O Governo vê-se encostado entre os objetivos de governança
com que se apresentou ao eleitorado, aos partidos satélites que engendraram a
presente maioria parlamentar, de um lado, e as exigências decorrentes das
regras europeias plasmadas no Pacto de Estabilidade, do outro.
Assim, a restituição de rendimento às famílias pela supressão
da sobretaxa de IRS e pela reposição dos salários dos trabalhadores da
administração pública e ainda o crescimento da economia e o decréscimo da taxa
de desemprego impõem medidas substitutivas e que se creiam sustentáveis e
duradouras, até para fazer face ao investimento necessariamente crescente na
educação, saúde e repovoamento do interior.
É óbvio que programas de investimento local de natureza
privada apoiado pelos poderes públicos – europeu e nacional (central e local) –, como o apresentado recentemente
em Vila Nova de Gaia, gerarão a prazo maior absorção de postos de trabalho, mais
receitas para o erário público e mais conforto social. Todavia, o país não pode
esperar, mas a União Europeia deveria poder. E é isto com que os partidos mais
à esquerda não se conformam, não sendo pela via da intransigência
reiteradamente afirmada ou pela do látego iminente da vigilância e da ameaça de
sanções que esses partidos passarão a gostar das instituições europeias.
Todos sabemos que o rendimento, nomeadamente o espelhável em
sede de IRS foi brutalmente atingido pela espada fiscal, tal como as empresas
que apresentavam a possibilidade e/ou a vontade de não evasão fiscal. Por isso,
embora tardiamente, o XIX Governo apercebeu-se de que teria de fazer incidir a
caneta seca do fisco sobre a coletabilidade para impostos indiretos. E o XXI
Governo entendeu que deveria ser moderado em termos de IVA nalguns casos, por
exemplo na restauração, calibrar os impostos sobre combustíveis, plásticos,
álcool e tabaco (minorando
uns e agravando outros)
e taxar mais o património, quer pela via da existência e mais-valia quer pela
via da transação sucessória e contratualizada.
***
O Governo tentou promover a legislação de agravamento do IMI
(imposto municipal sobre
imóveis) pela via do
agravamento percentual e mais diversificado dos fatores de valorização para
efeitos tributários do património imobiliário, implicando a reavaliação do
valor patrimonial do imóvel valorizando-o até 20% no caso de acréscimo dos
fatores de valorização e desvalorizando até 10% no caso do acréscimo dos
fatores de desvalorização. Mas o diploma legal corre o risco de perigar no
Tribunal Constitucional se o pedido de fiscalização sucessiva da
constitucionalidade, formulado pelo PSD, surtir efeito. Por outro lado, segundo
avança o jornal online Observador, a intenção do Executivo socialista
era introduzir escalões no IMI, criando assim cenários de progressividade, mas terá
esbarrado em várias questões técnicas.
Foi, assim, por ter desistido da aplicação dum IMI
progressivo que o Governo optou por propor a criação do novo imposto sobre o
património, cuja designação ainda não é conhecida. Por isso, o Executivo
insiste em avançar com a solução alternativa de taxar o património imobiliário
de valor muito elevado. Além de substituir a intenção inicial do Governo,
inscrita no seu programa, o novo imposto também substituirá o imposto do selo,
ou seja, a taxa de 1% paga pelos proprietários de imóveis de valor elevado. Já
no Programa de Estabilidade entregue em abril em Bruxelas, constava o objetivo
de criar um mecanismo de progressividade na tributação direta do património
imobiliário, tendo por referência o património imobiliário global detido.
***
Ora, o novo imposto é referido pelo Governo como um “instrumento
de justiça fiscal”. Porém, quem tomou a dianteira na desvenda do mistério foi Mariana
Mortágua na conferência que proferiu como convidada no quadro da rentrée política do PS, sustentando a
bondade da taxação do património elevado em vez da taxação do rendimento do
trabalho e aventou o diafragma acima do qual o novo imposto incidiria: 500 mil
euros.
