quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Linhas vermelhas que a Reestruturação da CGD não pode passar

Segundo a revista Sábado, desta semana, à equipa de António Domingues apresentam-se três desafios: a reestruturação da CGD (Caixa Geral de Depósitos); a obtenção de lucros; e o apoio maior a cada vez mais empresas.
Reestruturar o banco público implica a eliminação de centenas de postos de trabalho e o encerramento de balcões, trabalho aliás já encetado pela anterior administração. Pôr a CGD a dar dinheiro ao acionista significará meter o Rossio na Betesga, já que as administrações anteriores foram exímias na gestão ínvia e o banco do Estado acumulou prejuízos atrás de prejuízos nos últimos cinco anos, além de que esta instituição bancária, embora não sendo uma instituição de misericórdia, sempre foi encarada como a almofada financeira do Estado e a rampa de lançamento para a vocação social da governança da República, quer no apoio às poupanças e investimentos dos trabalhadores da administração pública, quer no apoio à sobrevivência condigna das pessoas de parcos recursos e da subsistência de pequenas e médias empresas – coisa que parece ter deixado de fazer sentido há algum tempo a esta parte, até pelo volume e peso da cobrança de comissões por serviços alegadamente prestados. E colocar a CGD a cumprir o desejo político do Governo de conceder mais crédito às empresas exige, neste momento, imaginação, criatividade e não concessão de facilidades a amigos, a políticos e a pessoas e grupos que não garantam o retorno do capital e dos custos das operações de financiamento.         
***
Considerando a função social da CGD, os partidos à esquerda do PS, sintonizados com o sindicato dos trabalhadores do Grupo Caixa, já definiram a linha vermelha que a reestruturação não poderá ultrapassar: o banco público tem de ter “obrigatoriamente” dependências em todos os concelhos do país e nenhum futuro plano de reestruturação poderá admitir outra situação que não esta. Esta exigência foi apresentada, por exemplo, por Jorge Pires, membro da comissão política do comité central do PCP em recentes declarações ao DN:
“É muito difícil dizer o que deve fechar e o que não deve fechar. Mas não pode acontecer o que já tem vindo a acontecer, que é fechar balcões onde há dificuldades de mobilidade, onde uma parte da população é idosa, onde as pessoas estão habituadas há muito tempo a ter no banco público o seu banco de referência, onde recebem as suas pensões e fazem as suas transações. E de repente veem o banco público fechar”.
Aliás, o que se diz para cada concelho deve dizer-se para populações que residem em concelhos ou de grande densidade populacional ou em concelhos de grande extensão geográfica. O mencionado dirigente partidário dá-o a entender naquela declaração e no que disse a seguir:
“Dizer que se têm de fechar balcões na atividade doméstica e na atividade internacional não é um bom princípio. A Caixa já fechou centenas de balcões no continente e nas ilhas e, portanto, o caminho tem de ser o inverso, ou seja, reforçar a atividade da CGD”.
Jorge Pires acaba por sustentar que o mais importante é que a CGD desempenhe e desenvolva o seu “papel principal”, o do “apoio às microempresas, pequenas e médias empresas, às famílias e ao desenvolvimento da economia”. E di-lo claramente:
“A CGD tem de ter um papel fundamental numa política que alargue o crédito às microempresas, pequenas e médias empresas, que são 85% do tecido económico nacional, e que hoje vivem um sufoco enorme porque não têm acesso ao crédito, dado que não têm garantias para dar porque já deram o que tinham para dar”.
Por seu turno, segundo o Dinheiro Vivo, do passado dia 27 de agosto, o Sindicato dos Trabalhadores das Empresas da CGD (STEC) defende que a responsabilidade social é a baia que não pode ser ignorada na reestruturação.
Para o STEC a presença duma agência da CGD em cada concelho “é uma questão de princípio” e uma linha que a reestruturação não pode ultrapassar. Dando por certo que a CGD é hoje o banco com mais balcões espalhados em Portugal (729 balcões), apesar de, como os outros bancos, ter passado os últimos anos a redimensionar a sua rede, entende que o banco público não pode comportar-se como os bancos privados. Com efeito, se destes se espera como legítimo que possam gerir a sua rede de serviços por razões conexas com a rentabilidade – o que, nalguns casos se torna inético, já que, depois de sorverem totalmente o suco das poupanças e investimentos da clientela local, batem com a porta logo que o lucro não compense – o banco de serviço à missão do Estado, mesmo que tivesse um estatuto jurídico e/ou administrativo privado, não pode pautar-se apenas por critérios de rentabilidade.
Ainda sou do tempo em que havia nas repartições concelhias de Finanças um funcionário do Estado que se encarregava do serviço atinente à relação da Caixa com os clientes, sobretudo funcionários públicos. Por isso, as pessoas da minha geração saudaram a abertura de agências em cada concelho sobretudo nos rincões mais distantes do país profundo, o que a outra banca já vinha fazendo há mais tempo (embora nacionalizada, não tinha perdido o tique empresarial – o que lhe deu ganhos para o futuro). É certo que também recordo as passas do Algarve que sofreu um padre, pároco de uma vila, por ter criticado a proliferação de lojas bancárias no interior do país, aduzindo que se aproximavam daqueles sítios, não para apoiar o investimento local, mas para explorar os magros recursos daquela gente. Tinha razão, mas foi perseguido e caluniado. No entanto, acreditou na bondade da substituição daqueles minisserviços “caixa” das repartições de finanças por agências da CGD a sério, dada a suposta missão estatutária da CGD.
