O
Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa discursou, a 20 de setembro, na
71.ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque. No início do seu discurso, Marcelo dirigiu-se, em Inglês,
ao Presidente da Mesa no sentido de que o acordo ODS contribua para a mudança
no mundo, e ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que vai deixar o cargo,
para lhe expressar o reconhecimento português “pela sua capacidade de diálogo,
visão de futuro e empenho na promoção de umas Nações Unidas mais eficientes”.
O Presidente dedicou
parte da sua intervenção à temática da economia do mar, garantindo o apoio à continuidade
dos esforços de “mobilização global para a conservação e exploração sustentável
dos oceanos”. E, no final, destacou o facto de ter optado por discursar em
português, língua “partilhada por 260 milhões de falantes e pelos 9
Estados-membros da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), que celebra os seus 20
anos”, e citou o escritor Vergílio Ferreira: “Da minha língua vê-se o mar”.
***
Acreditando
na insubstituibilidade da ONU face à “crescente complexidade” do mundo,
reiterou “o compromisso firme e permanente de Portugal para com as Nações
Unidas, a Carta e os seus princípios e valores” e o “respeito pelo Direito
Internacional”. Depois, enalteceu a “visão integrada e humanista” que norteia as
ações da ONU, designadamente “os acordos históricos celebrados em 2015 e 2016,
sobre os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS)
e as Alterações Climáticas (AC), a Cimeira Humanitária e a
Sessão Especial da AGNU sobre Drogas (UNGASS)”, que espelham o “multilateralismo
efetivo centrado nas Nações Unidas.
O chefe de Estado português defendeu explicitamente o reforço da
capacidade preventiva das Nações Unidas em relação a diversos problemas, ao
apelar:
“Adotemos, pois, uma
cultura de prevenção também na manutenção da paz e segurança, promovendo o
desenvolvimento sustentável, o respeito pelos direitos humanos, salvaguardando
a dignidade humana, aliviando o sofrimento e combatendo a pobreza”.
Entretanto,
reconhecendo os esforços, já feitos e em curso, no atinente à capacidade
preventiva, realçou o processo de revisão da arquitetura de paz e segurança,
incluindo a vertente Mulheres, Paz e
Segurança.
E
aduziu exemplos. De África, no respeito do “ownership”
africano, referiu que Portugal continuará a contribuir, nomeadamente através da
disponibilização de contingentes militares para operações de paz como a MINUSMA (Mali)
e a MINUSCA (RCA), do empenho na promoção da
segurança marítima no Golfo da Guiné, traduzido na nossa atual presidência do
G7/Grupo de Amigos do Golfo da Guiné e do apoio à Guiné-Bissau com vista ao diálogo político construtivo rumo a “uma solução sustentável, no quadro
constitucional” e na correspondência às legítimas aspirações do povo, para o
que se julga urgente a realização duma reunião do Grupo Internacional de
Contacto para a Guiné-Bissau para reafirmar a unidade da comunidade
internacional perante as inadiáveis reformas estruturais; e, do outro lado do
Atlântico, saudou “as negociações” levadas a cabo em Havana e o acordo de paz
alcançado na Colômbia.
Sobre
o acordo da Colômbia, sustentou a sua capacidade de abrir “a porta à
reconciliação nacional entre todos os colombianos”, convivendo “em paz e no
respeito pela Lei e pela diferença de opinião” e afirmou o propósito de Portugal
contribuir “para a implementação do processo de paz, com efetivos para a Missão
das Nações Unidas e financeiramente, através do Fundo Fiduciário da União
Europeia”.
Porém,
o Presidente português não esqueceu os lugares onde “a paz continua a não ter
uma oportunidade” como é o caso da “questão israelo-palestiniana”. Por isso,
ficou ali reafirmado “o pleno apoio de Portugal aos esforços internacionais
para a retoma do processo negocial” com vista a “uma solução sustentável para o
conflito”, devendo promover-se as adequadas resoluções das Nações Unidas de
modo a consagrar-se “um Estado Palestiniano soberano, independente e viável,
vivendo lado a lado com o Estado de Israel, cujas legítimas aspirações de
segurança têm que ser garantidas”.
Evocando
o sistema dual da Península Coreana, perorou:
“Estamos
também muito preocupados com a recente escalada de ameaças à segurança e à
estabilidade na Península Coreana, que condenamos, e apelamos a que se retome a
colaboração com os esforços dos vizinhos e da comunidade internacional visando
a cessação do programa nuclear”.
Depois,
marcou posição sobre o combate ao terrorismo. Mencionando várias situações,
vincou:
“Da
estação de metro em Bruxelas ao aeroporto de Mogadishu, de um clube em Orlando
ao hospital de Quetta no Paquistão, a desumanidade terrorista destes ataques
não é apenas contra os países alvo e as vítimas. É contra todos os que
subscrevem os princípios e os valores da Carta das Nações Unidas – os 193
Estados que aqui estão reunidos. É contra a humanidade inteira. O terrorismo
não pode ser tolerado.”
Acentuando
a responsabilidade da comunidade das nações neste combate, enquanto seu direito
legal e dever moral, disse apontando o dedo a algumas causas do terrorismo e
elencando os antídotos adequados:
“A
comunidade internacional, sob mandato das Nações Unidas, tem o direito legal e
o dever moral de pôr fim a este flagelo, designadamente ao Daesh. Não cederemos
ao medo nem abdicaremos dos nossos valores e princípios, nomeadamente em
matéria de direitos humanos. É através dos valores da paz, da tolerância,
dignidade humana e solidariedade que devemos combater a radicalização e
extremismo violento, bem como a xenofobia e o populismo demagógico que também
ameaçam as nossas sociedades.”
