sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Terrorismo – low-cost ou sofisticado – é sempre terrorismo

Depois dos episódios terroristas na Catalunha, que suscitaram a convergência generalizada das manifestações de solidariedade para com as vítimas e suas famílias, ressalta o primeiro vídeo do Estado Islâmico (EI) em castelhano a exaltar os ataques e a parecer ameaçar a Espanha. Porém, “Espanha” deve entender-se como conceito a abranger a Península Ibérica. Com efeito, nesta divulgação, pela primeira vez, dum vídeo em castelhano por parte do EI, em que “reameaça” a Península Ibérica, esta é designada por Al Andalus. De facto, o militante que aparece no vídeo de cara descoberta – lá identificado como Abu Lais Al Qurdubi, o que pode ser lido como El Cordobés, em referência à cidade espanhola de Córdova, segundo o El País – prometeu: “Com a permissão de Alá, o Al Andaluz voltará a ser o que foi: terra do califado.
De acordo com a polícia espanhola, trata-se de Muhammad Yasin Ahram Pérez, jovem de 22 anos, nascido em Córdova, filho de espanhola e de marroquino e cujo pai está preso em Tânger (Marrocos), por ligação ao jihadismo radical. O jovem faz esta advertência em jeito coloquial:
Se não podes fazer a Hégira ao Estado Islâmico, a jihad não tem fronteiras. Faz a jihad onde estiveres.”.
E continua perentoriamente:
Aos espanhóis cristãos, não se esqueçam do sangue dos muçulmanos derramado pela inquisição espanhola. Vingar-nos-emos da vossa matança e da que estão a fazer agora com o Estado Islâmico.”.
E outro homem, identificado no vídeo como Abu Salman Al Andalus, faz o seguinte voto:
Que Alá aceite os sacrifícios dos nossos irmãos em Barcelona. A nossa guerra convosco durará até ao fim do mundo.”.
***
Não é a primeira vez que o EI ameaça esta Península. Já em 2015, o grupo divulgou um mapa onde definia os territórios que reivindica como parte do califado, incluindo Portugal e Espanha. Na verdade, para o ISIS, este território tem um valor simbólico por ter sido uma das raras regiões que esteve durante séculos sob o domínio muçulmano – sobretudo entre os séculos VIII e XV – e, depois, foi perdida para estados não islâmicos. E Fernando Reinares, especialista espanhol em terrorismo, disse ao DN que estas ameaças não devem ser desvalorizadas, pois tanto o EI como a Al-Qaeda e suas ramificações “falam do Al-Andaluz com hostilidade contra Espanha e Portugal”, através de “menções agressivas que há que ter em conta no momento de avaliar em conjunto a ameaça do terrorismo jihadista”. Depois, deve considerar-se que, este ano, foram detidos e condenados a 75 anos de prisão 9 membros da autodenominada Brigada Al Andalus, que se dedicavam à doutrinação e recrutamento de ‘jihadistas’ em Madrid.
***
Neste quadro, vem o Presidente do Parlamento Europeu, o italiano Antonio Tajani, propor um “FBI europeu”, por acreditar que esta força pode fortalecer a cooperação antiterrorista entre os 28 Estados-membros da União Europeia. Numa entrevista à rádio Onda Cero, reproduzida pela Europa Press, o eminente europolítico sustenta a importância de “trabalhar a esse nível de cooperação, de serviços secretos, para tentar ter uma liderança europeia”.
Após o atentado em Barcelona, em que morreram 15 pessoas (entre as quais duas cidadãs portuguesas), e das ligações ao estrangeiro de vários dos terroristas, Tajani destaca a importância do intercâmbio de informações, não só entre serviços secretos europeus, mas também com países como Marrocos, Jordânia, Israel ou Rússia.
Na predita entrevista, o eurocrata atribui a onda de ataques terroristas na Europa ao recuo do EI no terreno na Síria e no Iraque, sobretudo desde a batalha de Raqqa e do “desastre” de Mossul.
