quarta-feira, 28 de setembro de 2016

3.ª Conferência do Ano da Misericórdia em Santa Maria da Feira

Ocorreu a 23 de setembro e foi orientada pelo Bispo do Porto Dom António Francisco dos Santos ante uma igreja matriz da sede da vigararia repleta de participantes.
A reflexão que fora anunciada como Ser Testemunhas da misericórdia – desafios pastorais consistiu no essencial na apresentação do Plano Diocesano de Pastoral para 2016/2017, que entronca no Plano Diocesano de Pastoral 2015-2020 (PDP) e o integra. O plano quinquenal desenvolve-se e desdobra-se em 5 etapas, ao ritmo de cada ano pastoral sendo que as suas metas, objetivos, caminhos e atividades espelham a “consciência da Igreja” do Porto e projetam “o horizonte temporal do trabalho eclesial a realizar e do caminho sinodal que a percorrer”. Três coisas, portanto: consciência da Igreja, trabalho eclesial, caminho sinodal – em que somos guiados “pelo amor misericordioso de Deus”, amor que, animados pelo Espírito Santo, alma da Igreja, vemos “em Cristo, Seu Filho e rosto da misericórdia do Pai”.
O lema ‘A alegria do Evangelho é a nossa missão’ constitui a força inspiradora da programação pastoral e a matriz unificadora do quinquénio e cria a certeza de missão que “reforça o nosso vínculo à Palavra de Deus e à Boa Nova de Jesus, que diariamente nos convoca a proclamar as bem-aventuranças e a realizar as obras de misericórdia com alegria”.
Ao longo do quinquénio, traduzimos para o hoje e aqui “a Palavra de Deus e o Evangelho” e, focados na exortação apostólica Evangelii Gaudium (EG), (que Francisco apresentou como paradigma do seu ministério e programa da sua missão), na encíclica Laudato si’ (LS) e na exortação apostólica Amoris Laetitia (AL), encontramos no magistério da Igreja, nomeadamente nos documentos conciliares, na vida, palavras e gestos do Papa “orientações, instrumentos e contributos indispensáveis para a nossa missão”. Conscientes dos imensos desafios de iniciação e de formação cristã que enfrentamos, sobretudo na catequese e catecumenato, e dos “amplos e interpeladores os novos horizontes de presença transformadora e de intervenção ativa dos cristãos no mundo, mormente no campo da família, da educação, da cultura e da ação social”, não olhamos o Plano como “produto acabado, “receita eficaz” ou “resultado antecipadamente adquirido”. Porém, sabemos que “o tempo é sempre maior do que o espaço” e que há sempre tempo desde que haja vontade. E este é o nosso tempo, o tempo da Igreja referida a Cristo e enraizada nos “espaços humanos, físicos, culturais e territoriais”. É tempo a gerir na união “em redes de trabalho e comunhão paroquial, interparoquial, vicarial e diocesana”, pois, “só na comunhão afetiva e efetiva da Igreja concreta”, em que cremos, que servimos e amamos, “veremos o que Deus nos pede e receberemos em abundância os dons que Deus tem oferecido à Igreja do Porto”.
O Plano não se reduz a “uma metodologia pastoral, mesmo que ancorada em experimentadas pedagogias de práxis pastoral”, mas procura, desde a conceção e elaboração, à execução e avaliação, delinear o rosto da Igreja na colegialidade, na corresponsabilidade, na comunhão e na unidade. É o rosto duma Igreja, “vivificada pelo Espírito de Deus, alimentada pela Palavra e fortalecida pelos Sacramentos”, que “mostra ao Mundo a beleza da fé, a força da esperança e a ousadia da caridade” – valores e virtudes que “o Mundo mais procura na Igreja e mais direito tem a encontrar” nos cristãos. O Plano constitui “necessariamente um sinal muito belo do amor de Deus pela Igreja do Porto e do compromisso generoso de leigos, consagrados (as), diáconos, presbíteros e bispos, disponíveis e prontos para a missão”, sendo que “um dos valores primeiros do trabalho pastoral” que neste PDP se anuncia está na abertura de alma de cada um, das comunidades, estruturas e serviços, movimentos e obras, instituições e grupos “ao amor misericordioso de Deus por nós, acolhido, celebrado, vivido e testemunhado em Igreja”. Para tanto, cumpre continuar a caminhada feita até o presente, focados no Ano da Misericórdia, clamando ‘Felizes os misericordiosos’ e ‘praticando as obras de misericórdia, com alegria!’, pois os frutos do Ano Jubilar “perdurarão no tempo” e “a Igreja deve prosseguir os caminhos” que Francisco “diariamente nos abre e nos convida a percorrer”, procurando que a “misericórdia divina lhe modele o coração, para que seja uma Igreja de rosto terno e de coração materno e nos ensine e eduque a sermos misericordiosos como o Pai”.
