quarta-feira, 15 de novembro de 2017

A greve e a manifestação de professores de 15 de novembro de 2017

Ainda não me esqueci do que aprendi enquanto era estudante. Como não era aluno do liceu, tiveram a liberdade de me ensinar, em 1968/1969, pelo manual de “Economía Social o Politica”, de Ernesto Guitart, que a greve era um direito dos trabalhadores a utilizar como último recurso quando as negociações dos representantes dos trabalhadores com a respetiva entidade patronal estivessem esgotadas e sem qualquer luz ao fundo do túnel. Isto, enquanto a propaganda do regime salazarista-caetanista propalava que a greve era um crime público contra a economia, deixando os portugueses submissos ou a fazer arremedo de greve clandestino, como houve várias manifestações reivindicativas juguladas pela GNR em nome da lei e da grei.
Em Portugal, depois da revolução abrilina, dificilmente se encontra alguém que não reconheça publicamente o direito à greve. Porém, vão dizendo que esta é uma greve política (todas o são, enquanto manifestação pública de uma vontade de mudança nas relações sociais e económicas), que aquela é uma greve selvagem, que aqueloutra se volta contra os trabalhadores, que uma dá prejuízo à economia, que outra não faz sentido, que esta não deixou que as negociações chegassem ao fim – e tantas coisas mais para fugirem com o rabo à seringa, enquanto alguns tudo fazem para impedirem intempestivamente a greve ou para minorarem, por vias travessas, os seus efeitos, quer dividindo os trabalhadores, quer arranjando formas de os substituírem, quer pela determinação de serviços mínimos sem que a urgência os dite sempre, quer ainda pela apresentação de números divergentes em relação aos dos decisores da greve.
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Esta greve dos professores faz-nos regressar ao consulado educacional de Maria de Lurdes Rodrigues, que, por causa da divisão da carreira dos professores em professores e professores titulares e pelo mecanismo abstruso de avaliação do desempenho docente, juntou em greves e manifestações de cerca da centena de professores e uniu, pela primeira vez, todos os sindicatos relacionados com a educação. Recordo que foi a sua sucessora Isabel Alçada quem decidiu, pelo decreto-lei n.º 75/2010, de 23 de junho, abolir a distinção entre professores e professores titulares e definir um regime de transição para a progressão na carreira, regime que abortou com o congelamento do tempo de serviço desde 1 de janeiro de 2011, situação que se mantém. Também no atinente à avaliação de desempenho docente (ADD), os partidos da direita parlamentar se colocaram ao lado dos professores (eles que tinham, a par de Cavaco e Marcelo tecido rasgadas loas à Milu) e chegaram ao desplante de, aliados aos partidos mais à esquerda, suscitarem junto do TC (Tribunal Constitucional) a fiscalização sucessiva e abstrata da constitucionalidade de um decreto regulamentar sobre a ADD, o que foi julgado improcedente por o Parlamento não ter que se intrometer na competência regulamentar e administrativa do Governo. Foi aí que Isabel Alçada proclamou a vitória do sistema educativo. Porém, na vigência do Governo PSD/CDS, quando Nuno Crato quis afunilar a carreira docente e definir o regime da ADD, o PSD pôs um dos mais verdes dos seus deputados a defender a política do Ministro e a desdizer o discurso do PSD e do CDS no segundo Governo chefiado por José Sócrates, o que cheirou a pura hipocrisia.
Mas não posso esquecer que o PS fez coisa semelhante a propósito da PACC (Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades) a aplicar aos professores que pretendessem ingressar da carreira. A dita prova foi determinada pela Milu, reiterada por Isabel Alçada e Nuno Crato quis aplicá-la e tentou duas vezes, embora dispensando dela uma série de docentes contratados, até que um TAF a contestou por motivos de inconstitucionalidade e o TC acolheu a contestação pelos motivos invocados. Entretanto, o PS pusera um seu novel deputado a defender a bondade da PACC, o que me pareceu ridículo.