Segundo Tajani, a solução para evitar a radicalização de jovens europeus passa por ter “imãs europeus”, que falem “espanhol, italiano, francês ou alemão, não só árabe”.
Também o Presidente do Governo de Espanha, Mariano Rajoy, disse hoje, dia 25, que está disposto a rever o código penal para enfrentar o terrorismo, assegurando que, “se é necessário mudar o código penal para combater o jiadismo, fá-lo-emos”. E acrescentou:
“É evidente que os terroristas modificam os seus comportamentos e que nós devemos fazer o que é necessário”.
Mariano Rajoy sustentou, além disso, que as forças de segurança “devem encontrar os melhores instrumentos legais” para combater o terrorismo e, para isso, apelou a uma união política para lá da bancada parlamentar do Partido Popular, o partido que dirige. A este respeito, declarou:
“Na luta contra o terrorismo, temos que pôr de lado as nossas diferenças, torna-nos maiores e mais fortes perante os assassinos. A unidade política é fundamental. Deve oferecer resultados sob a forma de reformas que dotem os nossos juízes, polícias e procuradores com as melhores ferramentas para lutar contra esta chaga.”.
Rajoy comentou ainda os rumores que se formaram em torno da colaboração, ou falta dela, entre o Governo central e o governo regional da Catalunha, liderado por Carles Puigdemont, que se prepara, à revelia de Madrid, para referendar a independência daquela região a 1 de outubro. Segundo o Chefe do Governo espanhol, houve uma “coordenação fluida e constante” entre as duas entidades. Com efeito, “desde o minuto zero, o Governo de Espanha e o da Generalitat concordaram em constituir um gabinete de crise, que recebe informação em tempo real”, tendo havido “sempre membros da Guardia Civil e da Polícia Nacional”, que atuaram em coordenação com as forças de segurança catalãs, os Mossos d’Esquadra. E Rajoy destacou “o caráter de lealdade e de cooperação entre os diferentes órgãos implicados na investigação”.
***
É certo que a liberdade pessoal e a da circulação de pessoas, bens e capitais é um património inestimável, mas a defesa da vida e a promoção da segurança dos poderes políticos é o escopo de quem governa. Por outro lado, fala-se agora da penúria de meios do ÍSIS, das suas perdas militares e políticas. Mas isso não legitima o desdém pela obrigação de vigilância contra o terrorismo. Com efeito, este tem múltiplas formas de autoria e expressão. Desde o combate organizado e militarmente enquadrado, de preferência em jeito de emboscada ou de guerrilha, passando pelo carro-bomba e/ou homem-bomba, ao camião ou à simples carrinha ou à explosão de botijas de gás – tudo serve. Importa-lhe semear o pânico, o medo coletivo. E tanto o ataque com meios sofisticados como o barato (dito low cost) são altamente perigosos porque, estabelecendo o ambiente de intimidação, desestabilização e terror, cumprem o objetivo.
***
O terrorismo apresenta várias origens e autorias, desde o IRA, na Irlanda do Norte, passando pela ETA, no País Basco, até à Al-Qaeda, de Bin Laden. E recordamos os atentados cirúrgicos numa praça em que era vitimada uma alta figura de Governo ou desfeito um edifício simbólico do poder político, com algumas vítimas de entre a população, como recordamos ações massivas que fizeram vítimas mortais a esmo. É o caso do atentado às Torres Gémeas em Nova Iorque, na estação ferroviária de Atocha, em Madrid, no metro de Londres. Mais tarde, assistimos aos casos repetidos de Paris, aos de Bruxelas, Alemanha, Metro de Moscovo, Egito e, agora, Barcelona e Cambrils, como assistimos ao desaparecimento e despenhamento de aeronaves.
Ante o espectro dos iminentes ataques terroristas, coloca-se a questão dilemática da opção pelo reforço da segurança em nome do bem-estar das populações e preservação do património urbano ou pela afirmação das liberdades para não dar satisfação ao desejo dos terroristas.