A visita da Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima à diocese (de 10 da abril a 1 de maio) não deixou ninguém indiferente à sua passagem e presença e “Ela levou, no seu coração de Mãe, esta Igreja do Porto, sentiu a alma mariana das suas gentes e abriu-nos sendas novas de evangelização e de missão”. Por isso, em sintonia com a celebração do centenário das aparições aos pastorinhos e na perspetiva da visita do Papa a Fátima e a Portugal, em maio pf, voltamo-nos para Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, a Virgem Peregrina, a Mãe de ternura e a Senhora da Mensagem, que nos impele a “uma pastoral de proximidade e de acolhimento” e “nos guia em todos os caminhos de missão, nos conforta e consola nas aflições, nos fortalece na comunhão, nos guia para as fontes da alegria, onde a Igreja se renova em missão”. Que pela sua “mensagem de ternura, de graça, de misericórdia e de paz, nos ilumine e nos guie para que ‘com Maria, a Igreja do Porto se renove nas fontes da alegria!’. (cf Prólogo do Plano Diocesano).
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O Plano para o novo ano pastoral tem como referência dois eventos: a Visita da Imagem Peregrina de Nossa Senhora no Ano da Misericórdia, com as intuições e desafios para a missão que despertou; e a celebração do Centenário das Aparições em Fátima, como fonte de inspiração e de renovação pastoral.
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A propósito da Visita da Imagem Peregrina, Dom António remeteu para a saudação “Causa da nossa alegria” (04.04.2016), em que referiu com os bispos auxiliares:
Maria, Mãe de Misericórdia, não nos distrai dos acentos pastorais que temos à nossa frente. Melhor do que ninguém, Ela nos ajudará a abrir os olhos e o coração à Boa Nova de Jesus Cristo; a descobrir que ‘a alegria do Evangelho’ é mais que uma frase: é o segredo de uma vida com sentido e é, por isso, a nossa missão’.”.
E este tempo de graça “deu ao Jubileu genuína expressão feminina e materna da misericórdia divina”, pelo que azou a proposta dumas linhas de ação pastoral, emergentes da bênção desta Visita e da vivência do Ano Jubilar, que ajudam a delinear o caminho pastoral do quinquénio.
1. A Imagem de uma Igreja em saída. A Imagem da Virgem Peregrina, “que vai à frente, que sabe tomar a iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos” (EG,24), é um ícone expressivo da Igreja em saída (EG,24; 49) e missionária nas aldeias, vilas ou cidades, mesmo fora do próprio círculo de relações eclesiais e serviços comunitários, “para entrar em contacto com as pessoas, famílias e instituições”, a oferecer a todos “a vida de Jesus Cristo (EG,49) e a sua misericórdia”.
2. A Virgem da ternura e a cultura do encontro. A adesão popular e a alegria incontida e espontânea das pessoas evidenciaram a força dos afetos, pois, como reitera o Papa, não podemos “ter medo da ternura” e sabemos que “as relações materno-filiais não têm códigos rígidos”. Este epifenómeno sugere-nos a promoção da cultura do encontro e a pastoral de proximidade, de atenção concreta às pessoas, de derrube de algumas “alfândegas” (EG,47; AL,310) e “burocracias” que inibem, atrapalham e bloqueiam a nossa ação pastoral, que constrangem as pessoas a aproximar-se da Igreja e a integrar-se nela. É preciso, além de promover a formação de elites laicais, “dar voz e vez à consciência dos fiéis (AL,37; 222; 303), à participação a que têm direito e ao dever missionário de todos os batizados. E será utópico pensar numa dinâmica sinodal, sem que a corresponsabilidade pastoral esteja devidamente enraizada e organicamente estruturada – o que exige uma conversão pastoral.