Dando
conta da cimeira que estava a decorrer sobre o extenso e intenso problema dos
refugiados, paralela à Assembleia Geral da ONU, também o Presidente de todos os
portugueses abordou o tema e forneceu algumas pistas de solução.
Primeiro
o estado da crise:
“O
Médio-Oriente, o Norte de África e a Europa têm sido confrontados com uma crise
humanitária de magnitude trágica, resultante do êxodo de refugiados e de
migrantes, muitos deles crianças da mais tenra idade. […]. O outro elemento que
subjaz a esta crise humanitária é a vaga de emigração que não para de aumentar,
por razões que se prendem essencialmente com a falta de oportunidades nos
países de origem.”
Em
segundo lugar, a solução efetiva:
“Temos
de ir à raiz do problema, erradicar o terror e o temor que assolam a região e
sobretudo encontrar uma solução politicamente sustentável para o conflito na
Síria, a partir do cessar-fogo recentemente negociado. […]. Investir no
progresso dos países em desenvolvimento é, seguramente, a melhor forma de
contribuir para a estabilidade e prosperidade de todos nós.”
Depois,
a posição portuguesa de disponibilidade de acolhimento e de propósito de integração
cultural, social e económica, mas no respeito pela idiossincrasia própria dos
acolhidos:
“Portugal
tem traduzido a disponibilidade desde logo manifestada no acolhimento efetivo
de migrantes que carecem de proteção internacional, muito para além da quota
definida no quadro da União Europeia. Assim continuaremos a fazê-lo, seguindo
as boas práticas de integração, que caraterizam a sociedade multicultural e
acolhedora que é a portuguesa.”
Especificou,
em concreto, algumas ações de Portugal:
“Saliento
a importância da promoção do ensino superior para refugiados em situações de
emergência, de modo a evitar gerações perdidas. Portugal aceitou já mais de uma
centena de estudantes universitários sírios e apela à participação de muitos
mais países.”
E,
a propósito do direito à educação”, apelou a “todos os Estados-membros que
ainda não o fizeram” que adiram ao Pacto
Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais e ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos – relevantes instrumentos adotados pela Assembleia Geral há 50
anos.
Ainda
no atinente aos direitos humanos, Marcelo verificou que “avançámos muito na
igualdade do género”, mas que “persiste larga margem de progressão”, sendo este
um “tema com importância transversal, nomeadamente no contexto da Agenda 2030”
e também da “Agenda Mulheres, Paz e Segurança”, já referida. Por isso, em nome
do país que representa, disse:
“Continuaremos
como membros no Conselho de Direitos Humanos empenhados na defesa e promoção
dos Direitos Humanos e no reforço do sistema de órgãos instituídos pelos
Tratados de Direitos Humanos”.
***
Entretanto,
bem ao luso jeito, abordou a “questão dos Oceanos e Mares”, aduzindo que “é
prioritária para Portugal”, porque “a história aconselha, a geografia impõe e o
futuro o exige”. Nestes termos, relevou o Encontro
dos Oceanos, este ano organizado em Lisboa e porfiou darmos “continuidade
aos esforços de mobilização global para a conservação e exploração sustentável
dos Oceanos”, prometendo:
“Será,
pois, com elevada expectativa e pleno empenho que Portugal participará na
primeira conferência das Nações Unidas sobre a implementação do Objetivo de
Desenvolvimento Sustentável n.º 14, sobre Oceanos, Mares e Recursos Marinhos,
que se realizará em Nova Iorque, em 2017”.
No
âmbito da interligação com as alterações climáticas, reiterou “o empenho de Portugal
para com os Pequenos Estados-Ilha em Desenvolvimento (SIDS)” no apoio ao esforço para
ultrapassar os desafios que enfrentam, “desafios da comunidade internacional
como um todo”.
***
Por
fim, aproveitou a oportunidade para fazer um ponto de campanha por António
Guterres, (obviamente sem indicar o seu nome) candidato a Secretário-Geral
das Nações Unidas, uma vez que está em ponto crucial do seu curso o “processo
de seleção do próximo Secretário-Geral”.
Começou
por exprimir os “votos mais sinceros para que a pessoa que venha a ocupar este
cargo tenha as qualidades humanas e profissionais à altura do desafio”, isto é:
1. “seja um congregador de espíritos
e vontades” e “se guie pelo exemplo dos valores e da abordagem que Mahatma
Gandhi e Nelson Mandela sempre aplicaram na vida: indo para além do seu grupo ou círculo, e assim unindo e representando
todos e não uma parte”; 2.
construa pontes; 3. saiba ouvir e
tenha a sabedoria e capacidade de liderança inatas que lhe permitam tomar
decisões em que todos se revejam e se sintam incluídos”.
Modéstia
à parte, está na cara que todos pensam que este perfil cola perfeitamente em
Guterres, na ótica pela qual a média da opinião pública portuguesa e muita da internacional
o apreciam.
***
Portugal,
segundo Marcelo, está em todas no concernente aos grandes objetivos globais e
locais. Mas o Mar e a Língua são marcas privilegiadas – Marcelus dixit,
dirigindo-se ao Presidente:
“Da minha Língua vê-se o mar”, disse o
escritor português Vergílio Ferreira. E foi nessa Língua – partilhada por 260 milhões
de falantes e pelos 9 Estados-membros da CPLP, que celebra o seu 20.º
aniversário – e inspirado pelo mar que nos une – o meu Atlântico e o seu
Pacífico – que aqui quis falar e lhe desejo os maiores sucessos na sessão que
iniciamos e na qual apoiamos a sua liderança.
2016.09.22 – Louro de Carvalho
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