***
Sobre o tipo de cooperação internacional havida em relação à Catalunha, registam-se situações de ambiguidade. Foi, assim, referido que um agente da polícia belga contactara um conhecido dos Mossos d’ Esquadra a levantar dúvidas sobre o imã marroquino Abdelbaki Es Satty, o suspeito cérebro dos atentados de Barcelona e Cambrils. Porém, o governo catalão desmente a receção oficial de qualquer alerta por parte da Bélgica nesse sentido e julga que o suposto aviso terá sido feito com base na relação de amizade existente entre um agente belga e um dos Mossos d’ Esquadra, segundo avançou o El Mundo. Em concreto, o Ministério do Interior catalão explicou ao jornal que não se tratou de aviso oficial, mas de contacto informal entre dois polícias que se conheceram numas jornadas internacionais sobre a luta contra o terrorismo. De acordo com o jornal La Vanguardia, o pedido de informações feito por um polícia belga foi feito através dos emails pessoais, não tendo havido um alerta oficial. E o El País acrescenta que o chefe da Unidade de Análise Estratégica, do comando geral de informações da polícia catalã (Mossos de d’ Esquadra), Daniel Canals, terá respondido por correio eletrónico às suspeitas da polícia da cidade belga de Vilvoorde, sobre as “possíveis ligações terroristas” de Es Satty.
Na verdade, a 8 de março de 2016, Canals, número dois dos serviços de informações da polícia catalã, respondeu à polícia belga que Abdelbaki Es Satty “não era conhecido”, mas que tinha sido investigada por “ligações a extremistas islâmicos” noutra operação uma pessoa com o mesmo apelido. Era um seu familiar: Mustafa Es Satty, imã numa mesquita de Vilanova i la Geltrú (Barcelona), que residiu num apartamento utilizado, pelo menos, por dois indivíduos implicados nos atentados de 11 de março de 2004, em Madrid.
A eventual falta de atenção das autoridades catalãs ao aviso belga sobre o imã de Ripoll surgiu após entrevista do autarca de Vilvoorde à agência noticiosa Efe, em que diz ter pedido, em 2016, informações às autoridades policiais de Espanha sobre Abdelbaki Es-Satty.
Nessa época, este vivia naquela cidade belga, a 12 quilómetros de Bruxelas. O imã da cidade vizinha de Diegem ter-se-á dirigido ao autarca com dúvidas, nomeadamente se existiam antecedentes criminais. E o autarca Hans Bonte, citado pelo La Vanguardia, contou:
“Parecia-lhes um homem estranho, que dizia que vinha de Espanha porque lá não tinha futuro e que se autoproclamava imã, apesar de não ter nenhum papel a comprová-lo”.
Estivera detido entre 2010 e 2014 por tráfico de droga, mas sem antecedentes ou suspeita de ligação ao terrorismo (apesar de um primo ter sido detido em 2006 na desativação duma célula terrorista em Vilanova i la Geltrú, na província de Barcelona). Não obstante, a comunidade muçulmana local expulsou-o da mesquita.
O Ministro do Interior espanhol, Juan Ignacio Zoido, indicou que nem a Guarda Civil nem a Polícia Nacional foram alertadas pelas autoridades belgas. Em Paris, com o homólogo francês Gérard Collomb, defendeu maior partilha da informação na Europa e referiu:
“Segundo tenho conhecimento neste momento, nem a Guarda Civil nem a Polícia Nacional receberam qualquer comunicação das autoridades belgas. O mais importante é que as investigações abertas possam completar-se quanto antes.”.
