sábado, 5 de agosto de 2017

Porque falham os representantes do povo em matéria de assiduidade?

Podem dar-nos as explicações que entenderem, mas as faltas dos deputados a sessões plenárias e às comissões que Suas Excelências integram não têm qualquer cabimento, a menos que possam ser justificadas nos termos mais exigentes em que o são as dos trabalhadores da administração pública. Casos há em que só é aceite como justificação a doença devidamente comprovada.
Ora, no caso dos representantes diletos do povo, os serviços da Assembleia da República mandam um e-mail ao faltoso titular do eminente órgão de soberania com o formulário para justificação de alta e o ilustre faltoso apõe a sua justificação, que não carece de comprovação, devendo apenas o dito formulário obter o visto do líder do respetivo grupo parlamentar.
Mas os deputados são eleitos pelo povo eleitor e pagos à custa do povo contribuinte para o representarem na discussão e tomada das grandes decisões coletivas ou para serem fonte de ilusão e falta de exemplo? Ganham pouco pelo seu trabalho? Também a maior parte dos portugueses tem um salário minúsculo e não pode faltar ao serviço sob pena de cominação de grave desconforto no emprego ou na sua perda.
Penalizar o deputado em 1/20 avos ou 1/10 no vencimento sobre o tempo correspondente à ausência (ou 1/30 avos no caso de falta a comissão parlamentar) é ridículo e parece brincadeira à falta ou ao dinheiro. Por outro lado, o trabalho político no círculo eleitoral pelo qual o deputado foi eleito não pode constituir óbice à presença em qualquer sessão plenária ou de comissão. O eleito dispõe da tarde de sexta-feira, do sábado, do domingo e da segunda-feira para isso. Ademais, nem se devia justificar isso, já que, sempre que o eleito é incomodado, de forma não plausível pelo visado, por eleitores do seu círculo eleitoral ou de sua profissão, respondem candidamente que são deputados do país inteiro e não do círculo por que foral eleitos ou por profissões específicas. E ainda poderiam utilizar mais vezes a figura da suspensão de mandato, mas não lhes dá jeito!   
O que se passou na votação em sede de comissão parlamentar de inquérito à gestão da CGD e à sua recapitalização – em que a falta de assiduidade levou à não aprovação do respetivo relatório – devia envergonhar os deputados e os eleitores deveriam puni-los na prova eleição!
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Porém, as notícias passadas à comunicação social nos últimos dias não são mais animadoras.Em 230 deputados, apenas 15% não deram faltas no último ano. Por outras palavras, segundo dados do Parlamento, ano só 34 deputados é que marcaram presença em todas as 109 sessões plenárias na Assembleia da República.
A agência Lusa fez as contas a partir do mapa de faltas dos deputados, disponível em www.parlamento.pt e concluiu que 15 deputados do PSD nunca faltaram a qualquer sessão e 9 do PS também estiveram sempre presentes. Entre os partidos mais pequenos, 7 eleitos do BE ocuparam sempre os seus lugares no hemiciclo, enquanto no PCP e PEV esse número foi mais reduzido – um deputado. No CDS-PP também apenas um deputado nunca faltou. E Eduardo Ferro Rodrigues, Presidente da Assembleia da República, conta nove faltas, todas elas justificadas por missões parlamentares.
Na Assembleia da República, há deputados que são líderes partidários e que também faltaram. Pedro Passos Coelho, do PSD, por exemplo, deu quatro faltas justificadas por trabalho político. Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, deu igualmente quatro faltas por trabalho político e uma por doença. Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, deu duas faltas, uma para dar assistência à família e outra por trabalho político. E Assunção Cristas, do CDS-PP, teve oito faltas, todas elas justificadas com trabalho político.
Os deputados escudam-se no n.º 2 do artigo 8.º do Estatuto do Deputado, que enumera os motivos justificados das faltas dos deputados:
Considera-se motivo justificado a doença, o casamento, a maternidade e a paternidade, o luto, a força maior, a missão ou o trabalho parlamentar e o trabalho político ou do partido a que o deputado pertence, bem como a participação em atividades parlamentares”.
Também, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, “a invocação de razão de consciência, devidamente fundamentada, por deputado presente na reunião é considerada como justificação de não participação na votação”. E o seu n.º 4 do estipula que, “em casos excecionais, as dificuldades de transporte podem ser consideradas como justificação de faltas”. Esta última é coisa tão abstrusa que ao funcionário público que a invoque mais lhe vale estar calado!
Os motivos mais apresentados, ao longo do ano, para justificar as ausências foram o trabalho político (170) e a missão parlamentar (115).
De setembro de 2016, quando começou a segunda sessão legislativa, a 19 julho, realizaram-se 109 sessões do plenário da Assembleia da República.
