segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Colóquio ‘Pluralismo Religioso e Cidadania’

Lisboa acolheu, hoje 5 de setembro, um colóquio em torno do título “Pluralismo Religioso e Cidadania”, a enquadrar a cerimónia da tomada de posse da Comissão da Liberdade Religiosa (CLR), cujo presidente passará a ser o Dr. José Eduardo Vera Cruz Jardim, nomeado pelo Governo, e cuja composição integra pela primeira vez um elemento da comunidade budista, o que redunda em aumento da pluralidade da comissão.
A cerimónia da tomada de posse do presidente e dos demais membros da comissão, a que presidiu a Ministra da Justiça, decorreu na Sala 1, da Fundação Calouste Gulbenkian, pelas 10,30 horas, tendo-se-lhe seguido a leitura e assinatura da Declaração pela Paz e pelo Diálogo por 21 igrejas e comunidades religiosas, uma iniciativa inédita que ganha especial relevância num contexto em que as questões relacionadas com a tolerância religiosa têm marcado a agenda da atualidade ao nível dos factos e ao nível do debate.
Da parte da tarde, no Auditório 2, da Fundação Calouste Gulbenkian, teve lugar uma sessão de debate sobre Liberdade Religiosa e Laicidade, aberta ao público e com a participação de vários especialistas, entre constitucionalistas, representantes das confissões religiosas presentes e outros como Jorge Sampaio e o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Segundo o MJ (Ministério da Justiça), o objetivo deste debate é ponderar sobre o pluralismo religioso, a laicidade portuguesa e o compromisso entre o exercício da liberdade religiosa e o exercício dos direitos humanos e dos princípios constitucionais da igualdade e da não discriminação, como “pilares incontornáveis de uma cidadania inclusiva e plural”.
O mesmo MJ lembra que a CRP (Constituição da República Portuguesa) garante uma ampla liberdade religiosa às cidadãs e aos cidadãos, consagrando a separação entre o Estado e as igrejas e comunidades religiosas, numa expressão de laicidade inclusiva que permite garantir condições para que o diálogo entre religiões se desenvolva na vivência cidadã, política e religiosa, de cada um, laicidade que pratica a tolerância e busca a paz civil através da defesa da diversidade criadora das várias tradições religiosas.
A sequência programática do debate decorreu nos termos seguintes:
- Às 14 horas, foi a intervenção da Ministra da Justiça Francisca Van Dunem, que determinou a realização do colóquio. A seguir, José de Sousa e Brito proferiu a conferência inaugural, que Luís Salgado de Matos comentou.
- Às 15 horas procedeu-se ao debate sobre “A Liberdade Religiosa e a Laicidade Portuguesa. Os princípios da Separação e da Cooperação entre Estado e Comunidades religiosas”, em que intervieram Maria Lúcia Amaral,  Jónatas Machado e  Pedro Bacelar de Vasconcelos.
- Seguiu-se o diálogo entre a mesa do debate e os representantes de várias comunidades religiosas
- E pelas 17 horas, José Vera Jardim, novo presidente da Comissão de Liberdade Religiosa, encerrou o colóquio.
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Nos termos da susodita Declaração pela Paz e pelo Diálogo, os representantes das várias igrejas signatárias, tendo pleno conhecimento da Lei da Liberdade Religiosa, assumem “o empenho e a disponibilidade para as ouvir a todas, na sua alteridade e diversidade, num diálogo sincero que aceite o outro, não como adversário, mas como concidadão partilhando dos mesmos sentimentos de fraternidade”; e aceitam o compromisso “claro e indefetível de uma cultura de não-violência, de paz e justiça, aprendendo com o passado sem se deixarem cativar por memórias de ódio, procurando falar e agir com verdade”.
A Declaração foi subscrita no pressuposto de que o “diálogo entre religiões só ocorre entre iguais e só se alcança se for encetado com honestidade, sinceridade e confiança no outro, construindo pontes em vez de muros”, num clima de fraternidade e compreensão.
Mas a Declaração também consubstancia o acordo segundo o qual as diversas confissões religiosas expressam “motivação para cooperar com a República Portuguesa, as suas cidadãs e os seus cidadãos, na preservação e proteção da liberdade de todas e todos de manter e manifestar uma religião ou crença de sua escolha, seja individualmente ou em comunidade, seja em público ou em privado”.
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Na sua intervenção, a Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem referiu que perante a lei há tolerância para que todos possam expressar livremente a sua crença. Com efeito, a CRP, ao consagrar a separação entre Estado e igrejas, garante as condições para que o “diálogo entre religiões se produza na vivência cidadã, política e religiosa de cada um”. Nestes termos, a Ministra declarou que “o princípio da liberdade religiosa e o exercício desta liberdade constituem uma das traves mestras do Estado de Direito”.
Nas palavras de Van Dunem, a lei protege e convoca “não só todos aqueles indivíduos que praticam uma religião minoritária, como também aqueles que são fiéis aos mandamentos de credos religiosos maioritários e, inclusive, aqueles que não professando uma religião – sejam ateus ou agnósticos – a uma existência tolerante e pacífica no espaço público e privado”.
