Faleceu ontem, dia 7 de setembro, aos 83
anos, no Centro Hospitalar e
Universitário de Coimbra, António Barbosa de Melo, 9.º Presidente da Assembleia
da República (na realidade 8.º, pois
Leonardo Ribeiro de Almeida foi Presidente em dois momentos não consecutivos), na VI
legislatura (entre 7
novembro de 1991 e 26 de outubro de 1995). Nascido a 2 de novembro de 1932, Barbosa de Melo,
investigador e professor catedrático da Faculdade de Direito (da Universidade de Coimbra), foi cofundador do PPD/PSD,
partido em cujos órgãos nacionais exerceu diversos cargos. Como dirigente do
PPD, integrou, em 1974, a Comissão para a elaboração da lei eleitoral para a
Assembleia Constituinte, cuja eleição ocorreu a 25 de abril de 1975 e em que
também foi eleito deputado constituinte. Exerceu o mandato de Deputado na
Assembleia da República nos anos de 1976-1977 (sendo líder parlamentar do partido) e 1991-1999; e foi membro do Conselho de Estado desde
1985 a 2005.
Tive pessoalmente a oportunidade de o ouvir no Salão Nobre da Assembleia
da República e de assistir a sessões plenárias sob a sua presidência, no ano de
1993, podendo verificar o modo cordato como se dirigia às outras pessoas e o
tom que imprimia à liderança parlamentar.
Dizem os admiradores que “deixa um enorme testemunho na vida partidária
e nas ciências jurídico-políticas além duma história que contrariou as
probabilidades” (vd JN de hoje,
pg 10).
Aos 11 anos, foi-lhe vedado trabalhar no campo mercê de tuberculose
óssea, no que foi diferente dos seus 7 irmãos, pelo que foi internado no
Sanatório de Valadares, onde se dedicou aos livros durante 4 anos. Depois,
estudou no Porto e, em Coimbra, especializou-se em Direito Público.
O funeral do
eminente académico e político realiza-se no dia 9, sexta-feira, no cemitério de
Lagares, em Penafiel, cidade de onde era natural. O seu corpo está em câmara
ardente desde as 10 horas de hoje na capela mortuária de Nossa Senhora de
Lurdes, em Coimbra. Às 19,30 horas, celebra-se, na Igreja de Nossa Senhora de
Lurdes, missa de corpo presente. E, no dia 9, do corpo do catedrático e antigo
Presidente da Assembleia da República será trasladado para a Igreja Matriz de
Lagares, Penafiel, onde será celebrada, às 12 horas, missa de corpo presente, antes
do funeral propriamente dito.
***
As reações ao óbito de Barbosa de Melo. Assim, o Presidente da República
manifestou o “pesar de Portugal” pela morte de uma personalidade intelectual,
política e moral que tem por “singular e excecional”. Em vídeo disponibilizado
na página da Presidência, Marcelo considera:
“O país acaba de perder uma personalidade
singular, excecional enquanto personalidade intelectual, excecional enquanto
personalidade política e sobretudo excecional enquanto personalidade moral”.
O Presidente Marcelo destaca a personalidade
intelectual de Barbosa de Melo “na universidade, na cultura, no ensino” e a sua
índole de vincada “personalidade política na Constituinte, no Parlamento, na Presidência
da Assembleia da República, na intervenção política ao longo de décadas”. E
refere que se trata de “uma personalidade moral pela forma como aliava a
inteligência à emoção, o caráter à cultura, com uma profunda bondade”.
Por sua vez, o Presidente da Assembleia da República, em nota enviada ao
PSD, à família e colocada no site do
Parlamento, manifestou “profunda consternação” pela morte de Barbosa de Melo,
tendo mandado colocar a bandeira do Parlamento a meia haste. Ferro Rodrigues
afirma que o ilustre “foi sempre respeitado por todos”. E, recordando ter sido deputado
nessa legislatura, pode testemunhar que Barbosa de Melo “foi Presidente de
todos os deputados”.
O Primeiro-Ministro,
António Costa, no Rio de Janeiro (Brasil)
por ocasião dos Jogos Paralímpicos, também lamentou a perda de Barbosa de Melo,
destacando o importante contributo que deu para a vida democrática portuguesa. E,
em nome do Governo, Augusto Santos Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros,
classificou Barbosa de Melo como “um ilustre jurista” e enalteceu o interesse
que ele “sempre teve pelas questões do poder local e da formação política para
as autarquias”. Salientando que esta “é uma faceta talvez menos conhecida, mas
não menos relevante para nós todos compreendermos a abrangência com que o
doutor Barbosa de Melo entendia a democracia política e as instituições da
democracia política”, o ‘número dois’ do Governo, sustenta que o ilustre finado
é “uma pessoa a quem a democracia portuguesa muito deve”.
Carlos César,
líder parlamentar socialista e Presidente do PS, juntou-se aos votos de pesar e
lamentou a “perda de uma personalidade e deputado constituinte que pautou
sempre a nossa democracia e sempre prestigiou as instituições democráticas”.
Ao nível das demais
declarações partidárias, salienta-se, como é natural, a do Presidente do PSD. Passos,
na verdade, reagiu à morte de Barbosa de Melo, em nota enviada às redações,
expressando “profunda consternação” e recordando o “cidadão exemplar, jurista
de eleição e professor reputado”. Refere-se-lhe como a alguém que pertence, por
direito próprio, ao grupo restrito dos que marcaram, de forma indelével, a
construção do novo regime democrático. Com efeito, “Barbosa de Melo ficou
indelevelmente ligado à história do PSD, partido de que foi um dos fundadores e
no qual exerceu uma multiplicidade de cargos e funções, com destaque para o de
Presidente do Grupo Parlamentar. O PSD não esquece hoje, nem nunca esquecerá, o
muito que ficou a dever ao empenho, à dedicação e à competência do Professor Barbosa
de Melo”.
Também Luís
Montenegro, líder parlamentar do PSD, se pronunciou, afirmando à agência Lusa:
“É com grande consternação que
recebemos uma daquelas notícias que não gostaríamos nunca de receber, o
desaparecimento de uma figura grande, uma figura maior da nossa democracia, parlamento
e academia”.
Para este deputado
do PSD, Barbosa de Melo era um homem com uma “envergadura moral, ética e cívica
notável”, que todos admiravam e que era “conhecido pela sua humanidade”.
Por sua vez,
o ex-deputado Paulo Mota Pinto, filho de Carlos Alberto da Mota Pinto – ex-líder
do PSD, ex-primeiro-ministro (do IV Governo Constitucional, o 2.º de iniciativa presidencial) e ex-vice-primeiro-ministro (do Bloco Central) –, lembra a influência de Barbosa
de Melo e do grupo de Coimbra na construção da identidade socialdemocrata do partido,
papel que “teve um caráter decisivo”. E recorda-o como homem de “grande bom
senso”, um “verdadeiro socialdemocrata”, com uma “grande liberdade de
pensamento, e um dos construtores do nosso regime democrático. O
PSD perdeu hoje uma das suas figuras maiores”.
O Bloco de Esquerda destaca influência de Barbosa de
Melo na Constituição.
José Manuel Pureza, deputado do Bloco de Esquerda e Vice-Presidente da
Assembleia da República, destaca o facto Barbosa de Melo ter sido “um dos
constituintes mais influentes na elaboração da Constituição da República e um
eminente jurista que deu à causa da descentralização um contributo inabalável”,
pelo que o BE endereça o seu pesar à família e ao PSD.