3. Maria, “Causa da nossa alegria”. A visita de Maria ficou marcada por uma alegria contagiosa, difusiva, e por uma beleza, mais persuasiva do que qualquer discurso, sendo que o povo vive “a alegria do Evangelho” (EG,84) e, no seu jeito e linguagem, “professa, celebra, vive e reza a sua fé”. Ora, no pastoral 2016-2017, deveremos insistir no esforço de conduzir o Povo de Deus às fontes da alegria, à frescura da Palavra e à seiva dos Sacramentos, onde a vida cristã se alimenta e se renova em missão. Assim “Com Maria, renovai-vos nas fontes da alegria” (cf Is 12,3) será o lema do próximo ano pastoral a desafiar-nos a “recuperar a frescura original do Evangelho” (EG,11), a percorrer “a via da beleza” (cf EG,167), “na redescoberta da Liturgia”, que põe “em comunhão o céu e a terra”, envolve “a pessoa, na sua inteireza, no seu corpo espiritual e no seu espírito encarnado”.
4. A Misericórdia como princípio de ação pastoral. Aquela alegria contagiosa exprimiu-se “em muitas lágrimas de dor, de sofrimento, de solidão, de desencanto, de feridas abertas nas famílias, de desespero” na procura de terra, teto ou trabalho. Por isso, a Imagem da Virgem Peregrina desafia-nos a aprender a chorar com os que choram (Rm 12,15), a fazer da misericórdia e compaixão o nosso princípio de atuação pastoral, tratando misericordiosamente a todos, a começar pelos que nos procuram (PDP,p 31), “resgatando a misericórdia de uma conceção sentimental e moralizante”. “Precisamos de comunidades samaritanas” numa sociedade que não raro parece sem coração, comunidades capazes de se aproximarem e se abrirem ante os olhos que sofrem, sem preocupação pela sua “identidade geográfica, religiosa ou legal” (alusão aos migrantes e refugiados).
5. A piedade popular como força de evangelização. Esta iniciativa tão acolhida em toda a Diocese evidencia “a necessária valorização e evangelização da piedade popular”, como “uma força de evangelização” (PDP,p 27). E esta adesão em massa e emotiva desafia-nos a aproveitar melhor as manifestações da religiosidade popular, para o primeiro anúncio, o do “amor pessoal de Deus que Se fez homem, que Se entregou a Si mesmo por nós e, vivo, oferece a sua salvação e a sua amizade” (EG,128). Hoje, a pastoral “deve ser fundamentalmente missionária” (AL,230), partindo dos valores culturais das comunidades e valorizando-os à luz do Evangelho.
6. A beleza da comunhão que irradia em missão. O mais importante ponto desta reflexão de proposição pastoral talvez seja “o sinal e a força da comunhão e da corresponsabilidade na missão, que esta iniciativa evidenciou e potenciou”, pois reuniram-se tantos filhos “à volta da Mãe de Jesus” em “clima de festa”. Assim, “as iniciativas programadas e realizadas de modo interparoquial, o trabalho colaborativo e subsidiário desenvolvido em vigararia, a sinergia de pessoas, grupos, paróquias, movimentos, comunidades religiosas, associações e instituições, mostraram-nos como em equipa, em conjunto e em comunhão, fazemos muito mais e muito melhor, e que afinal “o todo é superior à parte”.
7. O segredo de Maria: renovai-vos nas fontes da alegria. Não podemos deixar de nos confiar à Mãe de Misericórdia e de Lhe pedir que volte para nós os seus olhos misericordiosos, “porque Ela é Mãe”, e “consegue tanto e faz tanto por nós, ultrapassando limites e excedendo expectativas”; ademais, o seu Coração Imaculado desafia-nos a edificarmos uma Igreja de rosto materno, ‘uma mãe de coração aberto’ (EG,46-49), “com as mesmas entranhas de misericórdia, desafiada pela sua prontidão para sair e servir”.