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Agora os docentes debatem-se com vários problemas. Desde que Durão Barroso transformou as escolas em depósitos de crianças, adolescentes e jovens para os pais as terem guardadas, alegadamente fiado nas autarquias e associações que ocupariam os alunos enquanto os professores faziam o trabalho não letivo de planificação de aulas e de avaliação, bem como outros trabalhos de coordenação e articulação (O diretor até nem tinha de ser professor, pois os bons professores podiam não ser bons gestores!), a Maria de Lurdes Rodrigues quis fazer o trabalho de guarda e de apoios com os professores, que ficaram com os meninos nos braços, enquanto as autarquias e as associações ganharam trunfos na escola. Os cargos pedagógicos de coordenação e articulação curricular, bem como os de coordenação das atividades das turmas, deixaram de integrar progressivamente a componente letiva, sem serem pagos à parte em alternativa, como previa o ECD; o tempo superveniente resultante da redução do tempo letivo de 50 para 45 minutos deixou de ser ocupado em tarefas de coordenação e passou a poder ser ocupado sistematicamente com alunos; e inventaram-se mecanismos formais de superação das faltas justificadas e injustificadas dos alunos através de provas ou trabalho equivalentes. Nuno Crato manteve a mesma lógica, embora com outra nomenclatura; e os professores foram sobrecarregados com muito trabalho administrativo e pedagógico de excessivas fichas, grelhas, relatórios, metas curriculares como referência obrigatória na avaliação das aprendizagens, afunilamento da docência em exames e provas escritas parecidas comprovas de exame, aumento do número de alunos por turma, publicação de rankings, responsabilização indevida dos professores por todo o mal que sucede na escola, suposta atribuição de competências discricionárias aos diretores, formação fora do tempo de trabalho, conselhos de turma fora do horário de trabalho… e mais não digo.
Como qualquer trabalhador por conta de outrem, sujeitaram os professores aos mesmos mecanismos de aposentação em termos de idade, tempo de serviço, penalização mensal por cada mês que falte para a idade da reforma/aposentação, índice de sustentabilidade, cálculo da pensão – tudo agravado de ano para ano.
Esqueceu-se de todo a especificidade da função docente. Aliás, premonitoriamente, quando na década de oitenta os sindicalistas me queriam convencer de que os professores eram funcionários públicos como os outros, eu dizia que “havemos de pagar bem caro este enunciado”. Daí até se esquecer a especificidade da função foi um salto longo, mas irreversível. Mesmo assim, compare-se o estatuto da carreira docente na versão atual com as do tempo de Cavaco Silva e Oliveira Guterres quando Primeiros-Ministros – Aníbal António e António Manuel, voltai, que estais perdoados! – e veja-se a diferença.
Ora, os professores precisam de um regime especial de aposentação, os professores precisam de reconhecimento da sua autoridade junto dos alunos frente aos pais e à escola/sociedade, os professores precisam de ser libertados da sobrecarga burocrática e administrativa para poderem preparar com eficiência as lições e fazer a avaliação do seu trabalho, os professores precisam de exercer os cargos pedagógicos e estratégicos com liberdade e eficácia – para o que precisam de tempo, reconhecimento e compensação –, os professores precisam de intervir na sociedade porque não deixam de ser cidadãos qualificados, os professores precisam de remuneração condigna e consentânea com o seu trabalho específico e de ter uma carreira em que possam progredir ao menos como os outros.
E chegamos a um dos pontos principais da greve e da manifestação do dia 15.
Os funcionários públicos tiveram o seu tempo de serviço congelado, isto é, sem contar para efeitos de antiguidade profissional e progressão na carreira desde 29 de agosto de 2005 a 31 de dezembro de 2007 e desde um de janeiro de 2011 até, pelo menos, 31 de dezembro de 2017.
O Governo garantiu que os funcionários públicos em geral, exceto aqueles que estiveram em regime de promoção a um lugar superior em carreiras verticais (vg: militares, polícias e magistrados) terão o descongelamento da carreira a partir de 1 de janeiro de 2018 e para a progressão conta o tempo de serviço de cada um dos anos anteriores em um ponto. E as remunerações decorrentes das progressões resultantes deste descongelamento serão repostas faseadamente em dois anos económicos – o que, apesar de injusto, se entende como razoável dado o caráter não sustentável da economia.
Ora os professores não estiveram no regime de promoções, pois o conteúdo funcional é o mesmo em todos os escalões, a não ser naqueles escalões em que os professores estão em tarefas de coordenação e formação dispensados do serviço letivo (E eu gostava de saber quanto estão nessas condições, a não ser os diretores e os requisitados para outros serviços do Estado e autarquias!). Também não foram objeto de prémios por mérito, a não ser uma meia dúzia de cromos que se candidataram dois ou três anos consecutivos ao prémio de melhor professor, de melhor gestor ou de melhor exemplo em inovação (sabe Deus com que critérios) e quejandos.
Ora, como os professores não são avaliados por pontos, mas por menção a que corresponde um intervalo de valores, o tempo de serviço de 9 anos, quatro meses e 2 dias não conta para nada. Depois, o Governo não se compromete em definir como vai ser a progressão na carreira dos docentes a partir de 1 de janeiro. O Primeiro-Ministro lançou para o ar o número de 43 mil professores que vão progredir. Esqueceu-se é de dizer que esses são os que deveriam ter progredido entre 23 de junho e 31 de dezembro de 2010.
