Passos
Coelho, no recente discurso do Pontal, fez a sua legítima crítica ao Governo e
à maioria parlamentar que lhe serve de suporte. Como era de esperar, insiste em
dizer que a presente solução governativa está esgotada por imobilismo e não
assunção de uma dinâmica reformista.
São ideias
que não me apraz discutir, admitindo que em governação nem tudo é a preto e
branco: há inúmeras zonas cinzentas e os dados do INE sobre o crescimento económico
são indesmentíveis pela positiva, mas o espectro das cativações orçamentais
condiciona o funcionamento do Estado.
Mas o líder do
PSD introduziu uma crítica intempestiva às novas
Leis da Nacionalidade (e seus regulamentos), que regulam como se podem autorizar
imigrantes a viver em Portugal (e como se pode expulsá-los). A este respeito questiona “o que é
que vai acontecer ao país seguro que temos sido se se mantiver esta
possibilidade de qualquer um viver em Portugal?”, após recordar que a um
estrangeiro bastará invocar a “promessa” de contrato de trabalho em Portugal
para obter direito de residência e que o Estado “deixa de poder expulsar alguém
que cometeu crimes graves”.
A
isto, BE e PS contra-aduzem que o líder do PSD recorreu a um discurso xenófobo na noite de
domingo, na tradicional Festa do Pontal. O porta-voz do PS acusou Passos de
ensaiar “um discurso racista e xenófobo”
ao fazer uma “denúncia mentirosa” de
alterações à lei da imigração que transpõem uma diretiva comunitária, afirmando
aos jornalistas:
“Pela
primeira vez em muitos anos, tivemos em Portugal um líder político e o líder
político do maior partido da oposição, a ensaiar um discurso racista e
xenófobo, à semelhança do que vemos noutros países, em França, nos Estados
Unidos”.
João
Galamba, dirigente e deputado socialista acentuou que se trata de “uma denúncia mentirosa sobre alterações à
lei que não existiram”, tratando-se somente de “transposição duma diretiva
europeia, totalmente em linha com o direito europeu”.
Também o BE,
através de Joana Mortágua, acusou o presidente do PSD de usar a xenofobia como “estratégia
de sobrevivência”, argumentando que as críticas à lei da imigração são uma
aposta no preconceito e ataque aos mais fracos. Disse também ela aos
jornalistas:
“Perante a
ausência de políticas alternativas, perante a ausência de uma proposta que
possa mobilizar os portugueses e as portuguesas, como a única proposta de
Passos Coelho continua a ser o programa da ‘troika’, ensaiou um discurso que
não é habitual e que vai ao encontro de posições xenófobas recentes, que o
próprio Passos Coelho disse não fazerem parte da tradição do PSD”.
Mortágua entende
o discurso passista como estratégia de sobrevivência:
“Esta ideia
sobre novas regras de imigração, que são bastante razoáveis, tem como único
objetivo, depois de todos os argumentos perdidos, apostar no preconceito, no
ataque aos mais fracos, como estratégia de sobrevivência”.
Para o BE, “as
saudades da troika” não permitem a Passos “fazer muito mais”, estando no mesmo
plano as afirmações do líder socialdemocrata sobre o sistema de comunicações
SIRESP, numa linha de uso do “arremesso de tragédias como arma política”.
***
Em causa
está a Lei n.º
59/2017, de 31 de julho, que procede à 4.ª alteração à Lei n.º 23/2007, de 4 de
julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e
afastamento de estrangeiros do território nacional, alterada pelas Leis n.os
29/2012, de 9 de agosto, que a republicou, 56/2015, de 23 de junho, e 63/2015,
de 30 de junho.
Assim, o art.º 88.º (autorização de residência para exercício de atividade profissional
subordinada) passa a ter
a seguinte redação:
1. Para além dos
requisitos gerais estabelecidos no artigo 77.º, só é concedida autorização de
residência para exercício de atividade profissional subordinada a nacionais de
Estados terceiros que tenham contrato de trabalho celebrado nos termos da lei e
estejam inscritos na segurança social. (igual).
2. Mediante manifestação de interesse
apresentada através do sítio do SEF na Internet ou diretamente numa das suas
delegações regionais, é dispensado o requisito previsto na alínea a) do n.º 1
do artigo 77.º, desde que o cidadão estrangeiro, além das demais condições
gerais previstas naquela disposição, preencha as seguintes condições: a) possua
um contrato de trabalho ou promessa de contrato de trabalho ou tenha uma
relação laboral comprovada por sindicato, por representante de comunidades
migrantes com assento no Conselho para as Migrações ou pela Autoridade para as
Condições do Trabalho; b) tenha entrado legalmente em território
nacional; c) esteja inscrito na segurança social, salvo
os casos em que o documento apresentado nos termos da alínea a) seja uma
promessa de contrato de trabalho.
3. (Revogado.)
