A sigla é TPC porque se diz que os professores marcam trabalhos para casa
aos alunos, mas, quando estas vítimas inocentes chegam à sala de aula com os
trabalhos de casa por fazer, semifeitos ou feitos, a sigla deveria ser TDC.
Os professores, convictos de que a abordagem dos conteúdos e os
exercícios em aula são insuficientes e/ou no pressuposto verificado de que os
programas são extensos e, sobretudo, certos de que as crianças, adolescentes e
jovens têm de criar hábitos de estudo por si mesmos, marcam, como forma de
estudo e para efeitos de verificação e consolidação das aprendizagens,
exercícios para casa. E os alunos, nesta matéria, como noutras, distribuem-se
por grupos diferentes: os que fazem tudo, os que só tem TPC e não TDC, os que
fazem parte e aqueles que os utilizam para alimento da explicação particular
devidamente paga.
Dos pais, há os que entendem que os professores nem ensinam nem mandam
fazer trabalhos, porque não querem ter o trabalho de os verificar e corrigir;
há os que pensam que os filhinhos ficam sobrecarregados, sem hipótese de
brincar, que é aquilo de que eles precisam; há os que se orientam pelas tarefas
que os professores marcam para ajudarem os educandos no seu processo de
aprendizagem; e há os que sabem tudo e não querem que nada mude para poderem
eles próprios dar a sua orientação aos filhos e dizerem o que os professores
devem ensinar.
As crianças e adolescentes precisam de brincar. Porém, sobrecarregam-nas
com os jogos de computador, TV, tablet, telemóvel e equivalentes. A par das
aulas, inventam-lhes as horas de ginásio, natação, explicações, futebol,
academias, etc. Confunde-se exploração do trabalho infantil com trabalho
infantil e rejeita-se a educação pelo trabalho. Chamamos hiperatividade à má
educação de tantos. Atrofiamo-los com atividades e com a inércia.
***
Os Trabalhos de casa fazem mesmo
sentido ou, antes, roubam tempo às brincadeiras e convívio de crianças, adolescentes
e jovens? Ajudam à consolidação das aprendizagens, suscitam dúvidas e são
ocasião de progressão escolar?
Se se marcam, sobrecarregam-se os
alunos, não os deixando respirar; se se abandona este recurso educativo,
corre-se o risco de fazer das aulas um passatempo despiciendo.
Em Espanha, a Confederação Espanhola de Associações de
Pais e Mães de Alunos, que representa cerca de 12 mil associações, “declarou greve”
aos TPC quando, invocando um dos artigos da Convenção
dos Direitos da Criança, incentivou as famílias a não deixarem os filhos
fazer trabalhos da escola aos fins de semanas durante o mês de novembro. Aduziu
como argumentos: que os TPC “invadem o tempo das famílias”; e que “violam o
direito ao recreio, à brincadeira e a participar nas atividades artísticas e
culturais”.
Só me pergunto se a predita Confederação está, desta
forma, a zelar o “superior interesse da criança, do adolescente ou do jovem.
Não virá a suceder que os futuros cidadãos a percorrer as sinuosas estradas da
vida se voltem contra os educadores de hoje que os terão enganado com a
facilidade da vida, a laxidão e a fuga à responsabilidade pelos atos e perante
o dever de trabalhar na justa medida das capacidades pessoais conforme o avanço
etário – físico e psicológico?
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Em Portugal, alguns professores defendem um recurso
moderado aos TPC no pressuposto de que o tempo, a moderação e a metodologia são
fatores a considerar nesta matéria.
Evidentemente que estão inteiramente contra os exercícios
que se limitem a transcrever páginas de manuais para o caderno ou atividades
similares. A este propósito, Paulo Guinote sustenta:
“Os trabalhos para casa são
importantes para consolidar aprendizagens em algumas disciplinas e conteúdos e
não como forma de ‘apresentar serviço’ inconsequente. Deve ter um objetivo
significativo para os alunos e devem ser integrados no trabalho em sala de aula
e não como tarefa mecânica e destinada apenas a verificar se estão feitos ou
não.”.
Como professor de História, o predito professor recorre
aos TPC numa “perspetiva de pesquisa a médio prazo”. Segundo o Educare. pt, pede aos alunos pesquisas sobre um
determinado tema e elaboração de pequenos trabalhos num horizonte de duas a
três semanas. Já como professor de Português, solicita a leitura de textos a
trabalhar em sala de aula ou a completar “algum exercício que ficou por fazer
na aula”.
Note-se que um professor simultaneamente de Português
e de História (História e Geografia de Portugal) dá aulas a
alunos do 5.º ano e do 6.º Assim, parece que a sua visão se mostra contida,
equilibrada e adequada a este nível etário e escolar. Noutras disciplinas os
alunos podem fazer exercícios fora da aula e, depois, colocar dúvidas aos
professores sobre o que não entenderam ou não conseguiram fazer. E, em idades
mais avançadas, podem muito bem fazer pesquisas e exercício de maior monta e
extensão. Nem têm de ser em casa. Hoje as escolas dispõem de tempos e espaços
adequados a trabalhos fora das aulas. Normalmente não será necessário
frequentar centros de estudos. Porém, dá a impressão de que alguns pais preferem
encarcerar os filhos num centro de estudos a tê-los mais tempo na escola ou a vê-los
estudar em casa.
Uma coisa é certa. Os latinos tinham razão quando
sentenciavam o “exercendo disces” (pelo
exercício aprenderás), que os
portugueses assumiram por “usa e serás
mestre”.
