sábado, 17 de setembro de 2016

A propósito da carta apostólica “De concordia inter Codices”

Foi divulgada no site da Santa Sé, a 15 de setembro, a carta apostólica em forma de ‘Motu proprio’ “De concordia inter Codices”, com a qual são modificadas algumas normas do Código de Direito Canónico (CIC), assinada pelo Papa Francisco a 31 de maio do corrente ano.
O intento do Pontífice é a harmonização de certas normas do CIC da Igreja latina com o das Igrejas orientais. Com efeito, segundo a nota publicada pela Rádio Vaticana a partir to texto preambular da Carta Apostólica, a necessidade desta harmonização, que diz respeito de modo particular aos sacramentos do batismo e do matrimónio, fazia-se sentir em consequência da emigração de numerosos cristãos orientais  (católicos e ortodoxos) para países de rito latino. Porém, apesar de ter em vista matéria atinente ao batismo e ao matrimónio, também apresenta muito indiretamente novidades no concernente a irregularidades para receber ordenações. 
Era, na verdade, necessário encontrar um justo equilíbrio entre a tutela  do direito próprio das minorias orientais e o respeito pela tradição canónica da maioria latina. Neste contexto, as normas ora estabelecidas têm por objetivo favorecer a cooperação entre os diferentes ritos no seio de um mesmo território eclesiástico e de facilitar o trabalho pastoral.
A Carta Pastoral foi preparada pelo Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, através de uma comissão de peritos em Direito Canónico Latino e oriental, que identificou as questões que precisavam de adequação normativa e elaborou um texto que foi enviado a um conjunto de 30 consultores e peritos de todo o mundo, bem como às Autoridades dos Ordinários latinos para os orientais. Face às observações apresentadas, o Conselho, em sua sessão plenária, aprovou o novo texto, que Francisco subscreveu.
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O texto preambular reconhece a existência de discrepâncias ente os dois códigos como natural, já que, tendo em vista realidades diferentes numa mesma Igreja fundada em Jesus Cristo, os códigos contém disposições ora peculiares ora comuns. Não obstante, importa que também as normas peculiares se congracem entre si, sobretudo quando tenham de ser geridas as relações entre os cristãos ora junto da Igreja latina ora junto de alguma das Igrejas orientais sui iuris (insiste-se nesta expressão).
Tais situações sucedem especialmente no nosso tempo em que, por força da emigração dos povos, vários fiéis de Igrejas orientais residem ou transitam em regiões de rito latino – o que levanta algumas questões pastorais e jurídicas, que requerem normas adequadas à sua solução.
Ora a Carta Pastoral vem no sentido de favorecer a pertença dos cristãos orientais ao seu rito seja qual for o lugar em que se encontrem, o que deve ser tido na devida conta pelas autoridades eclesiásticas competentes na procura dos meios adequados à satisfação de tal desiderato.
Também a concordância das normas se apresenta como preciosa ajuda a que as Igrejas rituais autónomas – de seu direito (sui iuris) – possam exercer melhor o cuidado pastoral dos seus fiéis.
No entanto, é de ter na devida conta a necessidade de reconhecer as peculiares notas disciplinares da região em que se estabelecem as relações inter e intraeclesiais. Com efeito, no Ocidente, de maioria latina, deve procurar-se o equilíbrio adequado entre a proteção do direito próprio da minoria oriental e as justas expectativas da maioria latina, de modo que se evitem quaisquer rivalidades e conflitos entre indivíduos e/ou comunidades e, antes, se promova e favoreça a frutuosa cooperação.
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O corpo normativo do Motu Proprio consta de 11 artigos, que alteram os cânones 111, 112, 535, 868, 1108, 1109, 1111, 1112, 1116 e 1127.
Assim:
- O Cânone 111 é substituído integralmente pelo texto seguinte, segundo o qual se lhe junta um novo parágrafo e se alteram algumas expressões (art. 1):
Cân. 111 – § l . Pela receção do baptismo fica adscrito à Igreja latina o filho de pais que a ela pertençam ou, se um ou outro a esta não pertencer, ambos, de comum acordo, tiverem optado por que a prole fosse batizada na Igreja latina; na falta de acordo, fica adscrito à Igreja de seu direito a que o pai pertence.
No texto latino substitui-se Ecclesiae rituali por Ecclesiae sui iuris – que se podia traduzir por Igreja ritual autónoma.
§ 2. Se apenas um dos progenitores for católico, fica adscrito à Igreja a que pertence este progenitor católico (Parágrafo novo).
§ 3. O batizando que tiver completado catorze anos de idade pode livremente escolher batizar-se na Igreja latina ou em outra Igreja de seu direito; neste caso, ele fica a pertencer à Igreja que tiver escolhido.
No texto latino substitui-se Ecclesiae rituali sui iuris por Ecclesiae sui iuris.
- O Cânone 112 é substituído integralmente pelo texto seguinte, segundo o qual se lhe junta um novo parágrafo e se alteram algumas expressões (art. 2):
Cân. 112 — § 1. Depois de recebido o batismo, são adscritos a outra Igreja sui iuris:
1.° Quem tiver obtido licença da Sé Apostólica;
2.° O cônjuge que, ao contrair matrimónio ou durante ele, declarar que passa para a Igreja sui iuris do outro cônjuge; dissolvido, porém, o matrimónio, pode regressar livremente à Igreja latina;
