Um partido político vocacionado a intervir na
sociedade e a ocupar o poder não pode cair na situação em que se encontra
atualmente o PSD, Partido Social Democrata.
Nem vale dizer-se que isso pode acontecer – e
já terá acontecido – com outros partidos. É o bem da democracia, a decência e o
pundonor associativo que têm de ser acautelados para o debate que pode levar o
país ao progresso. E quem pode liderar o país tem que dar o exemplo.
A página web
da Comissão Nacional de Eleições sintetiza a noção, a importância e o contexto
em que surgiram os partidos políticos em Portugal:
“A Revolução do 25 de Abril de 1974 e o consequente
estabelecimento de um regime democrático, plural e livre, fizeram emergir na
ordem jurídica e constitucional portuguesa o aparecimento de partidos políticos tidos como associações
privadas com fins constitucionais que visavam exercer, fundamentalmente, uma ‘função de mediação política’, traduzida na ‘organização e expressão da vontade popular’, na ‘participação nos órgãos
representativos’ e na ‘influência na formação do governo’.
Tomando
como marco tal efeméride, verifica-se que foi nos anos de 1974 e 1975 que
surgiu a maioria dos partidos políticos, muito embora tenham sido criados novos
partidos, desde então, sendo de ressaltar que apenas um número diminuto de
partidos alcançou representação parlamentar consecutiva e até muitos deles ou
não chegaram a apresentar candidaturas ou fizeram-no, apenas, uma ou duas
vezes.”.
Também a Lei dos Partidos Políticos, aprovada
pela Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei
Orgânica n.º 2/2008, de 14 de maio, estabelece que:
“Os partidos políticos concorrem para a
livre formação e o pluralismo de expressão da vontade popular e para a
organização do poder político, com respeito pelos princípios da independência
nacional, da unidade do Estado e da democracia política” (art.º 1.º).
E define com fins dos partidos políticos no
art.º 2.º:
a) Contribuir para o esclarecimento
plural e para o exercício das liberdades e direitos políticos dos cidadãos;
b) Estudar e debater os problemas
da vida política, económica, social e cultural, a nível nacional e
internacional;
c) Apresentar programas políticos e
preparar programas eleitorais de governo e de administração;
d) Apresentar candidaturas para os
órgãos eletivos de representação democrática;
e) Fazer a crítica, designadamente
de oposição, à atividade dos órgãos do Estado, das regiões autónomas, das
autarquias locais e das organizações internacionais de que Portugal seja parte;
f) Participar no esclarecimento das
questões submetidas a referendo nacional, regional ou local;
g) Promover a formação e a
preparação política de cidadãos para uma participação direta e ativa na vida
pública democrática;
h) Em geral, contribuir para a
promoção dos direitos e liberdades fundamentais e o desenvolvimento das
instituições democráticas.
Os Estatutos do PSD, que acolhem o conceito e
os fins acabados de enunciar, estabelecem na alínea c) do n.º 1 do art.º 7.º,
como um dos deveres dos militantes “contribuir
para as despesas do Partido através do regular pagamento das quotizações”.
***
Ora,
segundo o que a edição impressa do JN do passado dia 15 referia, dos 215 883 militantes do Partido Social
Democrata (PSD), apenas 27 025 (12,5%) têm as quotas em dia. O próprio distrito de
Viseu, conhecido por Cavaquistão (também o quiseram fazer Passistão e Pafistão) tem apenas 5,7% dos militantes com as
quotas regularizadas.
Se as eleições para a presidência do
partido – agendadas para o próximo dia 13 de janeiro, a que se candidatam Rui
Rio e Pedro Santana Lopes – fossem no dia 16 de novembro, 87,5% dos militantes
não poderiam participar na decisão do futuro do PSD. Por outras palavras, o líder do maior
partido da oposição e, porventura, o próximo candidato socialdemocrata a
Primeiro-Ministro seria escolhido por menos de 28 mil militantes. As contas
fazem-se assim: dos 215.883 militantes do PSD, apenas 12,5% têm quotas em dia e
estão em condições de votar. Mais: desse universo, 87.744 militantes estão
suspensos por não regularizarem as quotas há mais de dois anos e 7.567 têm
moradas desconhecidas. Porém, independentemente da situação em que se
encontram, se pagarem as quotas até 14 de dezembro, vão poder votar nas eleições
diretas agendadas para janeiro. E esta é a batota legal.