4. A concessão de
autorização de residência nos termos dos números anteriores é comunicada pelo
SEF, por via eletrónica, à Autoridade para as Condições de Trabalho ou, nas
regiões autónomas, à respetiva secretaria regional, de modo que estas entidades
possam fiscalizar o cumprimento de todas as obrigações legais da entidade
patronal para com o titular da autorização de residência, bem como à
administração fiscal e aos serviços competentes da segurança social. (igual).
5. O titular de uma
autorização de residência para exercício de uma atividade profissional
subordinada pode exercer uma atividade profissional independente, mediante
substituição do título de residência, sendo aplicável, com as necessárias
adaptações, o disposto no artigo seguinte. (igual).
O art.º 89.º
(autorização de residência para exercício de atividade profissional
independente) passa a
ter a seguinte redação:
1. Para além dos requisitos
gerais estabelecidos no artigo 77.º, só é concedida autorização de residência
para exercício de atividade profissional independente a nacionais de Estados
terceiros que preencham os seguintes requisitos: a) tenham constituído sociedade
nos termos da lei, declarado o início de atividade junto da administração
fiscal e da segurança social como pessoa singular ou celebrado um contrato de
prestação de serviços para o exercício de uma profissão liberal; b) estejam
habilitados a exercer uma atividade profissional independente, quando aplicável; c) disponham
de meios de subsistência, tal como definidos pela portaria a que se refere a
alínea d) do n.º 1 do artigo 52.º; d) quando exigível,
apresentem declaração da ordem profissional respetiva de que preenchem os
respetivos requisitos de inscrição.
2. Mediante manifestação de interesse
apresentada através do sítio do SEF na Internet ou diretamente numa das suas
delegações regionais, é dispensado o requisito previsto na alínea a) do n.º 1
do artigo 77.º, desde que o cidadão estrangeiro tenha entrado legalmente em
território nacional.
3. O titular
de uma autorização de residência para exercício de uma atividade profissional
independente pode exercer uma atividade profissional subordinada, sendo
aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo anterior,
mediante substituição do título de residência.
O art.º 135.º
(limites à expulsão) passa a ter a seguinte redação:
1. Não podem ser afastados
coercivamente ou expulsos do País os cidadãos estrangeiros que: a) tenham
nascido em território português e aqui residam; b) tenham efetivamente a seu
cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal; c) tenham
filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território
português, relativamente aos quais assumam efetivamente responsabilidades
parentais e a quem assegurem o sustento e a educação; d) se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui
residam.
2. O disposto no n.º anterior não é
aplicável em caso de suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo,
sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de
tais crimes.
***
Depois, vem o
Decreto-Lei n.º 71/2017, de 21 de junho, que procede à 3.ª alteração ao
Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de
dezembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 43/2013, de 1 de abril,
e 30-A/2015, de 27 de fevereiro).
A este
respeito, o preâmbulo explicita que a LO (Lei Orgânica) n.º 8/2015, de 22 de junho, fixou novos fundamentos para a concessão da
nacionalidade por naturalização e de oposição à aquisição da nacionalidade
portuguesa e que a LO n.º 9/2015, de 29 de julho, estendeu a nacionalidade
portuguesa originária aos netos de portugueses nascidos no estrangeiro.
Tanto o art.º
4.º da LO n.º 8/2015 como o art.º 4.º da LO n.º 9/2015, referidas “preveem a
necessidade de introdução de alterações ao Regulamento da Nacionalidade
Portuguesa”, sendo que a LO n.º 9/2015 só entraria em vigor com a entrada em
vigor do diploma que a regulamenta.
Assim, este
decreto-lei prevê os termos em que a Conservatória dos Registos Centrais obtém
informação “sobre a existência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa
nacional, ou o envolvimento em atividades relacionadas com a prática do
terrorismo, nos termos da respetiva lei”. Depois, regulamentam-se as alterações
introduzidas à Lei da Nacionalidade
pela LO n.º 9/2015, criando-se as condições para a sua entrada em vigor. A regulamentação
opera-se com o aditamento da norma que define os termos em que o Governo reconhece
a existência de laços de efetiva ligação a comunidade nacional. Nesta mesma
disposição, são previstas as situações em que a Conservatória dos Registos
Centrais, considerando preenchidos os requisitos previstos, concluirá que o
declarante possui laços de efetiva ligação à comunidade nacional, estando
dispensada a remessa do processo ao membro do Governo responsável pela área da
justiça.
A não
inclusão no elenco de situações enunciadas não determina, por automatismo, a
exclusão da possibilidade de atribuição da nacionalidade, sendo o processo
remetido ao membro do Governo responsável pela área da justiça, que ajuizará da
existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional.
