quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Novamente a questão da (re)capitalização da CGD

Foi publicamente referido pelas competentes entidades governamentais que as diligências feitas junto do BCE (Banco Central Europeu) e da CE (Comissão Europeia) para a necessária capitalização da CGD (Caixa Geral de Depósitos) tiveram sucesso em diversos sentidos: que a capitalização era necessária; poderia ir até 2.700 milhões de euros do erário público, sendo o restante conseguido através de obrigações; e que o dinheiro injetado no banco público era considerado, não uma ajuda pública, mas um investimento.
Ora, sendo assim, o investimento público na CGD não contaria para o défice, mas para um certo agravamento da dívida pública – o que imporia a elaboração pelo Governo e aprovação no Parlamento de um orçamento retificativo para o ano económico em curso.  
A esse respeito, em agosto, o Primeiro-Ministro, António Costa, garantiu que a recapitalização da CGD não atinge o défice deste ano, lembrando que a decisão sobre a não aplicação de sanções previa a redução do défice para 2,5% do PIB este ano “sem que qualquer tipo de apoio ao sistema bancário seja contabilizado para esse fim”.
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Entretanto, a opinião pública foi agitada por ruídos alegadamente provindos das instituições europeias, que deveriam falar a uma só voz quando se trata de matérias sensíveis.
À partida, se a Comissão Europeia tomou uma decisão razoável sobre uma determinada matéria, como a definição de se uma injeção de dinheiros num banco público é investimento e não ajuda do Estado, tal decisão só poderia ser contrariada ou pelo Parlamento Europeu, o órgão de fiscalização e decisor de fundo da UE, ou pelo Conselho, o órgão que em última análise toma decisões em concreto.
Por mais independentes que sejam outras instituições, como o Eurostat, que alegadamente pode tomas as decisões que bem entender, não devem contrariar decisões executivas da CE. Aliás, já começamos a fartar-nos de independências em termos de comissões, institutos, grupos de trabalho e quejandos. Independentes são os tribunais e – que eu saiba – julgam segundo a Lei emanada dos Parlamentos e/ou normativos similares emitidos pelos Executivos!
Por isso, não gostei de ouvir o Secretário de Estado Adjunto, do Tesouro e das Finanças a dizer que o Eurostat, como órgão independente, pode tomar as decisões que entender. Não. Se as decisões dos tribunais, que são independentes, são recorríveis, muito mais contestáveis são as decisões dum órgão cuja missão é recolher e tratar dados estatísticos. Ou a UE é o pior do pior!
No entanto, o Governo assegura que o investimento público na CGD não vai ter impacto no défice e que a capitalização pode não ser feita de uma só vez, mas à medida das necessidades do banco do Estado.
A injeção de dinheiro público fresco no banco público, num montante que pode chegar aos 2.700 milhões de euros, pode não ser feita de uma só vez mas em várias tranches, à medida das necessidades da instituição.
De acordo com o mencionado Secretário de Estado, Ricardo Mourinho Félix, 
“O Governo está a implementar o que ficou acordado com a Comissão Europeia. Estamos a avaliar a necessidade de capitalização da Caixa. Avaliada a necessidade decide-se o montante da capitalização. O processo está a decorrer normalmente (…) não há decisão sobre fazer em uma ou duas tranches. O que está definido, que será em duas tranches, será o investimento privado: 500 milhões na primeira e 500 até 18 meses após a capitalização pública.”.
Quanto à forma de contabilização do investimento, o Governo insiste que não vai influir no défice, apesar de ainda não haver uma decisão do Eurostat. E o Secretário de Estado esclarece:
“O processo de negociação com as autoridades europeias, em particular com a Comissão Europeia, foi no sentido de a capitalização ser feita em condições de mercado (…) o Estado atua como agente que está a investir em condições idênticas às dos outros. A Comissão sabe que cabe ao Eurostat, no final, determinar e decidir em relação à forma como a despesa e o investimento é classificado.”
E acrescenta que a posição do Governo “é, tendo em conta a discussão, que (…) será estranho que o Eurostat venha a tomar uma posição contrária à da Comissão Europeia”.
Por sua vez, o Primeiro-Ministro, ao ser questionado, em Vila Nova de Gaia, a 20 de setembro, sobre o assunto, disse que esse processo “será feita à medida das necessidades” e que, “se as necessidades forem num ano será num ano, se forem em dois anos será em dois anos, se for em três será em três anos”.
António Costa reiterou a afirmação de que que essa recapitalização não entrará nas contas do défice. E sublinhou que a “grande vitória das negociações que foi obtida com a Comissão Europeia” foi o facto de Bruxelas ter considerado “que a recapitalização da Caixa não era ajuda de Estado e não contabilizava para o défice”.
O governante fez estas declarações no fim de uma cerimónia de apresentação de um novo quadro de investimento de Vila Nova de Gaia, garantindo também que as metas orçamentais serão cumpridas “com tranquilidade”, que “o défice ficará confortavelmente abaixo dos 2,5% que a Comissão nos fixou” e que “temos uma execução orçamental que está tranquila”. Mais esclareceu que, relativamente aos avisos de Bruxelas mais recentes, é óbvio que o Governo, no âmbito da sua missão de governar, fará os esforços necessários para controlar os riscos, diversificando as fontes de financiamento e suscitando os investimentos de autarquias e empresas a exemplo do que está a acontecer em Vila Nova de Gaia.
