quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Morreu Barbosa de Melo, um vulto prestigiado e prestigiante da política

Faleceu ontem, dia 7 de setembro, aos 83 anos, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, António Barbosa de Melo, 9.º Presidente da Assembleia da República (na realidade 8.º, pois Leonardo Ribeiro de Almeida foi Presidente em dois momentos não consecutivos), na VI legislatura (entre 7 novembro de 1991 e 26 de outubro de 1995). Nascido a 2 de novembro de 1932, Barbosa de Melo, investigador e professor catedrático da Faculdade de Direito (da Universidade de Coimbra), foi cofundador do PPD/PSD, partido em cujos órgãos nacionais exerceu diversos cargos. Como dirigente do PPD, integrou, em 1974, a Comissão para a elaboração da lei eleitoral para a Assembleia Constituinte, cuja eleição ocorreu a 25 de abril de 1975 e em que também foi eleito deputado constituinte. Exerceu o mandato de Deputado na Assembleia da República nos anos de 1976-1977 (sendo líder parlamentar do partido) e 1991-1999; e foi membro do Conselho de Estado desde 1985 a 2005.
Tive pessoalmente a oportunidade de o ouvir no Salão Nobre da Assembleia da República e de assistir a sessões plenárias sob a sua presidência, no ano de 1993, podendo verificar o modo cordato como se dirigia às outras pessoas e o tom que imprimia à liderança parlamentar.
Dizem os admiradores que “deixa um enorme testemunho na vida partidária e nas ciências jurídico-políticas além duma história que contrariou as probabilidades” (vd JN de hoje, pg 10).
Aos 11 anos, foi-lhe vedado trabalhar no campo mercê de tuberculose óssea, no que foi diferente dos seus 7 irmãos, pelo que foi internado no Sanatório de Valadares, onde se dedicou aos livros durante 4 anos. Depois, estudou no Porto e, em Coimbra, especializou-se em Direito Público.
O funeral do eminente académico e político realiza-se no dia 9, sexta-feira, no cemitério de Lagares, em Penafiel, cidade de onde era natural. O seu corpo está em câmara ardente desde as 10 horas de hoje na capela mortuária de Nossa Senhora de Lurdes, em Coimbra. Às 19,30 horas, celebra-se, na Igreja de Nossa Senhora de Lurdes, missa de corpo presente. E, no dia 9, do corpo do catedrático e antigo Presidente da Assembleia da República será trasladado para a Igreja Matriz de Lagares, Penafiel, onde será celebrada, às 12 horas, missa de corpo presente, antes do funeral propriamente dito.
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As reações ao óbito de Barbosa de Melo. Assim, o Presidente da República manifestou o “pesar de Portugal” pela morte de uma personalidade intelectual, política e moral que tem por “singular e excecional”. Em vídeo disponibilizado na página da Presidência, Marcelo considera:
“O país acaba de perder uma personalidade singular, excecional enquanto personalidade intelectual, excecional enquanto personalidade política e sobretudo excecional enquanto personalidade moral”.
O Presidente Marcelo destaca a personalidade intelectual de Barbosa de Melo “na universidade, na cultura, no ensino” e a sua índole de vincada “personalidade política na Constituinte, no Parlamento, na Presidência da Assembleia da República, na intervenção política ao longo de décadas”. E refere que se trata de “uma personalidade moral pela forma como aliava a inteligência à emoção, o caráter à cultura, com uma profunda bondade”.
Por sua vez, o Presidente da Assembleia da República, em nota enviada ao PSD, à família e colocada no site do Parlamento, manifestou “profunda consternação” pela morte de Barbosa de Melo, tendo mandado colocar a bandeira do Parlamento a meia haste. Ferro Rodrigues afirma que o ilustre “foi sempre respeitado por todos”. E, recordando ter sido deputado nessa legislatura, pode testemunhar que Barbosa de Melo “foi Presidente de todos os deputados”.
O Primeiro-Ministro, António Costa, no Rio de Janeiro (Brasil) por ocasião dos Jogos Paralímpicos, também lamentou a perda de Barbosa de Melo, destacando o importante contributo que deu para a vida democrática portuguesa. E, em nome do Governo, Augusto Santos Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros, classificou Barbosa de Melo como “um ilustre jurista” e enalteceu o interesse que ele “sempre teve pelas questões do poder local e da formação política para as autarquias”. Salientando que esta “é uma faceta talvez menos conhecida, mas não menos relevante para nós todos compreendermos a abrangência com que o doutor Barbosa de Melo entendia a democracia política e as instituições da democracia política”, o ‘número dois’ do Governo, sustenta que o ilustre finado é “uma pessoa a quem a democracia portuguesa muito deve”.
Carlos César, líder parlamentar socialista e Presidente do PS, juntou-se aos votos de pesar e lamentou a “perda de uma personalidade e deputado constituinte que pautou sempre a nossa democracia e sempre prestigiou as instituições democráticas”.
Ao nível das demais declarações partidárias, salienta-se, como é natural, a do Presidente do PSD. Passos, na verdade, reagiu à morte de Barbosa de Melo, em nota enviada às redações, expressando “profunda consternação” e recordando o “cidadão exemplar, jurista de eleição e professor reputado”. Refere-se-lhe como a alguém que pertence, por direito próprio, ao grupo restrito dos que marcaram, de forma indelével, a construção do novo regime democrático. Com efeito, “Barbosa de Melo ficou indelevelmente ligado à história do PSD, partido de que foi um dos fundadores e no qual exerceu uma multiplicidade de cargos e funções, com destaque para o de Presidente do Grupo Parlamentar. O PSD não esquece hoje, nem nunca esquecerá, o muito que ficou a dever ao empenho, à dedicação e à competência do Professor Barbosa de Melo”.
Também Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, se pronunciou, afirmando à agência Lusa:
“É com grande consternação que recebemos uma daquelas notícias que não gostaríamos nunca de receber, o desaparecimento de uma figura grande, uma figura maior da nossa democracia, parlamento e academia”.
Para este deputado do PSD, Barbosa de Melo era um homem com uma “envergadura moral, ética e cívica notável”, que todos admiravam e que era “conhecido pela sua humanidade”.
Por sua vez, o ex-deputado Paulo Mota Pinto, filho de Carlos Alberto da Mota Pinto – ex-líder do PSD, ex-primeiro-ministro (do IV Governo Constitucional, o 2.º de iniciativa presidencial) e ex-vice-primeiro-ministro (do Bloco Central) –, lembra a influência de Barbosa de Melo e do grupo de Coimbra na construção da identidade socialdemocrata do partido, papel que “teve um caráter decisivo”. E recorda-o como homem de “grande bom senso”, um “verdadeiro socialdemocrata”, com uma “grande liberdade de pensamento, e um dos construtores do nosso regime democrático. O PSD perdeu hoje uma das suas figuras maiores”.
O Bloco de Esquerda destaca influência de Barbosa de Melo na Constituição. José Manuel Pureza, deputado do Bloco de Esquerda e Vice-Presidente da Assembleia da República, destaca o facto Barbosa de Melo ter sido “um dos constituintes mais influentes na elaboração da Constituição da República e um eminente jurista que deu à causa da descentralização um contributo inabalável”, pelo que o BE endereça o seu pesar à família e ao PSD.
Para o CDS, “a vida de Barbosa de Melo é um exemplo para todos”. Luís Queiró, dirigente do CDS, que privou de perto com o finado, lamenta a partida do “político relevante” que, pese embora a “natureza discreta”, deu “um contributo muito importante para a construção da democracia portuguesa”. Em declarações ao jornal digital Observador, o dirigente democrata-cristão destacou outro traço muito importante de Barbosa de Melo: saiu da política como entrou, com “uma grande simplicidade” e sentido de dever cumprido. A sua vida “é um exemplo para todos, um exemplo de grande dedicação ao serviço público e nunca de se servir do público”.

