Decorreu, a 31 de outubro e 1 de novembro, em
Brasília, a XI Conferência de chefes de Estado e de Governo da CPLP (Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa), com
a presença do futuro secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que
foi convidado, para o efeito, pelo Presidente brasileiro, Michel Temer, que
espera de Guterres um contributo significativo para a “reflexão modernizadora”
da comunidade lusófona. Portugal foi representado na cimeira, ao mais alto
nível, pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e pelo Primeiro-Ministro,
António Costa – ambos estreantes nas cimeiras da CPLP.
A CPLP, que reúne Angola, Brasil, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste,
debruça-se sobre várias áreas de cooperação, como educação, saúde, defesa,
agricultura, justiça, economia e língua. E agora aprovou a entrada de 5 novos
observadores associados: Hungria, República Checa, Eslováquia, Costa do Marfim
e Uruguai.
A XI Conferência, dedicada à Agenda 2030 da ONU para
o Desenvolvimento Sustentável, decorreu no Palácio Itamaraty, sede do
Ministério das Relações Exteriores brasileiro, onde começou às 15 horas e 50
minutos, com a fotografia oficial do encontro, a que se seguiu a sessão solene
de abertura e, pelas 17 horas, o início duma sessão de trabalho por parte dos
mandatários. Depois, às 20 horas, o Presidente do Brasil ofereceu aos participantes
um jantar oficial no Palácio da Alvorada. A primeira reunião marcou o início da
presidência (rotativa) brasileira
da organização, durante os próximos dois anos, sucedendo a Timor-Leste.
Da sua parte, o Presidente Temer sustentou a
necessidade de “atualizar a CPLP”, alinhando-a “ao que há de mais contemporâneo
no debate internacional”, e garantiu o envolvimento do Brasil com a
organização, depois de o chefe de Estado português ter defendido que o futuro
da CPLP “depende largamente do Brasil, porque Portugal aposta, mas o Brasil tem
de apostar”.
Por outro lado, nesta cimeira que celebra os seus 20 anos
de existência, a CPLP viu aprovada a nova visão estratégica, que define o rumo
da organização para a próxima década. E ainda os 9 membros da CPLP designaram Maria
do Carmo Silveira como a nova secretária-executiva, indicada por São Tomé e
Príncipe, que iniciará, em janeiro de 2017, um mandato de dois anos.
Outro dos temas em debate foi a satisfação dos
compromissos da Guiné Equatorial, que se tornou membro de pleno direito da CPLP
há dois anos, na cimeira da Díli, no atinente ao respeito pelos direitos
humanos, nomeadamente no respeitante à abolição da pena de morte – pena que
está ao abrigo de uma moratória – e no atinente ao respeito pela idiossincrasia
da CPLP, em que é fundamental a introdução do ensino e da aprendizagem da
língua portuguesa. Em relação a estas matérias, o representante da missão
permanente da Guiné Equatorial junto da CPLP, Tito Mba Ada, anunciou no passado
dia 19 que a Assembleia Nacional ratificou os estatutos da organização, facto
que o Governo português considerou ser uma “boa notícia”.
Foi também debatida a situação política da
Guiné-Bissau, onde foi alcançado um acordo para encontrar um primeiro-ministro
de consenso.
O Primeiro-Ministro português avançou a proposta da liberdade
de circulação de pessoas e bens nos países da CPLP (tendo
de resolver estas questões com a EU, que integra). E a Guiné Equatorial prometeu a promoção do ensino
do português e pediu apoio técnico para abolir a pena de morte.
***
À margem da reunião, o Presidente brasileiro recebeu,
no dia 31, no Palácio do Planalto – sede da presidência brasileira –, António
Guterres, que se tornará efetivo secretário-geral da ONU a 1 de janeiro de
2017, e, em seguida, o Presidente português.
Também na manhã do dia 31, os chefes da diplomacia dos
9 países reuniram-se no Palácio Itamaraty, no XXI Conselho de Ministros, donde saíram
as recomendações a aprovar na cimeira. A cimeira foi encerrada na manhã de
ontem, dia 1 de novembro.
O ministro dos Negócios Estrangeiros português,
Augusto Santos Silva, defendeu, em Brasília, falando aos jornalistas à
margem desta XI conferência, que a Guiné Equatorial deve abolir de imediato a
pena de morte, sob pena de a sua integração na CPLP ser ilegítima. Sustentou que,
para Portugal, há três “condições ‘sine qua non’ da integração daquele país na
organização: a ratificação dos estatutos da organização (já
efetivada), a abolição da pena de morte (para
que foi pedido apoio técnico) e a
generalização do ensino da língua portuguesa no país (prometida).
Também Marcelo abordou a questão da pena de morte na
Guiné. O Presidente da República afirmou estar, tal como o
primeiro-ministro (que tinha a seu lado), “muito à vontade” quanto à entrada da Guiné
Equatorial na CPLP, porque ambos não participaram na cimeira que aprovou a
adesão, dizendo textualmente no final esta cimeira, em conferência de imprensa:
“O haver a ratificação
dos estatutos, o haver passos para a introdução do português e o haver um passo
decisivo que é não ser possível a aplicação da pena de morte, tudo isto é
decorrência de uma cimeira em que o Estado português esteve representado, mas
quer o senhor primeiro-ministro, quer o atual Presidente estão muito à vontade
porque não estiveram lá para votar a admissão da Guiné Equatorial”.
Já antes, no início da sua intervenção, recordou que
na cimeira anterior, realizada em Timor-Leste em julho de 2014, a CPLP admitira
aquele novo membro e sublinhou:
“Nenhum de nós, aliás,
estava na cimeira de Díli, mas o que é facto é que, nesta cimeira, foi possível
verificar que esse novo membro tinha ratificado os estatutos da CPLP,
finalmente, fazendo valer esses estatutos no seu direito interno”.
