A Associação
Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) promoveu, no passado dia 7 de setembro, a Conferência “Que
Justiça Queremos?”, que decorreu no Centro Cultural de Belém, em
Lisboa. Presidiu à sessão de abertura a Ministra da Justiça e à de encerramento
o Presidente da República. Pretendia a conferência encontrar resposta para
questões como as seguintes: Que políticas
para a justiça? Que justiça para o
cidadão? Que limites para a privatização
da justiça? A Justiça condiciona a
economia?
Da questão “Que
políticas para a justiça?” trataram a vice-Presidente
da ASJP e os líderes parlamentares, que abordaram os seguintes tópicos: pactos para a justiça; linhas estruturais do sistema de justiça;
e consensos nas reformas. E do tratamento
da questão “Que
justiça para o cidadão?” encarregaram-se António Lobo Xavier, Manuel Ramos
Soares e Maria dos Prazeres Beleza, segundo os tópicos seguintes: o político e o judicial – respeito, interferências
e condicionamentos; a independência
do poder judicial; estatuto dos magistrados judiciais; a gestão do sistema
(os
conselhos superiores da magistratura);
e qualidade, celeridade e eficácia vs proximidade da justiça: reforma, mapa
judiciário. Em torno dos “limites para
a privatização da justiça” peroraram António Vitorino, Dulce Neto, Paula
Costa e Silva Pedro Maia, abordando os seguintes itens: arquitetura constitucional do poder judicial: área e esferas de
arbitragem / os limites materiais da arbitragem; as garantias de acesso à justiça na justiça privada; a resolução amigável de litígios; e a verdadeira eficácia da justiça privada.
E a questão
“A
Justiça condiciona a economia?” foi tratada por António Saraiva, João
Paulo Raposo e José Reis à volta dos tópicos seguintes: as expectativas apontadas à justiça para o crescimento económico; o verdadeiro papel da justiça no funcionamento
da economia; o que esperar de uma boa
justiça económica; e principais
problemas e caminhos de solução.
É de salientar
como ponto de destaque o pedido da ASJP ao poder político de consenso alargado nas questões da justiça.
***
Das várias
intervenções sobressaem a da Presidente da ASJP (a de maior conteúdo), a da
Ministra da Justiça e a do Presidente da República.
A Presidente
da ASJP pediu um “consenso o mais alargado possível” do poder político
relativamente às alterações à nova Lei da Organização Judiciária e à revisão do
Estatuto dos magistrados judiciais, especificando:
“É
fundamental que estes dois diplomas resultem de um consenso o mais alargado
possível. Um consenso que espelhe uma atitude responsável por parte do poder
político. Um consenso que demonstre que, acima de tudo, os partidos políticos
querem respeitar o princípio da separação de poderes, se preocupam com e
respeitam a independência dos juízes e dos tribunais.”
Este repto,
que a ASJP vem a fazer há anos, ganha agora nova dimensão na sequência do
discurso do Presidente da República na abertura do ano judicial a apelar à
criação dum pacto para a justiça na busca de soluções para os problemas do
setor. Só que a oradora esquece que repto presidencial foi lançado sobretudo
aos operadores judiciários subalternizando os partidos e os governos.
Observando deverem
as políticas públicas de justiça ser debatidas a nível suprapartidário, disse:
“Na última
década assistimos a uma deserção progressiva da égide dos tribunais do Estado
dos litígios de maior peso e importância social e económica. Em matérias como
as patentes ou os litígios administrativos e fiscais (onde outrora se
considerava haver direitos indisponíveis do Estado, insuscetíveis de serem
arbitrados), passou-se da arbitragem voluntária para a arbitragem necessária”.
Depois de
sustentar que os consensos alargados são “imprescindíveis na delimitação do
modelo de justiça do Estado”, Costeira, lembrou que a ASJP tem sistematicamente
chamado a atenção para o pressuposto de que a afirmação do Estado de Direito se
faz também pela “dignificação do papel e da competência dos tribunais do Estado”,
no âmbito do qual a reserva jurisdicional tem de ser um princípio atuante. E,
defendendo “o direito de acesso à justiça do Estado, que é, por inerência, um
direito de acesso a um juiz com o estatuto e as garantias de independência”,
apontou a necessidade de se proceder a uma “delimitação clara” do núcleo
essencial da justiça do Estado a realizar exclusivamente pelos tribunais, bem
como a que pode ou deve ser realizada por meios alternativos do Estado ou por
ele apoiados ou estimulados, e ainda o que pode ou deve ser realizado através
de tribunais arbitrais ou outros mecanismos de iniciativa privada.
Quanto à
justiça económica – outra grande preocupação – a líder da ASJP, declarou:
“Temos
assistido a uma campanha de responsabilização dos tribunais pelo mau funcionamento
da economia a que urge pôr fim. Os tribunais são o reflexo da sociedade, não o
inverso. Se a sociedade e o Estado mergulham numa crise económica grave, o
número de processos necessariamente aumenta e, ao mesmo tempo, a cobrabilidade
das dívidas é muito menor.”
Este
fenómeno ocorreu na última década, em Portugal, com consequências mais graves
em jurisdições como a de comércio, execuções (cobrança de dívidas), trabalho e família e menores onde a falta de poder
económico das pessoas ou das empresas têm reflexos imediatos.
Na convicção
de que é preciso pensar o problema de forma abrangente e sem misticismos, sem
responsabilizar uns ou outros, mas tentando melhorar a economia do país e
procurar tornar mais célere e eficiente a resposta dos tribunais, reafirmou que
os juízes estão disponíveis para dar o seu contributo na resolução dos
problemas, sendo esta conferência, organizada pela ASJP para debater questões
essenciais ao bom funcionamento da justiça, a prova disso mesmo.
