sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Afinal, esta declaração de calamidade pública é demasiado temporária

A comunicação social vem dando relevo a um facto quase não facto: a “declaração de calamidade pública – medidas preventivas”. Com efeito, vêm os jornais enunciando vantagens da declaração de utilidade pública que não se irão verificar por força do despacho conjunto do Primeiro-Ministro e Ministra da Administração Interna. O tempo é pouco e é um despacho.
Estão neste caso: o “regime especial de contratação pública de empreitadas de obras públicas, fornecimento de bens e aquisição de serviços”, nomeadamente em relação a entidades que sejam autorizadas a proceder, pelo prazo de 2 anos, ao ajuste direto dos contratos que visem prevenir ou acorrer, com caráter de urgência, a situações decorrentes dos acontecimentos que determinaram a declaração de situação de calamidade, bem como à dispensa do visto do Tribunal de Contas para os contratos celebrados ao abrigo deste regime; a consideração de nulidade, nos termos do art.º 61.º da Lei de Bases da Proteção Civil (LBPC), das “cláusulas apostas em contratos de seguro visando excluir a responsabilidade das seguradoras por efeito de declaração de calamidade”; a concessão, por 2 anos, do “direito de preferência aos municípios nas transmissões a título oneroso, entre particulares, dos terrenos ou edifícios situados na área delimitada pela declaração de calamidade”; a legitimação do livre acesso dos agentes de proteção civil à propriedade privada” e a “utilização de recursos naturais ou energéticos privados”; o reconhecimento da necessidade de requisitar temporariamente bens ou serviços”; “a fixação de cercas sanitárias e de segurança” e a “racionalização da utilização dos serviços públicos de transportes, comunicações ou abastecimento de água e energia, bem como o consumo de bens de primeira necessidade”; e, sobretudo, a “mobilização civil de pessoas, por períodos de tempo determinados” e a “fixação, por razões de segurança dos próprios ou das operações, de limites ou condicionamentos à circulação ou permanência de pessoas, outros seres vivos ou veículos”.
A verdade é que a declaração de calamidade pública “é da competência do Governo e reveste a forma de resolução do Conselho de Ministros”, podendo “ser precedida de despacho do Primeiro-Ministro e do Ministro da Administração Interna”.
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O que se passa afinal? A 17 de agosto, um Comunicado do Conselho de Ministros referia que o Governo, por despacho do Primeiro-Ministro e Ministra da Administração Interna, iria “declarar o estado de calamidade pública com efeitos preventivos” em zonas do território nacional em que se previa o “agravamento, “nos próximos dias, em particular no fim de semana, do risco de incêndio muito elevado e máximo, designadamente nos distritos do interior das regiões do Centro e Norte e em alguns concelhos do distrito de Beja e do sotavento algarvio.  
Para o efeito, foi convocada pelo Primeiro-Ministro e pela Ministra da Administração Interna para as 9,30 horas do dia 18, na Residência Oficial do Primeiro-Ministro, uma reunião com o Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, o Comandante Geral da GNR, o Comandante Nacional de Operações de Socorro e o Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses com vista à “mobilização máxima de meios e pré-posicionamento nas zonas de maior risco”. Igualmente, o Governo iria proceder, ainda no dia 17, “à audição dos Presidentes de Câmara daqueles territórios tendo em vista a identificação de outras medidas que devam ser adotadas com caráter preventivo”.
A seguir à predita reunião, foi proferido o prometido despacho conjunto.
O despacho invoca os artigos 20.º e 30.º da LBPC, aprovada pela Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, cuja segunda e última alteração até agora, foi aprovada pela Lei n.º 80/2015, de 3 de agosto, que a republicou.
O Despacho Conjunto de “Declaração de Calamidade – Medidas Preventivas” fundamenta-se no facto de o País ter vindo a ser “severamente fustigado por incêndios florestais de grande dimensão”, com enormes exigências ao Dispositivo Operacional de Combate a Incêndios Florestais e a todos os agentes de proteção civil dos concelhos afetados”, e no facto de, em conformidade com “as previsões meteorológicas para os próximos dias” (em particular para o fim de semana), o risco de incêndio ser “extremamente elevado, com especial incidência nos distritos do interior do Centro e Norte do País e em alguns concelhos dos distritos de Beja e do Algarve.
Por isso, “em face do perigo elevado”, adotam-se “desde já excecionais medidas destinadas a prevenir tais situações, sem prejuízo da declaração de calamidade por Resolução do Conselho de Ministros em relação a concelhos que tenham sido já severamente afetados por incêndios florestais e não se encontrem agora sujeitos a elevado risco de incêndio florestais”.
Este parágrafo do preâmbulo, conjugado com o horizonte temporal excessivamente curto determinado no despacho, ante a devastação excecional que tem assolado o país, com perda de vidas, saúde e bens (nomeadamente de habitações, vestuário, animais e espécies vegetais), legitima a questão se o Governo vai partir para a prevista Resolução do Conselho de Ministros a fim de vir a concretizar os efeitos previstos na lei e por um horizonte temporal de dois anos ou se nos deixa, face à razia florestal e predial urbana (as casas de habitação são por norma prédios urbanos), com um pequeno paliativo, que pouco resolve e se limita a usar pessoas e recursos.