Sobre o valor da tolerância, acentuou:
“A tolerância, enquanto reconhecimento da diversidade e do respeito pela identidade do outro garante que todos possam, livremente, sem sofrer discriminação ou agressão, expressar a sua crença”.
Contudo, reconheceu:
“É difícil abordar o tema da tolerância religiosa, especialmente numa perspetiva histórica, sem que, de uma forma ou outra, se consiga não tropeçar, em algum momento, nos diversos contextos histórico-culturais em que se perseguiu, acusou, julgou e executou, em nome de um Deus”.
No entanto, a Ministra considerou que “o espaço público e mediático é crescentemente ocupado pelo trabalho relevante de muitas organizações religiosas no combate a muitos problemas comuns da humanidade, mas também é, infelizmente, invadido por acontecimentos e fenómenos extremistas e radicais, que invocam motivação religiosa” – o que induz a interrogação sobre como se vive efetivamente a liberdade religiosa e os princípios da separação e da cooperação entre o Estado e as comunidades religiosas. Todavia, enfatizou que, “se o diálogo entre religiões se pode revelar por vezes infrutífero ao nível teológico, tendo em conta as verdades absolutas de cada religião, ele pode atingir níveis francamente enriquecedores se nos situarmos numa perspetiva mais humanista, voltada para a reafirmação da paz civil, dos direitos humanos e pela erradicação da desigualdade social”.
E, na esteira do Dalai Lama, Van Dunem entende que para o cabal estabelecimento de uma verdadeira harmonia, nascida do respeito e da compreensão mútuos, a religião tem um “enorme potencial para falar com autoridade sobre questões morais de vital importância, como paz e desarmamento, justiça social e política, meio ambiente e muitas outras que afetam toda a humanidade”.
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Por seu turno, o novo presidente da CLR, que se considerou sem agenda laicista, mas contra todo o tipo de discriminação, desafiou o Governo a lembrar aos contribuintes que podem dedicar uma pequena percentagem dos seus impostos fiscais a favor das confissões religiosas ou de outras instituições de utilidade pública (dado que há cidadãos que não professam uma religião e outros que são religiosos, mas entendem que não devem beneficiar uma religião através do Estado).
Vera Jardim salientou que a Lei da Liberdade Religiosa criou a chamada “consignação fiscal”, que permite aos contribuintes “dedicarem uma percentagem do seu imposto pessoal a favor das confissões religiosas” (0,5%). Por isso, criticou o facto de a Autoridade Tributária nos seus “múltiplos ofícios e emails que envia aos contribuintes” não alertar, nem chamar a atenção, para a possibilidade desse exercício fiscal. Nestes termos, considerou:
"Sabendo que o Governo e, em especial, o primeiro-ministro são fervorosos adeptos da participação cidadã, também no destino dos dinheiros públicos não será pedir de mais que o Ministério das Finanças [...] apele aos contribuintes que façam uso concreto dessa possibilidade fiscal.
Tal procedimento, segundo o presidente, que foi Ministro da Justiça no 1.º Governo de Guterres, “enriquecerá a cidadania e representa uma ajuda, muitas vezes, preciosa para muitas das instituições”, quer sejam religiosas quer não. E, tendo em conta que Portugal é um “exemplo de boas práticas” em matéria de liberdade religiosa e de integração de imigrantes, lançou um segundo repto ao Governo no sentido de aproveitar esta “experiência” junto dos fóruns internacionais e da própria Comunidade Portuguesa de Países Lusófonos (CPLP).
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É de referir que, ao nível dos princípios constitucionais e das disposições legais, a postura da CLR e do Governo constitui, alinhada com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, uma forte mais-valia para a tolerância, respeito e aceitação dos valores das diversas religiões e da postura de quem não professa nenhuma. Tem, assim, o Estado em conta a base laica e secular do próprio Estado, que não exclui, por isso, uma religião (maioritária ou minoritária), mas não privilegia nenhuma nem a assume para si. Não obstante, aceita a expressão maioritária – pública e privada – da sociedade que serve e de que vive, sem permitir que minorias não sejam tidas em conta nos seus direitos e liberdades e sobretudo não deixando que elas sejam esmagadas ou ostracizadas. Ao invés, pede às diversas religiões e aos demais grupos filantrópicos o seu contributo para a paz civil e para o desenvolvimento e promete colaborar com eles e apoiá-los.
Bento XVI denominaria este dinamismo da laicidade de laicidade positiva, enquanto o Ministério da Justiça português lhe chama laicidade inclusiva. A liberdade religiosa e de cultos é uma das liberdades e um dos direitos fundamentais inscritos na CRP.
Oxalá que todos os cidadãos, grupos, associações e sociedades enveredem de vez por esta ótica da laicidade e da secularidade, em termos positivos e inclusivos, cheios de respeito e a repelir qualquer tipo de fundamentalismo (que ninguém queira perverter esta perspetiva) – pela paz e pelo homem, feito à imagem e semelhança de Deus, destinado à fraternidade e à filiação divina.
2016.09.05 – Louro de Carvalho

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