Algumas vezes e nalgumas disciplinas, Guinote pensa
que, “por vezes, se exagera no pedido de tarefas que deveriam ser desenvolvidas
em sala de aula”, mas, segundo afirma:
“O tempo para brincar pode sempre
existir e não é uma hora por dia que o inviabilizará. Preocupa-me mais que
muitos pais não tenham horários que lhes permitam ajudar os seus filhos e
acompanhá-los nas tarefas escolares, algo que também pode ser encarado como
‘tempo de qualidade’”.
Por outro lado, os professores têm de justificar o não
cumprimento de programas extensos como dantes, o que se torna difícil com a
redução de tempo letivo que o desenho curricular empresta a algumas
disciplinas, já no segundo ciclo, mas altamente agravada no 3.º. Este é, porém,
um problema que não se resolve com mais TPC, mas com a solução a encontrar pelo
Ministério da Educação e pela escola. E, se é para cortar nos conteúdos, isso
que seja feito por opção programática ou por entrega do ónus de seleção à
escola, responsabilizando-a não pelo cumprimento dos programas, mas pela sua
gestão. Contudo, tal não é possível a manter-se a gestão das aprendizagens com
o objetivo cego da avaliação. O ensino devia voltar a ser ministrado a partir
das necessidades de cada turma ou grupo de alunos e com base num trabalho
consequente de projeto. E a prova final ou exame, a existir, deveria ter em
conta este percurso.
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Outros docentes revelam-se
contra os TPC que designam por trabalhos para os pais das crianças. Por
exemplo, Rosário Gama, ex-diretora da Escola Secundária Infanta Dona Maria, em
Coimbra, ora presidente da Direção da APRE (Associação dos Aposentados, Pensionistas
e Reformados), “partilha
a sua experiência como professora, mãe e aluna” do século XX e conclui: “Fim dos TPC”. Ao Educare.pt referiu:
“Tinha a firme convicção que eram
poucos os alunos que o faziam sem apoio dos pais ou dos explicadores, o que
colocava em desvantagem todos os que não tinham pais em condições de os ajudar
e/ou não podiam pagar a explicadores”.
E opinou que é no horário e dentro da escola que as matérias
devem ser consolidadas, ficando o resto do tempo libertado para outras tarefas
que “completem o crescimento das crianças e jovens”.
Diz que a sua experiência como mãe a fez perceber que
muitos dos TPC “eram feitos quase mecanicamente”, no desejo de que “a tarefa
terminasse rapidamente”; e, como aluna, sentiu o peso das tarefas, quando a
pressa era para “ir saltar à corda ou passear de bicicleta”.
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Já Lurdes Figueiral, presidente da APM (Associação
dos Professores de Matemática), considera
os TPC não podem constituir uma forma de compensar a falta de tempo dos
professores para gerir programas desadequados. Mas – e muito bem, do meu ponto
de vista – sentencia:
“Os TPC devem gradualmente
contribuir para um trabalho autónomo e personalizado do aluno, colmatando
lacunas, abrindo novas perspetivas, consolidando aprendizagens”.
Opina que os TPC não poderão ser “mais do mesmo”
porque “mais do mesmo” é sempre “contraproducente e não desenvolve capacidades
cognitivas mais complexas nem é eficiente no ultrapassar de dificuldades”. No
pressuposto de que o trabalho de sala de aula “deveria ser suficiente para os
alunos apreenderem os conteúdos mais significativos e os processos mais
relevantes”, anota:
“No entanto, fora da escola, os
alunos devem ser incentivados, sobretudo, a perceber diversas abordagens e
aplicações daquilo que foi trabalhado na escola. Nesse sentido, pequenas
investigações, jogos, propostas de atividades que os alunos possam executar em
contextos familiares e, muitas vezes, com carácter lúdico – mas sempre
desafiadoras e exequíveis para eles – podem desenvolver capacidades importantes
e necessárias para aprendizagens mais significativas”.
Por seu turno, Filinto Lima, presidente da ANDAEP (Associação Nacional
de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas), é por um meio-termo. Assim, no ensino básico, recomenda comedimento; no
secundário, quer os TPC focados no estudo, até porque os estudantes dispõem de
mais tempo e autonomia. De qualquer modo, estes trabalhos, segundo ele, “não
podem dar lugar a tortura para casa, sob pena de perderem todas as suas
potencialidades no processo ensino-aprendizagem”. Por isso, sugere:
“Deve existir boa coordenação entre
os professores dos conselhos de turma para que não existam exageros em relação
à quantidade de TPC para o dia seguinte e ao número de disciplinas a que o
aluno tem de fazer trabalhos de casa”.
Perspetiva muito similar é o do diretor do Agrupamento
de Escolas Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, que diz fazer sentido marcar “TPC
quanto baste para consolidação da matéria lecionada”, sobretudo no Ensino
Básico, “em que os alunos são menos autónomos e necessitam de mais orientação”.
Porém, “no Ensino Secundário, os TPC devem dar lugar a uma orientação no
estudo, pois os alunos têm outra maturidade e autonomia”.
Para Jorge Ascensão, presidente da CONFAP “Confederação
Nacional das Associações de Pais), os TPC ajudarão
a consolidar aprendizagens, mas não devem ser marcados indiscriminadamente, pois
“não faz sentido prolongar a sala de aula em casa”. Com efeito, a escola tem o
seu tempo e família tem o seu.
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Apraz-me
concordar com o comedimento e moderação, mas também com a orientação
progressiva para o trabalho autónomo, valorizando mais a razão que a
experiência pessoal quiçá negativa. Se nos limitássemos a repercutir a nossa experiência
nos outros, a nossa ação seria demasiado pobre. E o mundo precisa de bem mais, que
nós podemos dar.
2016.11.28 – Louro de Carvalho
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