Decorreram, de 17 a 18 de setembro
pp., no Centro Pastoral Paulo VI, em Fátima, as Jornadas Missionárias Nacionais de 2016, em torno do
tema ‘Missão com histórias de
misericórdia’. A organização do evento é da responsabilidade
da Comissão Episcopal Missão e Nova Evangelização (CEMNE), das Obras Missionárias
Pontifícias (OMP) e da Conferência dos Institutos Religiosos
de Portugal (CIRP).
O padre António Lopes, missionário do Verbo Divino e diretor
das OMP, na qualidade de responsável nominal, em nome daquelas entidades, pela
organização do encontro, que teve como tema ‘Missão com histórias de
misericórdia’, disse à agência Ecclesia:
“São histórias, não são conferências:
é o testemunho pessoal, a história de cada um que vive no terreno a
misericórdia de Deus”.
Na verdade, as JMN quiseram mostrar sobretudo o “testemunho
pessoal” de quem vive no terreno “a misericórdia de Deus”, procurando formas de
mostrar que vale a pena “doar a vida”.
Com efeito, cerca de 250 pessoas quiseram conhecer os relatos
de quem “doa a vida pelos outros” e opta pelo verbo “ser” em detrimento do “ter”.
Diz o diretor das OMP, a este respeito:
“Há
mais gente para o ser do que para o ter. O ter está na mão de poucos: são 10 ou
20% os que têm o mundo na mão. 80% da população vive na pobreza e isso é que
origina todas as convulsões sociais e a exploração nos países de 3.º mundo. O
missionário é o homem do ser, que apresenta não o que tem mas o que é.”.
***
As Jornadas Missionárias Nacionais (JMN)
remontam ao tempo das Semanas
Missionárias, que surgiram como iniciativa lançada pelos Missionários da
Boa Nova, que se experienciava todos os anos. Porém, no ano de 1982, os
promotores desta iniciativa, que já atingia toda a Igreja em Portugal, decidiu
solicitar e confiar à Conferência Episcopal (CEP) a
organização do evento. Necessariamente, a CEP aceitou o desafio e coube à
Comissão Episcopal de Missões (com as Obras Missionárias Pontifícias) a organização das Semanas Missionárias até 1997, sempre
com o apoio da Comissão Missões da
CNIR (Confederação Nacional dos
Institutos Religiosos) e
da FNIRF (Federação Nacional dos
Institutos Religiosos Femininos). E veio a concluir-se que era urgente mudar o formato. Uma
semana era demais para a maioria das pessoas que se pretendiam juntar ali. E,
em 1998, a iniciativa mudou de nome e de formato. Em vez de ocupar uma semana,
passou a começar à sexta à noite para terminar na tarde de domingo. E o nome
apareceu a condizer: Jornadas
Missionárias Nacionais.
As JMN têm vindo a destacar-se, progressivamente, no panorama dos
eventos nacionais, a nível da Igreja. Basta anotar que, nas duas últimas
edições, ultrapassou largamente as cinco centenas de participantes, com uma
alta percentagem de jovens, muitos deles acabados de fazer missões em tempo de
férias. As JMN realizam-se em setembro, após o exercício de
um ano de pastoral e das férias – que podem ter sido missionárias – e às portas
de outubro, mês missionário por excelência. Os seus dois objetivos genéricos
são: avaliar o percurso missionário feito;
e incendiar de espírito missionário o ano
pastoral que se inicia. (vd site
da OMP).
Atendendo ao perfil dos participantes nos
últimos anos, concluem os organizadores que ainda há um longo caminho a
percorrer se queremos que as JMN ajudem a sensibilizar para a animação missionária
das Igrejas locais, visto que há ainda dioceses que não se fazem representar.
Mas já há uma participação muito elevada de leigos, muitos dos quais são
jovens. Por isso, as JMN têm futuro. E, para já, prosseguem a sua finalidade
global: descobrir, aprofundar e traçar novos caminhos de evangelização a
partir de Cristo, focando-se este ano, de um modo particular, no incitamento do
Papa Francisco a que olhemos “a missão ad
gentes como uma grande, imensa obra de misericórdia quer espiritual quer material”
(Mensagem para o Dia Mundial das
Missões 2016). Com efeito, no dizer do Papa, “todos somos convidados a
‘sair’, como discípulos missionários, pondo cada um a render os seus talentos,
a sua criatividade, a sua sabedoria e experiência para levar a mensagem da
ternura e compaixão de Deus à família humana inteira.”.
