Lisboa
acolheu, hoje 5 de setembro, um colóquio em torno do título “Pluralismo Religioso e Cidadania”, a enquadrar
a cerimónia da tomada de posse da Comissão da Liberdade Religiosa (CLR), cujo presidente passará a ser o Dr. José Eduardo Vera
Cruz Jardim, nomeado pelo Governo, e cuja composição integra pela primeira vez
um elemento da comunidade budista, o que redunda em aumento da pluralidade da
comissão.
A cerimónia
da tomada de posse do presidente e dos demais membros da comissão, a que presidiu
a Ministra da Justiça, decorreu na Sala 1, da Fundação Calouste Gulbenkian,
pelas 10,30 horas, tendo-se-lhe seguido a leitura e assinatura da Declaração pela Paz e pelo Diálogo por
21 igrejas e comunidades religiosas, uma iniciativa inédita que ganha especial
relevância num contexto em que as questões relacionadas com a tolerância
religiosa têm marcado a agenda da atualidade ao nível dos factos e ao nível do debate.
Da parte da
tarde, no Auditório 2, da Fundação Calouste Gulbenkian, teve lugar uma sessão
de debate sobre Liberdade Religiosa e Laicidade,
aberta ao público e com a participação de vários especialistas, entre constitucionalistas,
representantes das confissões religiosas presentes e outros como Jorge Sampaio
e o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Segundo
o MJ (Ministério
da Justiça), o
objetivo deste debate é ponderar sobre o pluralismo religioso, a laicidade
portuguesa e o compromisso entre o exercício da liberdade religiosa e o
exercício dos direitos humanos e dos princípios constitucionais da igualdade e
da não discriminação, como “pilares incontornáveis de uma cidadania inclusiva e
plural”.
O
mesmo MJ lembra que a CRP (Constituição da República Portuguesa) garante uma ampla liberdade
religiosa às cidadãs e aos cidadãos, consagrando a separação entre o Estado e
as igrejas e comunidades religiosas, numa expressão de laicidade inclusiva que
permite garantir condições para que o diálogo entre religiões se desenvolva na
vivência cidadã, política e religiosa, de cada um, laicidade que pratica a
tolerância e busca a paz civil através da defesa da diversidade criadora das
várias tradições religiosas.
A sequência programática
do debate decorreu nos termos seguintes:
- Às 14
horas, foi a intervenção da Ministra da Justiça Francisca Van Dunem, que
determinou a realização do colóquio. A seguir, José de Sousa e Brito proferiu a
conferência inaugural, que Luís Salgado de Matos comentou.
- Às 15
horas procedeu-se ao debate sobre “A
Liberdade Religiosa e a Laicidade Portuguesa. Os princípios da Separação e da
Cooperação entre Estado e Comunidades religiosas”, em que intervieram Maria
Lúcia Amaral, Jónatas Machado e Pedro Bacelar de Vasconcelos.
- Seguiu-se
o diálogo entre a mesa do debate e os representantes de várias comunidades
religiosas
- E pelas 17
horas, José Vera Jardim, novo presidente da Comissão de Liberdade Religiosa, encerrou o
colóquio.
***
Nos termos
da susodita Declaração pela Paz e pelo Diálogo,
os representantes das várias igrejas signatárias, tendo pleno conhecimento da
Lei da Liberdade Religiosa, assumem “o empenho e a disponibilidade para as ouvir
a todas, na sua alteridade e diversidade, num diálogo sincero que aceite o
outro, não como adversário, mas como concidadão partilhando dos mesmos sentimentos
de fraternidade”; e aceitam o compromisso “claro e indefetível de uma cultura
de não-violência, de paz e justiça, aprendendo com o passado sem se deixarem
cativar por memórias de ódio, procurando falar e agir com verdade”.
A Declaração
foi subscrita no pressuposto de que o “diálogo entre religiões só ocorre entre
iguais e só se alcança se for encetado com honestidade, sinceridade e confiança
no outro, construindo pontes em vez de muros”, num clima de fraternidade e
compreensão.
Mas a Declaração
também consubstancia o acordo segundo o qual as diversas confissões religiosas
expressam “motivação para cooperar com a República Portuguesa, as suas cidadãs
e os seus cidadãos, na preservação e proteção da liberdade de todas e todos de
manter e manifestar uma religião ou crença de sua escolha, seja individualmente
ou em comunidade, seja em público ou em privado”.
***
Na sua intervenção, a Ministra da Justiça, Francisca
Van Dunem referiu que perante a lei há tolerância para que todos possam
expressar livremente a sua crença. Com efeito, a CRP, ao consagrar a separação
entre Estado e igrejas, garante as condições para que o “diálogo entre
religiões se produza na vivência cidadã, política e religiosa de cada um”. Nestes
termos, a Ministra declarou que “o princípio da liberdade religiosa e o
exercício desta liberdade constituem uma das traves mestras do Estado de
Direito”.
Nas palavras de Van Dunem, a lei protege e convoca “não só
todos aqueles indivíduos que praticam uma religião minoritária, como também
aqueles que são fiéis aos mandamentos de credos religiosos maioritários e,
inclusive, aqueles que não professando uma religião – sejam ateus ou agnósticos
– a uma existência tolerante e pacífica no espaço público e privado”.
