quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Da intervenção do Presidente Marcelo na Assembleia Geral da ONU

O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa discursou, a 20 de setembro, na 71.ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque. No início do seu discurso, Marcelo dirigiu-se, em Inglês, ao Presidente da Mesa no sentido de que o acordo ODS contribua para a mudança no mundo, e ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que vai deixar o cargo, para lhe expressar o reconhecimento português “pela sua capacidade de diálogo, visão de futuro e empenho na promoção de umas Nações Unidas mais eficientes”. 
O Presidente dedicou parte da sua intervenção à temática da economia do mar, garantindo o apoio à continuidade dos esforços de “mobilização global para a conservação e exploração sustentável dos oceanos”. E, no final, destacou o facto de ter optado por discursar em português, língua “partilhada por 260 milhões de falantes e pelos 9 Estados-membros da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), que celebra os seus 20 anos”, e citou o escritor Vergílio Ferreira: “Da minha língua vê-se o mar”.
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Acreditando na insubstituibilidade da ONU face à “crescente complexidade” do mundo, reiterou “o compromisso firme e permanente de Portugal para com as Nações Unidas, a Carta e os seus princípios e valores” e o “respeito pelo Direito Internacional”. Depois, enalteceu a “visão integrada e humanista” que norteia as ações da ONU, designadamente “os acordos históricos celebrados em 2015 e 2016, sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e as Alterações Climáticas (AC), a Cimeira Humanitária e a Sessão Especial da AGNU sobre Drogas (UNGASS)”, que espelham o “multilateralismo efetivo centrado nas Nações Unidas.
O chefe de Estado português defendeu explicitamente o reforço da capacidade preventiva das Nações Unidas em relação a diversos problemas, ao apelar:
“Adotemos, pois, uma cultura de prevenção também na manutenção da paz e segurança, promovendo o desenvolvimento sustentável, o respeito pelos direitos humanos, salvaguardando a dignidade humana, aliviando o sofrimento e combatendo a pobreza”.
Entretanto, reconhecendo os esforços, já feitos e em curso, no atinente à capacidade preventiva, realçou o processo de revisão da arquitetura de paz e segurança, incluindo a vertente Mulheres, Paz e Segurança.
E aduziu exemplos. De África, no respeito do “ownership” africano, referiu que Portugal continuará a contribuir, nomeadamente através da disponibilização de contingentes militares para operações de paz como a MINUSMA (Mali) e a MINUSCA (RCA), do empenho na promoção da segurança marítima no Golfo da Guiné, traduzido na nossa atual presidência do G7/Grupo de Amigos do Golfo da Guiné e do apoio à Guiné-Bissau com vista ao diálogo político construtivo rumo a “uma solução sustentável, no quadro constitucional” e na correspondência às legítimas aspirações do povo, para o que se julga urgente a realização duma reunião do Grupo Internacional de Contacto para a Guiné-Bissau para reafirmar a unidade da comunidade internacional perante as inadiáveis reformas estruturais; e, do outro lado do Atlântico, saudou “as negociações” levadas a cabo em Havana e o acordo de paz alcançado na Colômbia.
Sobre o acordo da Colômbia, sustentou a sua capacidade de abrir “a porta à reconciliação nacional entre todos os colombianos”, convivendo “em paz e no respeito pela Lei e pela diferença de opinião” e afirmou o propósito de Portugal contribuir “para a implementação do processo de paz, com efetivos para a Missão das Nações Unidas e financeiramente, através do Fundo Fiduciário da União Europeia”.
Porém, o Presidente português não esqueceu os lugares onde “a paz continua a não ter uma oportunidade” como é o caso da “questão israelo-palestiniana”. Por isso, ficou ali reafirmado “o pleno apoio de Portugal aos esforços internacionais para a retoma do processo negocial” com vista a “uma solução sustentável para o conflito”, devendo promover-se as adequadas resoluções das Nações Unidas de modo a consagrar-se “um Estado Palestiniano soberano, independente e viável, vivendo lado a lado com o Estado de Israel, cujas legítimas aspirações de segurança têm que ser garantidas”.
Evocando o sistema dual da Península Coreana, perorou:
“Estamos também muito preocupados com a recente escalada de ameaças à segurança e à estabilidade na Península Coreana, que condenamos, e apelamos a que se retome a colaboração com os esforços dos vizinhos e da comunidade internacional visando a cessação do programa nuclear”.
Depois, marcou posição sobre o combate ao terrorismo. Mencionando várias situações, vincou:
“Da estação de metro em Bruxelas ao aeroporto de Mogadishu, de um clube em Orlando ao hospital de Quetta no Paquistão, a desumanidade terrorista destes ataques não é apenas contra os países alvo e as vítimas. É contra todos os que subscrevem os princípios e os valores da Carta das Nações Unidas – os 193 Estados que aqui estão reunidos. É contra a humanidade inteira. O terrorismo não pode ser tolerado.”
Acentuando a responsabilidade da comunidade das nações neste combate, enquanto seu direito legal e dever moral, disse apontando o dedo a algumas causas do terrorismo e elencando os antídotos adequados:
“A comunidade internacional, sob mandato das Nações Unidas, tem o direito legal e o dever moral de pôr fim a este flagelo, designadamente ao Daesh. Não cederemos ao medo nem abdicaremos dos nossos valores e princípios, nomeadamente em matéria de direitos humanos. É através dos valores da paz, da tolerância, dignidade humana e solidariedade que devemos combater a radicalização e extremismo violento, bem como a xenofobia e o populismo demagógico que também ameaçam as nossas sociedades.”
