O trinómio vertido em epígrafe foi o tema principal da
XXV Cimeira Ibero-americana, que decorreu nos dias 28 e 29 de outubro em Cartagena
das Índias, na Colômbia, e onde Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa se
estrearam como representantes de Portugal neste areópago político, já que o primeiro
foi empossado como Chefe de Estado a 9 de março e o segundo foi empossado como
Chefe do XXI Governo a 30 de novembro.
Esta Cimeira juntou na Colômbia os chefes de Estado e
de Governo de 22 países – Portugal, Espanha e Andorra e 19 países da América
Latina – e acontece dois anos após a última reunião, realizada em 2014, em
Veracruz, México, quando estes encontros passaram a bienais. O evento contou
ainda com a participação do secretário-geral designado das Nações Unidas, o também
português António Guterres.
Ainda antes da cimeira, já em Cartagena das Índias – onde aterrou no dia 27
à noite, chegado da visita de Estado de dois dias a Cuba – o Presidente da
República teve encontros bilaterais com os seus homólogos da Colômbia e do
Peru, Juan Manuel Santos e Pedro Pablo Kuczynski, visitou o centro histórico de
Cartagena, reuniu-se com empresários e participou, com outros chefes de Estado,
num debate no Fórum empresarial ibero-americano.
O arranque da cimeira ocorreu às 20 horas locais com o jantar oficial de chefes
de Estado e de governo; E, no dia 29, a sessão de abertura da Cimeira arrancou
pelas 10 horas e o encerramento ocorreu ao meio da tarde. Depois, realizou-se a
conferência de imprensa em que foi feito o balanço.
Em entrevista à agência Lusa, o Ministro
dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, esperava que a
cimeira fosse “um incentivo aos colombianos no esforço para uma paz duradoura”;
e sobre a presença de Guterres, disse constituir uma “possibilidade de os
chefes de Estado e de Governo ouvirem diretamente o novo secretário-geral”.
O Governo da Colômbia e as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia) assinaram, no mês de setembro, um acordo
de paz, após quase 4 anos de conversações em Havana, Cuba, para terminar o
conflito armado que se prolonga há 52 anos. O ato, que o povo recusou em
referendo, justificou a atribuição do prémio Nobel da Paz ao Presidente Juan
Manuel Santos.
Em entrevista à agência EFE, Marcelo
Rebelo de Sousa prometera levar à Cimeira uma mensagem muito clara: a de que a
América Latina é uma prioridade constante para Portugal.
Também em Cuba, o Chefe de Estado português apontara como uma “grande opção
de política externa” a América Latina, região com que Portugal tem
intensificado as relações económicas.
À EFE, Marcelo esclareceu:
“Portugal manteve sempre, e independentemente da cor
política no poder, uma constância no seu interesse ao mais alto nível político
pelo debate e espírito de amizade e solidariedade com a comunidade ibero-americana”.
***
Na sua intervenção
na XXV Cimeira Ibero-Americana, o Presidente da República convidou os chefes de
Estado e de Governo ibero-americanos a visitarem Fátima por ocasião das
comemorações do centenário dos acontecimentos de 1917 na Cova da Iria,
justificando que “na cultura entram também crenças e formas de circulação,
crenças religiosas”. Nesse sentido, recordou “para o ano o centenário de Fátima
em Portugal, para o que estais convidados”.
É convite
simpático, mas que se justificaria se tivesse sido sugerido pelo Episcopado Português.
Também o Primeiro-Ministro
António Costa complementou esse convite, acrescentando um dado novo:
“Quero juntar ao convite que o
Presidente da República de Portugal já fez para que visitem Portugal por ocasião
do centenário de Fátima, [um convite] para que visitem Portugal também no
próximo ano porque Lisboa será capital ibero-americana da cultura”.
E o
Primeiro-Ministro, ex-autarca da capital portuguesa, observou em jeito de
justificação:
“Mais do que interesses, aquilo que
nos une é uma cultura comum. E a capital da cultura em Lisboa significa que
Lisboa será no próximo ano a capital de todos vós. Muito obrigado, e bem-vindos
a Portugal”.
Mas Costa não
se ficou por aqui. Puxou, antes, pelos valores dos países ibéricos, ao afirmar:
“Quando em tantos países
se reforçam as tentações do protecionismo ou se concretiza a construção de
muros que impeçam a mobilidade, creio que devemos partilhar com orgulho o facto
de os dois países da UE que integram esta comunidade estarem entre aqueles que
dentro da UE mais se têm batido por acelerar os acordos económicos entre a
União Europeia e outros espaços regionais, nomeadamente o Mercosul”.
O
primeiro-ministro acrescentou que deve igualmente ser motivo de orgulho, no
atual contexto, Portugal e Espanha “serem, como aqui sublinhou António
Guterres, os únicos dois países da UE onde o populismo xenófobo não encontrou qualquer
tipo de expressão”.
***
Paz, cultura e Fátima
pouco pareciam ter, à primeira vista, com o lema da XXV Cimeira
Ibero-americana. No entanto, é de referir que a guerra e os conflitos similares
desviam a juventude da verdadeira rota de futuro e criam personalidades
desviadas e desviantes; a cultura empobrece; a educação vai num único e pior
sentido; a mobilidade é forçada e não querida; e o dinâmico empreendedorismo
não encontra lugar para se realizar e criar bem-estar e riqueza.