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Os avisos mais recentes que a Comissão Europeia faz ao país têm a ver com várias vertentes: a recapitalização da CGD, o desfecho do negócio do Novo Banco e o crescimento da economia. Ora, parece-me confuso, errado e desnecessário tanto dar a impressão de que está a volta atrás nas negociações feitas como a meter tudo no mesmo saco.
Qual é o aviso da CE, como transpareceu para a opinião pública?
A CE avisou que o impacto final do NB (Novo Banco) e da recapitalização da CGD nas contas públicas ainda não é conhecido, alertando que podem comprometer a execução orçamental deste ano. Mistura duas coisas: CGD e NB. E vai mais adiante, misturando mais elementos, como a banca em geral, ao afirmar que “o impacto final da venda do Novo Banco e da recapitalização da CGD nas finanças públicas e/ou em outros bancos ainda é desconhecido”.
É certo que são dados do relatório sobre a 4.ª missão de monitorização pós-programa a Portugal, que decorreu no final de junho. Todavia, esse relatório não podia desdizer os esforços feitos nem os resultados a que se chegou nas negociações para a recapitalização da CGD.
Além de parecer que recua e que mistura, a CE ainda lança o fantasma da incerteza. Tudo isto é tão estranho porquanto a Comissão começa por admitir que, em contas públicas (a ótica de caixa, que não é considerada nas regras europeias), a execução orçamental até maio está “amplamente em linha” com o Orçamento do Estado para 2016 (OE2016). No entanto, sublinha que “vários fatores limitam a comparação da execução orçamental até ao final de maio com a execução do conjunto do ano e os riscos estão inclinados para o lado negativo”. E, apesar de sustentar que “não foi identificado nenhum desvio significativo até ao momento”, defende que a entrada em vigor do OE2016 apenas em abril e o adiar para a segunda metade do ano de algumas medidas que “aumentam o défice”, como a reversão dos cortes salariais na administração pública ou a redução do IVA na restauração, “limitam uma comparação” entre períodos homólogos de 2015 e de 2016. E, nesse sentido, mantém as previsões para o défice deste ano, conhecidas na primavera, de 2,7% do PIB (Produto Interno Bruto), acima dos 2,2% previstos pelo Governo no Programa de Estabilidade, e da meta 2,5% definida pelo Conselho da UE aquando do encerramento do processo de sanções a Portugal, em agosto passado.
Segundo Bruxelas, a divergência perante as contas do Ministério das Finanças – que representam cerca de 500 milhões de euros – deve-se “à incerteza macroeconómica e aos possíveis custos associados ao setor financeiro, que pesam negativamente nas previsões orçamentais”. Assim, entende que, “para este cenário, os riscos estão inclinados para o lado negativo e podem materializar-se com a deterioração do cenário macroeconómico, um aumento da volatilidade e a incerteza nos mercados financeiros” e em razão das “necessidades de capitalização da banca ainda incertas”.
Outro alerta deixado pela CE é o aumento dos pagamentos em atraso no setor público, sobretudo na saúde:
“O aumento geral dos pagamentos em atraso deve-se, na sua quase totalidade, ao aumento de 155 milhões de euros devidos aos hospitais públicos, elevando o montante dos pagamentos em atraso do Sistema Nacional de Saúde no final de maio deste ano para o nível de 600 milhões de euros registados no início de 2015”.
O relatório suso referido lembra que “é esperado que Portugal apresente à Comissão um relatório, até 15 de outubro, sobre as medidas tomadas”, que inclua “as medidas que sustentam o esforço de ajustamento”. E, a um mês da apresentação do Orçamento do Estado para 2017 (OE2017), a Comissão mantém também as previsões para o próximo ano: um défice orçamental de 2,3% e um crescimento económico de 1,7%, menos otimistas do que o Governo, que prevê um défice de 1,4% do PIB e um crescimento de 1,8%.
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Quanto ao NB, Bruxelas tem dúvidas sobre a concretização da venda que o Governo não pode ainda dissipar. E o Secretário de Estado acima referido remete, para já, o processo para o Banco de Portugal, para dizer que cabe àquela instituição, liderada por Carlos Costa, “tomar uma decisão tendo em conta as propostas”, sendo que as últimas notícias auguram melhores dias para o êxito relativo dessa operação, designadamente com a desblindagem dos estatutos do BPI, que o torna, ao possibilitar a OPA do CaixaBank, um sério candidato à aquisição do NB.
Por outro lado, está em curso o estudo de uma solução para o crédito malparado da banca. Diz o Governo que a criação de um banco mau será sempre um meio voluntário para resolver o problema. E é mesmo preciso travar o descalabro financeiro e pôr um pouco de tino na banca.
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O bom senso que se pede ao Governo pede-se à Comissão Europeia e demais eurocracia.

2016.09.22 – Louro de Carvalho

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