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O teor do dito despacho é o seguinte:
- Reconhece-se “a necessidade de Declaração de situação de calamidade nos distritos e concelhos com índice de risco elevado ou extremo de incêndio, a partir das 14 horas de 18 de agosto e até às 24 horas de 21”, designadamente todos os concelhos dos distritos de Bragança, Castelo Branco, Guarda, Vila Real e Viseu e ainda outros concelhos que se especificam.
- No Distrito de Aveiro, indicam-se: Águeda, Arouca, Castelo de Paiva, Sever do Vouga e Vale de Cambra; no Distrito de Beja, indicam-se: Almodôvar, Mértola e Odemira; no Distrito de Braga, indicam-se: Amares, Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto, Fafe, Póvoa de Lanhoso, Terras de Bouro, Vieira do Minho, Vila Verde e Vizela; no Distrito de Coimbra, indicam-se: Arganil, Condeixa-a-Nova, Góis, Lousã, Miranda do Corvo, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra, Penacova, Penela, Tábua e Vila Nova de Poiares; no Distrito de Faro, indicam-se: Alcoutim, Aljezur, Castro Marim, Lagos, Loulé, Monchique, Portimão, São Brás de Alportel, Silves, Tavira e Vila do Bispo; no Distrito de Leiria, indicam-se: Alvaiázere, Ansião, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Porto Mós e Pedrógão Grande; no Distrito de Portalegre, indicam-se: Castelo de Vide, Gavião, Marvão, Nisa e Ponte de Sor; no Distrito do Porto, indicam-se: Amarante, Baião, Felgueiras, Gondomar, Lousada, Marco de Canaveses, Paredes, Penafiel, Santo Tirso, Trofa e Valongo; no Distrito de Santarém, indicam-se: Abrantes, Alcanena, Chamusca, Constância, Ferreira do Zêzere, Mação, Ourém, Rio Maior, Sardoal, Tomar e Vila Nova da Barquinha; no Distrito de Viana do Castelo, indicam-se: Arcos de Valdevez, Caminha, Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Ponte da Barca, Ponte de Lima e Valença.
- Sem prejuízo dos demais efeitos legais e dos previstos nos art.os 14.º e 17.º da LBPC, adotam-se, de imediato, como medidas de disponibilização de recursos adicionais para ações de prevenção e de proteção civil, em caso de necessidade, para as áreas do território objeto da presente declaração: o aumento do grau de prontidão e mobilização das Forças Armadas em operações de vigilância, patrulhamento dissuasor, rescaldo e apoio logístico”; a “elevação do grau de prontidão e resposta operacional da GNR e da PSP, com pré-posicionamento e reforço de meios para operações de vigilância, fiscalização, patrulhamentos dissuasores, apoio a evacuações, cortes e desvios de trânsito, desembaraçamento de trânsito e demais ações de apoio à proteção civil, considerando-se autorizada a interrupção da licença de férias e/ou suspensão de folgas e períodos de descanso”; a “mobilização em permanência das equipas de Sapadores Florestais”; a “proibição do acesso, circulação e permanência no interior dos espaços florestais, previamente definidos nos PMDFCI e “nos caminhos florestais, caminhos rurais e outras vias que os atravessam”; a “proibição da utilização de fogo-de-artifício ou outros artefactos pirotécnicos, independentemente da forma de combustão”; a “suspensão das autorizações de lançamento de fogos-de-artifício (mesmo as já emitidas), nos ditos concelhos enquanto vigorar o estado de calamidade”; a “proibição da utilização em todos os espaços rurais de máquinas de combustão interna ou externa”, incluindotodo o tipo de tratores e máquinas agrícolas ou florestais, bem como realização de trabalhos nos espaços florestais com recurso a motorroçadoras, corta-matos e destroçadores”; o “aumento do nível de prontidão das equipas de resposta das entidades com especial dever de cooperação nas áreas das comunicações (operadores de redes fixas e móveis) e energia (transporte e distribuição)”; e o “recurso aos meios disponíveis previstos nos Planos Distritais e Municipais de Emergência e Proteção Civil dos distritos e concelhos abrangidos”, acionados “automaticamente por efeito do presente despacho”.
- Aprovam-se ainda, como medidas de carácter excecional: a “promoção do aumento da mobilização dos bombeiros voluntários do quadro ativo dos corpos de bombeiros para reforço da capacidade de resposta operacional”; e a “dispensa do serviço público dos trabalhadores da Administração Pública (direta, indireta e autónoma), bem como dos trabalhadores do setor privado que integrem como bombeiros voluntários o dispositivo de combate aos incêndios, nos termos do disposto no art.º 25.º da LBPC, tendo os mesmos direito a 2 dias de descanso compensatório por cada dia de empenhamento certificado pelo respetivo comandante”.
- Ficam obrigados todos os cidadãos e demais entidades privadas a prestar às autoridades de proteção civil a colaboração pessoal que lhes for requerida e a respeitar as ordens e orientações que lhes forem dirigidas, nos termos do artigo 11.º da LBPC.  
- Segundo o n.º 1 do art.º 12.º da LBPC, sem prejuízo da necessidade de publicação, o presente despacho produz efeitos imediatos.
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É pouco, mas é político e algum bem fará. Mas o país precisa do acionamento, a prazo mais alargado, de todas as medidas essenciais decorrentes da declaração de calamidade pública. Custa assim muito? Não poderá o Presidente atender a sugestão do Bispo de Leiria-Fátima?

2017.08.18 – Louro de Carvalho

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