segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Há quase 90 anos que Portugal não enfrentava uma seca tão severa

Não chove, a humidade no solo, no ar e na vegetação é reduzidíssima. Arroios, corgos, riachos, regatos, ribeiros e nascentes (incluindo a do Douro) estão secos. Há regiões onde é escassíssima a água. E o IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera) não prevê chuva significativa para breve, vindo os especialistas a alertar para a possibilidade de secas mais frequentes no futuro e podendo Espanha e Portugal sofrer “secas gigantes” com duração de 15 anos.
O IPMA vem monitorizando o clima de Portugal Continental e, em particular, as situações de seca que ocorrem no território, sendo tal monitorização efetuada com base em dados essencialmente de temperatura e precipitação, obtidos na rede de estações do IPMA.
Deve enquadrar-se a ocorrência de secas em anomalias da circulação geral na atmosfera que geram flutuações do clima em escala local ou regional, pois sabe-se que a nossa situação geográfica é favorável à ocorrência de episódios de seca, quase sempre associados a situações meteorológicas de bloqueio em que o anticiclone subtropical do Atlântico Norte se mantém em posição que impede as perturbações da frente polar de atingirem a Península Ibérica.
Para melhor acompanhamento público do fenómeno, o IPMA passou a monitorizar as secas meteorológicas em Portugal Continental, tendo vindo a efetuar a monitorização da evolução das situações de seca meteorológica, dando indicação mensal do grau de severidade e produzindo uma antevisão da evolução, com cenários baseados em probabilidades de ocorrência de precipitação no médio e longo prazo, extremos climatológicos, risco de incêndio, índices ultravioleta e biometereológicos, gases com efeitos de estufa e previsão de tempo horária a 10 dias, por distrito e concelho.
Para análise da Seca, o IPMA utiliza o índice de seca PDSI (Palmer Drought Severity Indez), desenvolvido por Palmer em 1965 e implementado e calibrado para Portugal Continental em 2003. Entretanto, tem vindo a ser trabalhado um outro índice SPI (Standardized Precipitation Index) , quer internamente, quer pela participação em vários projetos de investigação, como recentemente no projeto “Gestão de Risco em Secas”, com o ISA (Instituto Superior de Agronomia), FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), FCUL (Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) e FCSH (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa).
Como resultado implementou-se a execução regular do índice SPI (Standardized Precipitation Index) por bacias hidrográficas para Portugal Continental que passa também a ser disponibilizado na Monitorização da Seca Meteorológica. O IPMA optou pela produção regular deste índice, que foi considerado pela OMM como o índice aconselhado a utilizar pelos serviços de Meteorologia e Hidrologia do mundo, para caraterizar a seca meteorológica, incentivando a divulgação da informação nos respetivos websites em complemento aos outros índices em uso. A informação da monitorização, além da sua apresentação no portal do IPMA, constitui parte integrante do Boletim Climatológico Mensal (através do índice PDSI) do Instituto.
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Mas o problema não é só da Península Ibérica. Segundo, dados do IPMA, outubro de 2017 foi mais quente do que o habitual na maior parte dos países da Europa. Recorrendo a medições de temperatura de superfície do solo obtida por satélite (em inlês, Land Surface Temperature – LST) o Instituto verificou que a anomalia é pronunciada quando a LST é máxima, tendo a Península Ibérica apresentado um padrão notável de temperatura máxima, com várias regiões no seu noroeste onde a LST apresenta anomalias superiores a 7 ° C. Também se registaram valores de LST anómalos durante a noite, mas não tão elevados.
Note-se que a temperatura da superfície do solo é estimada a partir das radiâncias na banda do infravermelho térmico, medidas pelo sensor SEVIRI a bordo do Meteosat Second Generation a cada 15 minutos, em condições de céu limpo, e que a LST não corresponde às habituais medições de temperatura do ar feitas na estações meteorológicas, podendo existir diferenças entre as duas temperaturas de vários °C. Com efeito, a Satellite Application Facility on Land Surface Analysis, consórcio liderado pelo IPMA e que faz parte integrante do segmento terrestre da EUMETSAT (European Organisation for Meteorological Satellites), disponibiliza aos seus utilizadores estimativas da LST a cada 15 minutos desde 2004.
Mais: a Fração de Cobertura Vegetal observada por satélite (no inglês, Fraction of Vegetation Cover, FVC) sobre Portugal evidencia o stress térmico a que a vegetação tem estado sujeita, com valores inferiores aos valores médios observados em outubro na região. No entanto, é evidente uma área de grandes dimensões com anomalias elevadas de FVC (< -0,2) nos primeiros 10 dias de outubro que corresponde às áreas ardidas dos meses anteriores, enquanto nos últimos 10 dias a destruição da vegetação devido aos incêndios de 15 de outubro torna-se notória. Estes resultados apresentam correspondência com os mapas de áreas ardidas fornecidos pelo ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas).
