Ainda
não me esqueci do que aprendi enquanto era estudante. Como não era aluno do
liceu, tiveram a liberdade de me ensinar, em 1968/1969, pelo manual de “Economía Social o Politica”, de Ernesto
Guitart, que a greve era um direito dos trabalhadores a utilizar como último
recurso quando as negociações dos representantes dos trabalhadores com a
respetiva entidade patronal estivessem esgotadas e sem qualquer luz ao fundo do
túnel. Isto, enquanto a propaganda do regime salazarista-caetanista propalava
que a greve era um crime público contra a economia, deixando os portugueses
submissos ou a fazer arremedo de greve clandestino, como houve várias
manifestações reivindicativas juguladas pela GNR em nome da lei e da grei.
Em
Portugal, depois da revolução abrilina, dificilmente se encontra alguém que não
reconheça publicamente o direito à greve. Porém, vão dizendo que esta é uma
greve política (todas o são, enquanto manifestação
pública de uma vontade de mudança nas relações sociais e económicas), que aquela é uma greve
selvagem, que aqueloutra se volta contra os trabalhadores, que uma dá prejuízo
à economia, que outra não faz sentido, que esta não deixou que as negociações
chegassem ao fim – e tantas coisas mais para fugirem com o rabo à seringa,
enquanto alguns tudo fazem para impedirem intempestivamente a greve ou para
minorarem, por vias travessas, os seus efeitos, quer dividindo os
trabalhadores, quer arranjando formas de os substituírem, quer pela determinação
de serviços mínimos sem que a urgência os dite sempre, quer ainda pela
apresentação de números divergentes em relação aos dos decisores da greve.
***
Esta
greve dos professores faz-nos regressar ao consulado educacional de Maria de
Lurdes Rodrigues, que, por causa da divisão da carreira dos professores em professores e professores titulares e pelo mecanismo abstruso de avaliação do
desempenho docente, juntou em greves e manifestações de cerca da centena de
professores e uniu, pela primeira vez, todos os sindicatos relacionados com a
educação. Recordo que foi a sua sucessora Isabel Alçada quem decidiu, pelo
decreto-lei n.º 75/2010, de 23 de junho, abolir a distinção entre professores e professores titulares e definir um regime de transição para a
progressão na carreira, regime que abortou com o congelamento do tempo de
serviço desde 1 de janeiro de 2011, situação que se mantém. Também no atinente
à avaliação de desempenho docente (ADD), os partidos da direita
parlamentar se colocaram ao lado dos professores (eles
que tinham, a par de Cavaco e Marcelo tecido rasgadas loas à Milu) e chegaram ao desplante de,
aliados aos partidos mais à esquerda, suscitarem junto do TC (Tribunal
Constitucional) a
fiscalização sucessiva e abstrata da constitucionalidade de um decreto
regulamentar sobre a ADD, o que foi julgado improcedente por o Parlamento não
ter que se intrometer na competência regulamentar e administrativa do Governo.
Foi aí que Isabel Alçada proclamou a vitória do sistema educativo. Porém, na
vigência do Governo PSD/CDS, quando Nuno Crato quis afunilar a carreira docente
e definir o regime da ADD, o PSD pôs um dos mais verdes dos seus deputados a
defender a política do Ministro e a desdizer o discurso do PSD e do CDS no
segundo Governo chefiado por José Sócrates, o que cheirou a pura hipocrisia.
Mas não
posso esquecer que o PS fez coisa semelhante a propósito da PACC (Prova de
Avaliação de Conhecimentos e Capacidades)
a aplicar aos professores que pretendessem ingressar da carreira. A dita prova
foi determinada pela Milu, reiterada por Isabel Alçada e Nuno Crato quis
aplicá-la e tentou duas vezes, embora dispensando dela uma série de docentes
contratados, até que um TAF a contestou por motivos de inconstitucionalidade e
o TC acolheu a contestação pelos motivos invocados. Entretanto, o PS pusera um
seu novel deputado a defender a bondade da PACC, o que me pareceu ridículo.