***
O Presidente da República, por seu turno, no
encerramento da conferência, reiterou o apelo que fizera na abertura do ano
judicial, no dia 1 de setembro, no sentido de “os parceiros da justiça
portuguesa” tudo fazerem “para trabalharem no sentido de convergências”,
mobilizando partidos políticos e parlamento porque “o pior que pode acontecer é
a sedimentação de um bloco central de interesses que acabe por inviabilizar o
que é preciso fazer na justiça”.
E, em relação à perceção que o cidadão comum tem das
questões da justiça, explicitou:
“[Quero] anotar
com preocupação o modo imperfeito como as questões da justiça são apercebidas
muitas vezes pelo cidadão comum. Ele é muito sensível aos casos mais mediáticos
do momento, mas escapam-lhe, por falta de informação problemas de estrutura,
questões de fundo, que dão menos que falar, são menos visíveis ou menos
apontadas, mas nem por isso deixam de ser extremamente relevantes para não
dizer cruciais.”
Na opinião do Presidente, o cidadão raras vezes
encontra explicações ou esclarecimentos “correspondentes a uma pedagogia
informativa e formativa, cuja omissão é uma das pechas antigas do nosso sistema
judicial democrático”. E criticou:
“É certo que
por vezes se pensa que a ausência de estruturas ou de práticas ajustadas a essa
função pedagógica pode ser compensada por meios informais, que satisfaçam os
anseios constantes da comunicação social ou por testemunhos personalizados de
intervenientes sujeitos a maior curiosidade ou a pressão cívica ou mediática”.
Neste duplo risco, a primeira vertente é adiar
soluções orgânicas sistemáticas e mais preparadas.
Depois, vem a outra
vertente de risco:
“Acreditar
que magistraturas ou magistrados podem, sem custos a prazo, ombrear na arena
pública com personagens ou instituições políticas, económicas e sociais cujo
‘modus actuandi' passa necessariamente pela crónica exposição à opinião pública”.
Porém, o Presidente espera a interiorização deste apelo
à convergência, não importando que seja caminho a trilhar de modo parcelar ao
longo dos anos ou dum só fôlego, pois importa avançar.
***
Por sua vez, a Ministra da Justiça considerou
que os consensos são necessários e indispensáveis para resolver problemas do
setor e disse esperar, no mínimo, uma manutenção das verbas destinadas à
Justiça no próximo Orçamento de Estado. Disse-o aos jornalistas
à margem da conferência “Que Justiça
Queremos?”, em cuja abertura a presidente da ASJP pediu “consenso o mais
alargado possível” do poder político relativamente às alterações à Lei da
Organização Judiciária e à revisão do Estatuto dos magistrados judiciais. A este
respeito, a governante acentuou que “tudo aquilo que forem apelos ao consenso, à concórdia
e à unidade num setor tão conturbado como a justiça são fundamentais para nós”, lembrando que o seu ministério “esteve
sempre disponível” para “encontrar acordos”, mesmo nos “segmentos mais pequenos”,
porque isso é necessário para a “justiça progredir”.
Van Dunem lembrou que o Chefe de Estado fez, na
abertura do ano judicial, amplo repto a envolver os agentes da justiça, no sentido
de induzirem as bases e as estruturas organizativas das magistraturas a
iniciarem o processo de consensos e a transpô-lo para o poder político.
E, refutando a ideia da existência dum
subfinanciamento da Justiça, disse que uma análise comparativa da despesa
pública alocada ao serviço de justiça nos países do Conselho da Europa mostra
Portugal situado na média, com 2,2 pontos percentuais, percentagem igual à da Suécia,
muito próxima da dos Países Baixos (2%) e
superior à da Alemanha, França ou Reino Unido. Porém, “isso não significa que não vamos fazer esforços para
melhorar a capacidade financeira do sistema – contrapôs – adiantando
ser também preciso um esforço para “gastar melhor”, trabalho esse que “está a
ser feito”.
Quanto ao próximo OE (Orçamento de Estado), Francisca Van Dunem disse esperar, “no mínimo”, uma
manutenção das verbas destinadas à Justiça, mas alertou que sairá do OE o
orçamento do Conselho Superior da Magistratura (CSM), que assim concretiza a
sua “autonomia financeira”. Na prática, isso significa que será transferida
para o orçamento do CSM parte significativa das verbas do OE da Justiça
relacionadas com os salários dos juízes e do pessoal ligado às estruturas de
apoio do CSM.
Na sua intervenção na Conferência, a governante indicou,
entre outros pontos, que para a justiça o direito não se esgota nas regras do
processo, mas esta
“Decide com coragem e propriedade, transmite com
simplicidade as suas escolhas, numa linguagem liberta de ritos codificados e
reforça a sua autoridade na segurança da compreensibilidade da comunicação”.
E aludiu ainda à explosão processual nas jurisdições
de execuções (cobrança de dívidas) e comércio mercê da crise financeira, tendo dito aos
jornalistas, que houve grande recuperação processual nessas áreas, facto a que
não é alheio o “estancar” da crise económica.
No esforço de melhoria da situação houve ainda,
segundo disse, “um trabalho interno de reorganização das secretarias e a
criação de um conjunto de automatismos de aproximação dos agentes de justiça”
no domínio das execuções e insolvências.
***
Em teoria, o consenso no essencial existe. O problema são
as derivas, a ótica corporativista, o protagonismo indevido, a pressão dos blocos
de interesses e a superficialidade de muitos dos eleitos, bem como a hegemonia
da jurisprudência e dos convénios dos promotores de justiça.
Se se fizer boa lei e se ela for humana e se impuser,
os tribunais que julguem segundo ela. E mais nada.
2016.09.10 – Louro de Carvalho
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