Os partidos
professam a liberdade de associação, reunião e candidatura, fora de qualquer pressão
exterior, limitando-se a observar o balizamento imposto por lei e que os
estatutos costumam acolher. Por outro lado, inscrevem nos estatutos as normas
que regem a democracia interna. Ora, um dos requisitos da democracia interna é iniludivelmente
o cumprimento dos deveres militantes. E um deles é o pagamento regular das
quotizações.
Acresce que
os partidos, além de outras obrigações e fins políticos têm deveres para com a
cidadania ou política que podem ser sintetizados na alínea g) do art.º 2.º da
Lei dos Partidos Políticos: “promover a
formação e a preparação política de cidadãos para uma participação direta e
ativa na vida pública democrática”. E a cidadania ou política exprime-se no
exercício dos direitos e no cumprimento dos deveres, bem como na ativa intervenção
na vida coletiva.
Daqui resulta
que, ao tratar-se da eleição do líder partidário e dos delegados ao Congresso, a
urgência da regularização do pagamento de quotas origina o pagamento de forma
vicária (um paga pelos outros), coletiva e à “chapelada”. Isto não
é sério e retira credibilidade à crítica justa que se faz à constituição de listas
partidárias para a candidatura aos órgãos da República. Os componentes, por
norma, não são escolhidos pelos militantes, mas pelos burocratas de partido,
seja a nível nacional, seja a nível regional e local.
Assim, os
líderes têm os militantes que lhes convêm e os militantes têm os líderes que
merecem.
Para a equipa
de Rui Rio, um fenómeno da dimensão acima exposta pode ser terreno fértil para
o caciquismo e o pagamento de quotas em massa. Salvador Malheiro, coordenador
da campanha do ex-Presidente da Câmara Municipal do Porto, afirmou:
“Receamos
que isso possa acontecer, desvirtuando os princípios da democracia”.
Para
Malheiro, números daquela ordem de grandeza demonstram o “distanciamento” e o
“alheamento” dos “militantes de base com as estruturas locais e nacionais” do
PSD. Com efeito, quem paga interessa-se, informa-se e exige; quem não paga conforma-se.
Aquele a quem se dá resigna-se e diz que sim até que o molestem a si e aos seus
compadres, familiares e amigos.
Por seu
turno, João Montenegro, diretor de campanha de Pedro Santana Lopes, concorda
que o número de militantes em condições de votar “fica aquém do expectável e
deve preocupar, em primeiro lugar, o PSD”. O responsável pela campanha do
antigo primeiro-ministro desvaloriza, ainda assim, ingénua ou hipocritamente que
tal possa alimentar esquemas de pagamento de quotas através de estruturas
locais.
No limite, as
duas candidaturas defendem que é preciso tomar medidas para travar este
problema e introduzir maior transparência no sistema. Para Salvador Malheiro, a
solução pode passar por “impedir que o pagamento de quotas seja feito por
terceiros e admitir a possibilidade de todos os militantes, com um número
mínimo de anos, votarem com ou sem quotas em dia”, bem como “ainda abrir este
ato eleitoral à sociedade com a criação da figura de simpatizante”. É uma
solução que, a meu ver, é absurda, premeia a negligência cívica, faz intervir
na escolha de titular de órgão partidário quem não tem a ver diretamente com o
partido e parece contrariar o perfil de rigor inerente à figura de Rio, que,
por pior que seja ou tenha sido, não creio que aceite que vale tudo. E João
Montenegro, diretor de campanha de Santana, considera que a atribuição de uma
referência para pagamento de quotas a cada militante pode ser uma solução,
sendo certo que a introdução do voto eletrónico é o próximo passo a tomar, no
sentido de “introduzir maior transparência”. É menos ambiciosa, mais temperada
e menos trapalhona esta posição.
***
Também algo que mexeu com a opinião pública foi o facto de Pedro Santana
Lopes haver almoçado com Marcelo Rebelo de Sousa no dia em que confirmou que
era candidato à liderança do PSD, contra Rui Rio. Mas esse evento não pode ser
lido de outro modo que segredar a Santana Lopes que é bem-vindo à corrida
eleitoral, o que não quer dizer que seja sinónimo de apoio presidencial a uma
fação partidária.
Marcelo e Santana já estiveram do mesmo lado, depois em choque aberto (em candidaturas diferentes ao congresso, em rota de colisão quando
Santana foi Primeiro-Ministro e Marcelo assomava na TVI como comendador…), finalmente apaziguados. Rio já
esteve contra Santana e Marcelo, ao mesmo tempo, depois com Marcelo Rebelo de
Sousa (não tendo terminado bem), e com Santana, à vez.
Aliás os bastidores e a ribalta das alianças, desencontros e traições entre
Santana Lopes, Rui Rio, Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Passos Coelho, Miguel Relvas,
ou Manuela Ferreira Leite são sobejamente conhecidos. E estas personalidades andam
todas por aí há lustros e décadas.
No mais atribulado momento da vida política de Pedro Santana Lopes – quando
foi Primeiro-Ministro do XVI Governo Constitucional – é legítimo supor que,
quando se queixou dos familiares de que vinham visitar um bebé prematuro, “ainda
na incubadora”, e em vez o acarinharem lhe davam pontapés, Marcelo seria um dos
visados. As críticas do comentador na TVI doíam tanto que Rui Gomes da Silva, Ministro
dos Assuntos Parlamentares, disse:
“Nem o PS, o PCP e o BE juntos conseguem
destilar tanto ódio ao Primeiro-Ministro e ao Governo como esse comentador
[Marcelo], que transmite sistematicamente um conjunto de mentiras com
desfaçatez e sem qualquer vergonha”.
E a posição marcelista e a de outros barões do PSD deram jeito a Sampaio para
legitimar a dissolução do Parlamento em que havia uma maioria que apoiava um
governo legitimamente nomeado e empossado. Não se diga que Santana não foi
eleito. Em tempo de crise partidária decide o Conselho Nacional, como sucedeu
com Balsemão por morte de Sá Carneiro.
Se, em 2015, o próprio Gomes da Silva apoiou com entusiasmo Marcelo para as
eleições presidenciais, nada impede que o almoço entre Marcelo e Santana tenha
sido amistoso. No caso do XVI Governo, Marcelo foi chamado a Belém por Sampaio para
contar se tinha ou não sido pressionado por Pais do Amaral para amaciar o
comentário. O que se disse ali ficou entre eles, mas à Alta Autoridade para a
Comunicação Social Marcelo disse que sim. E saiu da TVI, enquanto Santana saiu
do Governo. Mas não se
pode pensar que Marcelo tem em melhor conta Rui
Rio. A breve colaboração entre os dois terminou mal. Rio foi secretário-geral
de Marcelo quando este chegou à liderança, em 1996 (ano em que Santana quase foi candidato conta Marcelo, mas acabou por não ir
a votos). Manuela Ferreira
Leite recusou e falaram-lhe em Rio.
***
Um dos dois militantes
vai ser eleito Presidente do PSD em 13 de janeiro. Dificilmente a eleição espelhará
a real vontade dos militantes. Como no catolicismo há católicos não praticantes
(ou
praticantes à sua maneira), também
nos partidos (PSD e outros, menos no PCP, talvez) há muitos
militantes não praticantes (ou praticantes à sua maneira). Isto não é de gente política. É aberração cidadã!
2017.11.20 – Louro de Carvalho
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