segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Como anda o associativismo partidário?


Um partido político vocacionado a intervir na sociedade e a ocupar o poder não pode cair na situação em que se encontra atualmente o PSD, Partido Social Democrata.
Nem vale dizer-se que isso pode acontecer – e já terá acontecido – com outros partidos. É o bem da democracia, a decência e o pundonor associativo que têm de ser acautelados para o debate que pode levar o país ao progresso. E quem pode liderar o país tem que dar o exemplo.
A página web da Comissão Nacional de Eleições sintetiza a noção, a importância e o contexto em que surgiram os partidos políticos em Portugal:
A Revolução do 25 de Abril de 1974 e o consequente estabelecimento de um regime democrático, plural e livre, fizeram emergir na ordem jurídica e constitucional portuguesa o aparecimento de partidos políticos tidos como associações privadas com fins constitucionais que visavam exercer, fundamentalmente, uma função de mediação política, traduzida na organização e expressão da vontade popular, na participação nos órgãos representativos e na influência na formação do governo’.
Tomando como marco tal efeméride, verifica-se que foi nos anos de 1974 e 1975 que surgiu a maioria dos partidos políticos, muito embora tenham sido criados novos partidos, desde então, sendo de ressaltar que apenas um número diminuto de partidos alcançou representação parlamentar consecutiva e até muitos deles ou não chegaram a apresentar candidaturas ou fizeram-no, apenas, uma ou duas vezes.”.
Também a Lei dos Partidos Políticos, aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 de maio, estabelece que:
Os partidos políticos concorrem para a livre formação e o pluralismo de expressão da vontade popular e para a organização do poder político, com respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política” (art.º 1.º).
E define com fins dos partidos políticos no art.º 2.º:
a) Contribuir para o esclarecimento plural e para o exercício das liberdades e direitos políticos dos cidadãos;
b) Estudar e debater os problemas da vida política, económica, social e cultural, a nível nacional e internacional;
c) Apresentar programas políticos e preparar programas eleitorais de governo e de administração;
d) Apresentar candidaturas para os órgãos eletivos de representação democrática;
e) Fazer a crítica, designadamente de oposição, à atividade dos órgãos do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais e das organizações internacionais de que Portugal seja parte;
f) Participar no esclarecimento das questões submetidas a referendo nacional, regional ou local;
g) Promover a formação e a preparação política de cidadãos para uma participação direta e ativa na vida pública democrática;
h) Em geral, contribuir para a promoção dos direitos e liberdades fundamentais e o desenvolvimento das instituições democráticas.
Os Estatutos do PSD, que acolhem o conceito e os fins acabados de enunciar, estabelecem na alínea c) do n.º 1 do art.º 7.º, como um dos deveres dos militantes “contribuir para as despesas do Partido através do regular pagamento das quotizações”.
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Ora, segundo o que a edição impressa do JN do passado dia 15 referia, dos 215 883 militantes do Partido Social Democrata (PSD), apenas 27 025 (12,5%) têm as quotas em dia. O próprio distrito de Viseu, conhecido por Cavaquistão (também o quiseram fazer Passistão e Pafistão) tem apenas 5,7% dos militantes com as quotas regularizadas.
Se as eleições para a presidência do partido – agendadas para o próximo dia 13 de janeiro, a que se candidatam Rui Rio e Pedro Santana Lopes – fossem no dia 16 de novembro, 87,5% dos militantes não poderiam participar na decisão do futuro do PSD. Por outras palavras, o líder do maior partido da oposição e, porventura, o próximo candidato socialdemocrata a Primeiro-Ministro seria escolhido por menos de 28 mil militantes. As contas fazem-se assim: dos 215.883 militantes do PSD, apenas 12,5% têm quotas em dia e estão em condições de votar. Mais: desse universo, 87.744 militantes estão suspensos por não regularizarem as quotas há mais de dois anos e 7.567 têm moradas desconhecidas. Porém, independentemente da situação em que se encontram, se pagarem as quotas até 14 de dezembro, vão poder votar nas eleições diretas agendadas para janeiro. E esta é a batota legal.
Os partidos professam a liberdade de associação, reunião e candidatura, fora de qualquer pressão exterior, limitando-se a observar o balizamento imposto por lei e que os estatutos costumam acolher. Por outro lado, inscrevem nos estatutos as normas que regem a democracia interna. Ora, um dos requisitos da democracia interna é iniludivelmente o cumprimento dos deveres militantes. E um deles é o pagamento regular das quotizações.
Acresce que os partidos, além de outras obrigações e fins políticos têm deveres para com a cidadania ou política que podem ser sintetizados na alínea g) do art.º 2.º da Lei dos Partidos Políticos: “promover a formação e a preparação política de cidadãos para uma participação direta e ativa na vida pública democrática”. E a cidadania ou política exprime-se no exercício dos direitos e no cumprimento dos deveres, bem como na ativa intervenção na vida coletiva.
Daqui resulta que, ao tratar-se da eleição do líder partidário e dos delegados ao Congresso, a urgência da regularização do pagamento de quotas origina o pagamento de forma vicária (um paga pelos outros), coletiva e à “chapelada”. Isto não é sério e retira credibilidade à crítica justa que se faz à constituição de listas partidárias para a candidatura aos órgãos da República. Os componentes, por norma, não são escolhidos pelos militantes, mas pelos burocratas de partido, seja a nível nacional, seja a nível regional e local.
Assim, os líderes têm os militantes que lhes convêm e os militantes têm os líderes que merecem.
Para a equipa de Rui Rio, um fenómeno da dimensão acima exposta pode ser terreno fértil para o caciquismo e o pagamento de quotas em massa. Salvador Malheiro, coordenador da campanha do ex-Presidente da Câmara Municipal do Porto, afirmou:
Receamos que isso possa acontecer, desvirtuando os princípios da democracia”.
Para Malheiro, números daquela ordem de grandeza demonstram o “distanciamento” e o “alheamento” dos “militantes de base com as estruturas locais e nacionais” do PSD. Com efeito, quem paga interessa-se, informa-se e exige; quem não paga conforma-se. Aquele a quem se dá resigna-se e diz que sim até que o molestem a si e aos seus compadres, familiares e amigos.
Por seu turno, João Montenegro, diretor de campanha de Pedro Santana Lopes, concorda que o número de militantes em condições de votar “fica aquém do expectável e deve preocupar, em primeiro lugar, o PSD”. O responsável pela campanha do antigo primeiro-ministro desvaloriza, ainda assim, ingénua ou hipocritamente que tal possa alimentar esquemas de pagamento de quotas através de estruturas locais.
No limite, as duas candidaturas defendem que é preciso tomar medidas para travar este problema e introduzir maior transparência no sistema. Para Salvador Malheiro, a solução pode passar por “impedir que o pagamento de quotas seja feito por terceiros e admitir a possibilidade de todos os militantes, com um número mínimo de anos, votarem com ou sem quotas em dia”, bem como “ainda abrir este ato eleitoral à sociedade com a criação da figura de simpatizante”. É uma solução que, a meu ver, é absurda, premeia a negligência cívica, faz intervir na escolha de titular de órgão partidário quem não tem a ver diretamente com o partido e parece contrariar o perfil de rigor inerente à figura de Rio, que, por pior que seja ou tenha sido, não creio que aceite que vale tudo. E João Montenegro, diretor de campanha de Santana, considera que a atribuição de uma referência para pagamento de quotas a cada militante pode ser uma solução, sendo certo que a introdução do voto eletrónico é o próximo passo a tomar, no sentido de “introduzir maior transparência”. É menos ambiciosa, mais temperada e menos trapalhona esta posição.
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Também algo que mexeu com a opinião pública foi o facto de Pedro Santana Lopes haver almoçado com Marcelo Rebelo de Sousa no dia em que confirmou que era candidato à liderança do PSD, contra Rui Rio. Mas esse evento não pode ser lido de outro modo que segredar a Santana Lopes que é bem-vindo à corrida eleitoral, o que não quer dizer que seja sinónimo de apoio presidencial a uma fação partidária.
Marcelo e Santana já estiveram do mesmo lado, depois em choque aberto (em candidaturas diferentes ao congresso, em rota de colisão quando Santana foi Primeiro-Ministro e Marcelo assomava na TVI como comendador…), finalmente apaziguados. Rio já esteve contra Santana e Marcelo, ao mesmo tempo, depois com Marcelo Rebelo de Sousa (não tendo terminado bem), e com Santana, à vez.
Aliás os bastidores e a ribalta das alianças, desencontros e traições entre Santana Lopes, Rui Rio, Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Passos Coelho, Miguel Relvas, ou Manuela Ferreira Leite são sobejamente conhecidos. E estas personalidades andam todas por aí há lustros e décadas. 
No mais atribulado momento da vida política de Pedro Santana Lopes – quando foi Primeiro-Ministro do XVI Governo Constitucional – é legítimo supor que, quando se queixou dos familiares de que vinham visitar um bebé prematuro, “ainda na incubadora”, e em vez o acarinharem lhe davam pontapés, Marcelo seria um dos visados. As críticas do comentador na TVI doíam tanto que Rui Gomes da Silva, Ministro dos Assuntos Parlamentares, disse:
Nem o PS, o PCP e o BE juntos conseguem destilar tanto ódio ao Primeiro-Ministro e ao Governo como esse comentador [Marcelo], que transmite sistematicamente um conjunto de mentiras com desfaçatez e sem qualquer vergonha”.
E a posição marcelista e a de outros barões do PSD deram jeito a Sampaio para legitimar a dissolução do Parlamento em que havia uma maioria que apoiava um governo legitimamente nomeado e empossado. Não se diga que Santana não foi eleito. Em tempo de crise partidária decide o Conselho Nacional, como sucedeu com Balsemão por morte de Sá Carneiro.
Se, em 2015, o próprio Gomes da Silva apoiou com entusiasmo Marcelo para as eleições presidenciais, nada impede que o almoço entre Marcelo e Santana tenha sido amistoso. No caso do XVI Governo, Marcelo foi chamado a Belém por Sampaio para contar se tinha ou não sido pressionado por Pais do Amaral para amaciar o comentário. O que se disse ali ficou entre eles, mas à Alta Autoridade para a Comunicação Social Marcelo disse que sim. E saiu da TVI, enquanto Santana saiu do Governo. Mas não se pode pensar que Marcelo tem em melhor conta Rui Rio. A breve colaboração entre os dois terminou mal. Rio foi secretário-geral de Marcelo quando este chegou à liderança, em 1996 (ano em que Santana quase foi candidato conta Marcelo, mas acabou por não ir a votos). Manuela Ferreira Leite recusou e falaram-lhe em Rio. 
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Um dos dois militantes vai ser eleito Presidente do PSD em 13 de janeiro. Dificilmente a eleição espelhará a real vontade dos militantes. Como no catolicismo há católicos não praticantes (ou praticantes à sua maneira), também nos partidos (PSD e outros, menos no PCP, talvez) há muitos militantes não praticantes (ou praticantes à sua maneira). Isto não é de gente política. É aberração cidadã!

2017.11.20 – Louro de Carvalho

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