A
comunicação social vem dando relevo a um facto quase não facto: a “declaração
de calamidade pública – medidas preventivas”. Com efeito, vêm os jornais
enunciando vantagens da declaração de utilidade pública que não se irão
verificar por força do despacho conjunto do Primeiro-Ministro e Ministra da
Administração Interna. O tempo é pouco e é um despacho.
Estão
neste caso: o “regime especial de contratação pública de
empreitadas de obras públicas, fornecimento de bens e aquisição de serviços”, nomeadamente em relação a
entidades que sejam autorizadas a proceder, pelo prazo de 2 anos, ao ajuste
direto dos contratos que visem prevenir ou acorrer, com caráter de urgência, a
situações decorrentes dos acontecimentos que determinaram a declaração de
situação de calamidade, bem como à dispensa do visto do Tribunal de Contas para
os contratos celebrados ao abrigo deste regime; a consideração de nulidade, nos termos do art.º 61.º da Lei de Bases da Proteção
Civil (LBPC), das “cláusulas
apostas em contratos de seguro visando excluir a responsabilidade das
seguradoras por efeito de declaração de calamidade”; a concessão, por 2 anos, do “direito de preferência aos
municípios nas transmissões a título oneroso, entre particulares, dos terrenos
ou edifícios situados na área delimitada pela declaração de calamidade”; a
legitimação do livre acesso dos agentes
de proteção civil à propriedade privada” e a “utilização de recursos naturais ou energéticos privados”; o reconhecimento da necessidade de requisitar
temporariamente bens ou serviços”; “a fixação de cercas sanitárias e de
segurança” e a “racionalização da
utilização dos serviços públicos de transportes, comunicações ou abastecimento
de água e energia, bem como o consumo de bens de primeira necessidade”; e,
sobretudo, a “mobilização civil de pessoas, por períodos de tempo determinados”
e a “fixação, por razões de segurança dos próprios ou das operações, de limites
ou condicionamentos à circulação ou permanência de pessoas, outros seres vivos
ou veículos”.
A verdade é que a declaração de calamidade pública “é da competência do
Governo e reveste a forma de resolução do Conselho de Ministros”, podendo “ser
precedida de despacho do Primeiro-Ministro e do Ministro da Administração
Interna”.
***
O
que se passa afinal? A 17 de agosto, um Comunicado do Conselho de Ministros
referia que o Governo, por despacho do Primeiro-Ministro e Ministra da
Administração Interna, iria “declarar o estado de calamidade pública com
efeitos preventivos” em zonas do território nacional em que se previa o “agravamento,
“nos próximos dias, em particular no fim de semana, do risco de incêndio muito
elevado e máximo, designadamente nos distritos do interior das regiões do
Centro e Norte e em alguns concelhos do distrito de Beja e do sotavento
algarvio.
Para
o efeito, foi convocada pelo Primeiro-Ministro e pela Ministra da Administração
Interna para as 9,30 horas do dia 18, na Residência Oficial do Primeiro-Ministro,
uma reunião com o Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, o
Comandante Geral da GNR, o Comandante Nacional de Operações de Socorro e o Presidente
da Liga dos Bombeiros Portugueses com vista à “mobilização máxima de meios e
pré-posicionamento nas zonas de maior risco”. Igualmente, o Governo iria
proceder, ainda no dia 17, “à audição dos Presidentes de Câmara daqueles
territórios tendo em vista a identificação de outras medidas que devam ser
adotadas com caráter preventivo”.
A
seguir à predita reunião, foi proferido o prometido despacho conjunto.
O
despacho invoca os artigos 20.º e 30.º da LBPC, aprovada pela Lei n.º 27/2006,
de 3 de julho, cuja segunda e última alteração até agora, foi aprovada pela Lei
n.º 80/2015, de 3 de agosto, que a republicou.
O
Despacho Conjunto de “Declaração de Calamidade – Medidas Preventivas”
fundamenta-se no facto de o País ter vindo a ser “severamente fustigado por
incêndios florestais de grande dimensão”, com enormes exigências ao Dispositivo
Operacional de Combate a Incêndios Florestais e a todos os agentes de proteção
civil dos concelhos afetados”, e no facto de, em conformidade com “as previsões
meteorológicas para os próximos dias” (em particular para o
fim de semana), o
risco de incêndio ser “extremamente elevado, com especial incidência nos
distritos do interior do Centro e Norte do País e em alguns concelhos dos
distritos de Beja e do Algarve.
Por
isso, “em face do perigo elevado”, adotam-se “desde já excecionais medidas
destinadas a prevenir tais situações, sem prejuízo da declaração de calamidade
por Resolução do Conselho de Ministros
em relação a concelhos que tenham sido já severamente afetados por incêndios
florestais e não se encontrem agora sujeitos a elevado risco de incêndio
florestais”.
Este
parágrafo do preâmbulo, conjugado com o horizonte temporal excessivamente curto
determinado no despacho, ante a devastação excecional que tem assolado o país,
com perda de vidas, saúde e bens (nomeadamente de
habitações, vestuário, animais e espécies vegetais), legitima a questão se o Governo
vai partir para a prevista Resolução do Conselho de Ministros a fim de vir a
concretizar os efeitos previstos na lei e por um horizonte temporal de dois anos
ou se nos deixa, face à razia florestal e predial urbana (as
casas de habitação são por norma prédios urbanos), com um pequeno paliativo, que pouco resolve e se
limita a usar pessoas e recursos.