O imã de Ripoll teve ordem de expulsão após 4 anos de prisão, mas o juiz considerou que não constituía “uma ameaça real”. Com efeito, Abedelbaji Es Satty, imã de Ripoll e organizador do grupo responsável pelo ataque a Barcelona e Cambrils, fora preso por agentes da Guardia Civil durante a inspeção aos veículos que embarcavam no porto da cidade autónoma de Ceuta, a 1 de janeiro de 2010, antes de cruzar o Estreito de Gibraltar, quando embarcava para Algeciras com 136 quilos de haxixe (resina de haxixe dissimulada no teto do veículo). Tinha 37 anos aquando da detenção em Ceuta, na fronteira com Marrocos, tendo sido condenado a 4 anos de prisão por “delito contra a saúde pública”. Posteriormente, foi transferido para o estabelecimento prisional de Castellón tendo sido libertado em 2014. Depois, recebeu ordem de expulsão do país, mas um juiz revogou a decisão por considerar que este não constituía “uma ameaça real” e demonstrava os seus “esforços de integração na comunidade espanhola”. E acabou como um dos dois mortos da explosão ocorrida em Alcanar (Catalunha), na véspera do ataque de Barcelona.
***
O que é, afinal, um ato terrorista? Define-se terrorismo como o uso sistemático do terror, da violência imprevisível, contra governos, públicos ou indivíduos, para a atingir um objetivo político. O terrorismo existe desde sempre, mas foi Robespierre o primeiro a defender o uso do terror como meio de fomentar a virtude revolucionária – o que originou, em França, o Reino do Terror, entre 1793 e 1794, durante o qual foram guilhotinadas inúmeras pessoas, suspeitas de serem inimigos da Revolução.
Assim, o terrorismo moderno remonta à Revolução Francesa, mas a conceção moderna do terrorismo está mais conexa com os anarquistas do século XIX, que no Ocidente fomentavam a ‘propaganda pelos atos’. Há 110 anos, as pessoas receavam eram os anarquistas, responsáveis pelo assassínio dum grande número de líderes políticos. Pensava-se estarem escondidos por todo lado, como nós imaginamos suceder com os sucessores de Osama bin Laden.
Porém nem toda a violência política é terrorista. Isso depende do grau de adesão dos autores dos atos a um programa de terror sistemático. Por exemplo, o assassinato na Rússia imperial de figuras de proa do czarismo por niilistas e revolucionários foram atos terroristas, mas os assassinatos de Abraham Lincoln ou de John Kennedy, apesar de politicamente motivados, não o foram. Mais o denominativo terrorista não se aplica ao ataque suicida, por fanáticos religiosos, ou a alvos militares em zona de guerra. 
Recentemente o terrorismo é marcado pela internacionalização (capacidade de agir fora das fronteiras nacionais) e pelo facto de as vítimas serem civis inocentes escolhidos ao acaso ou encontradas casualmente no local do atentado. Também a mediatização (com as cadeias de televisão a transmitir para todos os cantos do mundo as imagens dos atentados) faz com que muitos grupos recorram a atos terroristas para dar a conhecer ao mundo a sua existência obtendo uma cobertura mediática que nunca alcançariam de outro modo. O atentado desempenha aqui o papel de campanha de marketing. E está muito fortemente associada ao terrorismo a ideia de destabilização social e de perturbação da economia, pois, pelo medo que inspiram às populações (ir ao cinema, andar de avião, sair de casa…), os grupos ou indivíduos terroristas tentam paralisar a sociedade para destabilizar ou derrubar os sistemas políticos, enfraquecer as economias e criar tensões sociais e dissensões políticas nos países-alvo.
E, frequentemente, mesmo no quadro do terrorismo empresarial, grupal ou do Estado, o terror é espalhado entre a população para obter a adesão forçada às posições emergentes. Pretende-se que a população ceda à chantagem e exigir aos quadros que deem aos terroristas o que se pede, quer se trate da libertação de membros duma organização ou da independência de uma região, quer duma imposição ditatorial de medidas políticas a abranger toda a população ou um setor considerável dela, mesmo alegando a inevitabilidade ou denegrindo o panorama geral.

2017.08.25 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário