terça-feira, 20 de setembro de 2016

Missão ad gentes – imensa obra de misericórdia espiritual e material

Decorreram, de 17 a 18 de setembro pp., no Centro Pastoral Paulo VI, em Fátima, as Jornadas Missionárias Nacionais de 2016, em torno do tema ‘Missão com histórias de misericórdia’. A organização do evento é da responsabilidade da Comissão Episcopal Missão e Nova Evangelização (CEMNE), das Obras Missionárias Pontifícias (OMP) e da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP).
O padre António Lopes, missionário do Verbo Divino e diretor das OMP, na qualidade de responsável nominal, em nome daquelas entidades, pela organização do encontro, que teve como tema ‘Missão com histórias de misericórdia’, disse à agência Ecclesia:
“São histórias, não são conferências: é o testemunho pessoal, a história de cada um que vive no terreno a misericórdia de Deus”.
Na verdade, as JMN quiseram mostrar sobretudo o “testemunho pessoal” de quem vive no terreno “a misericórdia de Deus”, procurando formas de mostrar que vale a pena “doar a vida”.
Com efeito, cerca de 250 pessoas quiseram conhecer os relatos de quem “doa a vida pelos outros” e opta pelo verbo “ser” em detrimento do “ter”. Diz o diretor das OMP, a este respeito:
“Há mais gente para o ser do que para o ter. O ter está na mão de poucos: são 10 ou 20% os que têm o mundo na mão. 80% da população vive na pobreza e isso é que origina todas as convulsões sociais e a exploração nos países de 3.º mundo. O missionário é o homem do ser, que apresenta não o que tem mas o que é.”.
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As Jornadas Missionárias Nacionais (JMN) remontam ao tempo das Semanas Missionárias, que surgiram como iniciativa lançada pelos Missionários da Boa Nova, que se experienciava todos os anos. Porém, no ano de 1982, os promotores desta iniciativa, que já atingia toda a Igreja em Portugal, decidiu solicitar e confiar à Conferência Episcopal (CEP) a organização do evento. Necessariamente, a CEP aceitou o desafio e coube à Comissão Episcopal de Missões (com as Obras Missionárias Pontifícias) a organização das Semanas Missionárias até 1997, sempre com o apoio da Comissão Missões da CNIR (Confederação Nacional dos Institutos Religiosos) e da FNIRF (Federação Nacional dos Institutos Religiosos Femininos). E veio a concluir-se que era urgente mudar o formato. Uma semana era demais para a maioria das pessoas que se pretendiam juntar ali. E, em 1998, a iniciativa mudou de nome e de formato. Em vez de ocupar uma semana, passou a começar à sexta à noite para terminar na tarde de domingo. E o nome apareceu a condizer: Jornadas Missionárias Nacionais.
As JMN têm vindo a destacar-se, progressivamente, no panorama dos eventos nacionais, a nível da Igreja. Basta anotar que, nas duas últimas edições, ultrapassou largamente as cinco centenas de participantes, com uma alta percentagem de jovens, muitos deles acabados de fazer missões em tempo de férias. As JMN realizam-se em setembro, após o exercício de um ano de pastoral e das férias – que podem ter sido missionárias – e às portas de outubro, mês missionário por excelência. Os seus dois objetivos genéricos são: avaliar o percurso missionário feito; e incendiar de espírito missionário o ano pastoral que se inicia. (vd site da OMP).
Atendendo ao perfil dos participantes nos últimos anos, concluem os organizadores que ainda há um longo caminho a percorrer se queremos que as JMN ajudem a sensibilizar para a animação missionária das Igrejas locais, visto que há ainda dioceses que não se fazem representar. Mas já há uma participação muito elevada de leigos, muitos dos quais são jovens. Por isso, as JMN têm futuro. E, para já, prosseguem a sua finalidade global: descobrir, aprofundar e traçar novos caminhos de evangelização a partir de Cristo, focando-se este ano, de um modo particular, no incitamento do Papa Francisco a que olhemos “a missão ad gentes como uma grande, imensa obra de misericórdia quer espiritual quer material” (Mensagem para o Dia Mundial das Missões 2016). Com efeito, no dizer do Papa, “todos somos convidados a ‘sair’, como discípulos missionários, pondo cada um a render os seus talentos, a sua criatividade, a sua sabedoria e experiência para levar a mensagem da ternura e compaixão de Deus à família humana inteira.”.
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- De acordo com o programa previamente gizado e divulgado, depois das boas-vindas por parte do diretor nacional das OMP, abriu o encontro Dom Manuel da Silva Rodrigues Linda, Bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança e Presidente da Comissão Episcopal ‘Missão e Nova Evangelização’, que sublinhou, apesar da escassez de missionários, a importância de “avivar o ardor missionário”, de forma coincidente com o “aumento de geminações entre dioceses e paróquias de Portugal e dos quatro cantos do mundo”, no seguimento do mandato de Jesus, “Ide por todo o mundo”, declarando expressamente:
“É necessário avivar o ardor missionário e o tema escolhido atrai e faz partir ao encontro do outro como Missão recebida de Jesus. É urgente aprofundar a comunhão e colaboração com a Igreja local”.
- Depois, três missionários relataram a sua experiência no Sudão (África), Japão (Ásia) e na Amazónia (América Latina). Assim, o padre José Vieira, missionário comboniano, viveu a misericórdia no Sudão do Sul (durante 7 anos) “no encontro de corações”, dentro de um contexto de guerra civil “que continua a massacrar um povo pobre”; na partilha do missionário da Boa Nova, o padre Adelino Ascenso, que permaneceu 16 anos no Japão, os participantes puderam encontrar uma pessoa que procurou viver a missão segundo a prática de Jesus – “débil, companheiro e maternal”; e foi escutado com atenção o relato do leigo da Consolata, Luís Fernandez, que partiu com a esposa para a Amazónia e onde, durante 9 anos, “partilhou a sua vida e a luta em defesa dos povos indígenas”.
- A tarde do dia 17 apresentou workshops com seis ‘Tendas da Missão’, onde foram apresentados os temas:
1. Misericórdia e desenvolvimento;
2. Misericórdia e voluntariado;
3. Misericórdia e a casa comum;
4. Misericórdia e inclusão;
5. Misericórdia e reconciliação; e
6. Misericórdia e acolhimento.
- Depois, realizou-se um plenário, seguido da celebração da Santíssima Eucaristia. E, à noite, às 21,30 horas, na Capelinha das Aparições, os missionários e todos os que a eles se quiseram juntar procederam à recitação do Terço, a que se seguiu a Procissão de Velas.
- No dia 18,  destacou-se a participação da irmã Myri, monja contemplativa portuguesa que vive no Convento de São Tiago Mutilado, em Qarah, a 90 Km de Damasco, na Síria, que logo pelas 9 horas partilhou a sua experiência naquele país esfrangalhado pela guerra. Relatando peripécias por que passa a ajuda humanitária que as religiosas de Antioquia prestam à população, disse:
“O mosteiro foi atingido, mas Deus não quis que a comunidade partisse. Sentimos que foi a mão de Deus que não nos deixou partir. Ficámos. Somos para a população um meio para os encorajar a recomeçar a sua vida”.
E, num contexto marcado pela iminência do perigo “de ter de perder tudo, o trabalho duma vida”, pela situação dos “preços altíssimos” e pela “ausência de estabilidade e de esperança” – o que torna a população num “vulcão em ebulição” –, salientou:
“Sente-se o êxodo forçado dos cristãos do Oriente. Hoje perderam muita coisa, as suas casas e tiveram de sair das suas vilas. Há várias vilas formadas a partir dos primeiros cristãos convertidos por São Paulo e Santa Tecla perdidas”.
Na verdade, “a população depende da ajuda humanitária”, como acentuou a Irmã, que acredita na vontade de “erradicar o cristianismo no Médio Oriente”. Porém, apesar deste relato do sofrimento, a religiosa traduz a vontade de permanência na ajuda aos que mais necessitam, assegurando:
“Levamos em nós o sofrimento do povo. É um grande sofrimento o que está a acontecer e não poder fazer grande coisa. A nossa única esperança é a fé e as promessas que foram feitas nas escrituras”.
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- Na missa, pelas 11 horas, no altar do Recinto de Oração da Cova da Iria, presidida por Dom Manuel Linda, Bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança, e concelebrada pelo bispo missionário na República Centro-Africana, Dom José Aguirre, e por inúmeros sacerdotes, participaram três peregrinações nacionais: a da AIS (Fundação Ajuda à Igreja que Sofre) que, em setembro, assinala e renova sempre a consagração da AIS a Nossa Senhora, feita em 1967; a das JMN de 2016, que integra as OMP em Portugal; e a da Federação Portuguesa de Dadores Benévolos de Sangue.
Dom Manuel Linda, na homilia, denunciou quem se aproveita da crise para empobrecer os que já são pobres e enriquecer “os que já são donos de tudo”. Com efeito, enquanto a prioridade for o dinheiro e os bens materiais haverá cada vez mais pobres e excluídos e menos solidariedade.
De igual modo, insurgiu-se contra o individualismo “que fecha as pessoas sobre si mesmas, as deixa isoladas de Deus e dos outros e empedernece o coração”.
Partindo da liturgia deste domingo, o prelado lembrou o que ela denuncia:  
“Aqueles que se aproveitam da crise para empobrecer os que já eram pobres e consequentemente, porventura,  ainda enriquecer aqueles que já eram ricos; aqueles que se aproveitam da fragilidade para fazer mais frágeis e um grupo minoritário daqueles que já eram poderosos para se tornarem mais donos de tudo”.
Para o bispo das Forças Armadas “mudou muito o contexto daquela altura mas, porventura, não mudou muita coisa na nossa ação”, pois, como referiu, “hoje fazemos as mesmas coisas e cientificamente, estudando nalgumas Faculdades a forma de fazer enriquecer os ricos e empobrecer os pobres e fazemo-lo legalmente, a coberto da lei”. E precisou:
“Quando se passa muito tempo a pensar no material, quase sempre temos pouco tempo para atender à dimensão espiritual privilegiando o essencial que é a pessoa”.
O Presidente da Concelebração lembrou alguns números já citados pelo Papa:  
Uma em cada 100 pessoas do nosso mundo pode dispor de 40% da riqueza mundial; 10% das pessoas do nosso mundo possui 85% da riqueza ou seja 90% da população tem de viver com os 10% do que sobra e 1,400 milhões de pessoas vivem com menos de um dólar por dia.
E, perante estes dados questionou se “será possível continuarmos com este egoísmo” e contrapôs com dois exemplos que mostram que há um caminho alternativo: Nossa Senhora, “que abriu o seu coração completamente a Deus e ao seu plano salvador”; e os missionários, que “deixam o conforto pessoal para levar dignidade aos outros”.
Efetivamente para os missionários, o dinheiro “não representou a sua razão de viver e, em nome da fé e em nome do humanismo, partiram para levar dignidade e esperança aos que nada têm”.
Não são heróis,  “mas que o são  são-no e não vão apenas propagar a fé. “Anunciando a Santíssima Trindade, a sua referência é Deus,  mas começam com a promoção humana” – disse. E concluiu, vincando que nós, como eles “não podemos continuar a deter-nos apenas nas coisas materiais” e apelando a que não “sejamos injustos e insensíveis para com quem tem menos,  lá fora e aqui porque estes números mostram uma sociedade desigual, também aqui, ao nosso lado”.
- Neste mesmo dia e a partir das 15 horas Dom José Aguirre, bispo de Bangassou, na República Centro-Africana, apresentou o seu testemunho de trabalho junto dos mais pobres num país visitado pelo Papa Francisco aquando da Abertura do Ano Jubilar da Misericórdia. O prelado partilhou a missão de uma Igreja perseguida até à morte por grupos armados de fundamentalistas islâmicos e não islâmicos que semeiam o pânico entre as populações e querem erradicar o cristianismo de África. Lembrou o momento forte que foi a visita do Papa Francisco a Bangui, onde abriu a Porta da Misericórdia antes ainda de o fazer em Roma. Como bispo, é um construtor de pontes. Contra a violência, a diocese opta sempre por construir escolas e desenvolver projetos de desenvolvimento. 
- Seguiu-se a sessão das conclusões e a cerimónia do envio.
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Estas JMN foram marcadas por tempos fortes de celebração, quer no auditório dos encontros quer nas celebrações oficiais do Santuário de Fátima, sobretudo a Eucaristia presidida por Dom Manuel Linda, em que foram enviados em missão seis missionários.
Se as deste ano, foram celebradas em contexto do Ano Jubilar da Misericórdia, as JMN do próximo ano serão celebradas no quadro do Jubileu do Centenário das Aparições de Fátima, ficando desde já agendadas para os dias 16 e 17 de setembro de 2017.
Finalmente, convém meditar o que disse o Diretor Nacional das OMP:
É nos Evangelhos que o missionário descobre como agir à maneira de Jesus. Ele vê como Jesus se aproxima das pessoas, caminha com elas, ouve-as, faz-lhes perguntas, ensina-as com paciência, trata-as com ternura, mostra-lhes a sua misericórdia com gestos de amor, libertando-as de todo o mal.
2016.09.20 – Louro de Carvalho

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