Segundo
a revista Sábado, desta semana, à equipa
de António Domingues apresentam-se três desafios: a reestruturação da CGD (Caixa Geral de Depósitos); a obtenção de lucros; e o apoio maior
a cada vez mais empresas.
Reestruturar
o banco público implica a eliminação de centenas de postos de trabalho e o encerramento
de balcões, trabalho aliás já encetado pela anterior administração. Pôr a CGD a
dar dinheiro ao acionista significará meter o Rossio na Betesga, já que as administrações
anteriores foram exímias na gestão ínvia e o banco do Estado acumulou prejuízos
atrás de prejuízos nos últimos cinco anos, além de que esta instituição
bancária, embora não sendo uma instituição de misericórdia, sempre foi encarada
como a almofada financeira do Estado e a rampa de lançamento para a vocação
social da governança da República, quer no apoio às poupanças e investimentos
dos trabalhadores da administração pública, quer no apoio à sobrevivência condigna
das pessoas de parcos recursos e da subsistência de pequenas e médias empresas –
coisa que parece ter deixado de fazer sentido há algum tempo a esta parte, até
pelo volume e peso da cobrança de comissões por serviços alegadamente prestados.
E colocar a CGD a cumprir o desejo político do Governo de conceder mais crédito
às empresas exige, neste momento, imaginação, criatividade e não concessão de
facilidades a amigos, a políticos e a pessoas e grupos que não garantam o
retorno do capital e dos custos das operações de financiamento.
***
Considerando
a função social da CGD, os partidos à esquerda do PS, sintonizados com o
sindicato dos trabalhadores do Grupo Caixa, já definiram a linha vermelha que a
reestruturação não poderá ultrapassar: o banco público tem de ter
“obrigatoriamente” dependências em todos os concelhos do país e nenhum futuro
plano de reestruturação poderá admitir outra situação que não esta. Esta
exigência foi apresentada, por exemplo, por Jorge Pires, membro da comissão política
do comité central do PCP em recentes declarações ao DN:
“É muito difícil dizer o que deve
fechar e o que não deve fechar. Mas não pode acontecer o que já tem vindo a
acontecer, que é fechar balcões onde há dificuldades de mobilidade, onde uma
parte da população é idosa, onde as pessoas estão habituadas há muito tempo a
ter no banco público o seu banco de referência, onde recebem as suas pensões e
fazem as suas transações. E de repente veem o banco público fechar”.
Aliás,
o que se diz para cada concelho deve dizer-se para populações que residem em concelhos
ou de grande densidade populacional ou em concelhos de grande extensão geográfica.
O mencionado dirigente partidário dá-o a entender naquela declaração e no que
disse a seguir:
“Dizer que se têm de fechar balcões na
atividade doméstica e na atividade internacional não é um bom princípio. A
Caixa já fechou centenas de balcões no continente e nas ilhas e, portanto, o
caminho tem de ser o inverso, ou seja, reforçar a atividade da CGD”.
Jorge
Pires acaba por sustentar que o mais importante é que a CGD desempenhe e desenvolva
o seu “papel principal”, o do “apoio às microempresas, pequenas e médias
empresas, às famílias e ao desenvolvimento da economia”. E di-lo claramente:
“A CGD tem de ter um papel fundamental
numa política que alargue o crédito às microempresas, pequenas e médias
empresas, que são 85% do tecido económico nacional, e que hoje vivem um sufoco
enorme porque não têm acesso ao crédito, dado que não têm garantias para dar
porque já deram o que tinham para dar”.
Por seu
turno, segundo o Dinheiro Vivo, do
passado dia 27 de agosto, o Sindicato dos Trabalhadores das Empresas da CGD (STEC) defende que a responsabilidade social é a baia que
não pode ser ignorada na reestruturação.
Para o
STEC a presença duma agência da CGD em cada concelho “é uma questão de
princípio” e uma linha que a reestruturação não pode ultrapassar. Dando por
certo que a CGD é hoje o banco com mais balcões espalhados em Portugal (729 balcões), apesar de, como os outros bancos,
ter passado os últimos anos a redimensionar a sua rede, entende que o banco
público não pode comportar-se como os bancos privados. Com efeito, se destes se
espera como legítimo que possam gerir a sua rede de serviços por razões conexas
com a rentabilidade – o que, nalguns casos se torna inético, já que, depois de sorverem
totalmente o suco das poupanças e investimentos da clientela local, batem com a
porta logo que o lucro não compense – o banco de serviço à missão do Estado,
mesmo que tivesse um estatuto jurídico e/ou administrativo privado, não pode pautar-se
apenas por critérios de rentabilidade.
Ainda sou
do tempo em que havia nas repartições concelhias de Finanças um funcionário do
Estado que se encarregava do serviço atinente à relação da Caixa com os
clientes, sobretudo funcionários públicos. Por isso, as pessoas da minha
geração saudaram a abertura de agências em cada concelho sobretudo nos rincões
mais distantes do país profundo, o que a outra banca já vinha fazendo há mais
tempo (embora nacionalizada,
não tinha perdido o tique empresarial – o que lhe deu ganhos para o futuro). É certo que também recordo as passas
do Algarve que sofreu um padre, pároco de uma vila, por ter criticado a proliferação
de lojas bancárias no interior do país, aduzindo que se aproximavam daqueles sítios,
não para apoiar o investimento local, mas para explorar os magros recursos daquela
gente. Tinha razão, mas foi perseguido e caluniado. No entanto, acreditou na
bondade da substituição daqueles minisserviços “caixa” das repartições de finanças
por agências da CGD a sério, dada a suposta missão estatutária da CGD.
