“Alegremo-nos e façamos festa” – Fátima peregrinação de setembro

Realizou-se, a 12 e 13 de setembro a peregrinação aniversária da quinta aparição de Nossa Senhora em Fátima aos Pastorinhos, sob a presidência do Bispo de Setúbal, Dom José Ornelas Carvalho e com o tema “Alegremo-nos e façamos festa” (Lc 15,22-24). 

Compreende-se que, no quadro do Ano da Misericórdia em curso, o Santuário de Fátima haja escolhido para tema de uma das peregrinações aniversárias o convite do Pai misericordioso da parábola contada por Jesus perante os fariseus e doutores da Lei, que murmuravam entre si acusando-O de que acolhia os pecadores e comia com eles, e todos os cobradores de impostos e pecadores, que se aproximavam Dele para O ouvirem (cf Lc 15,1-2). A alegria daquele Pai (Deus) que manda fazer uma festa resulta já do regresso à casa paterna por parte do filho que vivia na miséria e no pecado, depois de ter espatifado toda a herança que lhe cabia e que exigira do pai, mas agora voltava vivo e são a confessar ao pai que pecara “contra o Céu e contra ti”, não sendo já digno de ser chamado filho. Obviamente que o Pai não aceitou que ele deixasse de ser filho, depois de correr ao seu encontro, de o abraçar e de o cobrir de beijos, mandou vesti-lo com a roupa de filho, colocar-lhe o dedo no anel, matar o vitelo gordo e fazer festa comendo e bebendo, folgando e dançando (cf Lc 15,11-24).

Ora, o Santuário, enquanto lugar de peregrinação e de acolhimento, proporciona que muitos pródigos regressem e, além da festa sacramental da reconciliação, dos momentos de penitência (que é sobretudo arrependimento e propósito firme de emenda de vida) e oração, celebra o cume da festa na missa internacional.    

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O prelado sadino, que presidiu à celebração eucarística noturna do dia 12, na homilia que proferiu, exortou os peregrinos a viverem a fé como Maria e não com saudades do passado “como se Deus fosse uma peça de museu”. Para tanto, devem ser capazes de imitar a disponibilidade de Maria para “escutar a palavra de Deus”, “pô-la em prática” e serem agentes ativos na construção duma sociedade nova. Nestes termos, disse-lhes, sublinhando a importância da disponibilidade para a escuta da palavra de Deus como Maria, mas sobretudo de a transformarem em gestos concretos:

“Não olhem com indiferença para os milhões de refugiados e miseráveis, que ficam à margem das estradas da nossa sociedade. Animados pela Palavra e pelo Espírito de Deus, sejam portadores de vida, de misericórdia para as vossas famílias e comunidades.”

Como intenção das orações e como compromisso para com o mundo que sofre e tendo em vista o mundo que desejamos, o prelado recomendou:

“Juntos sentimos a urgência de pedir a Deus e de empenhar-nos seriamente na eliminação da guerra, da injustiça, da indiferença perante a miséria e os conflitos que afligem milhões de pessoas em todo o planeta. Nesta vigília, junto de Maria, Mãe da Igreja, oremos por um mundo de justiça, de amor e de paz.”

E, na homilia da missa internacional, no dia 13 (ontem) continuou a evocar o exemplo de Maria, que enfrentou dificuldades, não teve medo da novidade e da mudança e deixou-se “surpreender, guiar e proteger por Deus”. Imitando-A, também a Igreja estará aberta à mudança e à novidade. Por isso, exortou a que se abram “à força renovadora do Espírito”, se deixem “guiar por Ele”, mestre para criar nova vida e nova esperança”, e não fiquem, por exemplo, “simplesmente a ver passar procissões, mas a tomar ativamente parte nelas”. E ficou a pairar na mente dos ouvintes:

“Não vivam apenas com saudades do passado, como se Deus fosse uma peça dos vossos museus”.

Mas o prelado foi mais explícito ao pedir que “não tenham medo do mundo que muda tão radical e rapidamente”, pois  “Deus e o seu Espírito estão constantemente a recriar a sua Igreja para que ela seja, não apenas capaz de acompanhar, mas de ser promotora de novidade e de vida em cada época da história”. E explicitou outros aspetos candentes nos dias que correm. Assim, disse que as comunidades católicas e a igreja em geral têm de estar atentas às famílias em “situações dramáticas”, pois:

“Maria convida-nos a olhar para as pessoas e para os casais nestas situações dramáticas de rutura, de violência, de manipulação, de abusos, não em postura de julgamento, para condenar e estigmatizar, mas em atitude fraterna, para compreender”.

O prelado disse aos peregrinos que devem imitar a atitude da Virgem Maria e olhar “com solidariedade e misericórdia” para as famílias “em rutura”, por falta de meios económicos e, sobretudo, “por falta de amor”. As palavras do Presidente da Celebração desafiaram os peregrinos presentes a serem capazes de, com as suas atitudes, construir uma sociedade nova, baseada em relações humanas “carinhosas e misericordiosas”, no âmbito da família, da Igreja e da sociedade ao invés de uma sociedade de fachada e de fingimento – porque

“Este é o caminho que a Igreja está a tentar percorrer e que, nestes últimos anos, o Papa Francisco nos vem recomendando, no seguimento da reflexão do último sínodo”.

O bispo referiu-se, em particular, às situações que terminam com a separação e com o divórcio, citando o Papa na Encíclica pós-sinodal “A Alegria do Amor” para sublinhar que estes católicos “não estão excomungados”. Por isso, incitou mesmo à mudança de postura em concreto:

“Aprendamos, antes de mais, e demos espaço ao acolhimento, à solidariedade e ao encorajamento à vida e à ternura nas nossas famílias, nas suas horas felizes e, sobretudo, quando sentem o peso das dificuldades e das crises”.

