segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Esquerda dita: com a votação final global ficou aprovado o OE2018

O resultado final
PS, BE, PCP, PEV e PAN aprovaram hoje, dia 27 de novembro, a versão final do Orçamento do Estado para 2018, faltando apenas a redação final do texto da lei a cargo da comissão de Orçamento e Finanças, após o que ser á enviado para Belém a fim de ser promulgado e entrar e vigor a 1 de janeiro pf. PSD e CDS votaram contra. PS e BE divergiram em relação à taxa sobre as energias renováveis, crise que marcou a tarde.
A proposta fora aprovada na generalidade em 3 de novembro com os votos favoráveis de PS, BE, PCP e PEV, contra de PSD e CDS-PP e a abstenção do PAN que, na votação final global, decidiu votar a favor. Após a aprovação na generalidade, e durante de duas semanas, houve no parlamento reuniões setoriais com os ministros das várias pastas.
Agora os comunistas sustentam que tudo o que é positivo tem o selo do PCP, enquanto os bloquistas condena a “deslealdade” do PS, mas votando a favor para “honrar a palavra”. O CDS condena devoluções em “suaves prestações até 2019” e impostos agravados já. O PSD diz que é uma “mentirela” a ideia de que já não há austeridade
Nos passados dias 22, 23 e 24, foram discutidas e votadas várias propostas de alteração na especialidade, tendo sido aprovadas, além das apresentadas pela bancada socialista, mais de 70 propostas de alteração dos grupos outros grupos parlamentares, sendo apenas duas do CDS e nenhuma do PSD.
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Principais medidas, aprovadas na especialidade, que vão constar do OE2018
- Escalões do IRS e outras alterações. O número de escalões do IRS aumenta de 5 para 7, tendo sido desdobrados os 2.º e 3.º escalões: será tributado a 14,5% quem ganha até 7.091 euros, a 23% quem tem rendimentos anuais entre aquele valor e os 10.700 euros, a 28,5% os que auferem entre 10.700 e 20.261 euros, a 35% o intervalo de rendimentos entre os 20.261 e os 25 mil euros e a 37% os entre os 25 mil e os 36.856 euros. Para os dois últimos escalões, a taxa dos contribuintes que ganham entre os 36.856 euros e os 80.640 fica nos 45% e a dos que ganham mais do que 80.640 euros fica nos 48%. O mínimo de existência, que determina o nível de rendimento até ao qual trabalhadores e pensionistas ficam isentos de IRS, passará a abranger também os profissionais liberais. E a fórmula de cálculo foi alterada para que deixe de ter um valor fixo (agora é de 8.500 euros) e passe a ser atualizado em função do IAS (Indexante dos Apoios Sociais), com a “cláusula de salvaguarda” para garantir que, pela aplicação desta fórmula, nunca possa resultar que o mínimo de existência seja inferior ao valor anual do salário mínimo.
- Carreiras na Administração Pública. Os trabalhadores da Administração Pública que, nos últimos 7 anos de carreiras congeladas, reuniram as condições necessárias vão ter direito a progredir. O acréscimo salarial correspondente à progressão será pago de forma faseada: em 2018 serão pagos 25% em janeiro, 25% em setembro; em 2019, recebem 25% em maio e 25% em dezembro. No caso das carreiras cuja progressão alegadamente depende sobretudo da contagem do tempo (como dizem ser a dos professores), o tempo de serviço foi congelado entre 2011 e 2017. E o Parlamento remeteu para a discussão com os trabalhadores o modo de contabilização do tempo no descongelamento destas carreiras, tendo em conta “os recursos disponíveis”. Falta resolver para todos os 2 anos, 4 meses e 2 dias (de 29/08/2005 a 31/12/2007).
- Aumento extraordinário de pensões. Os pensionistas que recebam até 632 euros (1,5 vezes o IAS) terão o acréscimo mínimo de seis ou 10 euros, consoante tenha ou não existido atualização da pensão entre 2011 e 2015. Este aumento extraordinário abrangerá as pensões de invalidez, velhice e sobrevivência atribuídas pela Segurança Social e as pensões de aposentação, reforma e sobrevivência do regime de proteção social convergente atribuídas pela CGA (Caixa Geral de Aposentações) e vai considerar a atualização de janeiro, em resultado da evolução da inflação e do crescimento da economia.
- O Complemento Solidário para Idosos (CSI). Será alargado a pensionistas que pediram, independentemente da idade, reforma antecipada a partir de 2014, ano em que foi introduzido o agravamento das regras de acesso à reforma antecipada. A medida, que abrangerá cerca de 7.600 pensionistas, prevê que, em 2018, quem se reformou por antecipação (por atividade profissional desgastante, desemprego de longa duração ou doença) desde 2014 possa candidatar-se ao CSI.
