No passado dia 18 de outubro, no rescaldo
incendiário do fim de semana anterior, O Presidente da República, a partir dos
Paços do Município de Oliveira do Hospital, fez um discurso aparentemente muito
duro, que deixou perplexos observadores habitualmente menos atentos.
Com efeito, face ao cenário de destruição geral que varreu o país de alto a baixo e de lado a lado, mas com especial incidência na Região Centro, o Professor de Direito Público repetiu algo que todos sabemos, mas que soube a ameaça, segundo uns, e a colagem, segundo outros. Todos sabemos que os deputados, nomeadamente os que lhe garantem a existência, têm de decidir se querem manter um governo ou substituí-lo. A novidade reside apenas em tal asserção ser proferida como resposta ao desaire daqueles dias, em que, além das largas dezenas de feridos, se juntaram 45 vítimas mortais às 65 já herdadas dos incêndios de Pedrógão Grande (e concelhos limítrofes) de 17 a 22 de junho. Por outro lado, já se sabia que o CDS/PP tinha em curso a apresentação da sua moção de censura ao Governo. Quereria o Presidente que António Costa solicitasse uma moção de confiança, sendo o resultado o mesmo em termos de reforço da legitimidade governativa. Porém, para o leque partidário que viabiliza o Governo, era mais difícil a aprovação positiva de moção de confiança que a negação do voto favorável a moção de censura, compatível com umas críticas que, entretanto, pudessem (e puderam) fazer ao Governo.
Seria intenção de Marcelo provocar António
Costa? Então, se é assim tão efetivamente poderoso o Presidente, que o tivesse
dito. Poderia ter exonerado o Primeiro-Ministro, alegando a garantia do regular
funcionamento das instituições democráticas, ou dissolvido o Parlamento,
invocando a excecionalidade da situação. Porque não o fez? Teve receio de que
novas eleições legislativas não viessem a configurar novo ciclo político, como
esperava das autárquicas? No entanto, insiste em falar de um novo ciclo… Com os
mesmos protagonistas? A remodelação governamental limitou-se à criação de uma
nova Secretaria de Estado, exoneração de uma Ministra, passagem de um titular
duma pasta para outra e entrada de uma nova figura para a pasta ministerial que
vagara!
Com efeito, face ao cenário de destruição geral que varreu o país de alto a baixo e de lado a lado, mas com especial incidência na Região Centro, o Professor de Direito Público repetiu algo que todos sabemos, mas que soube a ameaça, segundo uns, e a colagem, segundo outros. Todos sabemos que os deputados, nomeadamente os que lhe garantem a existência, têm de decidir se querem manter um governo ou substituí-lo. A novidade reside apenas em tal asserção ser proferida como resposta ao desaire daqueles dias, em que, além das largas dezenas de feridos, se juntaram 45 vítimas mortais às 65 já herdadas dos incêndios de Pedrógão Grande (e concelhos limítrofes) de 17 a 22 de junho. Por outro lado, já se sabia que o CDS/PP tinha em curso a apresentação da sua moção de censura ao Governo. Quereria o Presidente que António Costa solicitasse uma moção de confiança, sendo o resultado o mesmo em termos de reforço da legitimidade governativa. Porém, para o leque partidário que viabiliza o Governo, era mais difícil a aprovação positiva de moção de confiança que a negação do voto favorável a moção de censura, compatível com umas críticas que, entretanto, pudessem (e puderam) fazer ao Governo.
***
Marcelo, que soube dizer
que não houvera ainda tempo de tirar consequências dos relatórios entregues há
poucos dias ao Governo e tomar as medidas adequadas – mas se esqueceu de o
acusar de não ter aprendido nada com os factos de junho – disse que esta era a
única oportunidade que o Governo tinha de mostrar o que valia em termos do zelo
pelo interesse público, ou seja, segundo alguns, exigiu ao Governo mudança de
vida e acusou Costa de não ter, até então, entendido o que se passou no país (esqueceu o Conselho de
Ministros extraordinário agendado para o sábado seguinte!). E prometeu atuar até
ao limite dos seus poderes constitucionais (aliás acima discriminados) se não houver uma
mudança de vida consistente.