Tal revelação suscitou reações negativas no PS, que terá aventado o
limite de um milhão; na própria coordenadora do BE, que hesitou e omitiu
valores numéricos; no PCP que censurou a revelação intempestiva a desvalorizar
o mérito da medida; na oposição que acusa o Executivo de dispor duma Ministra
das Finanças na sombra e de tentar empreender a sovietização do Estado; e nos
proprietários, que independentemente do universo de incidência do imposto
tinham de contestar (chamam-lhe garrote fiscal),
bem como os que se têm esfalfado pelo investimento privado (Tantos, tantos, tantos…!),
que julgam o imposto móbil de afastamento dos investidores.
Ora, questionado sobre a matéria, quer em Vila Nova de Gaia no lançamento
do programa de investimento no concelho, quer no recente debate quinzenal no
Parlamento, António Costa remete a descrição dos detalhes do novo imposto para
14 de outubro. Com efeito, é o
dia em que o Orçamento do Estado (OE) será
entregue na Assembleia da República, por antecipação, já que o dia 15, o dia
habitual, é um sábado.
O Primeiro-Ministro só responde pelo novo imposto
sobre o património em termos genéricos, defendendo que “é da mais
elementar justiça”. Porém, nada refere sobre os detalhes da medida:
quantos e que tipo de contribuintes, que taxa, acima de que montante, quem fica
de fora, etc. Promete a total clarificação aquando da apresentação do OE,
que é o documento previsional de gestão das contas públicas e que, por tal
motivo serve de previsão, uns meses antes, sobre como a carteira dos
portugueses ficará mais ou menos cheia no ano que se avizinha. E os detalhes
do novo imposto, bem como o possível aumento de impostos indiretos, que o
Ministro das Finanças admitiu, serão conhecidos então, embora o BE já
tenha deixado no ar o que aí vem.
No regresso aos debates parlamentares pós-férias, o
novo imposto foi o tema quente. O PSD foi o primeiro a falar,
mas sobre a matéria remeteu-se ao silêncio e já não teve tempo de antena
para responder às críticas iniciadas pelo BE e secundadas pelo PCP e pelo PM. O
CDS-PP, o terceiro a falar, colocou questões diretas a Costa, que pouco
acrescentou ao que agora se sabe. Contudo, estas matérias fiscais – e
outras – podem ser alvo de alterações até à proposta do OE que contará mais uma
vez – pelo menos é o que se espera – com o apoio de BE, PCP e PEV.
O 29 de novembro será também uma data a apontar
na agenda, pois será esse o dia da votação final global o Orçamento do Estado
para 2017.
Antes da votação final global, há vários passos. Um calendário
bastante intensivo:
14 de outubro, entrega da proposta de Orçamento do
Estado para 2017 na Assembleia da República (será nesse dia de conhecimento
público dos portugueses); 25 de outubro, primeira
audição do ministro das Finanças, em sede de comissão parlamentar; 26 de outubro, audição do ministro do Trabalho,
Solidariedade e Segurança Social também em sede de comissão; 3 de novembro, debate na generalidade da proposta de
Orçamento, pelas 15 horas; 4 de novembro, continuação
do debate na generalidade, pelas 10 horas; entre 7 e 18 de novembro, audição
dos restantes ministros, sendo que no último dia voltará a ser ouvido Mário
Centeno (Dia 18 é
também o prazo-limite para os partidos apresentarem propostas de alteração); 24, 25 e 28 de novembro, debate na especialidade em
plenário; e 29 de novembro, encerramento do debate na especialidade e
votação final global.
***
Num país onde a taxa do IRC muda a qualquer momento
e onde as Finanças têm acesso ao balanço de contas bancárias e está na forja o
aumento do imposto sucessório, o novo imposto acima de 500 mil euros não
surpreende, porque está no programa do governo e segue na linha do que tem sido
a política fiscal em Portugal há décadas. Dizem-no surpresa para os estrangeiros
que adquiriram imóveis em Portugal, mas no maior mercado imobiliário para
estrangeiros da Europa, em Londres, entrou em vigor neste ano um novo imposto
de selo maior para as casas de maior valor. Cá, onde os estrangeiros gozam de
regime fiscal muito favorável, justificado pelo desejo de que tragam
investimento produtivo, reduzir um pouco tais benesses para o investimento
imobiliário é compreensível. A exceção foi há anos quando, desesperado por capital
estrangeiro, o país respondeu ao principal desejo dos investidores oferecendo
estabilidade através do pacto de regime acerca do IRC – exceção eliminada com o
rasgar da reforma do IRC em 2015. Poupa-se pouco em Portugal, porque, além de
não haver dinheiro, é enorme a incerteza fiscal sobre os impostos a aplicar, no
futuro, aos rendimentos das poupanças.
