segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Lei da nacionalidade e da imigração são armas de arremesso partidário

Passos Coelho, no recente discurso do Pontal, fez a sua legítima crítica ao Governo e à maioria parlamentar que lhe serve de suporte. Como era de esperar, insiste em dizer que a presente solução governativa está esgotada por imobilismo e não assunção de uma dinâmica reformista.
São ideias que não me apraz discutir, admitindo que em governação nem tudo é a preto e branco: há inúmeras zonas cinzentas e os dados do INE sobre o crescimento económico são indesmentíveis pela positiva, mas o espectro das cativações orçamentais condiciona o funcionamento do Estado.
Mas o líder do PSD introduziu uma crítica intempestiva às novas Leis da Nacionalidade (e seus regulamentos), que regulam como se podem autorizar imigrantes a viver em Portugal (e como se pode expulsá-los). A este respeito questiona “o que é que vai acontecer ao país seguro que temos sido se se mantiver esta possibilidade de qualquer um viver em Portugal?”, após recordar que a um estrangeiro bastará invocar a “promessa” de contrato de trabalho em Portugal para obter direito de residência e que o Estado “deixa de poder expulsar alguém que cometeu crimes graves”.
A isto, BE e PS contra-aduzem que o líder do PSD recorreu a um discurso xenófobo na noite de domingo, na tradicional Festa do Pontal. O porta-voz do PS acusou Passos de ensaiar “um discurso racista e xenófobo” ao fazer uma “denúncia mentirosa” de alterações à lei da imigração que transpõem uma diretiva comunitária, afirmando aos jornalistas:
“Pela primeira vez em muitos anos, tivemos em Portugal um líder político e o líder político do maior partido da oposição, a ensaiar um discurso racista e xenófobo, à semelhança do que vemos noutros países, em França, nos Estados Unidos”.
João Galamba, dirigente e deputado socialista acentuou que se trata de “uma denúncia mentirosa sobre alterações à lei que não existiram”, tratando-se somente de “transposição duma diretiva europeia, totalmente em linha com o direito europeu”.
Também o BE, através de Joana Mortágua, acusou o presidente do PSD de usar a xenofobia como “estratégia de sobrevivência”, argumentando que as críticas à lei da imigração são uma aposta no preconceito e ataque aos mais fracos. Disse também ela aos jornalistas:
“Perante a ausência de políticas alternativas, perante a ausência de uma proposta que possa mobilizar os portugueses e as portuguesas, como a única proposta de Passos Coelho continua a ser o programa da ‘troika’, ensaiou um discurso que não é habitual e que vai ao encontro de posições xenófobas recentes, que o próprio Passos Coelho disse não fazerem parte da tradição do PSD”.
Mortágua entende o discurso passista como estratégia de sobrevivência:
“Esta ideia sobre novas regras de imigração, que são bastante razoáveis, tem como único objetivo, depois de todos os argumentos perdidos, apostar no preconceito, no ataque aos mais fracos, como estratégia de sobrevivência”.
Para o BE, “as saudades da troika” não permitem a Passos “fazer muito mais”, estando no mesmo plano as afirmações do líder socialdemocrata sobre o sistema de comunicações SIRESP, numa linha de uso do “arremesso de tragédias como arma política”.
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Em causa está a Lei n.º 59/2017, de 31 de julho, que procede à 4.ª alteração à Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, alterada pelas Leis n.os 29/2012, de 9 de agosto, que a republicou, 56/2015, de 23 de junho, e 63/2015, de 30 de junho.
Assim, o art.º 88.º (autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada) passa a ter a seguinte redação:
1. Para além dos requisitos gerais estabelecidos no artigo 77.º, só é concedida autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada a nacionais de Estados terceiros que tenham contrato de trabalho celebrado nos termos da lei e estejam inscritos na segurança social. (igual).
2. Mediante manifestação de interesse apresentada através do sítio do SEF na Internet ou diretamente numa das suas delegações regionais, é dispensado o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 77.º, desde que o cidadão estrangeiro, além das demais condições gerais previstas naquela disposição, preencha as seguintes condições: a) possua um contrato de trabalho ou promessa de contrato de trabalho ou tenha uma relação laboral comprovada por sindicato, por representante de comunidades migrantes com assento no Conselho para as Migrações ou pela Autoridade para as Condições do Trabalho; b) tenha entrado legalmente em território nacional; c) esteja inscrito na segurança social, salvo os casos em que o documento apresentado nos termos da alínea a) seja uma promessa de contrato de trabalho.
