Ou Angela Merkel aceita chefiar um governo
minoritário, o que ela não quer, ou sujeitará o país a novas eleições, que os
Verdes dizem que ocorrerão na primavera. O
calendário torna-se cada vez mais apertado e as opções estreitam.
Depois de os
socialdemocratas do SPD, liderados por Martin Schulz, se terem excluído do
habitual, desejável e expectável acordo de coligação com a CDU de Merkel, tudo
parece sair gorado à chanceler, que procura cumprir enfraquecida o seu 4.º
mandato à frente do executivo.
Na madrugada
do dia 20, a chanceler alemã sintetizou, com a frase “Difíceis semanas se avizinham”, mais uma ronda negocial falhada
entre os conservadores da CDU, os liberais do FDP e os Verdes para a formação
de uma coligação de Governo. Entretanto, um deputado histórico dos Verdes, que
tem participado nas negociações, avançou a um canal de rádio que
deverá haver novas eleições na nas proximidades da Páscoa.
O cenário de
falha das negociações repete-se há quase 5 semanas, passando mais de 8 semanas
do ato eleitoral. Pouco faltava para a meia-noite de domingo quando os
representantes dos partidos anunciaram que não havia fumo branco. A líder dos
liberais do FDP, Christian Lindner, foi a primeira a aparecer aos jornalistas
que aguardavam o desfecho daquele sprint final para dizer que
não tinha qualquer esperança de que houvesse forma de sair do impasse,
sustentando que “é melhor não governar do
que governar mal”. E acrescentava que, depois de tantas semanas de
tentativas para um acordo, os líderes dos partidos estavam a falhar a
construção de uma “base de confiança”
mútua.
Nunca na
história da República Federal da Alemanha, desde 1949, houve um governo federal.
As conjunturas pós-eleitorais têm ditado a formação de coligações assentes em
acordos prévios que servem como programa comum de governo às forças políticas
que compõem a coligação que se formou em cada caso. E é este acordo que é agora
de difícil de alcance.
Isto está a
suceder por razões ideológicas de raiz, traduzidas sobretudo em: questões
relacionadas com a política de imigração e refugiados,
onde Merkel continua a pagar o preço de ter aberto as portas da Alemanha aos já
dois milhões de refugiados que chegaram à Europa a partir de 2015, recebendo imediatamente
o voto contra dos Verdes qualquer limitação às entradas; questões atinentes à luta contra as alterações climáticas, querendo acabar os
Verdes com todas as centrais de energia que funcionem com recurso a carvão, que
serão 20 em todo o país, mas onde a CDU não vê qualquer sentido na perspetiva
económica; e questões conexas com os desejos de reduções fiscais por parte dos liberais do FDP.
Também as questões da Europa têm complicado as
negociações: todos os partidos são pró-Europa, mas não se entendem em tudo o
resto: desde a posição quanto a futuros planos de resgate financeiro até à ideia
de criação do lugar de Ministro das Finanças da zona euro e à existência de um
orçamento europeu comum, defendidas pelo Presidente francês.
Merkel, que
já antecipava negociações difíceis, chegou até a prever que o processo se
estendesse até ao Natal. E o Presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, tem
feito a máxima pressão para os partidos darem forma à expressão eleitoral que
lhes foi concedida pelo eleitorado. De facto, evitar eleições é a palavra de
ordem. O prazo para a recente ronda negocial terminava no dia 16, mas foi
estendido até ao final do fim de semana. Passou sábado e passou domingo. E
chegou a notícia de que não tinha sido desta.
Uma nova ida
às urnas pode dar mais força à extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que nas eleições do passado dia 24 de setembro
entrou perentória no Parlamento alemão, por ter passado de zero para 12,6% dos
votos, tornando-se a 3.ª força no Bundestag. E tudo dá a entender que nova ida
às urnas pode ter o efeito de aumentar mais a sua expressão eleitoral.
***
Não havendo
acordo, restam duas opções: ou Merkel governa sem maioria, o que nunca
aconteceu e a chanceler não quer, ou a Alemanha regressa às urnas. Assim,
Angela Merkel vai fazer tudo para evitar governar em minoria, sabendo que os governos
minoritários são instáveis e dependentes de terceiros, o que deixaria a CDU nas
mãos da extrema-direita da AfD em muitas matérias. Também, como foi referido, o
Presidente Steinmeier fez saber que não é adepto da convocação de eleições, esperando
que “todos os lados sejam chamados à responsabilidade” o que significa não querer
“devolver o mandato aos eleitores”, segundo disse numa entrevista ao “Welt an Sonntag”, antes de a última ronda
de negociações ter falhado. Todavia, mesmo que o Presidente não convoque novas
eleições, pode Merkel forçá-lo. Basta que o Presidente emposse um governo
minoritário da CDU, de Angela Merkel, que venceu as eleições de setembro, mas que
perdeu grande base de apoio em comparação com o resultado obtido em 2013.