Segundo se sabe, a não definição da progressão dos professores deve-se ao seu elevado número e aos efeitos orçamentais. Porém, o Governo poderia chegar a acordo com os professores quanto ao faseamento. Além disso, o orçamento consente o que se lá inscreve e a política faz-se opções. Só não há dinheiro para o que deve haver. Se mais um banco falir, há dinheiro de certeza, pelo menos no bolso dos contribuintes, e se mais algum fugir com capitais ou os colocar em offshores, é porque havia dinheiro.
Agora os sindicatos uniram-se, mas os partidos da direita não estão ao lado dos professores; estão contra este governo, como se eles não tivessem engordado o insulto aos docentes!
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Milhares de professores aprovaram, ante o Parlamento, uma resolução em que declaram a firme determinação em defender a recuperação dos mais de 9 anos de serviço em que as carreiras estiveram congeladas. Na resolução, aprovada por cerca 10 mil professores, segundo cálculos da FNE, os professores exigem a contagem integral do tempo de serviço para efeitos de reposicionamento e progressão na carreira. E acrescentam que, para satisfação desta “justa reivindicação”, se declaram “abertos à negociação de uma recuperação faseada do tempo” que a carreira esteve congelada. Reiteram, no entanto, estarem indisponíveis para a perda, ainda que parcial, de anos de serviço que foram cumpridos com “inegável e reconhecido mérito”. Rejeitam novas penalizações, alegadamente decorrentes de um qualquer regime transitório, e exigem ser esclarecidos sobre um dos artigos da proposta de OE 2018, exigindo a eliminação, caso se destine a prolongar a permanência dos docentes nos escalões em que encontram.
Na resolução os professores rejeitam “qualquer tipo de discriminação em relação a outras carreiras da administração pública” e apontam outras exigências relacionadas com a aposentação, os horários de trabalho e com a necessidade de aprovação de “um regime justo e transparente de concursos para todos os docentes”.
A manifestação coincide com uma greve nacional de professores, convocada por todos os sindicatos do setor, no dia em que, na Assembleia da República, está a ser discutida na especialidade a proposta do Orçamento do Estado para 2018 (OE 2018) na Educação.
No local, estiveram representantes de várias estruturas sindicais, da Federação nacional dos Professores (Fenprof), da Federação Nacional da Educação (FNE) e da Frente Sindical de Docentes, constituída no mês passado.
A adesão de 90% do professores à greve nacional e os 10 mil professores concentrados diante do Parlamento levaram o Governo a alterar a sua posição negocial. E Mário Nogueira disse ter tomado conhecimento, pela comunicação social, de que a Secretária de Estado Adjunta e da Educação declarou que o Governo estava disposto a contabilizar o tempo integral de serviço dos professores para efeitos de carreira, prometendo ceder aos professores, mas não já no OE 2018, segundo esclareceu, entretanto, a governante Alexandra Leitão.
Ora, se o executivo admitiu uma reivindicação que rejeitara no dia 13 é porque algo levou o Governo a tomar uma decisão que não tomara” na véspera, quando reuniu com os sindicatos.
Depois desta “demonstração de força”, o líder da Fenprof antecipa que a “situação nas negociações” do dia 16 com o Ministério da Educação já terão “outra abertura”, pois os professores reaparecem com uma “força acrescida”.
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Pelo que vem sendo disto, a classe docente está a ser vergonhosamente roubada e espoliada. Mas há mais: segundo o JN on line, de 15 de novembro, “os docentes representam 1/6 dos trabalhadores da Função Pública e 1/7 da massa salarial e, segundo o Governo, a contagem desse tempo de serviço iria pôr em causa a sustentabilidade dos próximos OE, uma vez que tal teria um custo total de cerca de 600 milhões”.
Pessoalmente, gostei de saber isso. Ora, se tantos funcionários públicos ganham tão pouco, sobretudo tarefeiros, assistentes operacionais e assistentes administrativos, como é que os professores, representando 1/6 trabalhadores da Função Pública, só representam 1/7 da massa salarial. A conclusão é óbvia: outros funcionários públicos ou equiparados ganham um balúrdio em relação aos professores e os professores é que ficam com o ónus orçamental. Bem visto, quanto ganham os magistrados, os técnico e inspetores tributários e aduaneiros, os altos e médios escalões militares e policiais, os gestores públicos, os detentores de cargos políticos, etc.
A classe docente, cujas funções são específicas, está a ser vilipendiada e espoliada. Que se cuide!

2017.11.15 – Louro de Carvalho

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