***
João Artur Lopes, presidente da estrutura sindical acima referida, questionado se o risco da reestruturação iria afetar o alcance do banco público, salientou ao Dinheiro Vivo a importância e a “responsabilidade social” deste banco do Estado perante os residentes do país.
“Nesse domínio, há uma questão de princípio na CGD, que espero se mantenha: a presença de uma agência em cada concelho. Se há um conjunto de valências, tem que haver um balcão, tenha o concelho 10 ou 100 habitantes.”
Mais declarou que das conversas que o sindicato tem mantido com o secretário de Estado do Tesouro não saíra qualquer sinal de que aquele princípio venha a ser violado. E sustenta que, embora qualquer outro banco possa decidir tirar balcões, “no caso da CGD uma decisão dessas não será pacífica” ao nível da contestação por parte da população visada e da autarquia que a serve, pois “há concelhos em que a CGD é a única agência bancária”. Por outro lado, “a responsabilidade social da CGD tem sempre de estar presente quando se pensa neste plano, porque tal responsabilidade vai além da rentabilidade”, sobretudo quando o futuro promete uma maior desertificação na oferta dos bancos.
Porém, para lá da distribuição geográfica, o dirigente sindical considera que a CGD apresenta na sua oferta um conjunto de serviços que a banca privada está progressivamente a abandonar, dada a reduzida rentabilidade. Explicita ele:
“Há serviços e negócios bancários não rentáveis que cabe ao banco público oferecê-los. O governo não pode obrigar privados a oferecer este ou aquele serviço ou então terá de pagar por isso”.
Sobre o plano de reestruturação e o de capitalização, diz que o olhar do STEC é ainda limitado, sendo necessário “esperar para ver e confirmar, tudo é ainda muito nebuloso”. Por agora a certeza é a de que os planos visarão mais a operação internacional do banco que o plano anterior. Por seu turno, o Ministério das Finanças declarou:
“As metas e objetivos foram propostas pelo acionista Estado no âmbito do plano de negócios apresentado, que será detalhado pela nova administração que terá a responsabilidade de o implementar”.
Porém, a tutela garante que os cortes “não são contrapartida da injeção de capital, na medida em que não se trata de um plano de ajuda de Estado”. E Mourinho Félix referiu, em junho, que o plano quer manter a CGD com “o atual nível de intervenção no mercado”, mas “com menos balcões e menos trabalhadores”. Os cortes no pessoal foram então avaliados em 2500 ao longo de 3 anos, tendo sido garantido que não haverá despedimentos e que a redução passaria por reformas ou reformas antecipadas, sempre por acordo com o trabalhador”. Mas recentemente o Ministro Mário Centeno admitiu o recurso a rescisões amigáveis. Também em junho, foi afirmado publicamente que a “redução de balcões” da CGD iria “ocorrer maioritariamente no estrangeiro”, ainda que apostando “num crescimento sustentável” da oferta nos países de língua oficial portuguesa. Contudo e sem contar com África, os trabalhadores e balcões com que a CGD conta a nível internacional ficam aquém dos objetivos. Entre os negócios internacionais, os de Espanha têm sido apontados como alvo preferencial da reestruturação.
***
Do seu lado, a vice-presidente do PSD, Maria Luís Albuquerque, caraterizou o processo da CGD como “uma sucessão de trapalhadas” e elogiou a “retidão” da anterior administração. Questionada por um participante na Universidade de Verão do PSD sobre o que faria de diferente no processo da CGD, Maria Luís Albuquerque foi peremptória: “daquilo que já se sabe, praticamente tudo.” E acrescentou: “Aquilo que tem sido feito é um manual do que não se deve fazer ou do como não se deve fazer”.
Não se percebe a razão de ser do elogio à administração anterior, a não ser por ter deixado seguir o curso normal dos acontecimentos sem tentar com eficácia a inversão do rumo ou se limitar à concretização da política governamental anterior, adiando soluções e tomadas de posição. Quanto a ziguezagues do atual Governo assiste a razão a Maria Luís, mas não a autoridade porque o acionista no seu tempo não induziu a administração à tomada de medidas eficazes de reperspetivação da CGD.
***
Será que a experiência, a disciplina, a inteligência prática e segurança, a capacidade de argumentação e de trabalho de António Domingues, o seu jeito de negociação e antecipação e o seu estilo de audição de opiniões farão o milagre da reestruturação da CGD sem custos para a sua vertente social, da obtenção dos lucros e do apoio às empresas e às famílias?
Levará a bom termo a recapitalização da Caixa com o seu envolvimento a fundo nas questões? Terá a capacidade de vencer a resistência interna da CGD pelo facto de ter formado uma administração exclusivamente com pessoas de fora – na sua maioria do BPI, algo criticado no mercado – sem promover ninguém do banco público? Vai efetivamente começar por fazer a diferença nos resultados preferencialmente através da sala de mercados, isto é, mais pela via das operações financeiras e não pela concessão de crédito, contando com a experiência de atuação dentro do BPI? Como é que vai financiar as empresas e as famílias?
A ver vamos!

2016.09.01 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário