O Expresso on line, citando o Público, traz hoje uma notícia cujo
conteúdo corresponde ao plasmado em epígrafe, mas com uma grave imprecisão.
Diz o prestigiado periódico, semanário na edição em papel e diário na
edição on line:
“Dois dias antes das
eleições legislativas de 2015, o Governo de Pedro Passos Coelho autorizou a
modificação de uma licença de produção de energia eólica para solar
fotovoltaica, obtida em concurso público pela Generg, empresa presidida pelo
ex-secretário de Estado do Ambiente, Carlos Pimenta”.
Ora, as eleições legislativas de 2015 foram, como todos
recordamos, a 4 de outubro; e o despacho n.º 45/SEEnergia/2015, de 20 de
novembro, que permite tal modificação foi proferido 6 dias antes (não dois),
não das eleições, mas da queda, a 26 de novembro, do XX Governo Constitucional,
efetivamente chefiado por Passos Coelho, a que sucedeu o XXI Governo
Constitucional ainda em funções e chefiado por António Costa.
Se o Expresso se quer
referir à Portaria n.º 133/2015, de 15 de maio, na qual se fundamenta o dito
despacho, devia saber que, à data da sua publicação, as eleições ainda estavam
longe, estando o XIX Governo na plenitude de funções.
Que o despacho em causa é de 20 de novembro, e não de 2 de outubro,
como refere o Público de hoje, pode
ler-se no ofício do Gabinete do Ministro da Economia, de 16 de março de 2017, de
“Resposta à Pergunta n.º 3326/XIII/2.ª, do Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda, de 21 de fevereiro de 2017 – “Alteração de fonte primária de licenças
de mini-hídricas atribuídas em 2010 –, remetido ao Chefe do Gabinete do
Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
***
Porém, foi a Portaria n.º 133/2015, de 15 de maio, que foi
arrasada e considerada nula pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da
República (CCPGR), como muito bem revela o
“Público” de hoje, dia 9 de novembro.
Segundo o matutino, com base num parecer a que teve acesso, a mudança “é
inconstitucional e ilegal”, “constitui usurpação da função legislativa” e viola
“o princípio da preferência ou proeminência da lei”. Com efeito, uma portaria,
em que o Governo manda através do ministro X ou do Secretário de Estado Y, não
se pode sobrepor a um decreto-lei, mas apenas regulamentá-lo, até porque a
portaria não é sujeita à promulgação ou ao veto, como acontece com a lei ou o
decreto-lei e mesmo o decreto regulamentar.
Ora, a Portaria n.º 133/2015, de 15 de maio, configura uma
alteração à Portaria n.º 243/2013, de 2 de agosto, que estabelece os termos,
condições e critérios de atribuição de capacidade de injeção na rede elétrica
de serviço público, bem como da obtenção da licença de produção e respetiva
licença de exploração.
No entender do CCPGR, a decisão – concedida através de despacho
assinado pelo então secretário de Estado da Energia, Artur Trindade – viola os
princípios da concorrência, igualdade de tratamento e transparência em relação
aos outros operadores que participaram no concurso público de 2008 em que a
Generg obteve aquela licença de produção. Na prática, o parecer da PGR (para cuja validade se
requer a homologação do competente membro do Governo, dado a autoria do texto
ser dum Conselho Consultivo) não visa impedir a empresa de produzir energia solar para a
rede pública, mas terá de o fazer sem auferir quaisquer subsídios do Estado.
Caso a portaria de Artur Trindade fosse válida, esta representaria um
sobrecusto para o Estado na ordem dos 42 milhões de euros, pois a eletricidade
produzida seria paga a um preço ‘premium’
e não o normal.
A empresa Generg, cujo presidente do conselho de administração é
Carlos Pimenta, ex-Secretário de Estado do Ambiente de Cavaco Silva (X Governo Constitucional) e não de Passos Coelho,
como diz o Expresso, integra a direção
do think tank, Plataforma para o Crescimento
Sustentável, presidido por Jorge Moreira da Silva, ex-ministro do Ambiente,
Ordenamento do Território e Energia do Governo passista.
Em julho, o atual Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro
Sanches, tinha pedido um parecer ao CCPGR, por ter dúvidas quanto à legalidade
da Portaria 133/2015, de 15 de maio assinada e publicada pelo seu antecessor. No entanto,
quem lesse ao de leve a portaria não suspeitaria da sua inconstitucionalidade
ou ilegalidade, já que a mesma é produzida
“Ao abrigo do
disposto nos n.os 4, 5 e 6 do artigo 33.º-G do Decreto-Lei n.º
172/2006, de 23 de agosto, alterado pelos Decretos-Leis n.os
237-B/2006, de 18 de dezembro, 199/2007, de 18 de maio, 264/2007, de 24 de
julho, 23/2009, de 20 de janeiro, 104/2010, de 29 de setembro, e 215-B/2012, de
8 de outubro, que operou a sua republicação…”.
***
O certo é que a empresa de Carlos Pimenta da área da energia fora
autorizada a mudar licença de eólica para solar, obviamente graças à sua
competência e capacidade empresarial e não devido ao cartão partidário, como
sói dizer-se. Então, é claro que o Engenheiro Pimenta, depois de ter integrado o governo de Cavaco, só foi
deputado pelo PSD à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu e o último
cargo partidário que assumiu foi em 1999, na direção socialdemocrata de Marcelo
Rebelo de Sousa. Mas, não tenhamos dúvidas de que, em 2013, sucedeu a Jorge
Moreira da Silva na presidência da Plataforma para o Desenvolvimento
Sustentável, quando este passou a integrar o Governo na pasta do ambiente. Com
efeito, Carlos Pimenta já fazia parte daquela associação cívica ligada ao PSD. Quer
dizer, apesar de tudo, tudo ficou em família ou, como diriam outros, tudo para
o partido!
O atual Governo, por seu turno, rejeitou ao todo mais oito pedidos
idênticos, que viriam a custar 350 milhões ao Estado, se a resposta fosse
favorável.
***
Nas palavras
de Leonete Botelho, no Público de
hoje, “a autorização de mudança da fonte primária de produção no contrato
celebrado com o Estado foi dada a 2 de outubro de 2015, dois dias
antes das eleições legislativas, através de despacho assinado pelo então
secretário de Estado da Energia, Artur Trindade” – o que já demonstrei não
corresponder à verdade, a não ser que o despacho referido tenha data posterior
para ratificar atos anteriores, o que deveria constar do seu teor e, não
acontecendo, a questão seria grave por falta de transparência e vício de forma.
Mas, do meu ponto de vista é mais grave proferir um despacho desta ordem 6 dias
antes da queda do Governo, que estava em meras funções de gestão pelo facto de
o seu programa não ter passado na Assembleia da República, do que a 2 de
outubro, dois dias antes das eleições, em que o Governo ainda estava formalmente
em pleno funcionamento.
Também o Público erra ao escrever que “a empresa
beneficiária é a Generg, cujo presidente do conselho de administração, Carlos
Pimenta, integra a direção do think tank. Plataforma para o Crescimento Sustentável, presidido
por Jorge Moreira da Silva, que era à data o Ministro do Ambiente,
Ordenamento do Território e Energia”. Como se viu Moreira da Silva não presidia
ao think tank, mas Carlos
Pimenta. Todavia, apesar das
imprecisões do Expresso e do Público, acabadas de apontar, a
substância da irregularidade mantém-se, embora os jornais, para garantia de
credibilidade e do profissionalismo dos seus trabalhadores e no quadro do rigor
e objetividade da informação, devam ser sempre exatos e precisos.
Na verdade,
a portaria que fundamenta o despacho – também ela assinada por Artur Trindade
em maio de 2015 e que permitia a mudança de fonte de energia aos centros
electroprodutores com licença atribuída –, foi objeto de análise pelo CCPGR. E
este concluiu, num parecer a que o Público
acedeu, que aquela “é inconstitucional e ilegal”, “constitui usurpação da
função legislativa”, além de violar “o princípio da preferência ou proeminência
da lei” – o que determina a sua nulidade e a não produção de quaisquer efeitos.
Mais considera que a decisão viola os princípios da concorrência, igualdade de
tratamento e transparência em relação aos outros operadores que participaram no
concurso público de 2008 em que a Generg obteve aquela licença de produção.
O Secretário
de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, que tinha pedido em julho
parecer, afirma agora que o Governo se revê no despacho da PGR, que já
homologou.
Esta decisão,
como se disse, não impede a empresa de produzir energia solar para a rede
pública, mas terá de o fazer sem subsídios, isto é, não irá ser paga a
preço premium, mas ao preço geral.
A Generg
obtivera uma licença de produção de energia eléctrica no “concurso para
atribuição de capacidade de injeção de potência na rede do sistema elétrico de
serviço público e pontos de receção associados para energia elétrica produzida
em centrais eólicas. O contrato fora celebrado em maio de 2009 e previa uma
potência de 25 megawatts. O órgão consultivo da PGR começou por analisar o
concurso público de 2008 e a sua fundamentação jurídica, para escrutinar em que
medida seria legal a mudança de fonte de energia contratada com a empresa.
Ora, tendo o
procedimento concursal e a celebração do contrato sido realizados ao abrigo do
regime estabelecido no decreto-lei n.º 312/2001, de 12 de dezembro, que define o regime de gestão da capacidade de recepção de energia elétrica nas redes
do Sistema Elétrico de Serviço Público proveniente de centros eletroprodutores
do Sistema Elétrico Independente,
verificou-se que aquele diploma não continha qualquer disposição a permitir a subsequente
mudança da fonte primária de energia – quadro legal que, segundo a PGR,
subsiste na legislação em vigor. Além disso, no próprio concurso, segundo o
parecer “apenas se admitia que o centro
eletroprodutor tivesse por fonte energia eólica, tendo ainda sido especificadas
várias exigências nos esclarecimentos aos múltiplos concorrentes sobre
condicionantes específicas do parque eólico”.
Na avaliação
dos sete conselheiros que subscrevem o parecer, um deles antigo juiz do
Tribunal Constitucional, é “vedado à
Administração, e em particular ao secretário de Estado da Energia”,
modificar contratos administrativos celebrados com base em concursos. E os atos
praticados pelo governante “são atingidos
pela invalidade derivada da mácula originária da ilegalidade e
inconstitucionalidade da norma da portaria por ele criada, sendo o resultado de
um processo causal conformado pela usurpação da função legislativa”. Com efeito,
para ter valor legal, a alteração, como já deixei perceber, teria de ser concretizada,
pelo menos, através de um decreto regulamentar, o que exigiria a assinatura do
Primeiro-Ministro e Ministros responsáveis, a promulgação pelo Presidente da
República e a referenda ministerial.
Acrescentam
os conselheiros, como justificação e suporte da sua decisão:
“O despacho do Secretário de Estado da
Energia de 2/10/2015 (sic) […]
autoriza alterações substanciais ou essenciais do contrato administrativo
celebrado na sequência de um concurso público por mera adenda negociada entre
adjudicante e adjudicatário sem dar qualquer oportunidade a interessados […]
nem sequer permitindo aos operadores económicos que concorreram e foram
preteridos no concurso apresentarem propostas em face das novas condições
estabelecidas (que derrogaram elementos essenciais das regras do procedimento
concursal em que participaram)”.
Como é que o
parecer, a fazer fé no Público, refere
“2/10/2015”, quando o ofício citado refere 20/11/2015? Não terei razão? Estarão
errados os documentos citados? O próprio Público,
como se pode ler no artigo de Leonete Botelho sanciona a data de 20 de novembro
de 2015. Porém a substância não muda, pois o Parecer da PGR, datado de 26 de outubro,
conclui:
“Essa violação dos princípios da
concorrência, igualdade de tratamento e transparência configura, fora de um
quadro de estado de necessidade, a prática de um ato com preterição total do
procedimento legalmente exigido, o que implica a respetiva nulidade”.
Não era,
como ficou subentendido, a Generg a única beneficiária das decisões de Artur
Trindade. A portaria em causa abria as portas a todos os centros eletroprodutores
para pedirem mudança da fonte primária. “A 20 de novembro de 2015”, diz o
Público, “já com o Governo em gestão (seis dias antes da tomada de posse
do atual executivo), o então
secretário de Estado publica um despacho em que determina o procedimento para
efetuar essa alteração. Reza o despacho n.º 45/SEEnergia/2015, de 20 de
novembro:
“Para tal, deve o produtor apresentar pedido
dirigido ao membro do Governo responsável pela área da energia, demonstrando a
impossibilidade de instalar o respetivo centro produtor associado à fonte
primária inicialmente prevista, por razões que não lhe sejam imputáveis”.
A esta
mudança recorreram seis empresas além da Generg. Só a Soares da Costa (três processos) pediu a alteração de três hidroelétricas para
solares – duas em Tavira e uma em Castro Marim -, o que teria impacto na ordem
dos 140 milhões de euros no Sistema Elétrico Nacional. Fizeram o mesmo a
Hydrotua, a Enervouga, a Enercomparada e a Hidro Lourizela, que pretendiam
mudar as suas mini-hídricas para centrais solares, enquanto a Generg e o Parque
Eólico de Mirandela solicitaram a mudança de eólicas para solares. Se fossem
aceites, estas mudanças representavam um sobrecusto para o Estado de quase 350
milhões de euros. Mas o atual Governo nunca aceitou aqueles pedidos e acabaria
por anular a portaria polémica em Setembro passado. O caso da Gernerg era
diferente, porque tinha já beneficiado de um despacho de Artur Trindade. Agora,
a nulidade está confirmada pelo parecer da PGR, já homologado pelo Secretário
de Estado da Energia atual.
Recorde-se, para
finalizar, que as dúvidas do Secretário de Estado resultam de requerimento do Bloco
de Esquerda, dirigido ao Presidente da Assembleia da República e identificado acima
como a Pergunta n.º 3326/XIII/2.ª (XIII é o número
da legislatura; e 2.ª é o desta sessão legislativa), de 20 de fevereiro de 2017, em que, depois da
documentada e fundamentada descrição dos factos, interroga o Governo, através
do Ministério da Economia, nos termos seguintes:
1. Tem o Governo conhecimento desta situação?
2. Pondera o Governo averiguar a legalidade do
conteúdo do Despacho 45/SEEnergia/2015 e das condições em que foi emitido pelo
anterior Governo (nos seus últimos dias de gestão)?
3. Pondera o Governo revogar a Portaria n.º 133/2015 e
o Despacho 45/SEEnergia/2015 no sentido de repor as regras que conduziram e
determinaram o resultado do concurso, encerrando este processo com transparência
e lisura?
***
Valeu a pena
para livrar o Estado de pagar indevidamente 350 milhões e o que aí viesse se
não tivesse dúvidas da parte dos deputados e do Secretário de Estado. Assim, à
maneira de René Descartes (ou Renatus
Cartesius, em latim), “Secretarius Status dubitat… Ergo gubernat”.
2017.11.09 –
Louro de Carvalho
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