Não é surpresa que o imposto recaia sobre o
património acima de certo valor, mesmo que, contas feitas, os “ricos” acabem
por ser das classes médias. De facto, o país é pobre e desigual: a descrição da
classe média que se ouve na televisão aplica-se no máximo ao top 10% da
distribuição de rendimentos. Ademais, não há grande diferença entre esquerda e
direita no atinente a preocupações com a desigualdade. Mudanças no IRS e cortes
em pensões e salários públicos no XXIX governo foram tão ou mais progressivos
que muitas mudanças do XXI.
A grande diferença é que com a direita no poder
redistribui-se para os trabalhadores do setor privado; com a esquerda,
redistribui-se para os funcionários públicos e pensionistas. Porque os dois
grupos são semelhantes na distribuição de rendimentos, não há assinalável
diferença na intenção de introduzir impostos sobre os rendimentos mais altos.
Este governo tem duas caraterísticas fiscais:
prefere subir a receita pelos impostos indiretos em vez do IRS; e já tentou
congelar rendas e taxar o alojamento temporário. Porém, continua a ter como
alvo os proprietários de imóveis. Assim, o novo imposto sobre imóveis não choca
nada.
(cf Ricardo Reis:
https://www.dinheirovivo.pt/opiniao/o-novo-imposto-sobre-imoveis/#sthash.exl4xEHK.dpuf)
***
O novo imposto sobre o património superior
a um milhão de euros cairá sobre 8 618 contribuintes singulares. Restam as
empresas e os fundos imobiliários.
Aquele
universo de contribuintes singulares é detentor de imóveis com um valor
tributário (VPT) global de 18 849 milhões de euros.
Desconhecem-se, por agora, os termos da progressividade do imposto e o valor
das taxas a aplicar, mas podem imaginar-se cenários. Assim, cobrar uma taxa de
1% sobre o património superior a um milhão de euros renderia ao Estado cerca de
188,5 milhões de euros – valor próximo do limite máximo da estimativa de
encaixe apontada pelo grupo de trabalho do BE e do PS sobre política fiscal. Se
o valor da taxa for mais baixo, o Estado arrecadará menor receita. Já o número
de proprietários singulares – excluindo empresas e fundos imobiliários – com
património acumulado avaliado (na matriz) entre 1
milhão e 750 mil euros é de 26 212, e entre 750 mil e 500 mil euros de 8 658. No
total, existem em Portugal 43 488 pessoas singulares com património superior a
meio milhão de euros, o que representa 1% dos contribuintes que pagam IRS no
País.
(cf Clara
Teixeira, “Novo imposto sobre imóveis pode render
€190 milhões” in Visão, de 22 de setembro)
E, a
engrossar as críticas ao anúncio do novo imposto pela oposição, pelos grandes
proprietários e pelos agentes imobiliários, o FMI, nas conclusões da 4.ª
avaliação pós-programa da troika, vem apontar falhas às reformas da política,
considerando continuarem “aquém do necessário para aumentar a competitividade e
o crescimento”. Assim, o FMI defende a criação dum sistema fiscal mais estável
e previsível para estimular o investimento empresarial.
Mariana
Mortágua, deputada do BE, assegurou, em declarações à Lusa, no dia 22, que o novo imposto que está a ser desenhado vai
excluir “toda a classe média” e incidir, sobretudo, em titulares de património
de luxo. Explicou que se trata de uma taxação adicional para património
imobiliário de elevado valor e que, embora não esteja ainda fechado o montante
a partir do qual incidirá a tributação, “nunca será inferior a 500 mil euros”,
explicitando:
“Esta medida está a ser desenhada para ser uma forma de imposto sobre grandes fortunas,
neste caso, grandes fortunas imobiliárias. Vai haver um limite que vai deixar
de fora todas as pessoas com uma casa, duas casas, que formam a classe média.