Chegam a dizer que o discurso configurou a demissão em público
da Ministra da Administração Interna, que já estava agendada, pelos vistos. Só
me pergunto porque não foi exonerado o Ministro da Defesa, que não conseguiu
assegurar a defesa de instalações militares nem empenhar de forma racional e
eficaz os militares no apoio à situação materialmente calamitosa que o país
viveu e, quando fala mete os pés pela mãos e vice-versa, sem nada vir a ser
esclarecido; o Ministro do Ambiente (inocente
nisto tudo);
o Ministro da Agricultura, que diz uma coisa e o seu contrário, como, por
exemplo, que a gestão do Pinhal de Leiria era a adequada, mas admitiu que possa
ser alterada. Ora, há uns dez anos, não se investe na sua limpeza… por outro
lado, em gestão adequada não se mexe, a não ser por capricho pessoal ou
político.
O
Presidente disse esperar que o Governo
“Nessas decisões não se esqueça daquilo que nos últimos dias confirmou
ou ampliou as lições de junho e olhe para estas gentes, para o seu sofrimento
com maior atenção ainda do que aquela que merecem os que têm os poderes de
manifestação pública em Lisboa”.
Segundo
a revista “Visão”,
“A gestão do governo das tragédias – envolta na frieza caraterística do Primeiro-Ministro,
com a ajuda da ministra da Administração Interna a aludir às ‘férias que não
teve’ e a pedir ‘resiliência’ às populações em chamas ou o Secretário de Estado
Jorge Gomes a dizer que cada um dos cidadãos não podia estar à espera do Estado
– foi massacrada em várias passagens do discurso do Presidente. Segundo
Marcelo, até ao momento, Costa e o seu Governo têm demonstrado não ter entendido
nada do essencial do que se passou no nosso país”.
E
Marcelo foi duro:
“Podemos e devemos dizer que a única forma de verdadeiramente pedir
desculpa às vítimas de junho e outubro – e de facto é justificável que se peça
desculpa [coisa que o governo sempre recusou fazer até há pouco] – é, por um
lado, reconhecer com humildade que portugueses houve que não viram os poderes
públicos como garante de segurança e de confiança; e, por outro lado, romper
com o que motivou fragilidade ou motiva o desalento ou a descrença dos
portugueses”.
Marcelo
é arrogante, duríssimo e provocante ao dizer:
“Quem não entenda isto, humildade cívica e rutura com o que
não provou ou não convenceu, não entendeu nada do essencial do que se passou no
nosso país”.
***
Fala-se bem quando se joga com o drama das
pessoas sem se ter a responsabilidade de lhes dar resposta e sendo duro para
com os presumíveis e nominais responsáveis pela alocação de meios.
Às vezes ainda penso como agiria Marcelo se
tivesse as funções de Primeiro-Ministro ou de um dos Ministros com visibilidade
executiva. O único lugar executivo que teve foi o transitório de Ministro dos
Assuntos Parlamentares (1982-1983)
num Governo de Pinto Balsemão, tendo sido antes Secretário de Estado dos
Assuntos Parlamentares (1981-1982).
No entanto, não podemos deixar de pensar que
Marcelo sempre foi uma pessoa muito influente. E a influência é importante
forma de poder, embora informal. Não foi preciso aparecer o Presidente Mário
Soares a invocar, para lá dos poderes formais, como prerrogativa presidencial a
chamada magistratura de influência que todos os Presidentes da República
utilizaram, embora cada um a seu modo. Estranho modo de exercer o poder de
influência era o de Américo Thomaz: falar de improviso em cerimónias públicas
menos formais, para não ter de ler discurso alheio; falar com insistência ao
interlocutor a convencê-lo deixando-o em pose incómoda até ele ceder; ou dizer
a Salazar que, a adotar tal ou tal solução, teria de arranjar outro Chefe de
Estado.
Marcelo, além da influência social e política de
bastidores, sempre usou da pena e da voz para se pronunciar sobre tudo e todos,
atribuindo notas a vários políticos, nem sempre da forma mais adequada e justa,
através da Imprensa em que sobressaía o Expresso
e, sobretudo, através dos comentários televisivos. Quem não se lembra dos
juízos negativos de valor que fazia sobre os ministros de Santa Lopes e do
próprio Primeiro-Ministro? Confesso que durante uma boa temporada era assíduo
espectador da TVI para ouvir Marcelo. Se nem sempre concordava com as suas
asserções, ficava a saber dos factos principais da semana. Deixei-me disso
quando ele se tornou mais importante que os factos ou mudou de figurino
passando a responder de qualquer forma a perguntas de telespectadores e a
abordar os diversos temas de forma muito superficial e a fugir do âmago das
questões quando poderia sentir-se minimamente envolvido. Depois, falava
sistematicamente ex-catedra com
expressões como: “as pessoas não sabem”; “o povinho não percebe”; “é assim,
ponto final, parágrafo”; “qualquer estudante do 1.º ano de direito o sabe” … –
ou corrigindo expressões do português nem sempre de forma mais ajustada.
Contudo, movia meio mundo com iniciativas do
género de concursos, oferta de livros, certames, prendas a e de entrevistadores…
Antecipava notícias, soluções, factos; perguntava; e retratava-se quase
humildemente com os reparos de A ou C, que lhe chegavam por telefone, e-mail ou cartas.
***
Foi com base neste seu estilo polífono e
polígrafo que se atreveu a candidatar-se a Belém quase como “o candidato” entre
a dezena de candidatos que se perfilaram (sem contar a dúzia das não concretizadas). Na campanha, sem
ideias e comícios fortes, valeu-lhe o capital acumulado na comunicação social e
nas poucas iniciativas políticas tomadas, como a exigência dos referendos para
a IVG e para a regionalização, o ataque ao totonegócio, uma tentativa de AD. E
a sua deambulação pré-presidencial pelo país foi um passeio de convivência,
afetos, fogaças, copos, conversas e uma peregrinação para Belém, aonde Marcelo
podia chegar a cavalo, de automóvel, de elétrico, de autocarro, de comboio, de
metro, de barco, de avião, de helicóptero ou a pé (o que fez no percurso entre a casa em que
pernoitou e o Palácio antes a tomada de posse). Enfim, chegou a
Belém praticamente sem gastos eleitorais, como o avozinho simpático a mimar os
netinhos.
E o passado dia 5 de junho comprova esse estatuto
de proximidade em todo o lado (feito
Papa Francisco civil), com todas as pessoas e de afetos. Com efeito,
segundo a Comunicação Social de então, o Chefe de
Estado escolheu a casa onde nasceu Manuel de Arriaga para homenageá-lo, para
receber líderes partidários açorianos e destacar as qualidades do primeiro
Presidente da República, considerando-o “um
homem de diálogo” e “um pacificador”.
De
visita à ilha do Faial, nos Açores, mais precisamente na cidade da Horta, o Presidente
recebeu em breves audiências os líderes parlamentares dos seis partidos com
assento na Assembleia Legislativa Regional dos Açores, na casa em que nasceu Arriaga,
para conhecer as visões dos diferentes partidos sobre a situação política,
económica e social do arquipélago, mas também enfatizar um estilo de
presidência. A escolha do local dos encontros “não
foi por acaso”, admitiu Marcelo, que quis homenagear o perfil político de
Arriaga. E disse:
“Foi um Presidente
da República muito importante porque foi um pacificador e um homem de diálogo
num período complexo do nascimento da república portuguesa”.
Marcelo considerou
que hoje a situação política do país é distinta, pois “a democracia portuguesa
está estabilizada, a república portuguesa está estabilizadíssima”. E
acrescentou que “o papel do Presidente Manuel Arriaga era muitíssimo mais
complicado do que o papel do atual Presidente da República”. Não obstante não
rejeita a comparação com o antecessor, bem pelo contrário. Garantiu que, ao
ouvir os partidos açorianos, além do Governo Regional, melhora o estado da
“democracia”, à semelhança do que fez Manuel de Arriaga noutros tempos. E disse
que “as semelhanças estarão porventura
na forma como ele tentou conduzir o seu magistério presidencial”, descrevendo:
“com paciência, com diálogo, com o
estabelecimento de pontes, e de plataformas”. Admitiu que “é muito mais
fácil fazer isso hoje do que era no arranque da primeira república”. Porém,
Marcelo sabe que a “paciência” também se faz com popularidade e a do atual
presidente ganha pontos a cada dia que passa, na descrispação e pontificação.
***
Todavia,
Marcelo não se limita à magistratura de influência; pratica a de interferência.
Chegou a estar com o Governo, a ir a reboque das decisões governativas e a
antecipar-se ao Governo e ao Parlamento. Quis as celebrações do Dia de
Portugal, presididas por si, também fora da Europa; atirou-se ao acordo
ortográfico, sem êxito; impôs um regime de transição na avaliação externa dos
alunos do ensino básico; interferiu na questão dos contratos de associação do
ME com os colégios; condicionou a reforma da gestão da flexibilização
curricular com base no perfil do aluno para o século XXI; interveio nas
questões do BPI e da CGD; impôs uma interpretação dum decreto-lei (sobre a CGD) que promulgou atrelando a si o Governo, os partidos
e o TC; pôs publicamente Centeno em xeque (CGD/MF); propôs um pacto da justiça entre os operadores da justiça para induzirem
os partidos; abordou a hipótese de uma revisão constitucional (o que Aníbal
também fizera arrastando atrás de si um chorrilho de críticas); dá opinião antes da produção dum normativo legal;
explica porque promulga ou não diplomas do Governo ou do Parlamento; fala de
tudo e mais alguma coisa; queixa-se de que, quando vira à direita, a direita
está entretida com a esquerda; estrangula pretensões da direita e abafa
excessos da esquerda, mas ampara as duas.
O Presidente
mudou? Não. Mudaram algumas circunstâncias e palavras (Vulpes mutat pilum, non mores). E Costa teve de abandonar alguma frieza e algum
otimismo, de que Marcelo o acusava tácita e explicitamente. Gosta do Governo?
Este não é o Governo da sua área. Dá-se bem com ele? Que remédio! Demite o
Governo ou dissolve o Parlamento? Não, pelo menos enquanto não se convencer que
a solução pode ser inequivocamente favorável à formação antissituacional.
Furto e
recuperação de armas, incêndios, catástrofes? Quer tudo investigado, doa a quem
doer; e tudo bem explicado. Sim, senhor inquiridor. Sim, senhor professor. Há
casas a reconstruir, plantio a repor, animais a recuperar ou a reproduzir? E vem
a sentença: “É tempo
de ‘arregaçar as mangas’ e reforçar compromisso com os cidadãos”; “a ‘solidariedade
institucional’ entre os órgãos de poder passa por um compromisso com os
portugueses”; “já todos reconheceram os erros, até António Costa reconheceu que
o Estado falhou”.
Quanto a
críticas ou à hipótese de o Governo ter ficado chocado com o país, Marcelo, o
detentor daquele poder que paira sobre a terra, sobre as pessoas, sobre o tempo
– um poder superior, que tudo tem a exigir (muito mais que um poder
moderador) – reage respondendo
que só fica chocado quem vê que não se choca com o estado do país quem o devia
fazer, devendo tratar de agir.
***
Em entrevista
à TVI, António Costa foi questionado repetidamente sobre a comunicação ao país
do Presidente na sequência dos incêndios de outubro, mas escusou-se a responder
se sentiu deslealdade, traição ou choque face a esse discurso. E declarou:
“Um
dos bons contributos que o Primeiro-Ministro deve dar para um bom relacionamento
institucional do Presidente da República é não comentar a atividade do
Presidente da República”.
E alegou, em
seguida:
“Aos cidadãos o que
interessa é que o Primeiro-Ministro tenha com o Presidente da República uma
relação franca, leal, de cooperação institucional, que tem sido muito saudável
para o país, e que seria uma enorme perda para o país que fosse prejudicada. […].
O país já tem um excesso de problemas para acrescentar os problemas
institucionais ao que já existe. Já chega o que há.”.
Interrogado
sobre o clima de crispação entre o executivo e o Chefe de Estado, Costa
rejeitou qualquer contributo seu nesse sentido: “Da minha parte, não há crispação
nenhuma”.
E, entre
congratulação e advertência, lá seguirá como até a agora a relação Belém/São
Bento!
2017.11.01 – Louro de Carvalho
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