleias de voto, porque não existem no Centro de Escrutínio em Talatona. Aduz
que os resultados provisórios, “ao não terem como base as atas-síntese enviadas
pelas assembleias de voto”, resultam de violação à lei eleitoral. E refere que,
“apesar de se terem fixado no ponto de receção de faxes no Centro de Escrutínio
em Talatona”, os mandatários do partido “não assistiram à chegada de nenhum
fluxo de faxes com atas-síntese das assembleias de voto que pudessem servir de
base ao apuramento provisório”, anunciado nos dias 24 e 25 pela CNE.
O presidente
e cabeça de lista da UNITA, Isaías Samakuva, disse no dia 26, não reconhecer
validade aos resultados provisórios divulgados e garantiu que o partido divulgará
a partir desta semana dados da contagem paralela que está a realizar. E afirmou
que “o país ainda não tem resultados eleitorais válidos”, pelo que ainda não
tem um Presidente eleito nos termos da lei”, acrescentando que o partido só se vai
pronunciar nesta matéria quando a CNE anunciar os resultados definitivos, que “devem
ser produzidos pelos órgãos locais da CNE a partir das atas verdadeiras das
operações eleitorais elaboradas em cada mesa de voto, nos termos da lei”.
Segundo o
líder do partido do ‘galo negro’, a origem dos dados utilizados na projeção da
CNE é desconhecida dos partidos da oposição e respetivos comissários, sendo que
os centros de escrutínio provincial só iniciaram as operações no dia 26, e não
logo após o fecho da votação, como decorre da lei.
Além disso,
no centro de escrutínio nacional da UNITA, em Viana, Luanda, o partido afirma ter
recebido praticamente a totalidade das atas-síntese e atas de operação de todas
as assembleias de voto, 12.512, que incluem 25.873 mesas de voto, enviadas
pelos delegados de lista.
***
Percebe-se o
desconforto dos ativistas, mas o Presidente Marcelo não tinha como evitar a
felicitação de cortesia. Sabe-se das dificuldades políticas de Angola, das
ambições do partido no poder, nem sempre justas, e da sua tentação persecutória
em nome da segurança nacional, mas cabe aos partidos da oposição aguentar a
luta política no terreno e fazer as denúncias a que têm direito e a que são
induzidos pelo dever cívico-político. Aos estadistas dos outros Estados cumpre,
em princípio, aceitar a soberania de Angola, as suas ações e os resultados
delas e, eventualmente opor-se a medidas de alto escândalo internacional. Porém,
cabe à opinião pública a crítica e aos académicos a formação política, humanista
e científica.
Aliás, não se
percebe que tenha sido criticado Marcelo e não também o Governo, que produziu,
a 26 de agosto comunicado do seguinte teor, como se lê no site do Governo (negócios estrangeiros):
“O Governo saúda
o Povo e o Governo angolanos pela forma cívica e
tranquila em que decorreram as eleições gerais de 23 de agosto e
congratula-se com a muito expressiva participação popular no
ato eleitoral”, refere o Ministério dos Negócios Estrangeiros, em
comunicado.
E acrescenta: “O Governo saúda o novo Presidente eleito da
República de Angola, assim como todas as Senhoras e os Senhores Deputados da
Assembleia Nacional”.
“O Governo manifesta o
seu total empenho em trabalhar com a nova liderança política resultante
da escolha soberana do Povo angolano, no sentido de continuar
o aprofundamento das estreitas relações que unem Portugal e Angola e da cooperação
entre os dois Estados”, conclui.
***
Por Angola e
por todos os Estados que precisam de ser verdadeiros Estados de Direito!
2017.08.28 – Louro de Carvalho
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