No passado
dia 3 de setembro, no âmbito do encontro anual de antigos alunos do colégio de
Castro Daire, estivemos na celebração eucarística, na capela de São Sebastião,
a que presidiu o reverendo padre Carlos Caria. Para lá da liturgia do XXIII
Domingo do Tempo Comum em que se inseriram as sábias e ponderosas reflexões do
sacerdote celebrante sobre os efeitos da verdadeira sabedoria na vida de cada
pessoa e de cada comunidade e sobre as exigências do seguimento de Jesus Cristo
segundo a condição de cada um, os olhos fixaram-se por tempos naquele imóvel de
arquitetura sacra e numa bandeirinha que está encostada à parede lateral direta
junto à porta de entrada. Por isso, para lá do que pude ver e ler, procurei
informação mais detalhada sobre o pequeno templo e sobre a bandeira.
***
Assim, pode
contemplar-se, do exterior, o edifício não tão pequeno, como costuma suceder com
as nossas capelas, mas um imóvel proporcionado, embora de grande austeridade, de caraterísticas
maneiristas, sem grande decoração. Esta sobriedade arquitetónica sofre alguma
quebra na sineira, sobre a parede do lado direito do pequeno templo, tradicionalmente
dito do lado do Evangelho, por cima de porta lateral, e nos altos pináculos que
rematam os cunhais.
Porém, a entrada
na capela faz desaparecer a imagética de austeridade e sobriedade para exibir
um espaço preenchido pela talha dourada e policromada, de que sobressai o teto
com seus caixotões e o retábulo do altar – altar-mor, embora seja o único altar,
sendo que para a missa com povo é utilizada uma pequena mesa colocada ali em
frente.
O primeiro conjunto,
o do teto, compõe-se de 40 caixotões e o seu efeito visual prolonga-se no altar,
com o qual estabelece uma relação de continuidade, já que não existe um desnivelamento
em resultado da não existência de capela-mor. Em termos decorativos, os motivos esculpidos
representam predominantemente folhas de acanto e florões numa linguagem icónica
que se integra no designado por estilo nacional ou barroco pleno.
Por seu turno, o retábulo do altar, da mesma época e gosto,
ostenta quatro colunas salomónicas de cada lado da tribuna, que se prolongam em
arcos concêntricos. E do arco cimeiro da tribuna partem em direção ao arco
superior do retábulo como que quatro vértebras radiais entalhadas. O dourado
alterna com a policromia, que o complementa, ficando acentuado o sentido
decorativo da composição. O altar exibe pintura a imitar um frontal e, do lado
do Evangelho, encontra-se a porta de acesso à sacristia, cuja estrutura e
composição, também em talha, se enquadra no complexo do retábulo,
encontrando-se perfeitamente dissimulada. E
o púlpito, pespegado na parede lateral esquerda (dita do lado da
Epístola), é um belo e funcional móvel
escultórico e pictórico a condizer com os demais motivos decorativos do pequeno
templo sebastiânico.
Rosário
Carvalho, da Direção-Geral do Património Cultural, com cujo texto, lido no
site da DGPC, se confrontaram as
informações supra referidas, sustenta que “a capela de São Sebastião existia
desde o século XVI, no local que hoje corresponde à implantação dos Paços do
Concelho”, tendo sido transferida, em 1860 (altura em que iniciou a
construção do atual edifício da Câmara Municipal), para o Cimo da Vila, onde atualmente
se encontra. Porém, citando Alberto Correia, Alexandre Alves e João Vaz (CORREIA, ALVES, VAZ, 1995:246), defende que “da obra
quinhentista que, muito possivelmente, lhe deu origem, nada resta”, uma vez que
o edifício foi reconstruído em data próxima do ano de 1713, por iniciativa do abade
João de Moura Andrade,
também responsável pela construção da atual Igreja Matriz. E, embora conceda que “são escassas as informações referentes a
esta capela”, ela tem sido alvo de devoções particulares, como é o caso do
mártir jesuíta padre Sebastião Vieira, martirizado no Japão, em 1634, que aqui
criou um vínculo, para que fosse celebrada uma missa todos os dias. E, ao invés do que se passava com
tantas outras capelas existentes em Castro Daire e mencionadas pelo menos desde
o século XVIII, a de São Sebastião era administrada pelo povo, o que poderá
justificar a austeridade da arquitetura, motivada pela relevância do espaço
litúrgico, em detrimento do expressão e visibilidade exterior.
Por outro lado, a
informação colhida no site da Câmara Municipal
refere a capela
de São Sebastião como sendo conhecida também pelo vínculo de obrigação de missa
quotidiana, instituído pelo mártir padre Sebastião Vieira, da Companhia de
Jesus, morto no Japão em 1634 – o que confere com a informação de Rosário
Carvalho (cf Abílio Pereira de Carvalho, Vínculo de Sebastião
Vieira, CMCD:1986). Já
quanto ao regime de administração da capela, a informação do município diverge
do enunciado formulado pela investigadora, pois sobre o assunto, diz:
“Durante largas décadas administrada por privados,
foi já no séc. XVIII e após longa disputa, que a diocese de Lamego se impôs e
chamou a si a administração da capela, entregando-a ao abade de Castro Daire”.
E,
acentuando a “simplicidade e sobriedade” do seu exterior, caraterizada “pela
ausência de grandes artifícios arquitetónicos”, chama ao interior “uma
autêntica joia artística”, sustentando:
“O retábulo e o teto desta capela conferem-lhe uma
riqueza decorativa difícil de encontrar em templos de tão reduzida dimensão,
formando uma composição de belo efeito e conferindo imagem homogénea ao seu
interior, classificando-a de Imóvel de Interesse Público”.
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Quanto ao padre Sebastião Vieira, o site da Direção Regional de Cultura do Centro dá-nos conta da Homenagem
ao padre Sebastião Vieira, promovida pelo padre Carlos Caria, em Castro Daire, a 23 de janeiro de 2005 (domingo
subsequente ao dia da memória litúrgica de São Sebastião, oficial romano e padroeiro
da diocese de Lamego), a partir
dum projeto da iniciativa do mencionado pároco da freguesia e vila,
desenvolvido com os apoios da fábrica da Igreja Paroquial e do Município.
Com efeito,
pode ver-se no adro da Igreja Matriz da vila e freguesia de Castro Daire, à
direita do majestoso templo, uma escultura em bronze (dimensões: 4,00m x 1,20m x 0,40m) do castrense mártir no Japão em 1634. Nesta peça escultórica, mestre escultor Manuel Vaz “concilia
o gosto naturalista e o espírito clássico com um conceito plástico modernista”,
tendo procurado, “em termos compositivos, organizar o elemento figurativo com a
forma geométrica, estabelecendo um paralelismo entre o braço esquerdo e a
hipotenusa do triângulo, uma vez que em causa está um triângulo retângulo, e a
verticalidade da representação do corpo com a do cateto”. Não colocou qualquer
pedestal, pelo que “a peça arranca da relva sem necessidade do referido
elemento, pois se existisse, tornaria aquele volume muito mais preso ao solo”. Assim,
redunda “numa harmónica convivialidade entre a peça, o espaço urbano e o
público anónimo” do quotidiano.
Em termos simbólicos, o triângulo corporiza a harmonia, a transcendência e, no caso da religião cristã, a remissão para a “Santíssima Trindade, para o número três, para a figura masculina”. Plasticamente a estátua “é uma forma extremamente dinâmica”, mas simultaneamente “estável, firme, ascensional”, que em articulação com a figura humana “reforça essa projeção no espaço”.
Em termos simbólicos, o triângulo corporiza a harmonia, a transcendência e, no caso da religião cristã, a remissão para a “Santíssima Trindade, para o número três, para a figura masculina”. Plasticamente a estátua “é uma forma extremamente dinâmica”, mas simultaneamente “estável, firme, ascensional”, que em articulação com a figura humana “reforça essa projeção no espaço”.
O monumento evoca
a figura do padre Sebastião Vieira, mártir, natural de Castro Daire, século
XVII, que foi missionário da Companhia de Jesus e faleceu no Japão em 1634.
