segunda-feira, 28 de novembro de 2016

De vez em quando os trabalhos para/de casa andam na berlinda

A sigla é TPC porque se diz que os professores marcam trabalhos para casa aos alunos, mas, quando estas vítimas inocentes chegam à sala de aula com os trabalhos de casa por fazer, semifeitos ou feitos, a sigla deveria ser TDC.
Os professores, convictos de que a abordagem dos conteúdos e os exercícios em aula são insuficientes e/ou no pressuposto verificado de que os programas são extensos e, sobretudo, certos de que as crianças, adolescentes e jovens têm de criar hábitos de estudo por si mesmos, marcam, como forma de estudo e para efeitos de verificação e consolidação das aprendizagens, exercícios para casa. E os alunos, nesta matéria, como noutras, distribuem-se por grupos diferentes: os que fazem tudo, os que só tem TPC e não TDC, os que fazem parte e aqueles que os utilizam para alimento da explicação particular devidamente paga.
Dos pais, há os que entendem que os professores nem ensinam nem mandam fazer trabalhos, porque não querem ter o trabalho de os verificar e corrigir; há os que pensam que os filhinhos ficam sobrecarregados, sem hipótese de brincar, que é aquilo de que eles precisam; há os que se orientam pelas tarefas que os professores marcam para ajudarem os educandos no seu processo de aprendizagem; e há os que sabem tudo e não querem que nada mude para poderem eles próprios dar a sua orientação aos filhos e dizerem o que os professores devem ensinar.   
As crianças e adolescentes precisam de brincar. Porém, sobrecarregam-nas com os jogos de computador, TV, tablet, telemóvel e equivalentes. A par das aulas, inventam-lhes as horas de ginásio, natação, explicações, futebol, academias, etc. Confunde-se exploração do trabalho infantil com trabalho infantil e rejeita-se a educação pelo trabalho. Chamamos hiperatividade à má educação de tantos. Atrofiamo-los com atividades e com a inércia.
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Os Trabalhos de casa fazem mesmo sentido ou, antes, roubam tempo às brincadeiras e convívio de crianças, adolescentes e jovens? Ajudam à consolidação das aprendizagens, suscitam dúvidas e são ocasião de progressão escolar?  
Se se marcam, sobrecarregam-se os alunos, não os deixando respirar; se se abandona este recurso educativo, corre-se o risco de fazer das aulas um passatempo despiciendo.
Em Espanha, a Confederação Espanhola de Associações de Pais e Mães de Alunos, que representa cerca de 12 mil associações, “declarou greve” aos TPC quando, invocando um dos artigos da Convenção dos Direitos da Criança, incentivou as famílias a não deixarem os filhos fazer trabalhos da escola aos fins de semanas durante o mês de novembro. Aduziu como argumentos: que os TPC “invadem o tempo das famílias”; e que “violam o direito ao recreio, à brincadeira e a participar nas atividades artísticas e culturais”.
Só me pergunto se a predita Confederação está, desta forma, a zelar o “superior interesse da criança, do adolescente ou do jovem. Não virá a suceder que os futuros cidadãos a percorrer as sinuosas estradas da vida se voltem contra os educadores de hoje que os terão enganado com a facilidade da vida, a laxidão e a fuga à responsabilidade pelos atos e perante o dever de trabalhar na justa medida das capacidades pessoais conforme o avanço etário – físico e psicológico?
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Em Portugal, alguns professores defendem um recurso moderado aos TPC no pressuposto de que o tempo, a moderação e a metodologia são fatores a considerar nesta matéria.
Evidentemente que estão inteiramente contra os exercícios que se limitem a transcrever páginas de manuais para o caderno ou atividades similares. A este propósito, Paulo Guinote sustenta:
“Os trabalhos para casa são importantes para consolidar aprendizagens em algumas disciplinas e conteúdos e não como forma de ‘apresentar serviço’ inconsequente. Deve ter um objetivo significativo para os alunos e devem ser integrados no trabalho em sala de aula e não como tarefa mecânica e destinada apenas a verificar se estão feitos ou não.”.
Como professor de História, o predito professor recorre aos TPC numa “perspetiva de pesquisa a médio prazo”. Segundo o Educare. pt, pede aos alunos pesquisas sobre um determinado tema e elaboração de pequenos trabalhos num horizonte de duas a três semanas. Já como professor de Português, solicita a leitura de textos a trabalhar em sala de aula ou a completar “algum exercício que ficou por fazer na aula”.
Note-se que um professor simultaneamente de Português e de História (História e Geografia de Portugal) dá aulas a alunos do 5.º ano e do 6.º Assim, parece que a sua visão se mostra contida, equilibrada e adequada a este nível etário e escolar. Noutras disciplinas os alunos podem fazer exercícios fora da aula e, depois, colocar dúvidas aos professores sobre o que não entenderam ou não conseguiram fazer. E, em idades mais avançadas, podem muito bem fazer pesquisas e exercício de maior monta e extensão. Nem têm de ser em casa. Hoje as escolas dispõem de tempos e espaços adequados a trabalhos fora das aulas. Normalmente não será necessário frequentar centros de estudos. Porém, dá a impressão de que alguns pais preferem encarcerar os filhos num centro de estudos a tê-los mais tempo na escola ou a vê-los estudar em casa.
Uma coisa é certa. Os latinos tinham razão quando sentenciavam o “exercendo disces” (pelo exercício aprenderás), que os portugueses assumiram por “usa e serás mestre”.
Algumas vezes e nalgumas disciplinas, Guinote pensa que, “por vezes, se exagera no pedido de tarefas que deveriam ser desenvolvidas em sala de aula”, mas, segundo afirma:
“O tempo para brincar pode sempre existir e não é uma hora por dia que o inviabilizará. Preocupa-me mais que muitos pais não tenham horários que lhes permitam ajudar os seus filhos e acompanhá-los nas tarefas escolares, algo que também pode ser encarado como ‘tempo de qualidade’”.
Por outro lado, os professores têm de justificar o não cumprimento de programas extensos como dantes, o que se torna difícil com a redução de tempo letivo que o desenho curricular empresta a algumas disciplinas, já no segundo ciclo, mas altamente agravada no 3.º. Este é, porém, um problema que não se resolve com mais TPC, mas com a solução a encontrar pelo Ministério da Educação e pela escola. E, se é para cortar nos conteúdos, isso que seja feito por opção programática ou por entrega do ónus de seleção à escola, responsabilizando-a não pelo cumprimento dos programas, mas pela sua gestão. Contudo, tal não é possível a manter-se a gestão das aprendizagens com o objetivo cego da avaliação. O ensino devia voltar a ser ministrado a partir das necessidades de cada turma ou grupo de alunos e com base num trabalho consequente de projeto. E a prova final ou exame, a existir, deveria ter em conta este percurso.  
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Outros docentes revelam-se contra os TPC que designam por trabalhos para os pais das crianças. Por exemplo, Rosário Gama, ex-diretora da Escola Secundária Infanta Dona Maria, em Coimbra, ora presidente da Direção da APRE (Associação dos Aposentados, Pensionistas e Reformados), “partilha a sua experiência como professora, mãe e aluna” do século XX e conclui: “Fim dos TPC”. Ao Educare.pt referiu:
“Tinha a firme convicção que eram poucos os alunos que o faziam sem apoio dos pais ou dos explicadores, o que colocava em desvantagem todos os que não tinham pais em condições de os ajudar e/ou não podiam pagar a explicadores”.
E opinou que é no horário e dentro da escola que as matérias devem ser consolidadas, ficando o resto do tempo libertado para outras tarefas que “completem o crescimento das crianças e jovens”. 
Diz que a sua experiência como mãe a fez perceber que muitos dos TPC “eram feitos quase mecanicamente”, no desejo de que “a tarefa terminasse rapidamente”; e, como aluna, sentiu o peso das tarefas, quando a pressa era para “ir saltar à corda ou passear de bicicleta”. 
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Já Lurdes Figueiral, presidente da APM (Associação dos Professores de Matemática), considera os TPC não podem constituir uma forma de compensar a falta de tempo dos professores para gerir programas desadequados. Mas – e muito bem, do meu ponto de vista – sentencia:
“Os TPC devem gradualmente contribuir para um trabalho autónomo e personalizado do aluno, colmatando lacunas, abrindo novas perspetivas, consolidando aprendizagens”.
Opina que os TPC não poderão ser “mais do mesmo” porque “mais do mesmo” é sempre “contraproducente e não desenvolve capacidades cognitivas mais complexas nem é eficiente no ultrapassar de dificuldades”. No pressuposto de que o trabalho de sala de aula “deveria ser suficiente para os alunos apreenderem os conteúdos mais significativos e os processos mais relevantes”, anota: 
“No entanto, fora da escola, os alunos devem ser incentivados, sobretudo, a perceber diversas abordagens e aplicações daquilo que foi trabalhado na escola. Nesse sentido, pequenas investigações, jogos, propostas de atividades que os alunos possam executar em contextos familiares e, muitas vezes, com carácter lúdico – mas sempre desafiadoras e exequíveis para eles – podem desenvolver capacidades importantes e necessárias para aprendizagens mais significativas”. 
Por seu turno, Filinto Lima, presidente da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas), é por um meio-termo. Assim, no ensino básico, recomenda comedimento; no secundário, quer os TPC focados no estudo, até porque os estudantes dispõem de mais tempo e autonomia. De qualquer modo, estes trabalhos, segundo ele, “não podem dar lugar a tortura para casa, sob pena de perderem todas as suas potencialidades no processo ensino-aprendizagem”. Por isso, sugere:
“Deve existir boa coordenação entre os professores dos conselhos de turma para que não existam exageros em relação à quantidade de TPC para o dia seguinte e ao número de disciplinas a que o aluno tem de fazer trabalhos de casa”.
Perspetiva muito similar é o do diretor do Agrupamento de Escolas Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, que diz fazer sentido marcar “TPC quanto baste para consolidação da matéria lecionada”, sobretudo no Ensino Básico, “em que os alunos são menos autónomos e necessitam de mais orientação”. Porém, “no Ensino Secundário, os TPC devem dar lugar a uma orientação no estudo, pois os alunos têm outra maturidade e autonomia”. 
Para Jorge Ascensão, presidente da CONFAP “Confederação Nacional das Associações de Pais), os TPC ajudarão a consolidar aprendizagens, mas não devem ser marcados indiscriminadamente, pois “não faz sentido prolongar a sala de aula em casa”. Com efeito, a escola tem o seu tempo e família tem o seu.
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Apraz-me concordar com o comedimento e moderação, mas também com a orientação progressiva para o trabalho autónomo, valorizando mais a razão que a experiência pessoal quiçá negativa. Se nos limitássemos a repercutir a nossa experiência nos outros, a nossa ação seria demasiado pobre. E o mundo precisa de bem mais, que nós podemos dar.

2016.11.28 – Louro de Carvalho 

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