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Quanto ao centenário das aparições, saliente-se que o cunho mariano da pastoral e a perspetiva da misericórdia persistirão ao longo de todo o ano pastoral, tendo em conta a dimensão nacional e internacional da celebração do centenário, sob o lema “O Senhor fez maravilhas”.
A Mensagem de Fátima contém elementos inspiradores e desafiadores, no âmbito do regresso às fontes da alegria, como a prática da oração e adoração e o regresso à fonte dos sacramentos, nomeadamente os da Reconciliação e da Eucaristia, que devemos potenciar e valorizar. Por isso, está prevista a peregrinação da diocese do Porto a Fátima (a única ocorreu em 1956).
1. O prelúdio das aparições: a fonte da Eucaristia. Antes das aparições de Maria, vem o ciclo das aparições do Anjo da Paz: na primavera de 1916 e, com ela, a comunicação das palavras de adoração, “Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos; no verão, o Anjo de Portugal fala de desígnios de misericórdia e pede o sacrifício pela conversão dos pecadores; e, no outono, o Anjo dá a comunhão sob as duas espécies aos pastorinhos e repete a oração:
Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, adoro-Vos profundamente e ofereço-Vos o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo…”.
Na aparição de 13 de julho de 1917, Maria pede a comunhão reparadora dos primeiros sábados e o sacrifício com a intenção: Ó Jesus, é por vosso amor. Nas duas aparições a Lúcia em Pontevedra, pediu a devoção dos primeiros sábados (confissão e comunhão). Assim, Fátima não se entende nem se vive sem a redescoberta da Eucaristia e da sua centralidade, sendo que é na Eucaristia que a “Trindade” nos alcança. Fátima desafia-nos, pois, a recolocar Deus no centro da nossa vida, o que implica a expressão prática da volta à fonte da Eucaristia. Se Maria nos diz em Caná Fazei o que Ele vos disser (Jo 2,5), Jesus diz-nos a respeito da Eucaristia e suas implicações: “Fazei isto em memória de mim” (1Cor 11,24; Lc 22,19).
2. A Mensagem das aparições: as fontes da oração e da penitência. Paulo VI define a Mensagem de Fátima, como mensagem de oração e penitência, oração e conversão para alcançar a Paz. Por isso, “importa rezar para abrir o coração à ação de Deus e transformar o mundo”. O apelo à oração é comum a todas as aparições de Fátima. Assim, Bento XVI diz que “Fátima é uma janela de esperança que Deus abre, quando o homem Lhe fecha a porta”. Ora, a porta que abre o homem a Deus é a oração: sem oração não há conversão, sem conversão não há mudança de vida e sem mudança de vida não há paz. É, pois, necessário recolocar e reinstalar Deus na nossa vida. A visão do Inferno na 3.ª aparição é a imagem da vida sem Deus, imagem de que temos de nos livrar. Por isso, a Mensagem reforça o apelo à conversão, que abre a pregação de João Batista e o ministério público de Jesus: “Convertei-vos porque está próximo o reino de Deus” (Mt 3,2). Cabe, pois, valorizar as formas de primeiro anúncio e experiências de encontro com Cristo, na oração, que levem a uma verdadeira conversão. E “destaca-se, com particular urgência, a necessidade da formação da consciência” e de “educar para o verdadeiro sentido da penitência”, nomeadamente em ordem ao sacramento da Reconciliação. É verdade que, se o homem não se reconhece pecador, “nada faz para evitar o pecado ou para o remediar, e a graça da salvação começa a ser por ele descurada”, perdendo o crente a “consciência da Páscoa do Senhor e da razão da sua morte na Cruz”.
3. A revelação das aparições: Graça e Misericórdia. A Trindade de Deus-Amor é revelada a Lúcia na última aparição, em Tui (13.06.1926), em duas palavras: Graça e Misericórdia. E o Papa declara anaforicamente na Bula Misericordiae vultus:
Misericórdia é a palavra que revela o mistério da Santíssima Trindade. Misericórdia é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro. Misericórdia é a lei fundamental que mora no coração de cada pessoa, quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho da vida. Misericórdia é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado” (MV,2).
