sábado, 26 de novembro de 2016

A morte de Fidel Castro como expressão de notórias contradições

Morreu, a 25 de novembro, o homem que lutou contra a ditadura de Fulgencio Batista e fez a revolução cubana. E o mundo reagiu de modos muito diversos: desde o politicamente correto, que passa pelo luto de 9 dias decretado pelo Governo de Cuba e pela expressão de condolências por parte dos chefes de Estado e de Governo ou de seus responsáveis pela diplomacia, às manifestações mais diversas de crítica, elogio, lamento e festejo.
De revolucionário a autoritário e controverso, em 90 anos de vida e 47 anos de poder, Fidel Castro pronunciou-se sobre tudo e todos e mais alguma coisa. Criticam-no os que entendem que fazia discursos muito longos, mas esquecem que foi pelo discurso carismático que galvanizou os aderentes para a causa evolucionária e que foi ainda o discurso secundado por atitudes de habilidade persecutória que fez calar opositores. Apanhá-lo pelo discurso é pouco e inadequado.
Os seus fãs e apaniguados sublinham-lhe a obra revolucionária, que se impôs à adversidade, sobreviveu ao longo bloqueio económico da parte dos EUA e também da Europa ocidental, se sobrepôs à inimizade diplomática de tantos países, estabeleceu pontes de cooperação com a URSS e exportou militares e médicos para África que foi administrada por Portugal.
Obviamente, que os revolucionários e os que pretendem parecê-lo enaltecem-lhe a luta pela igualdade, pelo sistema de saúde, pela educação e pela cultura; e justificam a falta de géneros que abundam noutras Repúblicas com o bloqueio económico que a UE já fez cessar, mas que Obama ainda não conseguiu, apesar da sua boa vontade e da plataforma de diálogo que fez reatar as relações diplomáticas.
É o homem da revolução sofrida que teve os seus martírios e as suas glórias. Comparam-no a Che Guevara, a Camilo Torres e a Nelson Mandela – fruto do tempo, da dureza da vida e do ideal transformador.
Porém, os opositores têm-no por homem “patético”, líder que não soube sair do poder a tempo. Lembram a sua importância histórica, mas não esquecem a sua ação dilacerante e martirizante na perpetuação do tempo na governação do país. E ligam a abertura a que procedeu com a delegação do poder, há 10 anos, nas mãos de Raul Castro, o irmão mais novo, com o ónus da sobrevivência no concerto das nações e com a impossibilidade da manutenção do regime revolucionário motivado pela queda do regime da URSS.
Donald Trump diz, não sei com que autoridade moral e política, que foi “um ditador brutal”.
O editorial do Miami Herald não hesita em classificar Fidel como “uma figura patética” e “uma peça de museu”, cujo triunfo maior “foi sobreviver tanto tempo”. Muito antes de morrer, Fidel tinha-se tornado numa “irrelevância”, o “que mais temeu durante a sua longa e dramática vida”.
Os seus adversários (alguns inimigos e detratores) sublinham o facto da execução de 15 a 17 mil pessoas. Com efeito, apesar de ter conquistado o poder apoiado pela maioria dos cubanos, com a promessa de reinstaurar a Constituição de 1940, criar uma administração honesta, restabelecer as liberdades civis e políticas e realizar reformas moderadas, a sua governação rapidamente descaiu numa ditadura de sinal contrário à de Batista. Adorado por uns e odiado por outros, passou a ser acusado por compatriotas e pela comunidade internacional de autoritarismo, radicalismo, violação dos direitos humanos e perseguição de religiosos e homossexuais. E, de acordo com a estimativa de um conjunto de académicos, feita em 1997 em “O Livro Negro do Comunismo”, terão sido executadas pelo regime entre 15 e 17 mil pessoas.
A situação política levou milhares de pessoas a abandonar o país, muitas delas de forma ilegal. E, não obstante os sinais de abertura do regime desde que Fidel se afastou nominalmente do poder, Cuba continuava a ser, em 2015, um país onde os direitos humanos são recorrentemente violados. Recorde-se que, mesmo quando o Papa Francisco visitou Cuba, não houve autorização para os grupos oposicionistas para serem recebidos pelo Pontífice.
Só nos primeiros 10 meses daquele ano, segundo um relatório do Human Rights Watch, foram feitas mais de 6.200 detenções arbitrárias de jornalistas, defensores dos direitos humanos e opositores políticos. Além disso, os meios de comunicação social são atentamente controlados e o acesso à internet é muito limitado, o que compagina a débil liberdade de expressão e oposição.