Nos grupos de deputados sem faltas, encontram-se curiosidades percentuais: não faltaram 36% dos deputados do BE; 5,5% dos deputados do CDS; 6,6% dos deputados do PCP; 50% dos deputados do PEV; 10,5% dos deputados do PS; e 16,9% dos deputados do PSD não faltaram.Ao todo, os deputados deram 1.517 faltas, tendo sido os mais faltosos os deputados do PSD e do PS. O PSD foi o partido mais faltoso, com mais de 650 faltas, seguido pelo PS, com 590 faltas.
Em média e por sessão parlamentar, às quartas-feiras, quintas-feiras e sextas-feiras, faltaram 14 deputados. Em 2016, essa média foi de 11 faltas, em 2015 de 17 e em 2014 foi de 16.
O PSD, o maior grupo parlamentar, com 89 deputados, é o que regista mais faltas, 667, seguido do PS, com 86 representantes, e que tem 590. O CDS-PP, com uma representação de 18 parlamentares, soma 151 faltas. Nos partidos à esquerda, o BE, com 19 deputados, tem 45 faltas, menos do que o PCP, com 15 parlamentares e 58 faltas. O PEV (Partido Ecologista “Os Verdes”) tem dois eleitos e também duas faltas (ambas de José Luís Ferreira, em missão parlamentar). André Silva, único deputado do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), deu quatro faltas. A média de faltas de deputados por sessão foi de 14.
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Mas não se pense que estas notícias são sempre pacificamente recebidas pelos atingidos. Ao invés, as referências às suas faltas, ao longo dos anos, já irritaram muitos deputados. Alguns deram tantas que podiam ter perdido o mandato, mas justificaram-nas e nem um só perdeu o lugar na Assembleia da República.
As polémicas têm anos, a discussão foi muitas vezes tensa e há alguns episódios mais bem caricatos. Em 2002, depois de um debate sobre Europa, com pouquíssimos deputados, o então Presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, chegou a ameaçar de falta injustificada a quem não estivesse no hemiciclo do Palácio de São Bento. Outro Presidente do Parlamento, Almeida Santos, dois anos antes, em 2000, admitiu vetar a presença de jornalistas depois de o Expresso ter publicado uma foto do hemiciclo quase vazio durante um debate numa sexta-feira.
O então incómodo “Tal & Qual” foi vasculhar os mapas de faltas e descobriu que, em 4 de fevereiro de 2000, 42 deputados fizeram gazeta.
No caso de Mota Amaral, a ameaça nunca chegou a ser concretizada, mas abriu a discussão sobre as maneiras de justificar as ausências. No caso de Almeida Santos, o histórico socialista pediu desculpa aos jornalistas e tudo continuou como dantes.
O ano de 2001 apareceu tumultuoso depois de, em julho, o DN haver noticiado que 30 deputados deram mais do que as 4 faltas injustificadas permitidas pelo regimento e que, por isso, estavam “Chumbados por faltas”. Os recordistas eram José Lamego, do PS, com 18, e Henrique Chaves, do PSD, com 15. À esquerda, não havia deputados “chumbados”. Apesar da polémica, as direções do PSD e do PS recusaram qualquer sanção aos faltosos.
Porém, uma semana depois, o Expresso noticiava que apenas dois não tinham justificado a ausência. E o DN dizia existir “uma espécie de reação corporativa” na Assembleia: mesmo que os deputados não apresentassem as justificações em tempo útil, acabavam por as ver aceites.
Passados alguns meses, em outubro de 2001, registou-se mais um percalço. O comentador político Marcelo Rebelo de Sousa, que deixara de ser líder do PSD dois anos antes, levantou a dúvida sobre se uma lei que precisava de maioria reforçada, a Lei de Programação Militar (por ser uma Lei orgânica), tinha obtido, de facto, os 116 votos necessários, dado que tinha faltado um deputado do PS. O problema foi resolvido depois de o deputado do PS alegadamente faltoso, António Marqueiro ter dado a palavra de honra em como estivera no hemiciclo no momento da votação, tendo como testemunhas o líder parlamentar socialista, Francisco Assis, e o secretário socialista da mesa, Artur Penedos. Mas o tom das acusações subiu. De facto, Marcelo chegou a acusar Almeida Santos, Presidente da Assembleia, de esconder a violação da Constituição.
O ambiente em torno das faltas era tal no Parlamento que, em novembro de 2001, o Público titulou “Deputados ‘sequestrados’ no plenário”, tal era o controlo de quem entrava e quem saía do hemiciclo durante o debate do Orçamento do Estado para 2002.
Manuel Alegre atirou para o ar: “Estamos aqui sequestrados pelo professor Marcelo Rebelo de Sousa”. E, nisto, foi aplaudido pelo PS e também por deputados do PSD e do CDS.