Assim, a Mensagem fatimita alenta-nos e desafia-nos a voltar às fontes da graça e da alegria como expressão atualizada das “mirabilia Dei” que Maria canta no Magnificat (Lc 1,46-56) e como se reza na Vigília Pascal, na bênção da água:
Senhor nosso Deus: pelo vosso poder invisível, realizais maravilhas nos vossos sacramentos” (Catecismo da Igreja Católica – CIC,1217).
A perspetiva da celebração dos sacramentos como “maravilhas” de Deus decorre do conceito bíblico de “memorial”, essencial à nossa compreensão dos sacramentos:
No sentido que lhe dá a Sagrada Escritura, o memorial não é somente a lembrança dos acontecimentos do passado, mas a proclamação das maravilhas que Deus fez pelos homens (Ex 13,3). Na celebração litúrgica destes acontecimentos, eles tornam-se de certo modo presentes e atuais” (CIC, 1363).
A mensagem teológica fatimita nas duas palavras “Graça e Misericórdia” estimula a prossecução duma pastoral que dê o primado à graça e à misericórdia. Porém, a tentação de pensar que os resultados dependem da nossa capacidade de agir e programar sempre insidia qualquer caminho espiritual e a ação pastoral. Ora, se Deus nos pede a real colaboração com a sua graça, convidando-nos a investir no serviço pela causa do Reino todos os recursos de inteligência e ação, também é certo que “sem Cristo, nada podemos fazer” (cf Jo 15,5)”. E, sobre a misericórdia, como princípio pastoral, recordou-nos o Papa Francisco:
 “(…) sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar, com misericórdia e paciência, as possíveis etapas de crescimento das pessoas, que se vão construindo dia após dia”, dando lugar à “misericórdia do Senhor que nos incentiva a praticar o bem possível”.
Compreendendo quem prefere pastoral mais rígida, sem confusões, o Papa crê sinceramente que Jesus quer uma Igreja atenta ao bem que o Espírito derrama no meio da fragilidade: uma Mãe que, enquanto expressa a sua doutrina objetiva, “não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada”. Pelo que os pastores, ao proporem aos fiéis o ideal pleno do Evangelho e a doutrina da Igreja, devem ajudá-los a assumir a lógica da compaixão pelas pessoas frágeis e evitar perseguição ou juízo demasiado duro e impaciente. É o Evangelho que exige que não julguemos nem condenemos (cf Mt 7,1; Lc 6,37).
4. A revelação aos pequeninos: a simplicidade evangélica. As aparições dão-se em país pobre, num local ermo, a serra de Aire, a três humildes crianças: os irmãos Francisco (9 anos) e Jacinta (7 anos) e a prima Lúcia (10 anos). É a lógica da revelação: a escolha dum povo pobre, a escolha dos pobres, humildes e simples (Mt 11,25). Com efeito, só a humildade abre o coração para Deus, só “os puros de coração verão a Deus” (Mt 5,8), na linha do cumprimento das bem-aventuranças, dos pobres, humildes, puros de coração, perseguidos…, linha que Fátima confirma. Foi Jesus quem convidou os discípulos a “tornarem-se como as crianças”, pois é “a quantos são como elas que pertence o Reino de Deus” (cf Mt 18,3; Mc 10,14). E disse o Papa (Audiência de 18.03.2015):
As crianças trazem vida, alegria, esperança e também problemas. Mas é melhor uma sociedade com estas preocupações e estes problemas, do que uma sociedade triste e cinzenta, porque permaneceu sem filhos!”.