***
- De acordo com o programa previamente gizado e divulgado, depois
das boas-vindas por parte do diretor nacional
das OMP, abriu o encontro Dom Manuel da Silva Rodrigues Linda, Bispo das
Forças Armadas e das Forças de Segurança e Presidente da Comissão Episcopal
‘Missão e Nova Evangelização’, que sublinhou, apesar da escassez de
missionários, a importância de “avivar o ardor missionário”, de forma
coincidente com o “aumento de geminações entre dioceses e paróquias de Portugal
e dos quatro cantos do mundo”, no seguimento do mandato de Jesus, “Ide por todo o mundo”, declarando
expressamente:
“É
necessário avivar o ardor missionário e o tema escolhido atrai e faz partir ao
encontro do outro como Missão recebida de Jesus. É urgente aprofundar a
comunhão e colaboração com a Igreja local”.
- Depois, três
missionários relataram a sua experiência no Sudão (África), Japão (Ásia)
e na Amazónia (América
Latina). Assim, o padre
José Vieira, missionário comboniano, viveu a misericórdia no Sudão do Sul (durante 7 anos) “no encontro de corações”, dentro
de um contexto de guerra civil “que continua a massacrar um povo pobre”; na
partilha do missionário da Boa Nova, o padre Adelino Ascenso, que permaneceu 16
anos no Japão, os participantes puderam encontrar uma pessoa que procurou viver
a missão segundo a prática de Jesus – “débil,
companheiro e maternal”; e foi escutado com atenção o relato do leigo da Consolata,
Luís Fernandez, que partiu com a esposa para a Amazónia e onde, durante 9 anos,
“partilhou a sua vida e a luta em defesa dos povos indígenas”.
- A tarde
do dia 17 apresentou workshops com seis ‘Tendas da Missão’, onde foram
apresentados os temas:
1. Misericórdia e desenvolvimento;
2. Misericórdia e
voluntariado;
3. Misericórdia e a casa
comum;
4. Misericórdia e inclusão;
5. Misericórdia e
reconciliação; e
6. Misericórdia e
acolhimento.
- Depois,
realizou-se um plenário, seguido da celebração da Santíssima Eucaristia. E, à
noite, às 21,30 horas, na Capelinha das Aparições, os missionários e todos os
que a eles se quiseram juntar procederam à recitação do Terço, a que se seguiu
a Procissão de Velas.
- No dia 18, destacou-se a participação da irmã Myri, monja contemplativa
portuguesa que vive no Convento de São Tiago Mutilado, em Qarah, a 90 Km de
Damasco, na Síria, que logo pelas 9 horas partilhou a sua experiência naquele país esfrangalhado pela guerra. Relatando
peripécias por que passa a ajuda humanitária que as religiosas de Antioquia
prestam à população, disse:
“O
mosteiro foi atingido, mas Deus não quis que a comunidade partisse. Sentimos
que foi a mão de Deus que não nos deixou partir. Ficámos. Somos para a
população um meio para os encorajar a recomeçar a sua vida”.
E, num contexto marcado pela iminência do perigo “de ter de
perder tudo, o trabalho duma vida”, pela situação dos “preços altíssimos” e pela
“ausência de estabilidade e de esperança” – o que torna a população num “vulcão
em ebulição” –, salientou:
“Sente-se
o êxodo forçado dos cristãos do Oriente. Hoje perderam muita coisa, as suas
casas e tiveram de sair das suas vilas. Há várias vilas formadas a partir dos
primeiros cristãos convertidos por São Paulo e Santa Tecla perdidas”.
Na verdade, “a população depende da ajuda humanitária”, como
acentuou a Irmã, que acredita na vontade de “erradicar o cristianismo no Médio
Oriente”. Porém, apesar deste relato do sofrimento, a religiosa traduz a
vontade de permanência na ajuda aos que mais necessitam, assegurando:
“Levamos
em nós o sofrimento do povo. É um grande sofrimento o que está a acontecer e
não poder fazer grande coisa. A nossa única esperança é a fé e as promessas que
foram feitas nas escrituras”.
***
- Na missa,
pelas 11 horas, no altar do Recinto de Oração da Cova da Iria, presidida por Dom
Manuel Linda, Bispo das Forças Armadas e
das Forças de Segurança, e concelebrada pelo bispo missionário na
República Centro-Africana, Dom José Aguirre, e por inúmeros sacerdotes, participaram
três peregrinações nacionais: a da AIS (Fundação Ajuda à Igreja que Sofre) que, em setembro, assinala e renova sempre a
consagração da AIS a Nossa Senhora, feita em 1967; a das JMN de 2016, que
integra as OMP em Portugal; e a da Federação Portuguesa de Dadores Benévolos de
Sangue.