Não é uma medida para atingir as famílias normais que compraram a sua casa.”.
A deputada
bloquista acrescentou que o novo imposto não atingirá empresas com
“património que serve para fins produtivos”, empresas que têm
prédios ou fábricas para produzir coisas, que fazem parte da indústria e que
têm uma função económica. Frisou que “não é taxar esse tipo de património, que
não serve para acumulação de riqueza, que está a servir um propósito produtivo
– que deve ser incentivado, e não taxado”. E propõe que “o imposto seja
progressivo”, dizendo que a própria sobretaxa possa crescer “à medida que o
património vai crescendo”.
Segundo ela,
o imposto tem uma vantagem, nomeadamente a de poder “atingir contribuintes,
muitas vezes individuais ou agregados de muito elevado rendimento, que não são tidos
como contribuintes de muito rendimento”. E deu como exemplos: um cidadão
estrangeiro que não resida em Portugal ou até que reside, mas que não declara o
seu rendimento em Portugal, porque não o recebe ou porque escolhe não o
declarar; e um cidadão português que escolhe não declarar. Depois têm prédios
por acumulação de riqueza de valor milionário. Ora, neste momento – explicou –
não há nenhuma forma de pedir a estas pessoas que paguem o imposto, “que são na
realidade as pessoas mais ricas” e encontram uma forma “de não pagar IRS no
país”, ou seja, não fazem “uma contribuição de acordo com a sua riqueza”.
O patamar dos
500 mil euros permite apanhar os investidores que obtenham visto Gold pela
compra de património imobiliário e cujo valor mínimo corresponde a meio milhão
de euros.
***
O presidente
da ANP (Associação
Nacional de Proprietários),
António Frias Marques, manifestou-se contra a aplicação do novo imposto acima
dos 500 mil euros, considerando-o “um garrote fiscal”. Comentando, em
declarações à Lusa, o acordo entre o
PS e o BE para a criação dum novo imposto, que deverá abranger apenas os imóveis
de valor mais elevado, disse:
“Lamentamos ser o saco de boxe desta
questão toda. Se for para a frente, constitui um garrote fiscal, pois o facto
de eu ser detentor de património, não quer dizer que eu tenha dinheiro para
pagar os impostos.”.
No entender
do presidente da ANP, que faz elucubrações semânticas, o verbo ter não é sinónimo dos verbos ganhar ou receber, o que “acontece com milhares de pessoas que recebem
heranças envenenadas, ou seja, recebem o património, mas não dinheiro”.
Frias Marques
lembrou que este imposto existe noutros países com o nome imposto sobre o
património e inclui ações, dinheiro, joias, etc., que, embora não aceitável, “seria
mais sério, porque estamos a utilizar a técnica de salame e a seccionar os
diversos grupos de pessoas que podem ser atingidas”, disse, salientando que
toda esta situação “é uma injustiça”.
***
Ora,
se formos a pensar em termos sócio-filosóficos, taxar rendimentos do trabalho e
do capital dará no mesmo já que o capital não passa de trabalho acumulado, e é
difícil estabelecer o limite entre e poupança e riqueza acumulada. Também é
certo que muito do capital detido por alguns é um capital morto que não
significa nem é rendimento. Mas ninguém diz que muito do trabalho também não é
rendimento, quando não é pago, quando é mal pago, excessivo, explorador e
indignificante.
E não
constitui capital acumulado nem trabalho o dinheiro espatifado prodigamente e
em negócios ilícitos – caso em que devia impor-se forte penalização.
Porém,
há um nível ético e social que impõe a correção das desigualdades e das
injustiças. E, por isso, novo imposto afigura-se impositivo, não de forma cega
e automática, mas apreciando casuisticamente cada situação – coisa que
antigamente as Finanças faziam de forma aleatória e hoje a Autoridade Tributária
não sabe nem quer fazer.
Todavia,
o cidadão e o esforço que faz merecem mais e melhor.
2016.09.24 – Louro de Carvalho
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