3.° Os filhos das pessoas referidas nos n.os l e 2, antes dos 14 anos completos, e ainda, nos matrimónios mistos, os filhos da parte católica que tenham passado legitimamente para outra Igreja sui iuris; atingida aquela idade, podem regressar à Igreja latina.
§ 2. A prática, mesmo prolongada, de alguém receber os sacramentos segundo o rito de uma Igreja sui iuris não acarreta a adscrição a essa Igreja.
No texto latino substitui-se Ecclesiae rituali sui iuris por Ecclesiae sui iuris.
§3. A passagem para outra Igreja sui iuris vale a partir do momento da declaração feita perante o Ordinário do lugar da mesma Igreja, ou o pároco ou um sacerdote delegado por um ou por outro e duas testemunhas, a menos que um rescrito da Sé Apostólica determine de outro modo; e assim se averbará no livro dos batizados (Parágrafo novo).
- O parágrafo 2.º do cânone 535 é substituído integralmente pelo texto seguinte (art. 3):
§ 2. No livro dos batizados, averbem-se também a adscrição à Igreja sui iuris ou a passagem para outra, bem como a confirmação e aquelas circunstâncias que acompanham o estado canónico dos fiéis, em razão do matrimónio, salvaguardado o prescrito no cân. 1133, em razão da adoção, bem como a receção de ordens sacras, a profissão perpétua emitida num instituto religioso e ainda a mudança de rito; e refiram-se sempre estes averbamentos nas certidões do batismo. (É novo o grafado a negrito).
- O n.º 2 do parágrafo 1.º do cânone 868 é substituído integralmente pelo texto seguinte (art. 4):
2.° Haja esperança fundada de que ela irá ser educada na religião católica, tendo-se na devida conta o §3; se tal esperança faltar totalmente, difira-se o baptismo, segundo as prescrições do direito particular, avisando-se os pais do motivo. (É novo o grafado a negrito).
- Posto isto, o Cânone 868, terá um terceiro parágrafo do teor seguinte (art.5):
§3. Uma criança filha de cristãos não católicos é batizada licitamente, se os pais ou ao menos um eles, ou quem legitimamente tem o lugar dos mesmos, o pedirem e se lhe for, física ou moralmente, impossível aceder a um ministro próprio (Parágrafo novo).
- Também o cânone 1108 terá um terceiro parágrafo do teor seguinte (art.6):
§3. Só um sacerdote assiste validamente ao matrimónio entre partes orientais ou entre parte latina e parte oriental – católica ou não católica (Parágrafo novo).  
- O Cânone 1109 é substituído integralmente pelo texto seguinte (art. 7):
Cân. 1109. O Ordinário do lugar ou o pároco, a não ser que por sentença ou decreto tenham sido excomungados ou interditos ou suspensos do ofício ou como tais declarados, assistem validamente, em virtude do ofício, dentro dos limites do próprio território, aos matrimónios não só dos súbditos mas também dos não súbditos, contanto que, ao menos, uma ou outra parte esteja adscrita à Igreja latina.  
Apenas no texto latino se transpôs para o fim a expressão non subditorum e se substituiu dumodo eorum alteruter sit ritus latini por dummodo alterutra saltem pars sit adscripta Ecclesiae latinae.
- O parágrafo 1.º do cânone 1111 é substituído integralmente pelo texto seguinte (art. 8):
§1. O Ordinário do lugar e o pároco, durante todo o tempo que desempenharem validamente o ofício, podem delegar em sacerdotes e em diáconos a faculdade, mesmo geral, de assistir a matrimónios dentro dos limites do seu território, observado firmemente o prescrito no §3 do cânone 1108. (É novo o grafado a negrito).
- O parágrafo 1.º do cânone 1111 é substituído integralmente pelo texto seguinte (art. 9):
§ l. Onde faltarem sacerdotes e diáconos, o Bispo diocesano, obtido previamente o parecer favorável da Conferência episcopal e licença da Santa Sé, pode delegar em leigos para assistirem a matrimónios, observado firmemente o prescrito no §3 do cânone 1108. (É novo o grafado a negrito).
- O cânone 1116 terá um terceiro parágrafo do teor seguinte (art. 10):
§3. Nas mesmas circunstâncias de que tratam os n.os 1 e 2 do § l., o Ordinário do lugar pode conferir a qualquer sacerdote católico a faculdade de abençoar o matrimónio dos fiéis das Igrejas orientais que não tenham a plena comunhão com a Igreja católica se eles o solicitarem espontaneamente e contanto que nada obste à válida ou lícita celebração do matrimónio. O mesmo sacerdote, sempre com a necessária prudência, deve informar do facto a competente autoridade da Igreja não católica à qual o facto diga respeito. (Parágrafo novo).  
- O parágrafo 1.º do cânone 1127 é substituído integralmente pelo texto seguinte (art. 11):
§ 1. Quanto à forma a utilizar no matrimónio misto, observem-se as prescrições do cân. 1108; todavia, se a parte católica contrai matrimónio com parte não católica de rito oriental, a observância da forma canónica da celebração só é necessária para a liceidade; mas para a validade requer-se a intervenção de um sacerdote, observadas as demais prescrições exigidas pelo direito.
Apenas se substituiu a expressão ministri sacri por sacerdotis.
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Todas estas disposições normativas entram em vigor após a publicação na edição diária do L’Osservatore Romano e devem ser editadas depois no boletim oficial Acta Apostolicae Sedis.
Espera-se que mais este esforço de Francisco e seus colaboradores contribua para a boa relação entre os cristãos e as respetivas Igrejas, sempre com referência explícita à pessoa de Jesus Cristo e em prol do bem da pessoa humana.

2016.09.17 – Louro de Carvalho

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