5. O testemunho das crianças: a resposta vocacional. Os pastorinhos são crianças que, mesmo ante ameaças e ambiente de hostilidade, dão testemunho heroico de fidelidade a Deus e à Igreja, espelhado na oração diária e no sacrifício generoso das suas vidas, no amor à Eucaristia e ao Santo Padre e na atitude contemplativa face à obra da criação. Ajudam-nos a perceber que a iniciação à vida espiritual e a descoberta da vontade de Deus não é assunto que se possa omitir, na infância ou relegar para a adolescência e juventude, pois também nesta fase da vida é possível à pessoa responder e corresponder aos apelos de Deus. Por isso, o Papa, a 7 de setembro de 2015, aquando da Visita ad limina dos Bispos de Portugal, foi claro no seu desafio, ao denunciar o risco duma catequese escolarizada e esta urgência:
“Precisamos de conferir dimensão vocacional a um percurso catequético global, que possa cobrir as várias idades do ser humano, de modo que todas elas sejam uma resposta ao bom Deus que chama: ainda no seio da mãe, chamou à vida e o nosso ser assomou à vida; e, ao findar a sua etapa terrena, há de responder com todo o seu ser a esta chamada: «Servo bom e fiel, entra no gozo do teu Senhor»”.
6. Senhora mais brilhante que o sol: a dignidade da Mulher. A exclamação de Lúcia, “Era uma Senhora mais brilhante que o Sol”, aproxima-se da visão bíblica da Mulher “vestida de sol” (Ap 12,1-6) e inspira-nos a reforçar o cunho mariano da atividade evangelizadora da Igreja, a partir do qual, sob novo ângulo e profundidade, compreenderemos o mistério da Igreja, que valoriza o génio feminino e desenvolve um rosto materno que a faz brilhar e resplandecer como Mãe que “gera os filhos para uma vida nova, os alimenta, educa, orienta, perdoa, cuida e acompanha sempre, com ternura e amor, sem nunca deixar de interceder por eles”. Ademais, a mulher, para a Igreja, é imprescindível. Bastar-nos-á imaginar o que seria a vida das nossas comunidades, associações, movimentos e obras e o que seriam as nossas celebrações e iniciativas pastorais sem o contributo específico das mulheres.
O Papa, na Amoris Laetitia, afirma:
A grandeza das mulheres implica todos os direitos decorrentes da sua dignidade humana inalienável, mas também do seu génio feminino, indispensável para a sociedade. As suas capacidades especificamente femininas – em particular a maternidade – conferem-lhe também deveres, já que o seu ser mulher implica também uma missão peculiar nesta terra, que a sociedade deve proteger e preservar para bem de todos” (AL,173).
Com o Papa sentimos que “é necessário ampliar os espaços de uma presença feminina mais incisiva na Igreja” (Revista La Civiltá Cattolica, 19.08.2013). Estamos convictos, pois, de que os novos passos a dar devem ter subjacente uma profunda teologia da mulher na Igreja, que ainda está por fazer. No recente encontro com as participantes na PUISG (Plenária da União Internacional das Superioras-Gerais), o Papa reiterou que o génio feminino é muito necessário nos lugares de discernimento, reflexão, programação, decisão e revisão, na vida da Igreja, pois o olhar típico da mulher enriquece a visão e a construção da realidade eclesial e do mundo.
7. A alegria da criação: a aliança entre a humanidade e o ambiente. A Mensagem e os eventos de Fátima dão-se em ambiente puro e agreste, num contexto de grande harmonia entre os pastorinhos e o ambiente natural em que vivem e crescem. Gostavam de ouvir o eco da sua voz no fundo dos vales e sabiam admirar o nascer e o pôr do sol e chamavam ao astro-rei a “candeia de Nosso Senhor”. Quando não viam a Lua, diziam que faltava o azeite na “candeia de Nossa Senhora”. E as estrelas eram as “candeias dos Anjos”. Estas crianças viviam e praticavam os seus jogos e brincadeiras em perfeita aliança com a natureza, numa atitude de gratidão e louvor, nos seus cânticos, de respeito, de sobriedade (LS,224), em grande alegria e paz (LS,225), podendo ser, neste sentido, postos como modelos duma “aliança entre a humanidade e o ambiente”, tal como nos é proposto na Encíclica Laudato si’ (LS,209-227), e ajudar-nos a uma verdadeira “conversão ecológica” (LS, 216-217), que nos leve a viver a alegria da criação (LS,222) e a “cuidar da casa comum”.