Porém, não deixou de elogiar, por outro lado, o amor dos que até ao fim da vida “renovam, com carinho, a alegre partilha do amor que guiou a sua existência”. E Dom José Ornelas convidou a uma mudança de relacionamento, na família, na sociedade e na Igreja, onde “tantas vezes falta o vinho do amor, da ternura, da solidariedade”, apontando:

“A esta Igreja que, tantas vezes, organiza solenes celebrações, ritualmente perfeitas, mas onde falta o vinho da cordialidade, da atenção aos que sofrem a fome, a negligência e o abandono. Também para esta nossa Igreja, Maria olha com carinho preocupado, para nós que a constituímos. O seu olhar de mãe atenta e misericordiosa soa como desafio e encorajamento”.

E precisou:

“Não é uma receita rápida, nem uma aplicação simples para telemóvel. Tem a ver com o coração, com a atitude de vida, a começar pelo modo de olhar e terminando na conjugação do verbo amar. É um segredo que só se aprende fazendo”.

A “receita” apresentada é válida para cada família doméstica, que enfrenta problemas, mas também para a Igreja que “ é chamada a ser família de solidariedade e de atenção aos mais carenciados, desiludidos e feridos”.

Referindo-se ao exemplo de santidade de Teresa de Calcutá, indicou-a como “mulher simples, mulher peregrina do mundo e das culturas” numa “autêntica atenção aos mais pobres”.

E, acentuando que a peregrinação nos convida a olhar para a vida pessoal, familiar e eclesial, assegurou que a Palavra de Deus e o olhar lúcido e carinhoso da Mãe nos desafiam a olhar

“Com atenção para o jogo dos nossos relacionamentos, na família, na escola ou no trabalho, na vida social ou da comunidade cristã, deixando-nos iluminar pelo relacionamento fundamental com Deus, fonte da vida, da felicidade e da esperança”.

Dirigindo-se diretamente aos peregrinos, apelou e justificou:

“Que estas luzes e a união que formamos na fé e no abraço de Maria, nosso modelo e de vida e nossa Mãe, iluminem a nossa existência e a daqueles que nos rodeiam. A palavra de Deus que hoje escutámos guia-nos e ilumina-nos para modelarmos as nossas atitudes seguindo o modo de agir de Maria.”

E concluiu:

“Que nesta peregrinação, Maria, nossa Mãe e Mãe da Igreja, nos ajude a conjugar na vida, sobretudo nas nossas relações familiares e nas nossas comunidades cristãs, o verbo do amor, da misericórdia, do vinho novo que dá vida, alegria e esperança”.

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O programa da peregrinação começou, oficialmente e como é usual, com a saudação à Senhora e aos peregrinos, no dia 12, às 18,30 horas na Capelinha das Aparições, continuou  com a recitação do Rosário às 21,30 horas, também na mesma Capelinha, seguindo-se-lhe a procissão das velas no Recinto de Oração e Missa de vigília, uma hora depois. Prosseguiu durante a madrugada  com vários momentos de oração, como Adoração Eucarística na Basílica de Nossa Senhora do Rosário às 0 (zero) horas, Via-sacra e celebração mariana.

A partir das 10 horas, depois da procissão de entrada desde a Capelinha ao altar do Recinto de Oração com a imagem de Nossa Senhora, desenvolveu-se a celebração da Eucaristia, que incluiu a bênção dos doentes, consagração a Nossa Senhora e procissão do adeus.

Para esta peregrinação internacional aniversária – concelebrada por três bispos e 95 sacerdotes, no dia 12, e 4 bispos e 111 sacerdotes, no dia 13 – inscreveram-se, pelo menos, 33 grupos de peregrinos, provenientes de 4 continentes. Destacam-se a Polónia e a Itália, que trazem à Cova da iria o maior número de peregrinos – 230 e 206, respetivamente – mas houve também grupos da Austrália, Índia, Filipinas, África do Sul, Egito, Eslováquia, Guiné-Conacri, Estados Unidos, Reino Unido, Irlanda, França, Alemanha, bem como Portugal. A Associação dos Servitas de Nossa Senhora de Fátima, que envolveu na peregrinação 76 Servitas, prestou apoio a 1273 peregrinos até às 21 horas do dia 12 de setembro.

O tema que  inspirou a peregrinação foi a oportunidade para a palavra final que o Bispo de Leiria-Fátima, como é habitual, deixou no final da celebração: “Trata-se de um convite a alegrarmo-nos pela misericórdia e pelo amor de Deus que nos chega através de Nossa Senhora e da sua mensagem”.

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O cap. 15 do Evangelho lucano, que inspirou o tema da peregrinação, fala do filho mais velho, que recebeu a sua parte da herança quando  o mais novo recebeu a sua. Escudado na postura de quem não saiu de casa, onde permaneceu a cumprir ordens (não percebendo o amor do Pai), ficou indignado pela festa decretada pelo regresso do que espatifara tudo com mulheres de má vida, recusou participar e disparou acusações em todas as direções, incluindo o Pai. O Pai instou com ele explicando com paciência o facto.

Este filho mais velho não representa apenas os fariseus e doutores da Lei daquele tempo, mas todos os hipercríticos que se presumem de justos. No caso vertente, os que censuram os devotos de santuário pela prática estupidificante da religião, beata, comercial e pagadora de promessas; e os devotos hipercríticos que censuram os não frequentadores do santuário, aos quais precipitam antecipadamente no inferno, e lançam atoardas à hierarquia pouco atreita a devocionismos.

Que a Virgem Maria nos coloque a todos na releitura da(s) parábola(s) da misericórdia!

2016.09.14 – Louro de Carvalho