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Indubitavelmente, o sul da Europa está a aquecer mais rapidamente que a média mundial, sendo que, no final do século, Portugal e Espanha poderão vir a sofrer secas gigantes que vão durar vários anos e partes da Península Ibérica serão transformadas em deserto. Se as piores previsões da Universidade de Newcastle se concretizarem, a partir de 2100 Portugal e Espanha vão ter períodos de 15 anos com níveis de chuva muito baixos. Com efeito, as projeções dos investigadores da universidade britânica baseiam-se em 15 diferentes modelos climáticos usados pelos organismos reconhecidos a nível mundial, como a NASA ou o Instituto Meteorológico Planck.
Embora cada um dos modelos climáticos tenha produzido diferentes resultados, os que preveem “futuras secas extremas” acertaram em anteriores previsões, como sublinham os investigadores em artigo publicado, este ano, no International Journal of Climatology.
Portugal está a atravessar a 8.ª situação de seca severa ou extrema desde 1940, com a mais grave no período entre 2004 e 2006. Espanha, por sua vez, teve três grandes períodos de seca, com a última a durar 5 anos, entre 1990-1995, mas tem vindo a sofrer vários períodos mais pequenos de seca nos últimos anos.
Os investigadores analisaram dados dos 3 maiores rios da Península e referem que, “em todos os modelos climáticos se prevê a intensificação da seca no Douro, Tejo e Guadiana”. E frisam:
Alguns preveem pequenos aumentos nas condições de seca, mas a maioria prevê secas, que podem durar 8 a 15 anos, com médias anuais de chuva muito baixas”.
A seca agravou-se em outubro e está a afetar todo o território de Portugal continental. O mês de outubro foi excecionalmente seco e quente, mesmo o mais quente dos últimos 87 anos, com o valor da temperatura média do ar cerca de 3 graus acima do normal. A situação é de seca severa em 24,8% do território e de seca extrema em 75,2%. Os campos estão secos e sem pastagens, os animais têm cada vez menos alimento e muitos definham e chegam morrer. Rios e albufeiras estão com elevadíssima míngua de água, levando à morte de peixes em barda e ao racionamento de água a muitas das populações, a qual, muitas vezes, tem de ser transportada em comboios e autotanques – o que acontece sobretudo na zona de Viseu, que emoldura uma das cidades a que chamavam o peniquinho do céu por lá chover abundantemente muitas vezes.
Os produtores pecuários deitam as mãos à cabeça desesperados, pois as rações e palha não são suficientes para alimentar os animais. As ovelhas comem o feno espalhado manualmente por trabalhadores devido à falta de pastagens provocada pela seca no Alentejo, como aconteceu, por exemplo, em Mora, a 2 de novembro de 2017.
No que diz respeito à temperatura máxima, o IPMA afirma que se registou o valor médio mais alto desde 1931, cerca de 5º C acima do normal, precisando que “o valor médio da temperatura mínima do ar foi superior ao normal em cerca de um grau centígrado”. O IPMA destaca os novos recordes de temperatura máxima e mínima para o mês de outubro, com especial destaque para o dia 15, o mais quente do mês e aquele em que se verificaram os fogos que provocaram a morte de, pelo menos, 45 pessoas. Lê-se no seu boletim:
Em grande parte do território foram registados dias quentes (temperatura máxima igual ou superior a 30°C), muito quentes (temperatura máxima igual ou superior a 35°C) e noites tropicais (temperatura mínima igual ou superior a 20°C), no período de 01 a 15 de outubro”.
De 24 a 29 de outubro, ocorreram dias quentes, também com temperaturas a rondar os 30 graus. De acordo com o IPMA, ocorreram duas ondas de calor, entre os dias 1 e 16 e de 23 a 30 de outubro, que abrangeram grande parte do território do continente, com exceção do litoral.
A primeira onda de calor teve uma duração máxima de 15/16 dias e está entre as mais longas para outubro, que foi o mês mais seco dos últimos 20 anos, com 30% da precipitação normal para a época. No final de outubro, todo o território de Portugal continental encontrava.se em situação de seca severa (24,8%) e extrema (75,2%), como se disse. Em situações de seca anteriores, verificara-se no início do outono significativo desagravamento da severidade. Ao invés, na atual situação verificou-se em igual período um agravamento das classes de maior severidade, como assegura o IPMA.