8. O sentido da peregrinação: o caminho da alegria. O espírito de peregrinação jubilar, vivido intensamente no Ano da Misericórdia, continua e amplia-se nas peregrinações a Fátima, que devem ser devidamente preparadas, espiritualmente acompanhadas e celebradas em clima de verdadeira alegria, que a experiência do caminho e visão do santuário sempre desperta no peregrino. Os santuários comportam o convite à alegria, que se experimenta ao abrigo desta “tenda do encontro” de Deus com o seu povo, lugar da aliança, do encontro com a Palavra de Deus, com a Eucaristia e com a Reconciliação e do compromisso com a Caridade, a partir do exemplo de Maria, “santuário do Deus vivo”. No Salmo 122 (um dos Salmos cantados pelos peregrinos a caminho do Templo) cantamos: “Exultei quando me disseram, “Iremos à casa do Senhor”...”.
Aí experimentamos a alegria do encontro com os irmãos (cf Sl 122,1), a “alegria do perdão” para “fazer festa (Lc 15,32), porque “há alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se arrepende” (Lc 15,10). E, reunidos à volta da mesma mesa da Palavra e da Eucaristia, sentimos a “alegria da comunhão” com Cristo, a que foi sentida por Zaqueu quando O acolheu em sua casa “cheio de alegria” (Lc 19,6), a “alegria perfeita” (Jo 15,11), que ninguém poderá tirar (cf Jo 16,23) de um coração fiel que se tornou, ele mesmo, templo vivo do Eterno” (Sl 43,4)”.
9. O triunfo da misericórdia: irradiar a esperança. Na segunda aparição em Fátima (13.06.1917), Maria garante a Lúcia: “O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá a Deus”. Isto é: A misericórdia triunfa do juízo. Deus não desiste de nos procurar, até nos alcançar. O seu amor e misericórdia vencem. É a redescoberta da paixão e compaixão de Deus pela humanidade e um sinal de esperança para todo o mundo. A devoção ao Imaculado Coração de Maria é a redescoberta do coração materno de Deus e do seu amor visceral por nós. Neste sentido, a Mensagem de Fátima estimula-nos a prosseguir a meta do objetivo geral enunciado no Plano “irradiar a esperança e servir na caridade”. A experiência da visita da Imagem Peregrina, o Ano da Misericórdia e seus frutos e a perspetiva do centenário das aparições ajudarão redescobrir a misericórdia divina e a tornarmo-nos pessoas misericordiosas.
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O Plano Diocesano de Pastoral 2016-2017, tendo em conta o tema geral “A alegria do Evangelho é a nossa missão”, gravita à volta do tema específico do ano “Com Maria, renovai-vos nas fontes da alegria”. Entronca, pois, no Plano Diocesano de Pastoral para o quinquénio 2015–2020,  cujo objetivo geral é:
A Igreja Diocesana, marcada pela alegria do Evangelho, que nasce do encontro com Cristo na beleza da fé, renova-se em missão para irradiar a esperança e servir na caridade.
E os seus objetivos específicos são:
1. Descobrir a condição alegre e feliz da nossa identidade cristã;
2. Assumir a vocação de discípulos missionários para uma Igreja em saída, que se carateriza por:
2.1. Ir à frente, tomar a iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para acolher e convidar os excluídos; 2.2. Oferecer misericórdia, fruto de ter experimentado a misericórdia infinita do Pai e a sua força difusiva; 2.3. Envolver-se com obras e gestos na vida diária dos outros de modo a encurtar as distâncias, tocando a carne sofredora de Cristo nos irmãos; 2.4. Acompanhar com bondade e paciência e atenta aos frutos, porque Deus a quer fecunda; 2.5. Valorizar a dimensão festiva bela e da fé como fonte de um renovado impulso para se dar; 2.6. Abrir as suas portas de modo que os pobres sintam cada comunidade cristã como sua casa.
3. Consciencializar as pessoas, as famílias e as comunidades para o valor da vocação e para a responsabilidade de serem promotoras das diferentes formas de chamamento, nomeadamente as de especial consagração.
4. Atualizar e implementar a renovação das estruturas eclesiais, paroquiais, vicariais e diocesanas, adequando-as às novas exigências e dinamismo da missão.