Merkel pode sempre gerar a dissolução do Parlamento suscitando uma moção de
confiança e vendo-a não aprovada. Pelo que fazer a vontade ao Presidente pode
significar apenas o adiamento da solução eleitoral.
Para já, vêm
ao de cima os ecos do passa-culpas sobre o fracasso negocial. Merkel disse que
a CDU tentou tudo. A acusação era para os liberais do FDP, cuja decisão Merkel
diz lamentar, mas respeita. Os liberais dizem que é melhor não governar do que
governar mal, postura que não foi poupada entre os parceiros de mesa. O
negociador dos Verdes, Jürgen Trittin, acusou-os de “sabotar” as negociações no
domingo, dizendo que tanto o bloco conservador de Merkel e da sua força-irmã da
Bavária, a CSU (União Social-Cristã), como os próprios ecologistas, queriam continuar a negociar. Foi, segundo
Trittin, o FDP que preferiu saltar para fora.
O líder da CSU,
o partido irmão da CDU, com quem as afinidades ideológicas e de raiz são
óbvias, sustentou essa ideia, dizendo que o acordo “teria sido possível”, se os
liberais não tivessem desistido. Contudo, o “Politico”, contudo, dá nota de que foi em grande medida a
insistência de Horst Seehofer, líder da CSU, para que não fosse dada aos
refugiados a garantia de que podiam trazer familiares para a Alemanha que
dificultou as conversações, mais do que qualquer outro assunto de consenso
difícil.
Como em
Portugal, também na Alemanha a culpa ou morre solteira ou é sempre dos outros.
Não esta, afinal, uma mania latina!
Para o dia 20
ficou marcada reunião entre a
chanceler Merkel e o Presidente Frank-Walter Steinmeier, que teve de
cancelar uma visita de Estado para resolver a crise política interna. Merkel
informou o Presidente de que não será possível formar um Governo tripartido, que
se tem apelidado de “coligação Jamaica” (devido às
cores dos partidos que a compunham), passando a
palavra ao Chefe de Estado. Ambos poderiam discutir todas as possibilidades que
estão em cima da mesa (que já são poucas), incluindo
a possibilidade de o SPD, que governou com a CDU nos últimos quatro anos,
voltar atrás na decisão e formar com os conservadores uma grande coligação. Mas
também tal opção parece improvável, visto que o SPD tem reiterado que não vai
renovar a aliança.
***
A
extrema-direita gostou do fracasso das negociações. Alice Weidel, cabeça de lista
da AfD afirma que o partido espera “resultados melhores” em novas eleições.
O
partido conseguiu, nas eleições legislativas de 24 de setembro, uma vitória
histórica, ao constituir-se como terceira força política do país, com 12,6%, e
ao assegurar a entrada direta no parlamento federal, pela primeira vez desde o
pós-guerra.
Alexander
Gauland, que foi, com Wiedel, cabeça de lista da AfD ao ato eleitoral de
setembro, também afirmou à imprensa que o partido espera “resultados melhores”
em novas eleições.
Os
dirigentes da AfD destacaram sobretudo “o grande êxito” que constitui ver
afastadas de um futuro governo as políticas de imigração e meio ambiente
defendidas pelos Verdes.
Merkel,
que venceu as legislativas sem maioria, com 33%, viu o seu anterior parceiro de
governo, o Partido Social Democrata (SPD, 21,5%) recusar uma nova coligação e iniciou conversações com o FDP (10,7%) e com os Verdes (8,9%),
mas, no domingo, os liberais anunciaram que abandonam as negociações. E Gauland
declarou:
“A senhora Merkel fracassou e está na altura de abandonar o cargo de
chanceler”.
***
Como já foi dito, a chanceler vive um dilema: sem
conseguir uma coligação que lhe dê a maioria no Parlamento e recusando-se a
chefiar um governo minoritário, vê as novas eleições como o único caminho
viável. Mas, para os especialistas, só tem a perder se tomar tal decisão. Pensam que não há possibilidade de atingir
os quase 34% que obteve a 24 de setembro, já lá vão mais de oito semanas.
Merkel está em declínio. Os eleitores ficaram desapontados com o não resultado
das negociações.
Para os analistas, os dias de Merkel no leme da Alemanha estão contados e, no
máximo, ela fará com 29% ou 30% dos votos em caso de uma nova eleição. Por outras
palavras, estará em posição ainda mais fraca do que a atual. A CDU deveria
encontrar outro líder para poder recomeçar com um rosto novo, o que não seria
nada fácil de momento, mas era necessário.