Formou-se um grupo de trabalho para tentar resolver o problema das faltas e, em 2003, foram alargados os motivos para justificar as ausências. Passou a ser possível invocar “força maior”, “motivo justificado”, além do “trabalho político” e “trabalho parlamentar” – justificações que se mantêm nos dias de hoje. E foi pior a emenda que o soneto.
O futebol – não sei se por “força maior”, “motivo justificado”, “trabalho político” ou “trabalho para lamentar” – também se meteu na polémica da assiduidade: 30 deputados faltaram ao plenário para assistir à final da Taça UEFA, em Sevilha, entre o FCP e o Glasgow, em maio de 2003. Mota Amaral, Presidente do Parlamento, não aceitou a justificação dada pelos deputados.
Também 2006 foi um ano crítico com o problema das faltas. Em 12 de abril, vésperas da Páscoa, 110 deputados faltaram às votações. O debate subiu de tom outra vez e o deputado do PS, Ricardo Gonçalves, chegou a propor que os parlamentares apresentassem um pedido de desculpas públicas, mas a direção socialista recusou. 
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Mas se os andores da procissão parlamentar portuguesa vão tortos e desalinhados, os da pátria da revolução da “liberdade, igualdade e fraternidade” não vão mais direitos e alinhados.
Com efeito, os deputados franceses protestam por terem de trabalhar mais uma semana. Depois de o Parlamento ter convocado uma sessão extraordinária, para 9 de agosto, com o objetivo de debater a lei sobre a moralização da vida pública, vários parlamentares confessaram o seu descontentamento. Dizem-se “esgotados”. Coitados! Os deputados foram obrigados a cancelar reservas e a adiar o descanso estival – o que não agradou a muitos, chegando alguns deles a admiti-lo em público.
Por exemplo Jean-Luc Mélenchon, o líder da “França insubmissa comentava há dias num programa do Youtube, onde passa em revista a atualidade: “Vão agora para a praia? Pois têm sorte. Para mim, a jornada de trabalho volta a começar”. Mélenchon tem sido o rosto dos políticos mais queixosos, reclamando pela necessidade de assistir a votações noturnas e a reuniões em agosto, está longe de ser o único.
Num país onde está consagrada a semana de trabalho de 35 horas, sendo concedidas 5 semanas de descanso, por ano, a cada trabalhador, os parlamentares suspiram pelos passeios à beira-mar. Dizem-se “esgotados”, recordando as “extenuantes jornadas legislativas” a que têm assistido, sem grande energia para mais uma semana ‘forçada’ de trabalhos na Assembleia Nacional.
Também Philippe Gosselin (conservador), Cécile Untermaier (socialista) e outros colegas das diferentes bancadas não veem chegado o dia de fazer as malas. E o ex-candidato presidencial Nicolas Dupont-Aignan desabafou: “Está toda a gente fatigada e este não é o melhor estado para se decidirem leis”.
Isto é referido depois de a Assembleia Nacional ter votado a proibição de contratação de familiares dos deputados (promessa eleitoral de Emmanuel Macron, que venceu as eleições de maio), uma prática que causou polémica na última eleição presidencial, marcada pela contratação da mulher do candidato François Fillon. Recorde-se que a mulher do então candidato da direita às presidenciais, bem como os filhos, são suspeitos de terem beneficiado de empregos fictícios e sido remunerados como assistentes parlamentares – um caso revelado no fim de janeiro pelo semanário Canard Enchaîné, que prejudicou a campanha de Fillon, que partiu para a corrida eleitoral como favorito, mas seria eliminado na 1.ª volta do escrutínio (20,1% dos votos).
O cansaço é generalizado, mas também da falta de descanso se poderá queixar o próprio Presidente francês, Emmanuel Macron, que este ano – ao que tudo indica – terá de se contentar com apenas uns dias livres, passados na residência oficial La lanterne, ao contrário do verão passado, sem direito a passeios românticos ao lado da Brigitte, sua mulher.
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Enfim, quer em França, quer em Portugal, é de exigir aos representantes do povo a presença nas sessões e a preparação política para participar nas discussões e votações. Acabe-se com a sonolência parlamentar, a ignorância de dossiês, as diversões de computador ou de aparelho similar. Cessem os acordos de cavalheiros para as votações das leis ordinárias. Contem-se os votos. Faça-se corresponder a cada pessoa um voto. E cada grupo parlamentar que fiscalize o cumprimento ou não da disciplina partidária pelos seus deputados quando a ela houver lugar.
Represente-se o povo com seriedade, sabedoria e eficácia. Representem-nos. Para isso os elegemos, para isso lhes pagamos. E não para contratarem serviço de privados a fazerem o trabalho dos deputados, dos ministros e dos secretários de Estado…    
2017.08.05 – Louro de Carvalho

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