***
Agora os
docentes debatem-se com vários problemas. Desde que Durão Barroso transformou
as escolas em depósitos de crianças, adolescentes e jovens para os pais as
terem guardadas, alegadamente fiado nas autarquias e associações que ocupariam
os alunos enquanto os professores faziam o trabalho não letivo de planificação
de aulas e de avaliação, bem como outros trabalhos de coordenação e articulação
(O
diretor até nem tinha de ser professor, pois os bons professores podiam não ser
bons gestores!), a
Maria de Lurdes Rodrigues quis fazer o trabalho de guarda e de apoios com os
professores, que ficaram com os meninos nos braços, enquanto as autarquias e as
associações ganharam trunfos na escola. Os cargos pedagógicos de coordenação e
articulação curricular, bem como os de coordenação das atividades das turmas,
deixaram de integrar progressivamente a componente letiva, sem serem pagos à
parte em alternativa, como previa o ECD; o tempo superveniente resultante da
redução do tempo letivo de 50 para 45 minutos deixou de ser ocupado em tarefas
de coordenação e passou a poder ser ocupado sistematicamente com alunos; e inventaram-se
mecanismos formais de superação das faltas justificadas e injustificadas dos
alunos através de provas ou trabalho equivalentes. Nuno Crato manteve a mesma
lógica, embora com outra nomenclatura; e os professores foram sobrecarregados
com muito trabalho administrativo e pedagógico de excessivas fichas, grelhas,
relatórios, metas curriculares como referência obrigatória na avaliação das
aprendizagens, afunilamento da docência em exames e provas escritas parecidas
comprovas de exame, aumento do número de alunos por turma, publicação de rankings, responsabilização indevida dos
professores por todo o mal que sucede na escola, suposta atribuição de
competências discricionárias aos diretores, formação fora do tempo de trabalho,
conselhos de turma fora do horário de trabalho… e mais não digo.
Como
qualquer trabalhador por conta de outrem, sujeitaram os professores aos mesmos
mecanismos de aposentação em termos de idade, tempo de serviço, penalização
mensal por cada mês que falte para a idade da reforma/aposentação, índice de
sustentabilidade, cálculo da pensão – tudo agravado de ano para ano.
Esqueceu-se
de todo a especificidade da função docente. Aliás, premonitoriamente, quando na
década de oitenta os sindicalistas me queriam convencer de que os professores
eram funcionários públicos como os outros, eu dizia que “havemos de pagar bem
caro este enunciado”. Daí até se esquecer a especificidade da função foi um
salto longo, mas irreversível. Mesmo assim, compare-se o estatuto da carreira
docente na versão atual com as do tempo de Cavaco Silva e Oliveira Guterres quando
Primeiros-Ministros – Aníbal António e António Manuel, voltai, que estais
perdoados! – e veja-se a diferença.
Ora, os
professores precisam de um regime especial de aposentação, os professores
precisam de reconhecimento da sua autoridade junto dos alunos frente aos pais e
à escola/sociedade, os professores precisam de ser libertados da sobrecarga
burocrática e administrativa para poderem preparar com eficiência as lições e
fazer a avaliação do seu trabalho, os professores precisam de exercer os cargos
pedagógicos e estratégicos com liberdade e eficácia – para o que precisam de
tempo, reconhecimento e compensação –, os professores precisam de intervir na
sociedade porque não deixam de ser cidadãos qualificados, os professores
precisam de remuneração condigna e consentânea com o seu trabalho específico e
de ter uma carreira em que possam progredir ao menos como os outros.
E
chegamos a um dos pontos principais da greve e da manifestação do dia 15.
Os
funcionários públicos tiveram o seu tempo de serviço congelado, isto é, sem
contar para efeitos de antiguidade profissional e progressão na carreira desde
29 de agosto de 2005 a 31 de dezembro de 2007 e desde um de janeiro de 2011
até, pelo menos, 31 de dezembro de 2017.
O Governo
garantiu que os funcionários públicos em geral, exceto aqueles que estiveram em
regime de promoção a um lugar superior em carreiras verticais (vg:
militares, polícias e magistrados)
terão o descongelamento da carreira a partir de 1 de janeiro de 2018 e para a
progressão conta o tempo de serviço de cada um dos anos anteriores em um ponto.
E as remunerações decorrentes das progressões resultantes deste descongelamento
serão repostas faseadamente em dois anos económicos – o que, apesar de injusto,
se entende como razoável dado o caráter não sustentável da economia.
Ora os
professores não estiveram no regime de promoções, pois o conteúdo funcional é o
mesmo em todos os escalões, a não ser naqueles escalões em que os professores
estão em tarefas de coordenação e formação dispensados do serviço letivo (E
eu gostava de saber quanto estão nessas condições, a não ser os diretores e os
requisitados para outros serviços do Estado e autarquias!). Também não foram objeto de
prémios por mérito, a não ser uma meia dúzia de cromos que se candidataram dois
ou três anos consecutivos ao prémio de melhor professor, de melhor gestor ou de
melhor exemplo em inovação (sabe Deus com que critérios) e quejandos.
Ora,
como os professores não são avaliados por pontos, mas por menção a que
corresponde um intervalo de valores, o tempo de serviço de 9 anos, quatro meses
e 2 dias não conta para nada. Depois, o Governo não se compromete em definir
como vai ser a progressão na carreira dos docentes a partir de 1 de janeiro. O
Primeiro-Ministro lançou para o ar o número de 43 mil professores que vão
progredir. Esqueceu-se é de dizer que esses são os que deveriam ter progredido
entre 23 de junho e 31 de dezembro de 2010.