Dom Manuel
Linda, na homilia, denunciou quem se
aproveita da crise para empobrecer os que já são pobres e enriquecer “os que já
são donos de tudo”. Com efeito, enquanto a prioridade for o dinheiro e
os bens materiais haverá cada vez mais pobres e excluídos e menos solidariedade.
De igual modo,
insurgiu-se contra o individualismo “que fecha as pessoas sobre si mesmas, as
deixa isoladas de Deus e dos outros e empedernece o coração”.
Partindo da
liturgia deste domingo, o prelado lembrou o que ela denuncia:
“Aqueles que
se aproveitam da crise para empobrecer os que já eram pobres e
consequentemente, porventura, ainda enriquecer aqueles que já eram ricos;
aqueles que se aproveitam da fragilidade para fazer mais frágeis e um grupo
minoritário daqueles que já eram poderosos para se tornarem mais donos de
tudo”.
Para o bispo
das Forças Armadas “mudou muito o contexto daquela altura mas, porventura, não
mudou muita coisa na nossa ação”, pois, como referiu, “hoje fazemos as mesmas
coisas e cientificamente, estudando nalgumas Faculdades a forma de fazer
enriquecer os ricos e empobrecer os pobres e fazemo-lo legalmente, a coberto da
lei”. E precisou:
“Quando se
passa muito tempo a pensar no material, quase sempre temos pouco tempo para
atender à dimensão espiritual privilegiando o essencial que é a pessoa”.
O Presidente
da Concelebração lembrou alguns números já citados pelo Papa:
Uma em cada 100 pessoas do nosso mundo pode dispor de
40% da riqueza mundial; 10% das pessoas do nosso mundo possui 85% da riqueza ou
seja 90% da população tem de viver com os 10% do que sobra e 1,400 milhões de
pessoas vivem com menos de um dólar por dia.
E, perante
estes dados questionou se “será possível continuarmos com este egoísmo” e contrapôs
com dois exemplos que mostram que há um caminho alternativo: Nossa Senhora, “que abriu o seu coração
completamente a Deus e ao seu plano salvador”; e os missionários, que “deixam o conforto pessoal para levar
dignidade aos outros”.
Efetivamente
para os missionários, o dinheiro “não representou a sua razão de viver e, em
nome da fé e em nome do humanismo, partiram para levar dignidade e esperança aos
que nada têm”.
Não são
heróis, “mas que o são são-no e não vão apenas propagar a fé. “Anunciando
a Santíssima Trindade, a sua referência é Deus, mas começam com a
promoção humana” – disse. E concluiu, vincando que nós, como eles “não podemos
continuar a deter-nos apenas nas coisas materiais” e apelando a que não
“sejamos injustos e insensíveis para com quem tem menos, lá fora e aqui
porque estes números mostram uma sociedade desigual, também aqui, ao nosso
lado”.
- Neste
mesmo dia e a partir das 15 horas Dom José Aguirre, bispo de Bangassou, na República
Centro-Africana, apresentou o seu testemunho de trabalho junto dos mais pobres
num país visitado pelo Papa Francisco aquando da Abertura do Ano Jubilar da
Misericórdia. O prelado partilhou a missão de
uma Igreja perseguida até à morte por grupos armados de fundamentalistas
islâmicos e não islâmicos que semeiam o pânico entre as populações e querem
erradicar o cristianismo de África. Lembrou o momento forte que foi a visita do
Papa Francisco a Bangui, onde abriu a Porta da Misericórdia antes ainda de o
fazer em Roma. Como bispo, é um construtor de pontes. Contra a violência, a
diocese opta sempre por construir escolas e desenvolver projetos de
desenvolvimento.
- Seguiu-se
a sessão das conclusões e a cerimónia do envio.
***
Estas JMN foram marcadas por tempos fortes de celebração,
quer no auditório dos encontros quer nas celebrações oficiais do Santuário de
Fátima, sobretudo a Eucaristia presidida por Dom Manuel Linda, em que foram
enviados em missão seis missionários.
Se as deste ano, foram celebradas em contexto do Ano Jubilar
da Misericórdia, as JMN do próximo ano serão celebradas no quadro do Jubileu do
Centenário das Aparições de Fátima, ficando desde já agendadas para os dias 16
e 17 de setembro de 2017.
Finalmente,
convém meditar o que disse o Diretor Nacional das OMP:
“É nos Evangelhos que o missionário descobre como agir à maneira de
Jesus. Ele vê como Jesus se aproxima das pessoas, caminha com elas, ouve-as,
faz-lhes perguntas, ensina-as com paciência, trata-as com ternura, mostra-lhes
a sua misericórdia com gestos de amor, libertando-as de todo o mal.”
2016.09.20 – Louro de
Carvalho
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