3. (Revogado.)
4. A concessão de autorização de residência nos termos dos números anteriores é comunicada pelo SEF, por via eletrónica, à Autoridade para as Condições de Trabalho ou, nas regiões autónomas, à respetiva secretaria regional, de modo que estas entidades possam fiscalizar o cumprimento de todas as obrigações legais da entidade patronal para com o titular da autorização de residência, bem como à administração fiscal e aos serviços competentes da segurança social. (igual).
5. O titular de uma autorização de residência para exercício de uma atividade profissional subordinada pode exercer uma atividade profissional independente, mediante substituição do título de residência, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo seguinte. (igual).
O art.º 89.º (autorização de residência para exercício de atividade profissional independente) passa a ter a seguinte redação:
1. Para além dos requisitos gerais estabelecidos no artigo 77.º, só é concedida autorização de residência para exercício de atividade profissional independente a nacionais de Estados terceiros que preencham os seguintes requisitos: a) tenham constituído sociedade nos termos da lei, declarado o início de atividade junto da administração fiscal e da segurança social como pessoa singular ou celebrado um contrato de prestação de serviços para o exercício de uma profissão liberalb) estejam habilitados a exercer uma atividade profissional independente, quando aplicávelc) disponham de meios de subsistência, tal como definidos pela portaria a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 52.ºd) quando exigível, apresentem declaração da ordem profissional respetiva de que preenchem os respetivos requisitos de inscrição.
2. Mediante manifestação de interesse apresentada através do sítio do SEF na Internet ou diretamente numa das suas delegações regionais, é dispensado o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 77.º, desde que o cidadão estrangeiro tenha entrado legalmente em território nacional.
3. O titular de uma autorização de residência para exercício de uma atividade profissional independente pode exercer uma atividade profissional subordinada, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo anterior, mediante substituição do título de residência.
O art.º 135.º (limites à expulsão) passa a ter a seguinte redação:
1. Não podem ser afastados coercivamente ou expulsos do País os cidadãos estrangeiros que: a) tenham nascido em território português e aqui residam; b) tenham efetivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal; c) tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, relativamente aos quais assumam efetivamente responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação; d) se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam.
2. O disposto no n.º anterior não é aplicável em caso de suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de tais crimes.
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Depois, vem o Decreto-Lei n.º 71/2017, de 21 de junho, que procede à 3.ª alteração ao Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 43/2013, de 1 de abril, e 30-A/2015, de 27 de fevereiro).
A este respeito, o preâmbulo explicita que a LO (Lei Orgânica) n.º 8/2015, de 22 de junho, fixou novos fundamentos para a concessão da nacionalidade por naturalização e de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa e que a LO n.º 9/2015, de 29 de julho, estendeu a nacionalidade portuguesa originária aos netos de portugueses nascidos no estrangeiro.
Tanto o art.º 4.º da LO n.º 8/2015 como o art.º 4.º da LO n.º 9/2015, referidas “preveem a necessidade de introdução de alterações ao Regulamento da Nacionalidade Portuguesa”, sendo que a LO n.º 9/2015 só entraria em vigor com a entrada em vigor do diploma que a regulamenta.
Assim, este decreto-lei prevê os termos em que a Conservatória dos Registos Centrais obtém informação “sobre a existência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, ou o envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei”. Depois, regulamentam-se as alterações introduzidas à Lei da Nacionalidade pela LO n.º 9/2015, criando-se as condições para a sua entrada em vigor. A regulamentação opera-se com o aditamento da norma que define os termos em que o Governo reconhece a existência de laços de efetiva ligação a comunidade nacional. Nesta mesma disposição, são previstas as situações em que a Conservatória dos Registos Centrais, considerando preenchidos os requisitos previstos, concluirá que o declarante possui laços de efetiva ligação à comunidade nacional, estando dispensada a remessa do processo ao membro do Governo responsável pela área da justiça.
A não inclusão no elenco de situações enunciadas não determina, por automatismo, a exclusão da possibilidade de atribuição da nacionalidade, sendo o processo remetido ao membro do Governo responsável pela área da justiça, que ajuizará da existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional.