***
O
teor do dito despacho é o seguinte:
-
Reconhece-se “a necessidade de Declaração de situação de calamidade nos
distritos e concelhos com índice de risco elevado ou extremo de incêndio, a
partir das 14 horas de 18 de agosto e até às 24 horas de 21”, designadamente todos
os concelhos dos distritos de Bragança, Castelo Branco, Guarda, Vila Real e
Viseu e ainda outros concelhos que se especificam.
-
No Distrito de Aveiro, indicam-se: Águeda, Arouca, Castelo de Paiva, Sever do
Vouga e Vale de Cambra; no Distrito de Beja, indicam-se: Almodôvar, Mértola e
Odemira; no Distrito de Braga, indicam-se: Amares, Cabeceiras de Basto,
Celorico de Basto, Fafe, Póvoa de Lanhoso, Terras de Bouro, Vieira do Minho,
Vila Verde e Vizela; no Distrito de Coimbra, indicam-se: Arganil,
Condeixa-a-Nova, Góis, Lousã, Miranda do Corvo, Oliveira do Hospital,
Pampilhosa da Serra, Penacova, Penela, Tábua e Vila Nova de Poiares; no
Distrito de Faro, indicam-se: Alcoutim, Aljezur, Castro Marim, Lagos, Loulé,
Monchique, Portimão, São Brás de Alportel, Silves, Tavira e Vila do Bispo; no
Distrito de Leiria, indicam-se: Alvaiázere, Ansião, Castanheira de Pera,
Figueiró dos Vinhos, Porto Mós e Pedrógão Grande; no Distrito de Portalegre,
indicam-se: Castelo de Vide, Gavião, Marvão, Nisa e Ponte de Sor; no Distrito
do Porto, indicam-se: Amarante, Baião, Felgueiras, Gondomar, Lousada, Marco de
Canaveses, Paredes, Penafiel, Santo Tirso, Trofa e Valongo; no Distrito de
Santarém, indicam-se: Abrantes, Alcanena, Chamusca, Constância, Ferreira do
Zêzere, Mação, Ourém, Rio Maior, Sardoal, Tomar e Vila Nova da Barquinha; no Distrito
de Viana do Castelo, indicam-se: Arcos de Valdevez, Caminha, Melgaço, Monção,
Paredes de Coura, Ponte da Barca, Ponte de Lima e Valença.
-
Sem prejuízo dos demais efeitos legais e dos previstos nos art.os
14.º e 17.º da LBPC, adotam-se, de imediato, como medidas de disponibilização
de recursos adicionais para ações de prevenção e de proteção civil, em caso de
necessidade, para as áreas do território objeto da presente declaração: o “aumento
do grau de prontidão e mobilização das Forças Armadas em operações de
vigilância, patrulhamento dissuasor, rescaldo e apoio logístico”; a “elevação do grau de prontidão e resposta
operacional da GNR e da PSP, com pré-posicionamento e reforço de meios para
operações de vigilância, fiscalização, patrulhamentos dissuasores, apoio a
evacuações, cortes e desvios de trânsito, desembaraçamento de trânsito e demais
ações de apoio à proteção civil”,
considerando-se autorizada “a
interrupção da licença de férias e/ou suspensão de folgas e períodos de
descanso”; a “mobilização em
permanência das equipas de Sapadores Florestais”; a “proibição do acesso, circulação e permanência no interior dos espaços
florestais, previamente definidos nos PMDFCI” e “nos caminhos florestais,
caminhos rurais e outras vias que os atravessam”; a “proibição da utilização de fogo-de-artifício ou outros artefactos
pirotécnicos, independentemente da forma de combustão”; a “suspensão das autorizações de lançamento de
fogos-de-artifício” (mesmo as já emitidas),
nos ditos concelhos “enquanto vigorar o estado de calamidade”;
a “proibição da utilização em todos os
espaços rurais de máquinas de combustão interna ou externa”, incluindo “todo o tipo de tratores e máquinas agrícolas ou florestais, bem como
realização de trabalhos nos espaços florestais com recurso a motorroçadoras,
corta-matos e destroçadores”; o “aumento
do nível de prontidão das equipas de resposta das entidades com especial dever
de cooperação nas áreas das comunicações (operadores
de redes fixas e móveis) e energia (transporte e distribuição)”; e o “recurso aos meios disponíveis previstos nos Planos Distritais e
Municipais de Emergência e Proteção Civil dos distritos e concelhos abrangidos”,
acionados “automaticamente por efeito do presente despacho”.
-
Aprovam-se ainda, como medidas de carácter excecional: a “promoção do aumento
da mobilização dos bombeiros voluntários do quadro ativo dos corpos de
bombeiros para reforço da capacidade de resposta operacional”; e a “dispensa do
serviço público dos trabalhadores da Administração Pública (direta,
indireta e autónoma),
bem como dos trabalhadores do setor privado que integrem como bombeiros
voluntários o dispositivo de combate aos incêndios, nos termos do disposto no
art.º 25.º da LBPC, tendo os mesmos direito a 2 dias de descanso compensatório
por cada dia de empenhamento certificado pelo respetivo comandante”.
-
Ficam obrigados todos os cidadãos e demais entidades privadas a prestar às
autoridades de proteção civil a colaboração pessoal que lhes for requerida e a
respeitar as ordens e orientações que lhes forem dirigidas, nos termos do
artigo 11.º da LBPC.
-
Segundo o n.º 1 do art.º 12.º da LBPC, sem prejuízo da necessidade de publicação,
o presente despacho produz efeitos imediatos.
***
É
pouco, mas é político e algum bem fará. Mas o país precisa do acionamento, a
prazo mais alargado, de todas as medidas essenciais decorrentes da declaração
de calamidade pública. Custa assim muito? Não poderá o Presidente atender a
sugestão do Bispo de Leiria-Fátima?
2017.08.18 – Louro de Carvalho
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