Para o CDS, “a vida de Barbosa de Melo é um exemplo
para todos”. Luís
Queiró, dirigente do CDS, que privou de perto com o finado, lamenta a partida
do “político relevante” que, pese embora a “natureza discreta”, deu “um
contributo muito importante para a construção da democracia portuguesa”. Em
declarações ao jornal digital Observador,
o dirigente democrata-cristão destacou outro traço muito importante de Barbosa de
Melo: saiu da política como entrou, com “uma grande simplicidade” e sentido de
dever cumprido. A sua vida “é um exemplo para todos, um exemplo de grande
dedicação ao serviço público e nunca de se servir do público”.
O PCP recorda “atividade política e
cívica de grande relevância”. Em declarações à Comunicação Social, o deputado
comunista António Filipe manifesta o “profundo pesar” do PCP pela morte do
ex-presidente da Assembleia da República e recorda o contributo de “grande
relevância” do socialdemocrata na “atividade política e cívica”. E sublinha
que, na memória, fica o “respeito mútuo” que sempre pautou a relação entre
Barbosa de Melo e o PCP.
***
Barbosa de
Melo e o PPD nem sempre tiveram relação sintónica. Assim, em 1974, pouco depois
da revolução abrilina, o professor coimbrão – que integrava o núcleo de Coimbra
– recebeu das mãos de Francisco Sá Carneiro o que seria o projeto das bases
programáticas do PPD. Mas discordou do futuro líder por considerar o teor do documento
demasiado liberal. O núcleo de Coimbra era formado por Mota Pinto, Barbosa de
Melo e Figueiredo Dias. Sá Carneiro, que não era um teórico político, tinha
mandado o que pensava serem as suas linhas programáticas.
Recordo-me, a
este respeito, de que Sá Carneiro, na primeira entrevista que deu à RTP, dizia que
tínhamos de criar um grande partido de “centro” para fazer avançar a
democracia.
Ora, Barbosa
de Melo era um socialdemocrata. Por isso, rasgou diante de Sá Carneiro o predito
documento, pois, se era para ser assim, que não
contassem com ele. Ao que o futuro líder ripostou que reescrevesse como achasse
melhor.
O
homem que adorava “Vangelis” e, por vezes se retirava para o mosteiro de
Singeverga, em 1978, retirou-se da vida partidária por via das tricas internas
e só regressou quando Mota Pinto assumiu o cargo de primeiro-ministro (vd JN de hoje, pg 10).
Em
3 de fevereiro do ano corrente – pôde ler-se no Observador do dia – Barbosa de Melo comentava que, todos concordam
que é o líder partidário que mais espelha o que se entende ser a socialdemocracia. Todos os que, depois de Sá Carneiro, chegaram
à São Caetano à Lapa se reclamam herdeiros ideológicos do primeiro líder. E,
apesar de a bitola estar definida, foram puxando o partido ora mais para o
centro ora mais para a direita. E é nas políticas nos discursos que se veem as
bases ideológicas dos diferentes líderes. Para o histórico socialdemocrata, o
partido não é estático e “não há soluções únicas”, mas, ao longo do tempo, tem
havido “diferentes ondas” que fazem o PSD navegar algures entre a margem socioliberal
e a margem socialdemocrata. Referindo-se aos resquícios de socialdemocracia que diz terem
sobrado dos primórdios sá-carneiristas e até cavaquistas, sustentava que as primeiras
“ondas” terão sido as mais próximas da socialdemocracia, só que depois “a maré foi subindo e vazando até ficar só
rocha”. A crítica era para a vaga liberal varreu o espectro político nos
últimos anos sob o lema TINA (“There is no alternative”), que não é “atitude socialdemocrata”. Ao invés, “os direitos humanos são a cartilha
fundamental da socialdemocracia” e política que não se reja pelos “direitos
fundamentais” e pela “dignidade das pessoas” não é “política socialdemocrata”.
***
Homem
íntegro e político vertical, como há poucos, bem merece a homenagem nacional!
2016.09.08 –
Louro de Carvalho
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