Também este decreto-lei vem introduzir algumas melhorias no procedimento de atribuição e aquisição da nacionalidade, tornando-o mais justo e célere para o requerente, entre as quais se conta a presunção relativamente ao conhecimento da língua portuguesa (esse conhecimento deve presumir-se quando o interessado seja natural e nacional de país que tenha o português como língua oficial há pelo menos 10 anos e resida em Portugal, independentemente do título, há pelo menos 5 anos) e a previsão da dispensa de apresentação do certificado do registo criminal do país da naturalidade ou do país da nacionalidade quando o interessado não tenha neles residido em idade relevante para esse registo (ou seja, após os 16 anos).
Aproveita-se para, com o fim de agilizar o procedimento administrativo, clarificar o regime de notificação nos procedimentos da nacionalidade, determinando-se que as notificações efetuadas pela Conservatória dos Registos Centrais o são para o domicílio escolhido pelo interessado e que não deixam de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido.
É introduzida a seguinte redação “Não constituam perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei” nos artigos atinentes aos requisitos para a naturalização de estrangeiros residentes no território português; naturalização de indivíduos que tenham tido a nacionalidade portuguesa; naturalização de estrangeiros nascidos no território português; casos especiais em que pode ser concedida a naturalização; e naturalização de estrangeiros que sejam descendentes de judeus sefarditas portugueses.
Na tramitação do procedimento de naturalização, fica estabelecido que “a informação sobre a existência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei, é prestada pelas entidades referidas no n.º 5: Polícia Judiciária e Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que, para o efeito, pode consultar outras entidades, serviços e forças de segurança.
É dispensada a apresentação do certificado do registo criminal do país da naturalidade e ou do país da nacionalidade sempre que o interessado comprove que, após ter completado os 16 anos, residiu noutro país.
O Ministério Público deduz nos tribunais administrativos a ação judicial para efeito de oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adoção, no prazo de um ano a contar da data do facto de que depende a aquisição da nacionalidade.
Não se procede à retificação dos assentos de nascimento de indivíduos nascidos no território português, após a data da entrada em vigor da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que sejam filhos de estrangeiros e que, não tendo outra nacionalidade, tenham sido identificados como nacionais portugueses por mais de 10 anos em virtude de erro no assento derivado da omissão da menção da nacionalidade estrangeira dos progenitores. Nos casos ora referidos no número anterior, a nacionalidade portuguesa dos registados é averbada aos respetivos assentos de nascimento.
É aditado ao Regulamento da Nacionalidade Portuguesa o art.º 10.º-A (atribuição da nacionalidade por efeito da vontade a netos de nacional português), que, entre outros aspetos, dispõe o seguinte:
Os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente do segundo grau da linha reta de nacionalidade portuguesa e que não tenha perdido esta nacionalidade, que pretendam que lhes seja atribuída a nacionalidade portuguesa, devem satisfazer cumulativamente os seguintes requisitos: a) declarar que querem ser portugueses; b) possuírem efetiva ligação à comunidade nacional; c) inscrever o seu nascimento no registo civil português, após o reconhecimento da ligação à comunidade nacional. A efetiva ligação à comunidade nacional é reconhecida pelo Governo nos termos dos n.os 4 e 7, e depende de não condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a nossa lei.
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Posto isto, é de assentar em que Passos Coelho não terá perdido grande tempo na leitura das alterações legislativas em questão, mas foi célere em comentá-las com imprecisões num comício festivo e de marcação de agenda político-partidária deixando algumas imprecisões. Não há propriamente um facilitismo de risco mesmo na promessa de contrato de trabalho, que também deve ser comprovada, nem na permanência arriscada de elementos indesejáveis. Neste aspeto, há que referir que os crimes praticados no país, por norma devem aqui ser julgados e sancionados, só sendo lícita a extradição para países com que haja acordo de extradição (de seus nacionais) e em que não vigore a pena de morte e/ou a prisão perpétua. E fica acautelado o caso de suspeita e/ou condenação por crimes de terrorismo ou contra a segurança do Estado.
Todavia, não parece adequada a acusação de discurso racista e xenófobo a Passos Coelho por parte do BE e do PS. E convenhamos que as alterações legislativas, embora com melhorias, consideráveis, trazem complicações procedimentais para os organismos implicados, que se queixam do trabalho e de não terem sido ouvidos só depois das leis publicadas, confundindo audição com obrigação de seguimento.
Finalmente, como é que a LO n.º 9/2015, de 29 de julho estava por regulamentar, não podendo por razões intrínsecas entrar em vigor?
Os críticos também têm culpas no cartório. Mas falam esquecendo… É a vida!

2017.08.14 – Louro de Carvalho

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