E o ano de 2017 deverá estar entre os três anos mais quentes de sempre, segundo revelou a OMM (Organização Mundial de Meteorologia) no dia em que se iniciou a 23.ª Conferência do Clima em Bona, na Alemanha. Este ano ficará, pois, em segundo lugar, acima de 2015, mas abaixo de 2016. Todavia, será o mais quente de sempre sem se verificar o fenómeno El Niño, que afeta temperaturas, correntes marítimas e precipitação, segundo a OMM.
O ano de 2016, em que se verificou um forte El Niño, é o ano mais quente em absoluto, seguido de 2017 e 2015, desde que há registos. O secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, afirmou:
Os três anos mais recentes são os mais quentes já registados e incluem-se na tendência para o aquecimento a longo prazo do planeta”.
O ano de 2017 ficou marcado por acontecimentos climáticos extremos de intensidade inédita, como os furacões nas Caraíbas e no Atlântico, temperaturas de 50º na Ásia e a seca na África austral. Petteri Taalas sublinhou:
Vários destes fenómenos – os estudos científicos revelarão exatamente quantos – têm a marca do aquecimento global provocado pelas concentrações de gases de efeito estufa libertados pela atividade humana”.
Contando de 2013 a 2017, está-se perante os 5 anos mais quentes de sempre, com o solo calcinado, a vegetação reduzida a cinzas e a terra em vias de erosão, bastando que, para o efeito, o corra m momento de precipitação forte de enxurrada.
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Como se deixou entender, está a decorrer em Bona, na Alemanha, a 23.ª Conferência do Clima.
Os representantes de 196 países deverão, entre os dias 6 e 17, chegar a acordo sobre a aplicação das regras definidas em Paris para manter o aquecimento global abaixo dos 2º C em relação à época pré-industrial. Comparando com níveis de 1750, a concentração de dióxido de carbono aumentou 1,5 vezes e a de metano duas vezes.
A OMM, afirmando que a tendência verificada leva a um caminho perigoso e que a concentração de gases de efeito estufa continua a aumentar, salienta:
O oceano absorve até 30% das emissões anuais de dióxido de carbono produzidas pelos humanos, mas isso tem um custo para os corais, a aquicultura e o equilíbrio químico dos mares”.
A secretária-executiva da conferência, Patricia Espinosa, defendeu que o encontro “deve servir de trampolim para todos os países e setores da sociedade, que serão chamados a rever em alta as suas ambições para o clima”.
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A seca postula, em situação de emergência, a poupança de água, a sua distribuição racional e extraordinária por quem mais precisa e a solidariedade na afetação de recursos a pessoas e animais e a culturas essenciais, bem como a atenção à iminência de incêndios e à vigilância sobre incendiários e eventuais fenómenos que provoquem o fogo ou o potenciem, com o necessário combate a mobilizar pessoas e meios, em termos de abnegação, coordenação, racionalidade, profissionalismo, voluntariado e adequação.
Porém, embora sejam necessários os programas e as comissões e equipas de emergência, tudo passa pelas medidas estruturantes, como: reordenamento florestal, com predominância das espécies autóctones, diversificação de plantações, rasgamento de vias de acesso, aceiros, pontos de água, charcas, intercalação com campos de cereal e leguminosas; diversificação de culturas agrícolas e equilíbrio entre cultivo de sequeiro e de regadio; incentivo ao povoamento humano, vegetal e zoológico do Interior; aumento de cotas nas barragens existentes; construção de grandes barragens para produção elétrica, regadio e abastecimentos de água aos aglomerados populacionais; ramificação de canais para irrigação por vastas áreas, implementação, sempre que adequado e possível da rega gota a gota; recuperação e reciclagem de águas residuais e das barragens de produção hidroelétrica – sem pôr uma barragem, necessariamente, a servir para tudo ou, necessariamente, só para uma coisa
Se o homem nada fizer, as alterações climáticas desertificarão o território. Ora, é preciso intervir para garantir mais elevados níveis de humidade nos solos, na vegetação e no ar, conseguir uma temperatura ambiente mais moderada e a amplitude térmica menos acentuada e, se possível, obter condições de maior e melhor precipitação. Por outro lado, há que drenar alguns solos e criar mecanismos de recuperação de águas efluentes dessa drenagem, desentupir periodicamente arroios, corgos, riachos e ribeiros, sarjetas e aquedutos e dragar estuários, rias e simples fozes.
Deixemo-nos de lamentos, circunscrição a poderosos interesses; façamos mais política eficaz e mais e melhor obra.

2017.11.13 – Louro de Carvalho    

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