O lema para cada um dos cinco anos do Plano Diocesano de Pastoral é:
1.º Ano: A Alegria do Evangelho é a nossa missão – Felizes os misericordiosos!
2.º Ano: A Alegria do Evangelho é a nossa missão – Com Maria, renovai-vos nas fontes da alegria!
3.º Ano: A Alegria do Evangelho é a nossa missão – Movidos pelo amor de Deus!
4.º Ano: A Alegria do Evangelho é a nossa missão – Todos discípulos missionários!
5.º Ano: A Alegria do Evangelho é a nossa missão – Um caminho sinodal aberto a todos!
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O Bispo diocesano chamou a especial atenção para a necessidade de fomentar e expressar a fé, mostrar o rosto de Deus misericordioso e o rosto da Igreja do Porto, que é preciso amar, enveredar pela caminhada em colegialidade e sinodalidade, nos ambientes mais pequenos – família e paróquia – e ir alargando, pela comunidade vicarial, até ao todo diocesano e a toda a Igreja universal enquanto espaço do Reino de Deus. Por outro lado, é preciso ter em atenção o povo, as pessoas simples e descobrir a relevância do papel da mulher na Igreja e na sociedade.
O capítulo das respostas às questões levantadas pela plateia eclesial foi memorável pelo conteúdo, pelo equilíbrio de postura e sobretudo pelos testemunhos arrolados pelo bispo-orador.
Destaco: a ideia do bispo que estabeleceu duas portas da misericórdia nas suas igrejas jubilares, uma, de entrada, para o crente ganhar e acolher a misericórdia, e outra de saída, para sair revestido dela e a comunicar e testemunhar; a prevalência da obra de misericórdia de enterrar os mortos e da oração por eles sobre a própria preparação da JMJ na ótica do Papa; o elogio à presença dos jovens, renunciando a ocupações de fim de semana; a resposta de Santa Teresa de Calcutá ao jovem que objetava com a dificuldade de pôr em prática a misericórdia num mundo adverso – de que um homem com uma lâmpada acesa em pleno dia de sol não será notado, mas, na escuridão, iluminará o seu caminho e os caminhos de outrem; a resposta equilibrada à questão do desemprego, do trabalho precário e da sobrecarga laboral com prejuízo para a vida de família, denunciando os excessos e as injustiças e desigualdades, mas reconhecendo que a Igreja tem lugar também para o empresário justo que garante postos de trabalho e progresso das famílias e apelando ao estudo da doutrina social da Igreja, que outros leem mais que muitos cristãos e reorientam a seu modo; a ideia da Igreja em saída, não originária propriamente de Francisco, mas, mais que do Vaticano II, mas que vem logo desde os primórdios, pois os apóstolos saíram por todo o mundo conhecido, fundavam comunidades, que deixavam depois de consolidadas, mas que não esqueciam revisitando-as ou escrevendo-lhes; a recordação de que, se não tivesse havido Igreja em saída, nós não seríamos cristãos, tendo falado de casos concretos de bispos do Porto e de Braga e de toda a expansão missionária ao longo da História da Igreja; a afirmação da novidade que Francisco evidenciou, que não basta mandar, é também preciso ir; e ainda os testemunhos pessoais da sua ação com e entre sacerdotes e pessoas humildes do povo, em Paris (o mistério do acolhimento) e Luxemburgo (a receção e integração de refugiados por portugueses) ou o seu modo próximo de dizer nossa paróquia, nossa cidade, nossa escola, etc.
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Depois abordou sumariamente pontos do esquema do plano para 2016/17: o quadro sinótico com objetivos (Palavra de Deus, Liturgia, Misericórdia, Alegria do Amor), meios, modos, agentes e destinatários; o calendário pastoral para o ano, por meses e dias; um exame de avaliação do desenvolvimento do Plano, para ir mais além, através de 7 blocos de itens/questões; a oração de consagração e o hino do centenário das aparições de Fátima (letra e música), o siglário, a bibliografia e o índice.
Tudo pode ser lido e meditado na página web da diocese do Porto:
2016.09.27 – Louro de Carvalho


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