terça-feira, 21 de novembro de 2017

Terá a Alemanha novas eleições legislativas?

Ou Angela Merkel aceita chefiar um governo minoritário, o que ela não quer, ou sujeitará o país a novas eleições, que os Verdes dizem que ocorrerão na primavera. O calendário torna-se cada vez mais apertado e as opções estreitam.
Depois de os socialdemocratas do SPD, liderados por Martin Schulz, se terem excluído do habitual, desejável e expectável acordo de coligação com a CDU de Merkel, tudo parece sair gorado à chanceler, que procura cumprir enfraquecida o seu 4.º mandato à frente do executivo.
Na madrugada do dia 20, a chanceler alemã sintetizou, com a frase “Difíceis semanas se avizinham”, mais uma ronda negocial falhada entre os conservadores da CDU, os liberais do FDP e os Verdes para a formação de uma coligação de Governo. Entretanto, um deputado histórico dos Verdes, que tem participado nas negociações, avançou a um canal de rádio que deverá haver novas eleições na nas proximidades da Páscoa.
O cenário de falha das negociações repete-se há quase 5 semanas, passando mais de 8 semanas do ato eleitoral. Pouco faltava para a meia-noite de domingo quando os representantes dos partidos anunciaram que não havia fumo branco. A líder dos liberais do FDP, Christian Lindner, foi a primeira a aparecer aos jornalistas que aguardavam o desfecho daquele sprint final para dizer que não tinha qualquer esperança de que houvesse forma de sair do impasse, sustentando que “é melhor não governar do que governar mal”. E acrescentava que, depois de tantas semanas de tentativas para um acordo, os líderes dos partidos estavam a falhar a construção de uma “base de confiança” mútua.
Nunca na história da República Federal da Alemanha, desde 1949, houve um governo federal. As conjunturas pós-eleitorais têm ditado a formação de coligações assentes em acordos prévios que servem como programa comum de governo às forças políticas que compõem a coligação que se formou em cada caso. E é este acordo que é agora de difícil de alcance.
Isto está a suceder por razões ideológicas de raiz, traduzidas sobretudo em: questões relacionadas com a política de imigração e refugiados, onde Merkel continua a pagar o preço de ter aberto as portas da Alemanha aos já dois milhões de refugiados que chegaram à Europa a partir de 2015, recebendo imediatamente o voto contra dos Verdes qualquer limitação às entradas; questões atinentes à luta contra as alterações climáticas, querendo acabar os Verdes com todas as centrais de energia que funcionem com recurso a carvão, que serão 20 em todo o país, mas onde a CDU não vê qualquer sentido na perspetiva económica; e questões conexas com os desejos de reduções fiscais por parte dos liberais do FDP. Também as questões da Europa  têm complicado as negociações: todos os partidos são pró-Europa, mas não se entendem em tudo o resto: desde a posição quanto a futuros planos de resgate financeiro até à ideia de criação do lugar de Ministro das Finanças da zona euro e à existência de um orçamento europeu comum, defendidas pelo Presidente francês.  
Merkel, que já antecipava negociações difíceis, chegou até a prever que o processo se estendesse até ao Natal. E o Presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, tem feito a máxima pressão para os partidos darem forma à expressão eleitoral que lhes foi concedida pelo eleitorado. De facto, evitar eleições é a palavra de ordem. O prazo para a recente ronda negocial terminava no dia 16, mas foi estendido até ao final do fim de semana. Passou sábado e passou domingo. E chegou a notícia de que não tinha sido desta.
Uma nova ida às urnas pode dar mais força à extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que nas eleições do passado dia 24 de setembro entrou perentória no Parlamento alemão, por ter passado de zero para 12,6% dos votos, tornando-se a 3.ª força no Bundestag. E tudo dá a entender que nova ida às urnas pode ter o efeito de aumentar mais a sua expressão eleitoral.
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Não havendo acordo, restam duas opções: ou Merkel governa sem maioria, o que nunca aconteceu e a chanceler não quer, ou a Alemanha regressa às urnas. Assim, Angela Merkel vai fazer tudo para evitar governar em minoria, sabendo que os governos minoritários são instáveis e dependentes de terceiros, o que deixaria a CDU nas mãos da extrema-direita da AfD em muitas matérias. Também, como foi referido, o Presidente Steinmeier fez saber que não é adepto da convocação de eleições, esperando que “todos os lados sejam chamados à responsabilidade” o que significa não querer “devolver o mandato aos eleitores”, segundo disse numa entrevista ao “Welt an Sonntag”, antes de a última ronda de negociações ter falhado. Todavia, mesmo que o Presidente não convoque novas eleições, pode Merkel forçá-lo. Basta que o Presidente emposse um governo minoritário da CDU, de Angela Merkel, que venceu as eleições de setembro, mas que perdeu grande base de apoio em comparação com o resultado obtido em 2013. Merkel pode sempre gerar a dissolução do Parlamento suscitando uma moção de confiança e vendo-a não aprovada. Pelo que fazer a vontade ao Presidente pode significar apenas o adiamento da solução eleitoral.
Para já, vêm ao de cima os ecos do passa-culpas sobre o fracasso negocial. Merkel disse que a CDU tentou tudo. A acusação era para os liberais do FDP, cuja decisão Merkel diz lamentar, mas respeita. Os liberais dizem que é melhor não governar do que governar mal, postura que não foi poupada entre os parceiros de mesa. O negociador dos Verdes, Jürgen Trittin, acusou-os de “sabotar” as negociações no domingo, dizendo que tanto o bloco conservador de Merkel e da sua força-irmã da Bavária, a CSU (União Social-Cristã), como os próprios ecologistas, queriam continuar a negociar. Foi, segundo Trittin, o FDP que preferiu saltar para fora.
O líder da CSU, o partido irmão da CDU, com quem as afinidades ideológicas e de raiz são óbvias, sustentou essa ideia, dizendo que o acordo “teria sido possível”, se os liberais não tivessem desistido. Contudo, o “Politico”, contudo, dá nota de que foi em grande medida a insistência de Horst Seehofer, líder da CSU, para que não fosse dada aos refugiados a garantia de que podiam trazer familiares para a Alemanha que dificultou as conversações, mais do que qualquer outro assunto de consenso difícil.
Como em Portugal, também na Alemanha a culpa ou morre solteira ou é sempre dos outros. Não esta, afinal, uma mania latina!
Para o dia 20 ficou marcada reunião entre a chanceler Merkel e o Presidente Frank-Walter Steinmeier, que teve de cancelar uma visita de Estado para resolver a crise política interna. Merkel informou o Presidente de que não será possível formar um Governo tripartido, que se tem apelidado de coligação Jamaica (devido às cores dos partidos que a compunham), passando a palavra ao Chefe de Estado. Ambos poderiam discutir todas as possibilidades que estão em cima da mesa (que já são poucas), incluindo a possibilidade de o SPD, que governou com a CDU nos últimos quatro anos, voltar atrás na decisão e formar com os conservadores uma grande coligação. Mas também tal opção parece improvável, visto que o SPD tem reiterado que não vai renovar a aliança.
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A extrema-direita gostou do fracasso das negociações. Alice Weidel, cabeça de lista da AfD afirma que o partido espera “resultados melhores” em novas eleições.
O partido conseguiu, nas eleições legislativas de 24 de setembro, uma vitória histórica, ao constituir-se como terceira força política do país, com 12,6%, e ao assegurar a entrada direta no parlamento federal, pela primeira vez desde o pós-guerra.
Alexander Gauland, que foi, com Wiedel, cabeça de lista da AfD ao ato eleitoral de setembro, também afirmou à imprensa que o partido espera “resultados melhores” em novas eleições.
Os dirigentes da AfD destacaram sobretudo “o grande êxito” que constitui ver afastadas de um futuro governo as políticas de imigração e meio ambiente defendidas pelos Verdes.
Merkel, que venceu as legislativas sem maioria, com 33%, viu o seu anterior parceiro de governo, o Partido Social Democrata (SPD, 21,5%) recusar uma nova coligação e iniciou conversações com o FDP (10,7%) e com os Verdes (8,9%), mas, no domingo, os liberais anunciaram que abandonam as negociações. E Gauland declarou:
A senhora Merkel fracassou e está na altura de abandonar o cargo de chanceler”.
          