- Fim do corte de 10% no subsídio de desemprego. O corte de 10% que é aplicado ao subsídio de desemprego após os 6 meses de atribuição vai acabar em 2018.
- Regime simplificado de IRS. O regime irá abranger apenas os profissionais liberais e os outros prestadores de serviços (como os do alojamento local) e não se aplica aos agricultores nem aos pequenos comerciantes. A presunção automática de despesas será limitada, mantendo-se os coeficientes que atualmente existem (e que garantem dedução automática ao rendimento tributável), mas uma parte ficará dependente das despesas suportadas e registadas no ‘e-fatura’, tendo estes trabalhadores de justificar 15% das despesas. Para preencher estes requisitos é considerada automaticamente a dedução de 4.014 euros (igual à admitida para os trabalhadores dependentes) e as despesas com pessoal, as rendas e os encargos com imóveis e outras despesas, como "materiais de consumo corrente, eletricidade, água, transportes e comunicações e rendas", entre outros.
- Aumento da derrama de IRC. A derrama estadual paga pelas empresas com lucros superiores a 35 milhões de euros será agravada em dois pontos percentuais, para os 9%.
- Fim dos duodécimos no setor privado. Os trabalhadores do setor privado voltarão a receber os subsídios de Natal e de férias de uma só vez a partir do próximo ano, deixando de receber metade de cada um dos subsídios em duodécimos ao longo do ano.
- Resposta, apoios, combate e prevenção a incêndios. O Ministério das Finanças vai centralizar um pacote de 186 milhões de euros, dos quais 62 milhões para aplicação em ativos financeiros, destinada ao financiamento de despesas com indemnizações, apoios, prevenção e combate aos incêndios. A este montante soma-se o apoio de 100 milhões de euros do IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação para apoio às empresas, a abertura de concursos no âmbito do Portugal 2020 com dotação até 80 milhões de euros para projetos geradores de emprego e 35 milhões de euros para a reposição dos equipamentos públicos municipais. Os proprietários privados têm até 15 de março para limpar as áreas envolventes às casas isoladas, aldeias e estradas e, se isso não for feito, os municípios terão até ao final de maio para proceder a essa limpeza. Fica prevista ainda uma transferência extraordinária de 50 milhões de euros para as autarquias para execução de rede secundária de faixas de gestão de combustível (nas redes viárias e ferroviárias, na linha de transporte de energia e nas envolventes aos aglomerados populacionais). O Fundo de Apoio Municipal (FAM) poderá atribuir 10 milhões de euros aos municípios para emprestarem às famílias cujas habitações não permanentes tenham sido danificadas ou destruídas pelos incêndios de grandes dimensões.
O Governo já tinha dito que o total de medidas de medidas de resposta, apoio, prevenção e combate aos incêndios em 2018 totalizará 650 milhões de euros, dos quais 230 milhões com impacto no défice. Assim, prevê-se agora um défice de 1,1% do PIB (Produto Interno Bruto) no conjunto do próximo ano (acima do 1% previsto anteriormente).
- Educação e Ensino Superior. No ano letivo de 2018/2019, os manuais escolares serão gratuitos também para os alunos dos 5.º e 6.º anos e o número de alunos por turma vai ser reduzido progressivamente nos 1.º, 5.º e 7.º anos. O Governo fiscalizará as cantinas escolares e a avaliará a qualidade das refeições e os encargos com as concessões, quando existam, publicitando os resultados, sendo que o valor da refeição cobrada aos estudantes não pode subir.
Na educação pré-escolar, serão abertas no próximo ano “pelo menos 150 novas salas” na rede pública em articulação com os municípios. E, no ensino superior, o valor das propinas ficou congelado, o valor das bolsas de doutoramento será “atualizado com base no índice de preços ao consumidor (IPC – média anual) que se vier a verificar em 2017” e as bolsas de ação social escolar atribuídas aos alunos com necessidades educativas especiais serão majoradas em 60%.
- Transportes. O desconto de 25% do passe de transportes para os estudantes entre os 4 e os 18 anos será alargado a todos os alunos, mesmo aos que não têm apoio social. O passe sub23@superior.tp, dirigido aos estudantes do ensino superior até aos 23 anos, foi alargado aos serviços de transporte coletivo de passageiros autorizados ou concessionados pelos organismos da administração central e regional, bem como aos serviços de transporte de iniciativa dos municípios. E foi alargada a idade até à qual os estudantes de Medicina e de Arquitetura podem beneficiar deste título de transporte, até aos 24 anos.
- Energia. A tarifa social da eletricidade, destinada às famílias com baixos rendimentos, vai passar a abranger também as botijas de gás, pelo que, no próximo ano, vão usufruir desta tarifa especial as famílias de baixos rendimentos cujas casas ainda não tenham gás engarrafado, o que é comum nas casas mais antigas. E foi aprovada norma para os produtores de energia renováveis pagarem a contribuição extraordinária de solidariedade, mas na votação final não vingou.
- Cativações. O Governo fica obrigado a enviar informação ao Parlamento sobre a evolução das cativações todos os meses e as propostas do OE passarão a incluir os montantes das verbas sujeitas. Foi ainda aprovada uma norma “travão” para que as cativações no próximo ano sejam inferiores a 90% do valor global inicialmente bloqueado em 2017, bem como a exclusão deste instrumento dos hospitais e quatro entidades da saúde, e ainda da educação e dos transportes.
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A questão das energias renováveis
Nas 12 páginas de discurso o Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares não reservou uma linha para a questão que dividiu os bloquistas e os socialistas e que motivou a crítica mais dura alguma vez feita pelo BE ao Governo. Também o Primeiro-Ministro não quis responder às perguntas dos jornalistas sobre o assunto.
Em causa está a mudança súbita de posição dos socialistas sobre uma proposta do BE para aplicar uma taxa contributiva extraordinária às empresas produtoras de energias renováveis, que os bloquistas afirmam estar acordada com o Executivo. O PS chegou a aprovar a medida nas votações de especialidade na Comissão de Orçamento e Finanças, no dia 24, mas avocou a matéria para plenário e esta tarde deu o dito por não dito e mudou o sentido de voto.
Versão final do OE2018 teve os votos a favor de PS, PCP, BE, PEV e PAN, mas o Bloco ficou furioso com "cambalhota" na energia
"Deslealdade", "subserviência" - um "governo que não honrou a palavra dada." Estas foram algumas das expressões usadas esta tarde pela deputada do BE Mariana Mortágua para qualificar a atitude do PS face a uma proposta bloquista que criava uma taxa a pagar pelas empresas do setor das energias renováveis.
Efetivamente, no dia 24, na votação da proposta em comissão, os socialistas votaram-na favoravelmente – e esse sentido de voto foi decisivo para a aprovar. Mas, logo a seguir, chamaram o artigo para uma segunda votação no plenário (avocação), começando aqui os bloquistas a suspeitar que o PS iria dar o dito por não dito. Hoje confirmou-se mesmo esse dito por não dito: o PS votou contra, ditando o chumbo da proposta (o CDS também votou contra, o PSD absteve-se e os restantes partidos votaram a favor).
O tema ocupou portanto o essencial do discurso de Mariana Mortágua no encerramento do debate do OE 2018. Aconteceu algo “inédito”, disse a deputada: “o Governo não honrou a palavra dada”. E isso aconteceu por “subserviência” aos interesses das empresas eléctricas.
A fúria bloquista com os socialistas não levou, porém, o partido a mudar o sentido de voto que já tinha anunciado para o OE 2018: ao fim da tarde a proposta de lei foi aprovada, pela conjugação dos votos favoráveis do BE com os do PS, PCP, PEV e PAN, tendo votado contra  PSD e CDS.
Ainda assim, e apesar da crise de última hora, a versão final do Orçamento do Estado para 2018 contou com muitas alterações dos partidos da esquerda e algumas mudanças obtidas por entendimentos pontuais entre a esquerda e a direita.
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O teor dos discursos
No discurso de encerramento, o Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares argumentou que o que “une” a maioria de esquerda “é muito mais forte e construtivo” do que simplesmente impedir que a direita governe. É, antes, a “certeza de que (…) é mesmo possível viver melhor em Portugal”. Garantiu que essa melhoria “é inseparável de um aumento dos rendimentos das famílias, de maior justiça fiscal, de melhores serviços públicos universais, de melhores infraestruturas e de uma política económica inteligente”. E disse que o Governo não está “a dar nada a ninguém”, apenas a respeitar os direitos dos portugueses.
No final do seu discurso, Pedro Nuno Santos voltou a atirar à direita e a fazer uma referência aos parceiros do Governo no Parlamento, garantindo que “esta maioria mostrou ser de confiança e merecedora de credibilidade” e que o debate “mostrou que o PSD e o CDS escolheram não serem levados a sério”. A maior vitória do PS, do BE, do PCP e do PEC foi provar que era mesmo possível “viver melhor em Portugal”.
O Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares acusa PSD e CDS-PP de quererem “atirar para cima das empresas de forma cega e transversal 500 milhões de euros de dinheiro público” e disse que, se esta coligação da direita ainda estivesse no poder, “continuaria a cometer os mesmos erros do passado”. Acusando os partidos de terem mostrado na discussão do orçamento na especialidade de não só terem mostrado quem são as suas clientelas, mas que também não entendem como funciona uma economia moderna, referiu:
A direita continua a achar que uma economia pode crescer e um país desenvolver-se apertando o cinto às famílias e a despesa dinheiro para cima do número muito reduzido de empresas que paga IRC. Na realidade, PSD e CDS nunca chegaram a perceber que as empresas não investem, nem contratam e muitas acabam até por encerrar, se não tiverem a quem vender”.
Porém, quando disse que, para a direita, “reforma que é reforma tem de doer”, criou o momento que suscitou mais reações na bancada do PSD – e mesmo pateada – aquele em que falou no debate interno que os sociais-democratas estão a fazer, dizendo: “Tenho estado atento ao debate interno do PSD e não consigo identificar as famigeradas reformas de que tanto falam”. Os deputados do PSD bateram com os pés e nas mesas do plenário a protestar.
Pedro Nuno Santos continuou, rematando a sua ideia:
       “O conceito de reforma para a direita é privatizar, liberalizar e desregular. Reforma que é reforma tem de doer”. 
E ainda garantiu, antes de dizer que a direita tem “uma visão sacrificial do futuro”:
Nós não faremos as reformas que a direita gostaríamos que fizéssemos. Não porque esta solução de Governo não as permite, mas porque o PS, pura e simplesmente, não concorda com elas.”.
Quanto à reforma que diz o Governo estar a fazer, sustenta que se trata de “uma importante reforma estrutural, tão silenciosa que não encontram nos relatórios internacionais sobre Portugal”. É aquela que “permite distribuir riqueza criada de forma mais justa”. E aqui distribui os louros pelos partidos que apoiam o Governo, dizendo que “são inúmeros os avanços que esta maioria tem conseguido em todas as áreas”.
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Passos Coelho acusou o Governo de reduzir a governação “ao mais puro taticismo”, gerindo a agenda pública “em função do que a maré trouxer” e “nunca em função de um rumo estratégico, que não existe.” E recorreu a um conceito de Bobbio, um filósofo e político italiano (que morreu em 2004), sobre o “mercado político”.
Norberto Bobbio atravessou várias gerações da política italiana. Destacou-se por posições críticas contra o marxismo e o bolchevismo, mas também foi crítico do fascismo de Mussolini. Em democracia, foi um dos grandes críticos do Primeiro-Ministro Silvio Berlusconni, de um partido irmão do PSD.
Para o presidente do PSD, os recursos públicos são geridos em função da “necessidade de remeter tanto quanto possível para o que Bobbio desginou o ‘mercado político’, em que todos são convidados a reverem-se numa oferta particular de que o Governo dispõe e a sociedade no seu conjunto é tratada e segmentada por potenciais clientes.
O ainda líder do PSD considera que esta é uma “conceção deformada da democracia”, que acaba “instrumentalizada para servir os objetivos de curto prazo de quem governa e reduzir cada grupo social aos interesses acomodáveis não pelo interesse mas pelo desinteresse geral”.
Passos insistiu no seu argumentário habitual: o crescimento económico acontece não por causa do Governo, mas “apesar” do Governo e sendo empurrado por forças que o PS sempre desvalorizou. Enfim: esta é “uma legislatura perdida do ponto de vista da preparação do futuro”.
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A presidente do CDS-PP responsabilizou o Primeiro-Ministro pelas falhas do Governo nos incêndios. E Ana Rita Bessa, também do CDS insistiu que o seu partido continua comprometido com a ideia de criar “uma alternativa” a este Governo e reiterou a ideia de que o “gradualismo” que o Governo revela não resulta de “prudência” mas de “calculismo político” eleitoral.
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As críticas de Mortágua suscitaram, no plenário, uma resposta implícita do PS. “Este não é, apenas, um Governo do PS. Mas não é tão pouco um Governo refém de qualquer empresa como de qualquer partido”, disse Carlos César. E repetiu: “[Não é refém] de qualquer partido, por mais persuasivo ou loquaz que um ou outro queira parecer”.
Quanto ao PCP, insistiu na habitual exigência junto dos socialistas para que façam “opções de fundo” no sentido de romper com os constrangimentos ditados pela UE.
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Aqui ficou uma panorâmica necessariamente fragmentária da reta final da batalha orçamental.
Enfim, é o orçamento possível, resultante da batalha discussiva a que os governos de maioria não se sujeitam, muito suado, com várias alterações em sede de discussão na especialidade. Esperamos que Marcelo diga quais os motivos por que promulga e faça o elenco dos aspetos positivos e dos aspetos negativos. Ou será que vai repetir que os deputados devem saber se querem manter o Governo ou não?!
Resta ainda saber como foi ser executado do longo de 2018. Será que a UE não torcerá o nariz duas ou três vezes?
2017.11.27 – Louro de Carvalho


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