Dando conta da cimeira que estava a decorrer sobre o extenso e intenso problema dos refugiados, paralela à Assembleia Geral da ONU, também o Presidente de todos os portugueses abordou o tema e forneceu algumas pistas de solução.
Primeiro o estado da crise:
“O Médio-Oriente, o Norte de África e a Europa têm sido confrontados com uma crise humanitária de magnitude trágica, resultante do êxodo de refugiados e de migrantes, muitos deles crianças da mais tenra idade. […]. O outro elemento que subjaz a esta crise humanitária é a vaga de emigração que não para de aumentar, por razões que se prendem essencialmente com a falta de oportunidades nos países de origem.”
Em segundo lugar, a solução efetiva:
“Temos de ir à raiz do problema, erradicar o terror e o temor que assolam a região e sobretudo encontrar uma solução politicamente sustentável para o conflito na Síria, a partir do cessar-fogo recentemente negociado. […]. Investir no progresso dos países em desenvolvimento é, seguramente, a melhor forma de contribuir para a estabilidade e prosperidade de todos nós.”
Depois, a posição portuguesa de disponibilidade de acolhimento e de propósito de integração cultural, social e económica, mas no respeito pela idiossincrasia própria dos acolhidos:  
“Portugal tem traduzido a disponibilidade desde logo manifestada no acolhimento efetivo de migrantes que carecem de proteção internacional, muito para além da quota definida no quadro da União Europeia. Assim continuaremos a fazê-lo, seguindo as boas práticas de integração, que caraterizam a sociedade multicultural e acolhedora que é a portuguesa.”
Especificou, em concreto, algumas ações de Portugal:
“Saliento a importância da promoção do ensino superior para refugiados em situações de emergência, de modo a evitar gerações perdidas. Portugal aceitou já mais de uma centena de estudantes universitários sírios e apela à participação de muitos mais países.”
E, a propósito do direito à educação”, apelou a “todos os Estados-membros que ainda não o fizeram” que adiram ao Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais e ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos – relevantes instrumentos adotados pela Assembleia Geral há 50 anos.
Ainda no atinente aos direitos humanos, Marcelo verificou que “avançámos muito na igualdade do género”, mas que “persiste larga margem de progressão”, sendo este um “tema com importância transversal, nomeadamente no contexto da Agenda 2030” e também da “Agenda Mulheres, Paz e Segurança”, já referida. Por isso, em nome do país que representa, disse:
“Continuaremos como membros no Conselho de Direitos Humanos empenhados na defesa e promoção dos Direitos Humanos e no reforço do sistema de órgãos instituídos pelos Tratados de Direitos Humanos”.
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Entretanto, bem ao luso jeito, abordou a “questão dos Oceanos e Mares”, aduzindo que “é prioritária para Portugal”, porque “a história aconselha, a geografia impõe e o futuro o exige”. Nestes termos, relevou o Encontro dos Oceanos, este ano organizado em Lisboa e porfiou darmos “continuidade aos esforços de mobilização global para a conservação e exploração sustentável dos Oceanos”, prometendo:
“Será, pois, com elevada expectativa e pleno empenho que Portugal participará na primeira conferência das Nações Unidas sobre a implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n.º 14, sobre Oceanos, Mares e Recursos Marinhos, que se realizará em Nova Iorque, em 2017”.
No âmbito da interligação com as alterações climáticas, reiterou “o empenho de Portugal para com os Pequenos Estados-Ilha em Desenvolvimento (SIDS)” no apoio ao esforço para ultrapassar os desafios que enfrentam, “desafios da comunidade internacional como um todo”.
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Por fim, aproveitou a oportunidade para fazer um ponto de campanha por António Guterres, (obviamente sem indicar o seu nome) candidato a Secretário-Geral das Nações Unidas, uma vez que está em ponto crucial do seu curso o “processo de seleção do próximo Secretário-Geral”.
Começou por exprimir os “votos mais sinceros para que a pessoa que venha a ocupar este cargo tenha as qualidades humanas e profissionais à altura do desafio”, isto é: 1. “seja um congregador de espíritos e vontades” e “se guie pelo exemplo dos valores e da abordagem que Mahatma Gandhi e Nelson Mandela sempre aplicaram na vida: indo para além do seu grupo ou círculo, e assim unindo e representando todos e não uma parte”; 2. construa pontes; 3. saiba ouvir e tenha a sabedoria e capacidade de liderança inatas que lhe permitam tomar decisões em que todos se revejam e se sintam incluídos”.
Modéstia à parte, está na cara que todos pensam que este perfil cola perfeitamente em Guterres, na ótica pela qual a média da opinião pública portuguesa e muita da internacional o apreciam.
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Portugal, segundo Marcelo, está em todas no concernente aos grandes objetivos globais e locais. Mas o Mar e a Língua são marcas privilegiadas – Marcelus dixit, dirigindo-se ao Presidente:
“Da minha Língua vê-se o mar”, disse o escritor português Vergílio Ferreira. E foi nessa Língua – partilhada por 260 milhões de falantes e pelos 9 Estados-membros da CPLP, que celebra o seu 20.º aniversário – e inspirado pelo mar que nos une – o meu Atlântico e o seu Pacífico – que aqui quis falar e lhe desejo os maiores sucessos na sessão que iniciamos e na qual apoiamos a sua liderança.

2016.09.22 – Louro de Carvalho

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