Sobre o valor da tolerância, acentuou:
“A tolerância, enquanto reconhecimento
da diversidade e do respeito pela identidade do outro garante que todos possam,
livremente, sem sofrer discriminação ou agressão, expressar a sua crença”.
Contudo,
reconheceu:
“É
difícil abordar o tema da tolerância religiosa, especialmente numa perspetiva histórica,
sem que, de uma forma ou outra, se consiga não tropeçar, em algum momento, nos
diversos contextos histórico-culturais em que se perseguiu, acusou, julgou e executou,
em nome de um Deus”.
No entanto, a
Ministra considerou que “o espaço público e mediático é crescentemente ocupado
pelo trabalho relevante de muitas organizações religiosas no combate a muitos
problemas comuns da humanidade, mas também é, infelizmente, invadido por
acontecimentos e fenómenos extremistas e radicais, que invocam motivação
religiosa” – o que induz a interrogação sobre como se vive efetivamente a
liberdade religiosa e os princípios da separação e da cooperação entre o Estado
e as comunidades religiosas. Todavia, enfatizou que, “se o diálogo entre
religiões se pode revelar por vezes infrutífero ao nível teológico, tendo em
conta as verdades absolutas de cada religião, ele pode atingir níveis
francamente enriquecedores se nos situarmos numa perspetiva mais humanista,
voltada para a reafirmação da paz civil, dos direitos humanos e pela
erradicação da desigualdade social”.
E, na esteira do Dalai Lama, Van Dunem entende que para o cabal
estabelecimento de uma verdadeira harmonia, nascida do respeito e da
compreensão mútuos, a religião tem um “enorme potencial para falar com
autoridade sobre questões morais de vital importância, como paz e desarmamento,
justiça social e política, meio ambiente e muitas outras que afetam toda a
humanidade”.
***
Por seu turno, o novo presidente da CLR, que se considerou
sem agenda laicista, mas contra todo o tipo de discriminação, desafiou o
Governo a lembrar aos contribuintes que podem dedicar uma pequena percentagem
dos seus impostos fiscais a favor das confissões religiosas ou de outras
instituições de utilidade pública (dado que há cidadãos que não professam uma religião e outros que
são religiosos, mas entendem que não devem beneficiar uma religião através do
Estado).
Vera Jardim
salientou que a Lei da Liberdade Religiosa criou a chamada “consignação fiscal”,
que permite aos contribuintes “dedicarem uma percentagem do seu imposto pessoal
a favor das confissões religiosas” (0,5%). Por isso, criticou o facto de a Autoridade Tributária nos seus “múltiplos
ofícios e emails que envia aos contribuintes” não alertar, nem chamar a
atenção, para a possibilidade desse exercício fiscal. Nestes termos, considerou:
"Sabendo que o Governo e, em especial, o primeiro-ministro são fervorosos
adeptos da participação cidadã, também no destino dos dinheiros públicos não
será pedir de mais que o Ministério das Finanças [...] apele aos contribuintes
que façam uso concreto dessa possibilidade fiscal.
Tal
procedimento, segundo o presidente, que foi Ministro da Justiça no 1.º Governo
de Guterres, “enriquecerá a cidadania e representa uma ajuda, muitas vezes,
preciosa para muitas das instituições”, quer sejam religiosas quer não. E, tendo
em conta que Portugal é um “exemplo de boas práticas” em matéria de liberdade
religiosa e de integração de imigrantes, lançou um segundo repto ao Governo no
sentido de aproveitar esta “experiência” junto dos fóruns internacionais e da
própria Comunidade Portuguesa de Países Lusófonos (CPLP).
***
É de referir
que, ao nível dos princípios constitucionais e das disposições legais, a
postura da CLR e do Governo constitui, alinhada com a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, uma forte mais-valia para a tolerância, respeito e aceitação
dos valores das diversas religiões e da postura de quem não professa nenhuma. Tem,
assim, o Estado em conta a base laica e secular do próprio Estado, que não
exclui, por isso, uma religião (maioritária ou minoritária), mas não privilegia nenhuma nem a assume para si. Não
obstante, aceita a expressão maioritária – pública e privada – da sociedade que
serve e de que vive, sem permitir que minorias não sejam tidas em conta nos seus
direitos e liberdades e sobretudo não deixando que elas sejam esmagadas ou
ostracizadas. Ao invés, pede às diversas religiões e aos demais grupos
filantrópicos o seu contributo para a paz civil e para o desenvolvimento e
promete colaborar com eles e apoiá-los.
Bento XVI
denominaria este dinamismo da laicidade de laicidade
positiva, enquanto o Ministério da Justiça português lhe chama laicidade inclusiva. A liberdade
religiosa e de cultos é uma das liberdades e um dos direitos fundamentais
inscritos na CRP.
Oxalá que
todos os cidadãos, grupos, associações e sociedades enveredem de vez por esta
ótica da laicidade e da secularidade, em termos positivos e inclusivos, cheios
de respeito e a repelir qualquer tipo de fundamentalismo (que ninguém
queira perverter esta perspetiva) – pela paz
e pelo homem, feito à imagem e semelhança de Deus, destinado à fraternidade e à
filiação divina.
2016.09.05 – Louro de Carvalho
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