Segundo
se sabe, a não definição da progressão dos professores deve-se ao seu elevado
número e aos efeitos orçamentais. Porém, o Governo poderia chegar a acordo com
os professores quanto ao faseamento. Além disso, o orçamento consente o que se
lá inscreve e a política faz-se opções. Só não há dinheiro para o que deve
haver. Se mais um banco falir, há dinheiro de certeza, pelo menos no bolso dos
contribuintes, e se mais algum fugir com capitais ou os colocar em offshores, é
porque havia dinheiro.
Agora os
sindicatos uniram-se, mas os partidos da direita não estão ao lado dos professores;
estão contra este governo, como se eles não tivessem engordado o insulto aos
docentes!
***
Milhares de professores aprovaram, ante o Parlamento, uma resolução em
que declaram a firme determinação em defender a recuperação dos mais de 9 anos
de serviço em que as carreiras estiveram congeladas. Na resolução, aprovada por cerca 10 mil professores,
segundo cálculos da FNE, os professores exigem a contagem integral do tempo de
serviço para efeitos de reposicionamento e progressão na carreira. E acrescentam que, para satisfação
desta “justa reivindicação”, se declaram “abertos à negociação de uma
recuperação faseada do tempo” que a carreira esteve congelada. Reiteram, no entanto, estarem
indisponíveis para a perda, ainda que parcial, de anos de serviço que foram
cumpridos com “inegável e reconhecido mérito”. Rejeitam novas penalizações,
alegadamente decorrentes de um qualquer regime transitório, e exigem ser
esclarecidos sobre um dos artigos da proposta de OE 2018, exigindo a eliminação,
caso se destine a prolongar a permanência dos docentes nos escalões em que
encontram.
Na resolução
os professores rejeitam “qualquer tipo de discriminação em relação a outras
carreiras da administração pública” e apontam outras exigências relacionadas com
a aposentação, os horários de trabalho e com a necessidade de aprovação de “um
regime justo e transparente de concursos para todos os docentes”.
A
manifestação coincide com uma greve nacional de professores, convocada por
todos os sindicatos do setor, no dia em que, na Assembleia da República, está a
ser discutida na especialidade a proposta do Orçamento do Estado para 2018 (OE 2018) na Educação.
No local,
estiveram representantes de várias estruturas sindicais, da Federação nacional
dos Professores (Fenprof), da Federação
Nacional da Educação (FNE) e da
Frente Sindical de Docentes, constituída no mês passado.
A adesão de 90% do professores à greve nacional e
os 10 mil professores concentrados diante do Parlamento levaram o Governo a
alterar a sua posição negocial. E Mário Nogueira disse ter tomado conhecimento,
pela comunicação social, de que a Secretária de Estado Adjunta e da Educação
declarou que o Governo estava disposto a contabilizar o tempo integral de
serviço dos professores para efeitos de carreira, prometendo ceder aos
professores, mas não já no OE 2018, segundo esclareceu, entretanto, a
governante Alexandra Leitão.
Ora, se o executivo admitiu uma reivindicação que rejeitara no
dia 13 é porque algo levou o Governo a tomar uma decisão que não tomara” na véspera,
quando reuniu com os sindicatos.
Depois
desta “demonstração de força”, o líder da Fenprof antecipa que a “situação nas
negociações” do dia 16 com o Ministério da Educação já terão “outra abertura”,
pois os professores reaparecem com uma “força acrescida”.
***
Pelo
que vem sendo disto, a classe docente está a ser vergonhosamente roubada e
espoliada. Mas há mais: segundo o JN on
line, de 15 de novembro, “os docentes representam 1/6 dos trabalhadores da Função
Pública e 1/7 da massa salarial e, segundo o Governo, a contagem desse tempo de
serviço iria pôr em causa a sustentabilidade dos próximos OE, uma vez que tal
teria um custo total de cerca de 600 milhões”.
Pessoalmente, gostei de saber isso. Ora, se tantos funcionários
públicos ganham tão pouco, sobretudo tarefeiros, assistentes operacionais e
assistentes administrativos, como é que os professores, representando 1/6 trabalhadores
da Função Pública, só representam 1/7 da massa salarial. A conclusão é óbvia: outros
funcionários públicos ou equiparados ganham um balúrdio em relação aos professores
e os professores é que ficam com o ónus orçamental. Bem visto, quanto ganham os
magistrados, os técnico e inspetores tributários e aduaneiros, os altos e médios
escalões militares e policiais, os gestores públicos, os detentores de cargos políticos,
etc.
A classe docente, cujas funções são específicas, está a ser
vilipendiada e espoliada. Que se cuide!
2017.11.15
– Louro de Carvalho
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