Também este
decreto-lei vem introduzir algumas melhorias no procedimento de atribuição e
aquisição da nacionalidade, tornando-o mais justo e célere para o requerente,
entre as quais se conta a presunção relativamente ao conhecimento da língua
portuguesa (esse
conhecimento deve presumir-se quando o interessado seja natural e nacional de
país que tenha o português como língua oficial há pelo menos 10 anos e resida
em Portugal, independentemente do título, há pelo menos 5 anos) e a previsão da dispensa de
apresentação do certificado do registo criminal do país da naturalidade ou do
país da nacionalidade quando o interessado não tenha neles residido em idade
relevante para esse registo (ou seja, após os 16 anos).
Aproveita-se
para, com o fim de agilizar o procedimento administrativo, clarificar o regime
de notificação nos procedimentos da nacionalidade, determinando-se que as
notificações efetuadas pela Conservatória dos Registos Centrais o são para o
domicílio escolhido pelo interessado e que não deixam de produzir efeito pelo
facto de o expediente ser devolvido.
É introduzida
a seguinte redação “Não constituam perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional,
pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo,
nos termos da respetiva lei” nos artigos atinentes aos requisitos para a
naturalização de
estrangeiros residentes no território português; naturalização de indivíduos
que tenham tido a nacionalidade portuguesa; naturalização de
estrangeiros nascidos no território português; casos especiais em que
pode ser concedida a naturalização; e naturalização de estrangeiros que
sejam descendentes de judeus sefarditas portugueses.
Na tramitação do procedimento de naturalização,
fica estabelecido que “a
informação sobre a existência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa
nacional, pelo envolvimento em atividades relacionadas com a prática do
terrorismo, nos termos da respetiva lei, é prestada pelas entidades referidas
no n.º 5: Polícia
Judiciária e Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que, para o efeito, pode
consultar outras entidades, serviços e forças de segurança.
É dispensada
a apresentação do certificado do registo criminal do país da naturalidade e ou
do país da nacionalidade sempre que o interessado comprove que, após ter
completado os 16 anos, residiu noutro país.
O Ministério
Público deduz nos tribunais administrativos a ação judicial para efeito de
oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adoção, no
prazo de um ano a contar da data do facto de que depende a aquisição da
nacionalidade.
Não se
procede à retificação dos assentos de nascimento de indivíduos nascidos no
território português, após a data da entrada em vigor da Lei n.º 37/81, de 3 de
outubro, que sejam filhos de estrangeiros e que, não tendo outra nacionalidade,
tenham sido identificados como nacionais portugueses por mais de 10 anos em
virtude de erro no assento derivado da omissão da menção da nacionalidade
estrangeira dos progenitores. Nos casos ora referidos no número anterior, a
nacionalidade portuguesa dos registados é averbada aos respetivos assentos de
nascimento.
É aditado ao
Regulamento da Nacionalidade Portuguesa o art.º 10.º-A (atribuição da nacionalidade por efeito da vontade a netos de nacional
português), que,
entre outros aspetos, dispõe o seguinte:
Os indivíduos nascidos no estrangeiro
com, pelo menos, um ascendente do segundo grau da linha reta de nacionalidade
portuguesa e que não tenha perdido esta nacionalidade, que pretendam que lhes
seja atribuída a nacionalidade portuguesa, devem satisfazer cumulativamente os
seguintes requisitos: a) declarar
que querem ser portugueses; b) possuírem
efetiva ligação à comunidade nacional; c)
inscrever o seu nascimento no registo civil português, após o reconhecimento da
ligação à comunidade nacional. A efetiva ligação à comunidade nacional é
reconhecida pelo Governo nos termos dos n.os 4 e 7, e depende de não
condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível
com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a nossa lei.
***
Posto isto, é
de assentar em que Passos Coelho não terá perdido grande tempo na leitura das
alterações legislativas em questão, mas foi célere em comentá-las com
imprecisões num comício festivo e de marcação de agenda político-partidária
deixando algumas imprecisões. Não há propriamente um facilitismo de risco mesmo
na promessa de contrato de trabalho, que também deve ser comprovada, nem na
permanência arriscada de elementos indesejáveis. Neste aspeto, há que referir
que os crimes praticados no país, por norma devem aqui ser julgados e
sancionados, só sendo lícita a extradição para países com que haja acordo de
extradição (de seus nacionais) e em que
não vigore a pena de morte e/ou a prisão perpétua. E fica acautelado o caso de
suspeita e/ou condenação por crimes de terrorismo ou contra a segurança do
Estado.
Todavia, não
parece adequada a acusação de discurso racista e xenófobo a Passos Coelho por
parte do BE e do PS. E convenhamos que as alterações legislativas, embora com melhorias,
consideráveis, trazem complicações procedimentais para os organismos implicados,
que se queixam do trabalho e de não terem sido ouvidos só depois das leis
publicadas, confundindo audição com obrigação de seguimento.
Finalmente,
como é que a LO n.º
9/2015, de 29 de julho estava por regulamentar, não podendo por razões intrínsecas
entrar em vigor?
Os críticos
também têm culpas no cartório. Mas falam esquecendo… É a vida!
2017.08.14 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário