sábado, 10 de setembro de 2016

Conferência “Que Justiça Queremos?”

A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) promoveu, no passado dia 7 de setembro, a Conferência Que Justiça Queremos?”, que decorreu no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Presidiu à sessão de abertura a Ministra da Justiça e à de encerramento o Presidente da República. Pretendia a conferência encontrar resposta para questões como as seguintes: Que políticas para a justiça? Que justiça para o cidadão? Que limites para a privatização da justiça? A Justiça condiciona a economia?
Da questão “Que políticas para a justiça?” trataram a vice-Presidente da ASJP e os líderes parlamentares, que abordaram os seguintes tópicos: pactos para a justiça; linhas estruturais do sistema de justiça; e consensos nas reformas. E do tratamento da questão “Que justiça para o cidadão?” encarregaram-se António Lobo Xavier, Manuel Ramos Soares e Maria dos Prazeres Beleza, segundo os tópicos seguintes: o político e o judicial – respeito, interferências e condicionamentos; a independência do poder judicial; estatuto dos magistrados judiciais; a gestão do sistema (os conselhos superiores da magistratura); e qualidade, celeridade e eficácia vs proximidade da justiça: reforma, mapa judiciário. Em torno dos “limites para a privatização da justiça” peroraram António Vitorino, Dulce Neto, Paula Costa e Silva Pedro Maia, abordando os seguintes itens: arquitetura constitucional do poder judicial: área e esferas de arbitragem / os limites materiais da arbitragem; as garantias de acesso à justiça na justiça privada; a resolução amigável de litígios; e a verdadeira eficácia da justiça privada. E a questão A Justiça condiciona a economia?” foi tratada por António Saraiva, João Paulo Raposo e José Reis à volta dos tópicos seguintes: as expectativas apontadas à justiça para o crescimento económico; o verdadeiro papel da justiça no funcionamento da economia; o que esperar de uma boa justiça económica; e principais problemas e caminhos de solução.

É de salientar como ponto de destaque o pedido da ASJP ao poder político de consenso alargado nas questões da justiça.

***
Das várias intervenções sobressaem a da Presidente da ASJP (a de maior conteúdo), a da Ministra da Justiça e a do Presidente da República.
A Presidente da ASJP pediu um “consenso o mais alargado possível” do poder político relativamente às alterações à nova Lei da Organização Judiciária e à revisão do Estatuto dos magistrados judiciais, especificando:
“É fundamental que estes dois diplomas resultem de um consenso o mais alargado possível. Um consenso que espelhe uma atitude responsável por parte do poder político. Um consenso que demonstre que, acima de tudo, os partidos políticos querem respeitar o princípio da separação de poderes, se preocupam com e respeitam a independência dos juízes e dos tribunais.”
Este repto, que a ASJP vem a fazer há anos, ganha agora nova dimensão na sequência do discurso do Presidente da República na abertura do ano judicial a apelar à criação dum pacto para a justiça na busca de soluções para os problemas do setor. Só que a oradora esquece que repto presidencial foi lançado sobretudo aos operadores judiciários subalternizando os partidos e os governos.
Observando deverem as políticas públicas de justiça ser debatidas a nível suprapartidário, disse:
“Na última década assistimos a uma deserção progressiva da égide dos tribunais do Estado dos litígios de maior peso e importância social e económica. Em matérias como as patentes ou os litígios administrativos e fiscais (onde outrora se considerava haver direitos indisponíveis do Estado, insuscetíveis de serem arbitrados), passou-se da arbitragem voluntária para a arbitragem necessária”.
Depois de sustentar que os consensos alargados são “imprescindíveis na delimitação do modelo de justiça do Estado”, Costeira, lembrou que a ASJP tem sistematicamente chamado a atenção para o pressuposto de que a afirmação do Estado de Direito se faz também pela “dignificação do papel e da competência dos tribunais do Estado”, no âmbito do qual a reserva jurisdicional tem de ser um princípio atuante. E, defendendo “o direito de acesso à justiça do Estado, que é, por inerência, um direito de acesso a um juiz com o estatuto e as garantias de independência”, apontou a necessidade de se proceder a uma “delimitação clara” do núcleo essencial da justiça do Estado a realizar exclusivamente pelos tribunais, bem como a que pode ou deve ser realizada por meios alternativos do Estado ou por ele apoiados ou estimulados, e ainda o que pode ou deve ser realizado através de tribunais arbitrais ou outros mecanismos de iniciativa privada.
Quanto à justiça económica – outra grande preocupação – a líder da ASJP, declarou:  
“Temos assistido a uma campanha de responsabilização dos tribunais pelo mau funcionamento da economia a que urge pôr fim. Os tribunais são o reflexo da sociedade, não o inverso. Se a sociedade e o Estado mergulham numa crise económica grave, o número de processos necessariamente aumenta e, ao mesmo tempo, a cobrabilidade das dívidas é muito menor.”
Este fenómeno ocorreu na última década, em Portugal, com consequências mais graves em jurisdições como a de comércio, execuções (cobrança de dívidas), trabalho e família e menores onde a falta de poder económico das pessoas ou das empresas têm reflexos imediatos.
Na convicção de que é preciso pensar o problema de forma abrangente e sem misticismos, sem responsabilizar uns ou outros, mas tentando melhorar a economia do país e procurar tornar mais célere e eficiente a resposta dos tribunais, reafirmou que os juízes estão disponíveis para dar o seu contributo na resolução dos problemas, sendo esta conferência, organizada pela ASJP para debater questões essenciais ao bom funcionamento da justiça, a prova disso mesmo.
***
O Presidente da República, por seu turno, no encerramento da conferência, reiterou o apelo que fizera na abertura do ano judicial, no dia 1 de setembro, no sentido de “os parceiros da justiça portuguesa” tudo fazerem “para trabalharem no sentido de convergências”, mobilizando partidos políticos e parlamento porque “o pior que pode acontecer é a sedimentação de um bloco central de interesses que acabe por inviabilizar o que é preciso fazer na justiça”.
E, em relação à perceção que o cidadão comum tem das questões da justiça, explicitou:
[Quero] anotar com preocupação o modo imperfeito como as questões da justiça são apercebidas muitas vezes pelo cidadão comum. Ele é muito sensível aos casos mais mediáticos do momento, mas escapam-lhe, por falta de informação problemas de estrutura, questões de fundo, que dão menos que falar, são menos visíveis ou menos apontadas, mas nem por isso deixam de ser extremamente relevantes para não dizer cruciais.”
Na opinião do Presidente, o cidadão raras vezes encontra explicações ou esclarecimentos “correspondentes a uma pedagogia informativa e formativa, cuja omissão é uma das pechas antigas do nosso sistema judicial democrático”. E criticou:
É certo que por vezes se pensa que a ausência de estruturas ou de práticas ajustadas a essa função pedagógica pode ser compensada por meios informais, que satisfaçam os anseios constantes da comunicação social ou por testemunhos personalizados de intervenientes sujeitos a maior curiosidade ou a pressão cívica ou mediática”.
Neste duplo risco, a primeira vertente é adiar soluções orgânicas sistemáticas e mais preparadas.
Depois, vem a outra vertente de risco:
Acreditar que magistraturas ou magistrados podem, sem custos a prazo, ombrear na arena pública com personagens ou instituições políticas, económicas e sociais cujo ‘modus actuandi' passa necessariamente pela crónica exposição à opinião pública.
Porém, o Presidente espera a interiorização deste apelo à convergência, não importando que seja caminho a trilhar de modo parcelar ao longo dos anos ou dum só fôlego, pois importa avançar.
***
Por sua vez, a Ministra da Justiça considerou que os consensos são necessários e indispensáveis para resolver problemas do setor e disse esperar, no mínimo, uma manutenção das verbas destinadas à Justiça no próximo Orçamento de Estado. Disse-o aos jornalistas à margem da conferência “Que Justiça Queremos?”, em cuja abertura a presidente da ASJP pediu “consenso o mais alargado possível” do poder político relativamente às alterações à Lei da Organização Judiciária e à revisão do Estatuto dos magistrados judiciais. A este respeito, a governante acentuou que “tudo aquilo que forem apelos ao consenso, à concórdia e à unidade num setor tão conturbado como a justiça são fundamentais para nós”, lembrando que o seu ministério “esteve sempre disponível” para “encontrar acordos”, mesmo nos “segmentos mais pequenos”, porque isso é necessário para a “justiça progredir”.
Van Dunem lembrou que o Chefe de Estado fez, na abertura do ano judicial, amplo repto a envolver os agentes da justiça, no sentido de induzirem as bases e as estruturas organizativas das magistraturas a iniciarem o processo de consensos e a transpô-lo para o poder político.
E, refutando a ideia da existência dum subfinanciamento da Justiça, disse que uma análise comparativa da despesa pública alocada ao serviço de justiça nos países do Conselho da Europa mostra Portugal situado na média, com 2,2 pontos percentuais, percentagem igual à da Suécia, muito próxima da dos Países Baixos (2%) e superior à da Alemanha, França ou Reino Unido. Porém, isso não significa que não vamos fazer esforços para melhorar a capacidade financeira do sistema – contrapôs – adiantando ser também preciso um esforço para “gastar melhor”, trabalho esse que “está a ser feito”.
Quanto ao próximo OE (Orçamento de Estado), Francisca Van Dunem disse esperar, “no mínimo”, uma manutenção das verbas destinadas à Justiça, mas alertou que sairá do OE o orçamento do Conselho Superior da Magistratura (CSM), que assim concretiza a sua “autonomia financeira”. Na prática, isso significa que será transferida para o orçamento do CSM parte significativa das verbas do OE da Justiça relacionadas com os salários dos juízes e do pessoal ligado às estruturas de apoio do CSM.
Na sua intervenção na Conferência, a governante indicou, entre outros pontos, que para a justiça o direito não se esgota nas regras do processo, mas esta
“Decide com coragem e propriedade, transmite com simplicidade as suas escolhas, numa linguagem liberta de ritos codificados e reforça a sua autoridade na segurança da compreensibilidade da comunicação”.
E aludiu ainda à explosão processual nas jurisdições de execuções (cobrança de dívidas) e comércio mercê da crise financeira, tendo dito aos jornalistas, que houve grande recuperação processual nessas áreas, facto a que não é alheio o “estancar” da crise económica.
No esforço de melhoria da situação houve ainda, segundo disse, “um trabalho interno de reorganização das secretarias e a criação de um conjunto de automatismos de aproximação dos agentes de justiça” no domínio das execuções e insolvências.
***
Em teoria, o consenso no essencial existe. O problema são as derivas, a ótica corporativista, o protagonismo indevido, a pressão dos blocos de interesses e a superficialidade de muitos dos eleitos, bem como a hegemonia da jurisprudência e dos convénios dos promotores de justiça.
Se se fizer boa lei e se ela for humana e se impuser, os tribunais que julguem segundo ela. E mais nada.

2016.09.10 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário