No passado
dia 8 de novembro, o Santo Padre Francisco recebeu em audiência o Cardeal
Angelo Amato, Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, tendo na mesma
audiência autorizado a Congregação a promulgar os Decretos respeitantes:
- Às
virtudes heroicas do Servo de Deus João Paulo I, Sumo Pontífice, que nasceu, de Giovanni Luciani e Bortola Tancon, a 17 de outubro de 1912, em Forno di Canale (Itália), hoje Canale d’Agordo, Diocese de Belluno, no Veneto,
era patriarca de Veneza com o nome de nascimento e batismo de Albino Luciani (foi batizado em casa por iminente perigo de vida, tendo sido
levado à igreja para suprimento das cerimónias a 19 do mesmo mês), quando foi eleito no 2.º dia do conclave que terminou
a 26 de agosto de 1978, assumindo o nome de João Paulo I e vindo a falecer 28
de setembro de 1978, no Palácio Apostólico no Vaticano, ficando considerado o
“Papa do Sorriso”.
Na mesma audiência de 8 de novembro, Francisco
autorizou ainda a promulgação dos seguintes decretos respeitantes:
- Ao
martírio do Servo de Deus João Brenner, sacerdote diocesano, nascido a 27 de
dezembro de 1931, em Szombathely, na Hungria, e que morreu, in odium fidei, a 15 de dezembro de 1957, em Rabakethely, na Hungria;
- Ao
martírio da Serva de Deus Leonella Sgorbati (Rosa,
no século), irmã professa do Instituto das Missionárias da
Consolata, que nasceu, a 9 de dezembro de 1940, em Rezzanello di Gazzola, na Itália, e morreu, in odium fidei, a 17 de setembro de
2006, em Mogadíscio, na Somália;
- Às
virtudes heroicas do Beato Bernardo di Baden, marquês de Baden, que nasceu entre
o fim de 1428 e os inícios de 1429, no Castelo de Hohenbaden, na Alemanha, e morreu, a 15 de julho de 1458, em Moncalieri, na Itália;
- Às
virtudes heroicas do Servo de Deus Gregório Fioravanti (Luís
ou Ludovico, no século), sacerdote
professo da Ordem dos Frades Menores, fundador da Congregação das Irmãs
Franciscanas Missionárias do Sagrado Coração, que nasceu, a 24 de abril de
1822, em Grotte di Castro, na Itália, e morreu a 23 janeiro de 1894, em Gemona, na Itália;
- Às virtudes
heroicas do Servo de Deus Tomás Morales Pérez, sacerdote professo da
Companhia de Jesus, fundador dos Institutos Seculares
Cruzados e Cruzadas de Santa Maria, que nasceu, a 30 de outubro de
1908, em Macuto, na Venezuela, e morreu, a 1 de outubro de 1994, em Alcalá de Henares, na Espanha;
- Às virtudes
heroicas do Servo de Deus Marcellino da Capradosso (no
século, João Maoloni), leigo
professo da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, que nasceu, a 22 de setembro
de 1873, em Villa Sambuco di Castel di Lama, na
Itália, e morreu, a 26 de fevereiro de 1909, em Fermo, na Itália;
- Às virtudes
heroicas da Serva de Deus Teresa Fardella, viúva De Blasi, fundadora do
Instituto das Irmãs Pobres, Filhas de Maria Santíssima Coroada, que nasceu, a
24 de maio de 1867, em Nova Iorque, nos Estados Unidos, e morreu, a 26 de
agosto de 1957, em Trapani, na Itália.
***
João Paulo I
foi o primeiro pontífice, desde Clemente V, a recusar a coroação e que não quis
ser carregado na cadeira gestatória, que Paulo VI passou a dispensar, bem como
a tiara pontifícia que também Paulo VI deixou de utilizar, substituindo-a pela
mitra episcopal. Ele que dirigira a primeira radiomensagem ‘Urbi et Orbi’ a 27 de agosto de 1978 e
iniciara solenemente o seu ministério pastoral a 3 de setembro, vir a ser, a 28
de setembro do mesmo ano, encontrado sem vida, no seu quarto, 33 dias após a
eleição pontifical e aos
65 anos de idade.
O “Papa
sorriso” foi um pontífice italiano e um dos mais efémeros. Durante o breve
período do seu Pontificado luminoso, simples e sorridente, levou a Santa Sé a
adotar uma maior simplicidade, mas a Cúria, o governo do Vaticano, não gostou
muito de seu estilo direto.
Não obstante
e para lá das teses que foram posta sem circulação, a jornalista Stefania
Falasca, vice-postuladora da causa de canonização de João Paulo I, lançou, no
passado dia 7, terça-feira, um novo livro sobre o Papa italiano, que desmonta as
“teorias da conspiração” sobre a sua morte precoce e súbita.
Por sua vez,
o Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, fala da obra como
uma reconstrução efetuada com “uma pesquisa histórica rigorosa, com base numa
documentação de exceção, até agora inédita”. E a autora do livro disse à Rádio
Vaticano que procurou reconstruir “os últimos instantes da morte do Papa”
italiano, com testemunhos e documentação médica, tendo chegado à certeza de que
João Paulo I “morreu por causa de um acidente isquémico que provocou um
enfarte”, acrescentando que “esta é a verdade nua e crua”.
O
reconhecimento das “virtudes heroicas” é uma fase central do processo que leva
à proclamação de um fiel católico como venerável e, depois, como beato, sendo
esta a penúltima etapa para a declaração da santidade exemplar. No caso, por
exemplo de João Paulo I, a aprovação de um milagre, obtido mediante a sua
intervenção, é agora o passo necessário para a proclamação de João Paulo I
como beato.
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Na
minúscula biografia (antes, uma cronologia) constante do website do Vaticano pode ler-se:
Para lá
do nascimento e batismo, entra na 1.ª classe elementar em outubro de 1918;
recebe o crisma em 26 de setembro de 1919, das mãos do bispo Monsenhor Giosuè Cattarossi; entra no seminário
menor de Feltre em outubro de 1923; ingressa no seminário Gregoriano de Belluno
em outubro de 1928; é ordenado subdiácono em 1934; é ordenado diácono, a 2 de
fevereiro de 1935; a 7 de julho do mesmo ano, recebe a ordenação sacerdotal na
igreja de São Pedro de Belluno, a 9, é nomeado vigário cooperador de Canale d”Agordo
e, a 18 de dezembro, é transferido como vigário cooperador para Agordo e
nomeado professor de religião no Instituto técnico mineiro de Agordo.
No ano
de 1937, em julho, é nomeado vice-reitor do seminário Gregoriano de Belluno,
iniciando a atividade didática em outubro, que mantém até 1947, ano em cujo mês
de fevereiro, a 27, conclui o doutoramento em Teologia na Pontifícia
Universidade Gregoriana de Roma com a tese sobre ‘A origem da alma humana segundo Antonio Rosmini’, sendo nomeado por
Monsenhor Girolamo Bortignon pró-chanceler episcopal de Belluno, a 16 de
novembro. E, a 16 de dezembro, é nomeado camareiro secreto supranumerário e
secretário do sínodo diocesano.
A 2 de fevereiro de 1948, é nomeado pró-vigário geral da diocese de Belluno
e diretor do Serviço Catequístico diocesano; em dezembro de 1949, publica Catequética em pedacinhos; em março de
1950, publica a tese de doutoramento; a 6 de fevereiro de 1954, é nomeado vigário
geral da diocese de Belluno; a 30 de junho de 1956, é nomeado cónego da
catedral; e, em 1958, João XXIII elege-o Bispo de Vittorio
Veneto, conferindo-lhe a sagração episcopal a 27, pelo que toma posse a 11 de
Janeiro de 1959 e, a 17 de julho começa as visitas pastorais. É como bispo
desta diocese que participa nas 4 sessões do Concílio Vaticano II, retornando
reiteradamente à diocese.
De 16 de agosto
a 2 de setembro de 1966, visita a missão diocesana de Vittorio
Veneto no Burundi.
A 15 de dezembro de 1969, Paulo VI promove-o a Patriarca de Veneza; a 1 de
fevereiro de 1970, recebe no município a cidadania honorária de Vittorio Veneto; e, a 8
de fevereiro entra oficialmente no Patriarcado de Veneza, iniciando as vistas
pastorais a 25 de outubro.
Enquanto Patriarca de Veneza, faz uma viagem à Suíça, de 12 a 14 de junho
de 1971, regressando por Saboia; faz uma viagem pastoral à Alemanha, a 18 de
maio de 1975, ano em que de 6 a 21 de novembro empreende uma viagem pastoral ao
Brasil, onde é feito doutor honoris causa
pela Universidade Estatal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
Em junho de 1972, é eleito vice-presidente da Conferência Episcopal
Italiana, permanecendo no cargo até 2 de junho de 1975; e, 16 de setembro,
recebe, em Veneza, a visita de Paulo VI.
A 5 de março de 1973, é criado Cardeal da Santa Igreja Romana por
Paulo VI; em janeiro de 1976, publica “Illustrissimi”; e, de 10 a 13 de setembro do mesmo ano,
como representante da Conferência Episcopal Italiana, participa nas celebrações comemorativas
em Spalato, na então Jugoslávia.
Participa nas seguintes assembleias ordinárias dos Sínodo dos Bispos: II, de
28 de setembro a 5 de novembro de 1971, sobre “O sacerdócio ministerial e a justiça no mundo” (reentrando na diocese de 23 a 31 de outubro); III, de 27 de setembro a 26 de outubro de 1974,
sobre “A evangelização no mundo moderno”;
e IV, de 30 de setembro a 29 de outubro de 1977, sobre “A catequese no nosso tempo”.
***
E, sobre
o seu brasão, refere-se que:
O duplo nome
deste Papa recorda os dos dois imediatos predecessores (João XXIII e
Pulo VI), pelo que se topa no seu brasão
algo dum e doutro. De João XXIII, pelo facto de Albino Luciani ter sido seu sucessor
em Veneza, herdou o que em heráldica se chama o chefe, (a parte
superior do brasão), o chefe
patriarcal de São Marcos: “de prata com
leão andante, alado e nimbado ao natural, segurando com a pata direita anterior
um livro aberto com a legenda: Pax
tibi, Marce, Evangelista meus”. Este chefe deriva da insígnia da
República de Veneza, com pequena variante nas cores. A insígnia da Sereníssima
dizia: “de púrpura com leão de ouro, com
a cabeça em majestade”. Tornando-se papal, o emblema como que renega a
significação política, pelo que o campo passa de púrpura a prata e, portanto,
muda de cor o nobre animal de ouro, não podendo tolerar-se em heráldica a
sobreposição dum metal sobre outro metal. O leão fica, pois, “ao natural”, em
amarelo escuro. Sob o chefe aparece o brasão do Papa, que, jogando com o nome Luciani
aparentado com a palavra latina lux (luz), consiste basicamente em 3 estrelas de 5 pontas em campo azul.
Acrescenta-se, porém, – aqui aparece a recordação do Papa Montini – o “monte de
6 cimos à italiana saindo da ponta do escudo”, uma das peças do brasão
montiniano (note-se o jogo de palavras: montes, montini). O monte de 6 cimos, que, no caso de João Paulo I, vem acompanhado por 3
estrelas, era, tratando-se de Paulo VI, guarnecido com 3 flores de lis, outra
peça muito frequente em heráldica. Quem sabe se Luciani não quis recordar com
esses cimos as montanhas da sua terra natal?
Concluindo
com ousada “extrapolação”, o Papa, chegado ao sopé da montanha do pontificado e
encontrando-se, na sua humildade, um pouco incerto sobre as suas forças,
levanta os olhos e descobre por cima dos montes, como os Reis Magos, a
esplêndida luz estelar que o anima e lhe dá a esperança de chegar até ao alto.
Isto aplica-se, afinal, a todos. Oxalá a nossa vida seja contínua ascensão,
iluminada pela luz que vem do alto, a luz da fé, a luz de Cristo Senhor.
***
Nos seus 33
dias de Sumo Pontificado, legou-nos 2 homilias, 3 mensagens, 3 cartas apostólicas,
4 cartas, 4 catequeses, 5 recitações do Angelus
e 9 discursos.
Foi objetivamente
muito pouco, mas deu para entender como o Papado pode ser diferente. A seguir
ao inovador, mas sofrido Paulo VI, vem o Papa Luciani, com a timidez de Ratzinger,
mas com a simplicidade de Francisco, marcada pela normal introdução do discurso
na 1.ª pessoa do plural, exceto na homilia da inauguração solene do pontificado
e nos documentos mais formais, em que manteve o plural papal em “nós” (muitos não o
sabiam; outros o esqueceram). As suas
catequeses (nas audiências gerais) ou as
alocuções por ocasião do Angelus, em que partia de temas atuais do mundo, dos problemas
da vida real, de histórias da vida pessoal e do diálogo com as crianças, mostram
um brilho humano, dialogante e desmistificador da distância papal. É bonito o
discurso que fez sobre a humildade (1.ª audiência geral), de irmão mais velho ente os iguais; a fé (2.ª audiência
geral), aberta a todos, a das verdades agradáveis
e desagradáveis, fé na doutrina de Cristo e não da Igreja; a esperança (3.ª audiência
geral), que permite, apesar das faltas,
esperar e aceitar a misericórdia de Deus; e a caridade (4.ª audiência
geral), que nos leva a viajar para o amado
(Deus e o próximo) e com ele permanecer, levando-nos a perdoar sempre e
a aceitar o perdão. Pena foi não lhe restar mais tempo para abordar as 7 lâmpadas
da santificação – fé, esperança, caridade, prudência, justiça,
fortaleza e temperança – (que viu numa
nota de João XXIII).
Interessantes
são algumas das afirmações nos momentos de recitação do Angelus:
No 1.º,
falando da sua postura como Papa, revelou o que dissera aos cardeais após a
eleição:
“Chamar-me-ei
João Paulo. Eu não tenho nem a sabedoria de coração do Papa João, nem a
preparação e a cultura do Papa Paulo. Estou, porém, no lugar deles e devo
procurar servir a Igreja. Espero que me ajudeis com as vossas orações.”.
No 2.º, falando de São Gregório Magno, referiu:
“Ensina aos Bispos o seu ofício, mas, na parte
final, tem estas palavras: ‘Eu descrevi o bom pastor, mas não o sou; mostrei a
praia da perfeição a que é preciso chegar, mas pessoalmente encontro-me ainda
nas tempestades dos meus defeitos, das minhas faltas. Sendo assim, – por
favor disse ele – para que não venha a naufragar, lançai-me uma tábua de
salvação com as vossas orações’. Eu digo o mesmo; mas não é só o Papa que
precisa de orações, é também o mundo. Um autor espanhol escreveu: ‘O
mundo vai mal porque há mais batalhas que orações’. Procuremos que haja mais orações
e menos batalhas.”.
No 3.º, depois
de falar da cimeira de paz em que os líderes rezaram, apontou naturalmente o
rosto materno de Deus:
“Sabemos que tem os olhos sempre
abertos para nos ver, mesmo quando parece que é de noite. Ele é papá; mais ainda, é mãe. Não quer fazer-nos mal, só
nos quer fazer bem, a todos, Os filhos, se por acaso estão doentes, possuem um
título a mais para serem amados pela mãe. Também nós, se por acaso estamos
doentes de maldade, fora do caminho, temos um título a mais para que o Senhor
nos ame. Com estes sentimentos vos convido a que oreis, juntamente com o Papa, por
cada um de nós, pelo Próximo Oriente, pelo Irão e pelo mundo inteiro.”
No 4.º, em
sintonia com quem regressa à escola, sugeriu:
“Peçamos
ao Senhor que ajude os professores, os estudantes e também as famílias que
olham para a escola com o mesmo afecto e a mesma preocupação que o Papa”.
E, no 5.º e último, comentando o Diálogo das
Carmelitas de Bernanos, disse (condensei):
Ouviu-se a condenação: ‘À morte por fanatismo’. Uma freira perguntou ao
juiz o que era o fanatismo, ao que ele respondeu: ‘É pertencerdes tolamente à
religião’. ‘Oh, irmãs!’ – disse a freira – condenam-nos pelo apego à fé. Que
felicidade morrer por Jesus!’. Fizeram-nas sair da prisão, meteram-nas na
carreta fatal e elas foram cantando hinos religiosos; chegando ao palco da
guilhotina, de joelhos ante da Prioresa, renovaram o voto de obediência,
entoaram o ‘Veni Creator’, que se foi tornando cada vez mais débil à medida que
iam caindo da guilhotina as cabeças das irmãs. Ficou para o fim a Prioresa, cujas
últimas palavras foram: ‘O amor sempre
vencerá, o amor tudo pode’. Eis a palavra exata: não é a violência que tudo
pode, é o amor que tudo pode. Peçamos ao Senhor a graça de que uma nova
onda de amor para com o próximo invada este pobre mundo.
***
Foi pena este Papa ter sido pura e simplesmente esquecido, entretendo-se a
opinião pública com o sorriso e as diversões especulativas sobre as causas da
morte e eventuais alterações que não fez. Merecia ser lido e tido em conta. Esta
é a responsabilidade dos cristãos e dos seus líderes!
2017-11.11 –
Louro de Carvalho
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