O fracasso das negociações com os Verdes e com os Democratas Liberais do
FDP já era esperado; e um governo minoritário – inédito na história alemã –
dificilmente duraria mais do que metade duma legislatura.
Se Merkel tivesse brio
como líder, teria cedido o lugar a outrem na noite das eleições, o que não fez.
Também não se espera que desista agora. Poderia recuar e abrir espaço para um
novo líder partidário, que entraria em eleições com melhores hipóteses que ela. Mas a lógica de “apego ao poder” de Merkel impôs-se e
ela não se apercebeu de que a perspetiva duma coligação como a que vinha a ser
negociada era muito estranha e pouco provável.
Culpar os Democratas Liberais pelo fracasso das negociações é um equívoco,
já que que eles seguiram sensatos as suas ideias. Por outro lado, essa posição
do FDP pode favorecer o partido em caso de novas eleições, o mesmo valendo
ainda para a extrema-direita da Alternativa para Alemanha (AfD). Se houver novas eleições, o FDP e
provavelmente também a AfD – o partido da oposição que entrou no Parlamento com
12,6% dos votos – ganharão porque há uma boa parte silenciosa e significativa do
eleitorado que pretende a mudança na política de imigração.
Merkel, apesar de tudo, deveria tentar governar com um governo minoritário,
ao invés de forçar o país a voltar às urnas, sem que os partidos moderados se
recompusessem.
***
A Europa precisa duma Alemanha sem crises internas, forte e democrática.
E, se nos últimos dois séculos, a questão alemã causou muitas preocupações
e duas grandes guerras, agora, com o colapso das negociações para formar uma coligação
governativa, inverteu-se a ordem das coisas.
Os líderes europeus preocupam-se com o facto de a Alemanha se tornar incapaz
de assumir uma liderança forte para orientar e defender a Europa num mundo
globalizado. A solução para a questão alemã original tem sido, desde a Segunda
Guerra Mundial, envolver o país a fundo nas instituições europeias e na sua
política. Com o Tratado de Roma (da CEE) e com o Tratado de Maastricht, que
criou a União Europeia (UE) e a zona euro, a Alemanha assumiu a sua metade de liderança do eixo
nuclear franco-alemão que está no cerne do projeto europeu. No fim do outro
milénio e no início deste, a Alemanha superou os desafios da reunificação,
ficando apta para reforçar a sua influência na Europa. Porém, a França não
estava segura quanto a uma maior integração, tendo até votado, em 2005, contra
a proposta de constituição europeia, o que azou a ascendência alemã, cuja
preponderância, e até hegemonia, trouxe tantos amargos de boca à UE. E foi a
Alemanha que impulsionou o quinto alargamento da UE, a adesão simultânea de dez
países da Europa Central e de Leste, o que ocupou a Europa de 2004 a 2008. Mas
foi a crise financeira global que solidificou a posição da Alemanha como líder
da Europa, sendo Merkel o rosto da UE.
Enquanto isto, a liderança francesa continuava a esmorecer. Outros poderes
na Europa também se retiraram do continente: o Reino Unido votou, não de
súbito, a saída da UE, os Estados Unidos, que sustentaram durante muito tempo a
Pax Americana, tão crucial para a
Europa, também desviaram a sua atenção da região. E o centro de gravidade da
Europa deslocou-se para Berlim. Entretanto, as crises proliferaram, com a
Alemanha a liderar as respostas a todas. Para lá da crise financeira, a UE
enfrentou a grave crise de migração e a crise de segurança. E a liderança de Merkel nem sempre foi aplaudida,
particularmente no contexto da crise migratória.
Nos últimos
18 meses, a liderança da Alemanha tornou-se cada vez mais virada para dentro,
em grande parte devido às eleições federais de setembro. Assim, questões fundamentais
sobre o futuro da UE – no atinente às negociações do brexit, política de
migração, cooperação em matéria de defesa, criação da união bancária e a reforma
das instituições europeias – foram quase suspensas. A ideia era que, ao obter o
seu quarto mandato, Merkel poderia reforçar o impulso às reformas institucionais
de que a UE necessita. Assim, pela passividade da Comissão, do Conselho e do
Parlamento estamos em banho-maria.
Precisamos
da Alemanha, mas não só da Alemanha. É uma vergonha que os outros Estados-Membros
da UE não tenham fibra liderante e participante. Mas esperamos que a grande
Alemanha resolva a sua crise política, que Wolfgang Schäuble, agora líder do
Bundestag, parece negar, para que não surjam por simpatia e
contaminação outras crises na Alemanha e na Europa.
2017.11.21 –
Louro de Carvalho
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