Talvez assim
se perceba melhor o motivo por que, logo no início do seu discurso, Marcelo tenha
feito alusão ao processo de paz na Colômbia e dito que em Cartagena se sente “o
espírito da paz” e que “esta cimeira decorre sob esse espírito, interno e
externo”. Depois, sustentou:
“Paz quer dizer diálogo interno e
externo, quer dizer tolerância, quer dizer respeito pelos direitos humanos,
respeito pela democracia que são realidades fundamentais do espírito
ibero-americano”.
E, citando
António Guterres, corroborou:
“Como disse muito bem o
secretário-geral das Nações Unidas, esse espírito é essencial na afirmação
desta comunidade”.
Com efeito,
só num regime democrático, em que haja estabilidade social e paz em todos os
setores, é possível desenhar um futuro para e com a juventude, assegurar o desenvolvimento
pessoal e social através da educação integral e integradora e criar condições para
o emprego e para o empreendedorismo.
Por isso, o
Presidente da República reforçou a mensagem da essencialidade da afirmação
desta comunidade em fase mais adiantada do seu discurso, ao afirmar que é
importante a comunidade ibero-americana “pensar nas empresas” e “pensar o
emprego”, mas “não esquecer a justiça social”, nem “a participação cívica e
política” e “não esquecer os valores”. E defendeu:
“Os jovens da nossa comunidade são a
garantia do nosso futuro, se apostarem na paz, na democracia, no Estado de
direito, nos direitos humanos, no humanismo, no respeito da dignidade das
pessoas”.
***
A propósito
de toda a temática desenvolvida na Cimeira, Santos Silva, chefe da diplomacia portuguesa
apontou a presença de Guterres como configuradora de “um grande elemento
simbólico”, além de constituir, como se disse já, uma “possibilidade de os
chefes de Estado e de Governo ouvirem diretamente o novo secretário-geral”.
Recordando
que houve três candidaturas ao cargo de secretário-geral da ONU do espaço
ibero-americano – António Guterres (Portugal), Susana Malcorra (Argentina) e Christiana Figueres (Costa Rica) – acentuou que este espaço
manifestou, no seu conjunto, múltiplas preferências. Porém, “o que é facto é
que, num processo que foi o mais participado e transparente alguma vez feito
para escolher o secretário-geral das Nações Unidas, o desenlace foi uma eleição
por consenso e aclamação, entusiasticamente saudada em todas as regiões do
mundo” – sublinhou.
Em particular
sobre a cimeira ibero-americana, o ministro disse que o Governo português
“comunga muito do mote da presidência colombiana”, pois, diz-nos muito “ligar a
juventude, a educação, a mobilidade e o empreendedorismo. E exemplificou com o
programa de mobilidade de estudantes Erasmus,
que é “de facto um programa que faz mudar as coisas, que faz comunidade com uma
intensidade e naturalidade que nenhum outro consegue ter”.
O ministro,
considerando que “tudo o que seja estimular a mobilidade académica e
profissional, sobretudo dos jovens, no espaço ibero-americano, ajuda a
construir esse espaço”, comentou:
“Um dos grandes desafios do nosso
tempo é o de retirarmos todo o potencial, do ponto de vista da economia e do
desenvolvimento, que existe no facto de as novas gerações serem em regra muito
mais qualificadas que as dos seus pais ou avós. No caso do espaço
ibero-americano e, em particular, do espaço latino-americano, esse elemento
ainda é mais impressivo, porque cerca de metade dos estudantes universitários
são a primeira geração das suas famílias a chegar ao ensino superior”.
Além disso,
assinalou, a cimeira também é importante pelo “interconhecimento que potencia”,
nomeadamente nas reuniões bilaterais que se realizam à margem do encontro, de
que se fez referência acima e outras que dizem menos respeito a Portugal.
***
Bem
queriam os Estados-membros que o encontro de Cartagena fosse a festa da paz. E apesar
das vicissitudes do “não” no referendo, a necessidade e a vontade de paz foram claramente
reafirmadas e a paz foi requerida, mas a temática que mobilizou os
participantes também foi desenvolvida e concluída.
Assim,
os chefes de Estado e de Governo dos 22 países ibero-americanos, com base
nas diversas propostas de comunicados especiais e após a livre discussão dos
diversos intervenientes, aprovaram três documentos: a Declaração de Cartagena; a Resolução de Cartagena sobre a Conferência Ibero-americana; e o Programa
de Ação.
Neste encontro, que teve por tema
“Juventude, empreendimento e educação”, ficaram destacados o aumento da
inclusão, participação, investimento e direitos dos jovens com o Pacto
Ibero-americano da Juventude; alianças entre as universidades, empresas e
sociedade civil para uma educação que contribua para o emprego jovem; mais
investimento e cooperação na Ciência, Tecnologia e Inovação; a Aliança para a
Mobilidade Académica e reconhecimento dos estudos e títulos universitários nos
diferentes países; e políticas para eliminar barreiras de acesso ao mercado
laboral com enfoque no género e etnia.
E a Guatemala foi eleita pelos mandatários
como sede da XXVI Cimeira Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo, no
ano de 2018.
Por seu turno, o Primeiro-Ministro português
anunciou que está a preparar uma visita à Argentina para “tão breve quanto
possível” e que Portugal e Chile vão assinalar os 500 anos da viagem de
circum-navegação de Fernão Magalhães, em 2020. E o Presidente da República fez
um lancinante apelo à paz.
É bom que o mundo, apendendo com os erros
e as realizações da História, se entenda e mexa pela paz, pela educação e pelo
bem-estar de todos.
2016.11.03 – Louro de
Carvalho
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