quinta-feira, 16 de novembro de 2017

O ziguezague do Governo com os professores

No dia 14 de novembro, por convocação urgente do Governo, ocorreu a reunião com os sindicatos em que era sabido o Governo não ter dinheiro para prover ao descongelamento do tempo de serviço de 9 anos, 4 meses e 2 dias nem conseguir definir o modo como seria a progressão na carreira docente a partir de 1 de janeiro de 2018.
Em pleno ambiente de greve e agitação coletiva da classe, transpirou para a Comunicação Social a ideia de que o Governo reponderava a situação, mas sem afetar o OE 2018.
De qualquer modo, os sindicatos aproximavam-se da reunião de hoje com representantes do Governo, dia 16 com algumas, embora baixas, expectativas.
Agora, sabe-se que esta primeira reunião com os sindicatos, no Ministério da Educação, a seguir à greve e à manifestação – em que os professores assinaram e entregaram uma resolução de não prescindirem da contagem de todo os tempo de serviço, embora admitindo um faseamento dentro da razoabilidade – acaba por terminar sem acordo possível. O executivo assume que só poderá prever verbas para este efeito a partir de 2021, atirando o impacto orçamental de tal medida para o próximo Governo – proposta que os sindicatos rejeitam.
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Em entrevista ao Expresso, o secretário-geral da Fenprof dizia que mais ações de luta poderiam ser anunciadas no final das reuniões desta tarde, caso o Governo não respondesse positivamente às pretensões dos sindicatos.
A ida dos sindicatos dos professores ao Ministério da Educação visava saber de que forma e quando está o Governo disposto a concretizar o que prometeu no dia 15, em contexto de protesto e agitação, ou seja, contar o tempo de serviço que esteve congelado para efeitos de progressão na carreira, tal como está previsto para a maioria dos funcionários públicos.
Na aludida entrevista, Mário Nogueira, promete mais ações de luta se a reunião não começar com um dado adquirido: “o tempo de serviço prestados pelos professores durante os anos em que a carreira esteve congelada vai ser recuperado”.
A contagem do tempo de serviço daqueles 9 anos, 4 meses e 2 dias é para os professores um dado adquirido, não lhes passando pela cabeça que “assim não seja”. Se lhes disserem que apenas uma parte será recuperada, obviamente que não continuarão a discutir como se recupera essa parte. O Governo já percebeu que não se aceita isso. Nem passa pela cabeça dos sindicatos que o Governo, que termina o seu mandato em 2019, venha dizer que o tempo só começa a ser recuperado em 2021. A razão por que Nogueira falava 2021 é o facto de, a meio da audição parlamentar do dia 15, quarta-feira, a Secretária de Estado Alexandra Leitão ter acabado por dizer que esse compromisso não ficaria inscrito no Orçamento do Estado para 2018, o que não é aceitável. Tem de ficar lá um sinal para 2018 e tem de haver mais do que um sinal já em 2019.
Mais tarde, segundo o secretário-geral da Fenprof, os sindicatos souberam os jornalistas participaram num encontro no Ministério das Finanças, onde se terá explicado que não havia folga orçamental até 2020 e que o Governo ia propor o início da recuperação do tempo apenas em 2021. Mário Nogueira diz que isso é “brincar com o fogo, porque já se viu que os professores estão muito indignados e zangados com esta desconsideração a que estão a ser sujeitos”. E, nas palavras daquele dirigente da fenprof, “uma coisa é o Governo assumir um compromisso que se prolonga no tempo” e outra coisa é “negociar algo que é para começar a ser aplicado por outro Governo”. E refere o caso que sucedeu no tempo de Cavaco Silva enquanto Primeiro-Ministro, nos anos 90, em que “uma portaria veio fixar os termos em que o tempo que havia sido congelado ia ser recuperado” e, depois, isso passou de um Governo para o outro, vindo a ser cumprido nos anos até 1998. Agora não podem dizer aos professores que o início do processo fica para a próxima legislatura, em que eventualmente o Governo seja outro.
Ao ser questionado se os professores se terão precipitado quando gritaram “vitória”, no final da manifestação de quarta-feira em frente à Assembleia da República, Mário Nogueira explica:
Essas manifestações de satisfação surgiram por outra coisa. Foi pelo anúncio do compromisso de que todos os professores que entraram na carreira de 2013 para cá e que estavam retidos no 1.º escalão iam ser reposicionados nos escalões devidos, já em 2018, em função do tempo de serviço que tinham quando vincularam. Também é verdade que as pessoas ficaram muito satisfeitas por saber que, no Parlamento, a Secretária de Estado tinha iniciado o debate precisamente com a afirmação de que o tempo de serviço dos professores ia ser recuperado.
Não há uma precipitação dos professores; há, antes, o recuo do Governo ou a excessiva cautela ao dizer as coisas em meio tom e em meio teor dando a impressão do ziguezague. Pode, a meu ver falar-se de miragem dos professores, que terão querido ver nas palavras de Alexandra Leitão a concretização dos desejos de quem se sente injustiçado e lhe parece que tal injustiça vai desaparecer a prazo e por etapas – como o sedento que através o deserto e, a dado momento, tem a miragem de avistar um tufão de paisagem verde e um fonte com água.
Porém, Nogueira, que no seu discurso perante os manifestantes acusou a pedra de toque da mudança de linha do Governo, refere agora que Alexandra Leitão veio a acrescentar que “nada vai ficar previsto no Orçamento do Estado de 2018. E parece que agora só o será a partir de 2021. Sendo assim e se os professores tivessem sabido disso, provavelmente não teriam terminado o protesto como o terminaram.
Isto pode querer dizer que os professores ainda vão acreditando no Governo e tentam minimizar a acutilância do protesto e sabiamente sabem que “não é com vinagre que se caçam moscas”. Por outro lado, também não é com demissões imediatas que se resolvem os problemas. Às vezes, fritar a peça em lume brando resulta mais eficaz a prazo.
Pelas palavras de Nogueira, deduz-se que, mesmo com o insucesso da reunião, os professores querem crer nas negociações e tudo farão para que elas se mantenham e ganhem sucesso. Dizia ele cautelosamente em resposta à questão se “só mais logo então saberão com o que contar”:
Estamos num processo negocial, que se iniciou na terça-feira [dia 14] e que vai prosseguir, esperamos que com um final feliz. Se for infeliz, os partidos ainda podem apresentar propostas de alteração ao Orçamento do Estado até ao final da semana.”
E se o Governo não mudar nada, isto é, se disserem que não se recupera o tempo todo ou que vamos recuperá-lo, mas só a partir de 2021, provavelmente à saída das reuniões “diremos o que faremos”.
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Alguma expectativa que chegou a ser criada sobre um possível acordo em reuniões dos sindicatos com o ME acabou por desaparecer. Segundo o porta-voz da frente sindical que reúne oito sindicatos, António Tojo, o Governo propôs tudo o que os professores já tinham dito não estar dispostos a aceitar: o tempo de serviço a ser recuperado e a contar para efeitos de progressão na carreira será apenas parcial – 7 anos dos 9 e meio em que as carreiras estiveram congeladas – e os efeitos orçamentais da medida só começariam a fazer sentir-se na “próxima legislatura”. “São premissas impossíveis de aceitar pelos sindicatos”, declarou António Tojo à saída da reunião com as secretárias de estado da Educação e do Emprego Público.
O porta-voz da frente sindical garantiu que “todas as formas de luta estão em cima da mesa” e que os sindicatos vão articular-se nesse sentido, pois, como disse, “os professores estão unidos”.
De acordo com António Tojo, o Ministério da Educação irá enviar aos sindicatos um documento enunciando a posição do Governo.
De facto, esta semana tem estado a ser marcada por sinais divergentes do Governo em relação à gestão do dossiê do descongelamento das carreiras e da contagem do tempo de serviço, prevista para a maioria das carreiras da função pública, mas não para os professores. A princípio, o Governo garantiu a impossibilidade de recuperar o tempo congelado – o cronómetro voltaria a contar em 2018, o que não significa que as carreiras sejam reconstruídas como se o tempo não tivesse sido congelado, como foi explicando o Primeiro-Ministro, que disse compreender as razões dos professores. Já na terça-feira à noite, Costa disse que recuperar todo o tempo de serviço e em simultâneo para os professores era impossível, pois custaria 650 milhões de euros. E mesmo admitindo a recuperação faseada no tempo era “muito difícil encontrar uma solução financeiramente sustentável”. No entanto, na quarta-feira, dia de greve dos professores e dia de discussão do orçamento na especialidade, a Secretária de Estado Adjunta e da Educação anunciou que ia ser encontrada “alguma forma de recuperar o tempo de serviço”. Essa forma foi apresentada esta quinta-feira, mas não é aceite pelos sindicatos.
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Porém, sabe a hipocrisia a declaração do líder parlamentar do PSD Hugo Soares que entende como “evidente” que na administração pública as progressões nas carreiras têm de ser descongeladas “o mais urgente possível” e que o PSD queria fazê-lo.
Hugo Soares, acusou, no dia 15, a propósito da greve, o Primeiro-Ministro de “falta de vergonha” na questão do congelamento da progressão das carreiras dos professores, por ter alegadamente imputado responsabilidades ao anterior governo. Diz o líder parlamentar aos jornalistas, à margem duma visita ao pinhal de Leiria:
Este é um padrão recorrente de falta de vergonha do doutor António Costa. E quero dizê-lo com estas letras todas e desta forma: quem congelou a progressão das carreiras foi o Governo do engenheiro Sócrates. Quem levou o país à pré-bancarrota foi o Governo do engenheiro Sócrates, onde o Dr. António Costa foi número dois na altura e durante muito tempo, de resto durante todo o consulado do engenheiro Sócrates, foi número dois no Partido Socialista.”.
E acrescentou com todas as suas certezas:
Se o Dr. António Costa tem vergonha de ter estado com o engenheiro Sócrates, quer no partido, enquanto dirigente e número dois, quer no Governo, então o Dr. António Costa que o assuma. Agora, o que ele deve também é ter vergonha de constantemente não assumir as suas responsabilidades.”.
Hugo Soares opina que o Governo “anuncia todos os dias que virou a página da austeridade” e que o país é hoje “absolutamente sustentável”, com “crescimento esmagador, que já não há qualquer tipo de problema de consolidação das finanças públicas”, mas que, afinal “criou um conjunto de expectativas, de ilusões, em vários setores” da sociedade. Ora, atualmente, “tem de governar e tem de saber corresponder”. E, considerando que na administração pública as progressões nas carreiras têm de ser descongeladas o mais urgente possível e que o PSD queria fazê-lo, enfatizou:
Agora, o Governo que virou a página da austeridade, que é precisamente o Governo do mesmo partido que as congelou, que encontre as soluções porque é a eles que compete governar. E que assuma as responsabilidades de uma vez por todas e se deixe deste passa culpas constante, que chega até a ser ridículo e na política o ridículo também mata.”.
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A troika foi-se embora no tempo do PSD/CDS e ninguém os ouviu preparar, prometer ou falar em descongelar carreiras. Portanto, a única esperança que podia ter de o PSD descongelar as carreiras na administração pública era se nestes dias Marcelo dissolvesse o Parlamento e convocasse eleições o mais cedo possível, vindo o PSD ganhar com maioria absoluta. Seria que outro deputado não viria desdizer no Parlamento este discurso de Hugo Soares? 
É certo que Sócrates deixou o país de tanga, mas Passos dançou o tango com ele e Catroga gabou-se do bom programa de ajustamento que ajudou a gizar com a troika. Em que ficamos?
Quanto ao Governo, ficam-lhe mal estes ziguezagues. Deveria ter estudado melhor a questão do descongelamento das carreiras e preparar um programa equitativo para todos os trabalhadores da administração pública, não excluindo nenhum setor, sobretudo o dos professores, que já levaram com todo o tipo de medidas sem que alguém matute na especificidade da sua profissão, que requer autonomia, respeito, competência, profissionalismo, liberdade, segurança, autoridade, remuneração e reconhecimento.
O debate do OE 2018 está na fase de especialidade. Bem poderia incluir um sinal da boa vontade do Governo, a reforçar no de 2019. Se o faseamento para todos não era possível em dois anos, que o fosse, por exemplo, em três, mas que se iniciasse sem exclusões!
A política faz-se de opções sustentáveis e equitativas. Lágrimas de crocodilo dispensam-se!
2017.11.16 – Louro de Carvalho

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