O PCP recorda “atividade política e cívica de grande relevância”. Em declarações à Comunicação Social, o deputado comunista António Filipe manifesta o “profundo pesar” do PCP pela morte do ex-presidente da Assembleia da República e recorda o contributo de “grande relevância” do socialdemocrata na “atividade política e cívica”. E sublinha que, na memória, fica o “respeito mútuo” que sempre pautou a relação entre Barbosa de Melo e o PCP.

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Barbosa de Melo e o PPD nem sempre tiveram relação sintónica. Assim, em 1974, pouco depois da revolução abrilina, o professor coimbrão – que integrava o núcleo de Coimbra – recebeu das mãos de Francisco Sá Carneiro o que seria o projeto das bases programáticas do PPD. Mas discordou do futuro líder por considerar o teor do documento demasiado liberal. O núcleo de Coimbra era formado por Mota Pinto, Barbosa de Melo e Figueiredo Dias. Sá Carneiro, que não era um teórico político, tinha mandado o que pensava serem as suas linhas programáticas.
Recordo-me, a este respeito, de que Sá Carneiro, na primeira entrevista que deu à RTP, dizia que tínhamos de criar um grande partido de “centro” para fazer avançar a democracia.
Ora, Barbosa de Melo era um socialdemocrata. Por isso, rasgou diante de Sá Carneiro o predito documento, pois, se era para ser assim, que não contassem com ele. Ao que o futuro líder ripostou que reescrevesse como achasse melhor.
O homem que adorava “Vangelis” e, por vezes se retirava para o mosteiro de Singeverga, em 1978, retirou-se da vida partidária por via das tricas internas e só regressou quando Mota Pinto assumiu o cargo de primeiro-ministro (vd JN de hoje, pg 10).
Em 3 de fevereiro do ano corrente – pôde ler-se no Observador do dia – Barbosa de Melo comentava que, todos concordam que é o líder partidário que mais espelha o que se entende ser a socialdemocracia. Todos os que, depois de Sá Carneiro, chegaram à São Caetano à Lapa se reclamam herdeiros ideológicos do primeiro líder. E, apesar de a bitola estar definida, foram puxando o partido ora mais para o centro ora mais para a direita. E é nas políticas nos discursos que se veem as bases ideológicas dos diferentes líderes. Para o histórico socialdemocrata, o partido não é estático e “não há soluções únicas”, mas, ao longo do tempo, tem havido “diferentes ondas” que fazem o PSD navegar algures entre a margem socioliberal e a margem socialdemocrata. Referindo-se aos resquícios de socialdemocracia que diz terem sobrado dos primórdios sá-carneiristas e até cavaquistas, sustentava que as primeiras “ondas” terão sido as mais próximas da socialdemocracia, só que depois “a maré foi subindo e vazando até ficar só rocha”. A crítica era para a vaga liberal varreu o espectro político nos últimos anos sob o lema TINA (“There is no alternative”), que não é “atitude socialdemocrata. Ao invés, “os direitos humanos são a cartilha fundamental da socialdemocracia” e política que não se reja pelos “direitos fundamentais” e pela “dignidade das pessoas” não é “política socialdemocrata”.
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Homem íntegro e político vertical, como há poucos, bem merece a homenagem nacional!

2016.09.08 – Louro de Carvalho

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