Marcelo assinalou que, por força da moratória exigida
e aceite, a pena de morte não é aplicada na Guiné Equatorial, mas garantiu que
Portugal estará “atento aos passos” dados por este país para alterar
o panorama dos direitos humanos antes da próxima cimeira lusófona. Disse assim:
“Ao contrário do que
muitos temiam, que era que se chegasse a esta cimeira com esse Estado-membro
sem ter condições de poder vir a continuar a ser membro de pleno direito, foram
dados passos para que isso fosse possível”.
Por seu turno, António Costa, na predita conferência
de imprensa, manifestou a convicção de que a proposta portuguesa de mobilidade
no espaço lusófono será uma realidade quando Portugal assumir o
secretariado-executivo da CPLP, em 2019. Declarou a este respeito:
“Tenho a certeza de que
daqui a dois anos essa questão estará ultrapassada. Se não estiver, bom, essa
será necessariamente a primeira missão do nosso secretário-executivo. Mas não
creio que essa questão ainda esteja na agenda daqui a dois anos, pelo
contrário, já deve estar simplesmente na prática do dia a dia dos nossos povos”.
O Presidente do Brasil, que ficou incumbido de fazer o
balanço do encontro, referiu que a cimeira que decorreu entre segunda-feira e
terça-feira teve uma “dimensão universal”. Em declarações aos jornalistas, Michel
Temer lembrou que o Brasil assumiu como tema da sua presidência rotativa de 2
anos da CPLP, que agora se iniciou, a Agenda
2030 para o Desenvolvimento Sustentável, ligada à agência das Nações Unidas.
O líder brasileiro salientou o “preciosíssimo relato” do futuro
secretário-geral da ONU, presente na reunião, da situação mundial e dos seus
planos para a liderança da ONU. Com o português à frente da ONU, “a
aproximação da CPLP com as Nações Unidas será muito mais facilitada e intensa
do que já é”, sustentou Michel Temer. E, ao dar conta dos resultados da
reunião, disse:
“Nós apresentámos um
roteiro com atividades concretas na área de crescimento económico, geração de
riqueza, erradicação da pobreza, combate ao analfabetismo e, para tanto,
faremos troca de informações entre os vários países”.
Numa declaração sem direito a perguntas dos
jornalistas, o Presidente do Brasil avançou que os Estados-membros adotaram a
tese de que “cada país deve, no âmbito das suas atividades e segundo os seus
critérios, dimensionar as suas despesas de acordo com a sua receita”, algo que
“já vêm praticando de alguma maneira”. Isto porque, muitos países passam por
situações de gastos acima do que se arrecada”.
Quanto à política externa brasileira, assegurou que
ela “tem hoje uma vocação universalista”, vincando que a CPLP é “um dos grupos
mais expressivos” na qual o Brasil está inserido, entre outros, pelo fator da
aproximação linguística.
***
O documento formal aprovado na
XI conferência de chefes de Estado e de Governo da CPLP determina o fim da pena
de morte na Guiné Equatorial, a eliminação do trabalho infantil e a nova visão
estratégica da CPLP. Esta define as prioridades da organização para a próxima
década, prevendo apostar na economia, nomeadamente, energia e turismo,
facilitar a circulação no espaço lusófono e orientar a cooperação para o desenvolvimento
sustentável.
O documento define como principais apostas a “cooperação económica e empresarial, segurança alimentar e
nutricional, energia, turismo, ambiente, oceanos e plataformas continentais,
cultura, educação e ciência, tecnologia e ensino superior”; e prevê o reforço dos
mecanismos para facilitar a circulação de pessoas dentro do espaço lusófono. Entre as prioridades, figura
o alinhamento da cooperação na comunidade lusófona com os ODS (Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável) e o reforço da cooperação com
os países que têm estatuto de Observador
Associado da CPLP (Hungria,
República Checa, Eslováquia, Uruguai, ilha Maurícia, Namíbia, Senegal, Turquia,
Japão e Geórgia).
Esta estratégia passa por suscitar maior envolvimento da sociedade civil nas
atividades da Comunidade, reforçar a cooperação multilateral e promover a
igualdade de género e consolidar o português “como língua de comunicação global, língua de
conhecimento e língua de negócios”. E, ainda em relação à língua, pretende-se valorizar o potencial
das diásporas da CPLP e das comunidades situadas noutros países e regiões, que
preservam a influência da língua portuguesa e partilham laços históricos e
culturais com os países da organização.
Os líderes lusófonos consideram que “a integração dos países-membros da CPLP em diferentes regiões do mundo, a existência
de
extensa área marítima, o considerável potencial económico e estratégico
representado pelo mar, as perspetivas favoráveis no domínio energético e a diversidade cultural” da CPLP
são um
importante património comum a valorizar continuamente e a potenciar em benefício da Comunidade.
No atinente ao trabalho infantil, a Comunidade compromete-se
a adotar políticas “imediatas e eficazes” que permitam eliminar o
trabalho infantil entre os países-membros. Reiterando o respeito da Agenda 2030
para o Desenvolvimento Sustentável, a CPLP compromete-se com a “adoção de medidas imediatas e eficazes para assegurar a proibição
e a eliminação das piores formas de trabalho infantil até 2025 no espaço” da organização e apela aos Estados
a que desenvolvam políticas concretas para “erradicar o trabalho forçado,
acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas e assegurar a proibição
e eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo o recrutamento e
a utilização de crianças-soldado”.
2016.11.02
– Louro de Carvalho
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