O famoso
jesuíta autor de vasta bibliografia, missionário do Padroado Português do
Japão, morreu queimado vivo em Yendo, a 6 de junho de 1634. Tendo entrada na
Companhia de Jesus a 3 de fevereiro de 1591, foi mestre de Noviços e procurador
da Província Jesuíta de Macau, missionou nas Filipinas, em 1614, e, em 1623,
foi eleito para ir como procurador da Província Japonesa a Roma, aonde chegou
em 1626 e foi acolhido pelo Papa Urbano VIII. Em 1629, voltou ao Oriente,
levando consigo 23 jesuítas de várias nacionalidades. Reentrou disfarçado no
Japão, em 1632, como administrador do bispado. E, em 1633, descoberto em Osaca,
foi mandado prender pelo imperador, com mais 5 “japões”, e condenado à morte
por suplício e, após três dias de martírio, foi queimado vivo.
- Cf Manuel Vaz em http://www.soveral.info/casadatrofa/trofa9.htm
[consultado em 6/9/2016].
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Entretanto,
Helena Costa Toipa publicou, na MÁTHESIS
19 2010 37-53, um artigo científico, a pgs 37-53, sob o título “PADRE
SEBASTIÃO VIEIRA, SOB A PALMA DO MARTÍRIO. A COMPANHIA DE JESUS NO JAPÃO”, que especifica “as circunstâncias
da sua última incursão no Japão, onde as práticas cristãs estavam proibidas
desde o édito de Hideyoshi, de 1587”, circunstâncias que se agravaram em 1614 e
que ele descreve em “relato enviado aos superiores da Companhia de Jesus, no
qual se reconhece o seu espírito de missão: reconhecimento da necessidade de
sobreviver para cumprir a sua tarefa apesar do desejo de morrer pela causa”.
Por
outro lado, a investigadora, que releva a ação missionária no Japão – entre simpatias
e dificuldades até à proscrição, especifica pormenores do martírio de Vieira,
que nascera a 20 de janeiro de 1572. O martírio é relatado com informação de António
Franco:
“Portanto,
posto em um jumento levando uma bandeirinha, em que estava escrita a causa da
sua morte, que era por ser pregador da fé de Cristo, foi levado ao lugar do
suplício. Tinha ele antes dito, que havia de morrer com fogo. Puseram-no
dependurado no cruel tormento das covas, com outros cinco Japões, com quem fora
prezo na embarcação, aos quais admitira na Companhia. Três dias esteve vivo no
tormento, eram já mortos seus ditosos companheiros. Então os algozes trazendo
fogo o lançaram na cova do Padre Sebastião Vieira, e deste modo cumprindo-se a
profecia, acabou esta vida mortal a 6 de junho de 1634 na cidade e corte de Japão
chamada Yendo. O corpo foi queimado e as cinzas lançadas ao mar, para que as
não pudessem recolher os Cristãos. Sua gloriosa morte se autenticou em ordem à
sua canonização.” (cf Franco, 1719:190, adaptado).
Tinha 62 anos, 43 dos quais dedicados à religião.
E Helena Toipa faz menção das obras
do mártir jesuíta: Annuae Litterae ex Iaponia, 16 martii 1613; Relação da viagem que fez de Macau a Manila
e de Manila ao Japão, escrita no Japão a 18 de fevereiro de 1633; Três cartas
escritas do cárcere de Yendo, a 7 de abril de 1634; e Compendio
da Fé Catholica, escrito em língua japonesa, estando preso no cárcere,
a mandado do Imperador (fê-lo em 14 horas).
***
Ora, sabendo-se de fonte fidedigna
que Sebastião Vieira sofreu o martírio explicitamente por ódio à fé, a ponto de
recusar expressamente a liberdade que lhe prometeram, só me interrogo porque não
ficou este inscrito no catálogo dos santos mártires. Para quê uma eventual
sujeição à disciplina canónica à espera dos desnecessários milagres e da
consequentemente desnecessária prova, como no caso dos santos confessores e
similares? Até parece que a hierarquia eclesiástica tem medo dos mártires ao
invés de nutrir simpatia e apreço por estas sementes de cristãos!
2016.09.06 – Louro de Carvalho
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