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Como já foi dito, a chanceler vive um dilema: sem conseguir uma coligação que lhe dê a maioria no Parlamento e recusando-se a chefiar um governo minoritário, vê as novas eleições como o único caminho viável. Mas, para os especialistas, só tem a perder se tomar tal decisão. Pensam que não há possibilidade de atingir os quase 34% que obteve a 24 de setembro, já lá vão mais de oito semanas. Merkel está em declínio. Os eleitores ficaram desapontados com o não resultado das negociações.
Para os analistas, os dias de Merkel no leme da Alemanha estão contados e, no máximo, ela fará com 29% ou 30% dos votos em caso de uma nova eleição. Por outras palavras, estará em posição ainda mais fraca do que a atual. A CDU deveria encontrar outro líder para poder recomeçar com um rosto novo, o que não seria nada fácil de momento, mas era necessário.
O fracasso das negociações com os Verdes e com os Democratas Liberais do FDP já era esperado; e um governo minoritário – inédito na história alemã – dificilmente duraria mais do que metade duma legislatura.
Se Merkel tivesse brio como líder, teria cedido o lugar a outrem na noite das eleições, o que não fez. Também não se espera que desista agora. Poderia recuar e abrir espaço para um novo líder partidário, que entraria em eleições com melhores hipóteses que ela. Mas a lógica de “apego ao poder” de Merkel impôs-se e ela não se apercebeu de que a perspetiva duma coligação como a que vinha a ser negociada era muito estranha e pouco provável.
Culpar os Democratas Liberais pelo fracasso das negociações é um equívoco, já que que eles seguiram sensatos as suas ideias. Por outro lado, essa posição do FDP pode favorecer o partido em caso de novas eleições, o mesmo valendo ainda para a extrema-direita da Alternativa para Alemanha (AfD). Se houver novas eleições, o FDP e provavelmente também a AfD – o partido da oposição que entrou no Parlamento com 12,6% dos votos – ganharão porque há uma boa parte silenciosa e significativa do eleitorado que pretende a mudança na política de imigração.
Merkel, apesar de tudo, deveria tentar governar com um governo minoritário, ao invés de forçar o país a voltar às urnas, sem que os partidos moderados se recompusessem.
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A Europa precisa duma Alemanha sem crises internas, forte e democrática.
E, se nos últimos dois séculos, a questão alemã causou muitas preocupações e duas grandes guerras, agora, com o colapso das negociações para formar uma coligação governativa, inverteu-se a ordem das coisas.
Os líderes europeus preocupam-se com o facto de a Alemanha se tornar incapaz de assumir uma liderança forte para orientar e defender a Europa num mundo globalizado. A solução para a questão alemã original tem sido, desde a Segunda Guerra Mundial, envolver o país a fundo nas instituições europeias e na sua política. Com o Tratado de Roma (da CEE) e com o Tratado de Maastricht, que criou a União Europeia (UE) e a zona euro, a Alemanha assumiu a sua metade de liderança do eixo nuclear franco-alemão que está no cerne do projeto europeu. No fim do outro milénio e no início deste, a Alemanha superou os desafios da reunificação, ficando apta para reforçar a sua influência na Europa. Porém, a França não estava segura quanto a uma maior integração, tendo até votado, em 2005, contra a proposta de constituição europeia, o que azou a ascendência alemã, cuja preponderância, e até hegemonia, trouxe tantos amargos de boca à UE. E foi a Alemanha que impulsionou o quinto alargamento da UE, a adesão simultânea de dez países da Europa Central e de Leste, o que ocupou a Europa de 2004 a 2008. Mas foi a crise financeira global que solidificou a posição da Alemanha como líder da Europa, sendo Merkel o rosto da UE.
Enquanto isto, a liderança francesa continuava a esmorecer. Outros poderes na Europa também se retiraram do continente: o Reino Unido votou, não de súbito, a saída da UE, os Estados Unidos, que sustentaram durante muito tempo a Pax Americana, tão crucial para a Europa, também desviaram a sua atenção da região. E o centro de gravidade da Europa deslocou-se para Berlim. Entretanto, as crises proliferaram, com a Alemanha a liderar as respostas a todas. Para lá da crise financeira, a UE enfrentou a grave crise de migração e a crise de segurança. E a liderança de Merkel nem sempre foi aplaudida, particularmente no contexto da crise migratória.
Nos últimos 18 meses, a liderança da Alemanha tornou-se cada vez mais virada para dentro, em grande parte devido às eleições federais de setembro. Assim, questões fundamentais sobre o futuro da UE – no atinente às negociações do brexit, política de migração, cooperação em matéria de defesa, criação da união bancária e a reforma das instituições europeias – foram quase suspensas. A ideia era que, ao obter o seu quarto mandato, Merkel poderia reforçar o impulso às reformas institucionais de que a UE necessita. Assim, pela passividade da Comissão, do Conselho e do Parlamento estamos em banho-maria.
Precisamos da Alemanha, mas não só da Alemanha. É uma vergonha que os outros Estados-Membros da UE não tenham fibra liderante e participante. Mas esperamos que a grande Alemanha resolva a sua crise política, que Wolfgang Schäuble, agora líder do Bundestag, parece negar, para que não surjam por simpatia e contaminação outras crises na Alemanha e na Europa.

2017.11.21 – Louro de Carvalho

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