***
João
Artur Lopes, presidente da estrutura sindical acima referida, questionado se o
risco da reestruturação iria afetar o alcance do banco público, salientou ao Dinheiro Vivo a importância e a
“responsabilidade social” deste banco do Estado perante os residentes do país.
“Nesse domínio, há uma questão de
princípio na CGD, que espero se mantenha: a presença de uma agência em cada
concelho. Se há um conjunto de valências, tem que haver um balcão, tenha o
concelho 10 ou 100 habitantes.”
Mais declarou
que das conversas que o sindicato tem mantido com o secretário de Estado do
Tesouro não saíra qualquer sinal de que aquele princípio venha a ser violado. E
sustenta que, embora qualquer outro banco possa decidir tirar balcões, “no caso
da CGD uma decisão dessas não será pacífica” ao nível da contestação por parte
da população visada e da autarquia que a serve, pois “há concelhos em que a CGD
é a única agência bancária”. Por outro lado, “a responsabilidade social da CGD
tem sempre de estar presente quando se pensa neste plano, porque tal
responsabilidade vai além da rentabilidade”, sobretudo quando o futuro promete
uma maior desertificação na oferta dos bancos.
Porém,
para lá da distribuição geográfica, o dirigente sindical considera que a CGD
apresenta na sua oferta um conjunto de serviços que a banca privada está
progressivamente a abandonar, dada a reduzida rentabilidade. Explicita ele:
“Há serviços e negócios bancários não
rentáveis que cabe ao banco público oferecê-los. O governo não pode obrigar
privados a oferecer este ou aquele serviço ou então terá de pagar por isso”.
Sobre
o plano de reestruturação e o de capitalização, diz que o olhar do STEC é ainda
limitado, sendo necessário “esperar para ver e confirmar, tudo é ainda muito
nebuloso”. Por agora a certeza é a de que os planos visarão mais a operação
internacional do banco que o plano anterior. Por seu turno, o Ministério das Finanças
declarou:
“As metas e objetivos foram propostas
pelo acionista Estado no âmbito do plano de negócios apresentado, que será
detalhado pela nova administração que terá a responsabilidade de o
implementar”.
Porém,
a tutela garante que os cortes “não são contrapartida da injeção de capital, na
medida em que não se trata de um plano de ajuda de Estado”. E Mourinho Félix
referiu, em junho, que o plano quer manter a CGD com “o atual nível de
intervenção no mercado”, mas “com menos balcões e menos trabalhadores”. Os
cortes no pessoal foram então avaliados em 2500 ao longo de 3 anos, tendo sido
garantido que não haverá despedimentos e que a redução passaria por reformas ou
reformas antecipadas, sempre por acordo com o trabalhador”. Mas recentemente o
Ministro Mário Centeno admitiu o recurso a rescisões amigáveis. Também em
junho, foi afirmado publicamente que a “redução de balcões” da CGD iria
“ocorrer maioritariamente no estrangeiro”, ainda que apostando “num crescimento
sustentável” da oferta nos países de língua oficial portuguesa. Contudo e sem
contar com África, os trabalhadores e balcões com que a CGD conta a nível
internacional ficam aquém dos objetivos. Entre os negócios internacionais, os
de Espanha têm sido apontados como alvo preferencial da reestruturação.
***
Do seu
lado, a vice-presidente do PSD, Maria Luís Albuquerque, caraterizou o processo
da CGD como “uma sucessão de trapalhadas” e elogiou a “retidão” da anterior administração.
Questionada por um participante na Universidade de Verão do PSD sobre o que
faria de diferente no processo da CGD, Maria Luís Albuquerque foi peremptória:
“daquilo que já se sabe, praticamente tudo.” E acrescentou: “Aquilo que tem
sido feito é um manual do que não se deve fazer ou do como não se deve fazer”.
Não se
percebe a razão de ser do elogio à administração anterior, a não ser por ter deixado
seguir o curso normal dos acontecimentos sem tentar com eficácia a inversão do
rumo ou se limitar à concretização da política governamental anterior, adiando
soluções e tomadas de posição. Quanto a ziguezagues do atual Governo assiste a
razão a Maria Luís, mas não a autoridade porque o acionista no seu tempo não
induziu a administração à tomada de medidas eficazes de reperspetivação da CGD.
***
Será
que a experiência, a disciplina, a inteligência prática e segurança, a
capacidade de argumentação e de trabalho de António Domingues, o seu jeito de
negociação e antecipação e o seu estilo de audição de opiniões farão o milagre
da reestruturação da CGD sem custos para a sua vertente social, da obtenção dos
lucros e do apoio às empresas e às famílias?
Levará
a bom termo a recapitalização da Caixa com o seu envolvimento a fundo nas
questões? Terá a capacidade de vencer a resistência interna da CGD pelo facto
de ter formado uma administração exclusivamente com pessoas de fora – na sua
maioria do BPI, algo criticado no mercado – sem promover ninguém do banco
público? Vai efetivamente começar por fazer a diferença nos resultados preferencialmente
através da sala de mercados, isto é, mais pela via das operações financeiras e não
pela concessão de crédito, contando com a experiência de atuação dentro do BPI?
Como é que vai financiar as empresas e as famílias?
A
ver vamos!
2016.09.01 – Louro de Carvalho
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