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Fidel Castro nasceu a 13 de agosto de 1926 numa pequena localidade do município de Mayari. O pai, Ángel Castro y Argiz, imigrante espanhol, tinha feito fortuna com a plantação de cana de açúcar numa quinta em Birán. Só aos 17 anos do filho é que o reconheceu e o registou com o nome definitivo de Fidel Alejandro Castro Ruz.Foi no tempo de estudante na Universidade de Havana (como aluno de Direito), que Fidel começou a interessar-se pela política. Depois de participar na revolução contra os governos de direita na República Dominicana e na Colômbia, planeou a queda do presidente cubano Fulgencio Batista. Após uma tentativa falhada e um ano na prisão, mudou-se para o México onde formou um grupo de revolucionários com o seu irmão, Raúl Castro, e Che Guevara. Regressado ao país em novembro de 1956, desempenhou papel de destaque na revolução cubana. Tornou-se primeiro-ministro com a queda de Batista, em 1959. Dois anos depois, declarou Cuba um estado socialista, o que levou os EUA a cortar relações com Havana, situação que chegou até 2015. Durante os quase 48 anos da sua liderança, Fidel governou Cuba com mão de ferro, reprimindo a dissidência, resistindo à oposição de 10 presidentes norte-americanos (sem respeito pela limitação democrática de mandatos) e estreitando as relações diplomáticas e económicas com o bloco socialista europeu até à sua implosão. Até 1991, recebeu ajuda económica e militar da URSS, o que dificultou as relações com os EUA. Barack Obama tornou-se no primeiro Presidente norte-americano em funções a visitar a Cuba em 88 anos.
Fidel ocupou o cargo de primeiro-ministro até 1976, ano em que se tornou Presidente. Marxista-leninista até ao cerne (“sou um marxista-leninista e sê-lo-ei até ao fim dos meus dias”, terá dito), foi ainda secretário-geral do Partido Comunista Cubano de 1961 a 2011.
A 31 de julho de 2006, Fidel Castro, devido a problemas de saúde, delegou o poder em Raul, que iniciou um processo de abertura e de reformas no país, reconhecido em 2009 pela UE, que levantou nesse ano as sanções a Havana. E Fidel declarou desejar “só combater como um soldado das ideias”, continuando a escrever.
Durante a última década, fez poucas aparições públicas, chegando a ser dado como morto várias vezes na Internet e nas redes sociais, mas manteve contacto regular com o mundo através dos seus artigos e a servir de anfitrião a Presidentes e outras personalidades que visitavam a ilha caribenha, como aconteceu no mês passado com o Presidente português e tinha acontecido com o Papa Francisco e, antes ainda, com o Papa Bento XVI.
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O que diz a imprensa sob Fidel defunto? Recolhi sobre o tema, algumas amostras no Observador e no Expresso, edições on line.
O Miami Herald reconhece ao líder comunista um importante papel na História da América Latina, chamando-lhe “um leão cujo rugido deu voz ao ressentimento e queixas” dos povos daqueles países, mas sustenta que “o doloroso preço que a sua sufocante tirania impôs ao povo cubano é impossível de medir”, sendo “difícil encontrar uma única liberdade reconhecida pelos países civilizados que Fidel não tenha violado”. Por isso, Miami festeja a sua morte.
Juan Juan Almeida, na BBC, assina “O dia em acariciei a barba de Fidel e deixei de acreditar nele”, texto na 1.ª pessoa sobre as memórias que tem do líder comunista. Há anos exilado em Miami, o escritor lembra que, em criança, pediu a Fidel que deixasse mexer-lhe na barba. Castro acedeu e prometeu que, se Juan Juan terminasse os trabalhos de casa depressa, o deixaria andar no seu próprio carro. Mas não cumpriu a promessa, o que fez com que parasse de crer que “ele era aquele herói honesto, valente, decidido e que amava as crianças”. E refere que “morreu agarrado ao poder da sua verdade e enganou-nos com a sua frase de sempre Eu vou ser breve”.
O boliviano El Deber publica um artigo do colunista Fernando Molina a admitir que Fidel tinha “todo o furor, toda a arrogância, todo o narcisismo, toda a aspereza, toda a crueldade, todo o espetáculo, todo o fascínio, toda a religiosidade, toda a popularidade, todo o exotismo, toda a coragem pessoal, toda a lábia, todo o paternalismo, todo o apego ao poder, todo o encanto para os pobres, toda a fé ideológica, todo o pragmatismo, toda a miséria e toda a grandeza” dos grandes ditadores. Todavia, entende que Fidel merece reconhecimento pelo facto de se ter atrevido a “ir aonde outros caudilhos não foram”, procurando “eliminar a burguesia”.
O inglês The Daily Telegraph deu também à luz um texto do editor de política daquele jornal, James Kirkup, pouco simpático para o líder cubano. O título, “Como é que alguém empenhado na defesa dos direitos humanos pode fazer luto por Fidel Castro – um homem que matou e reprimiu o seu próprio povo?” revela como olha para o legado deste líder histórico. O autor diz que não se podem branquear os crimes que o regime cometeu em meio século.
Ignacio Ramonet, em texto que escreveu para o jornal venezuelano Últimas Noticias, defende que Fidel, apesar de ter morrido, “é imortal” e “pertence a uma geração de insurgentes míticos” como Nelson Mandela, Amílcar Cabral e Che Guevara.
No El País, o historiador argentino Carlos Malamud denuncia as manobras que os EUA encetaram para tentar travar a governação e a popularidade de Fidel. Apesar da sua importância a nível regional e mundial, este líder histórico “teve a infelicidade de ver, com profunda resignação, que Cuba se estava a converter em algo muito diferente do que ele tinha sonhado e por que tinha lutado e matado”.
Diario de Cuba, madrileno, assegura que Fidel era um “ditador emérito” que “não cumpriu a maioria das promessas que fez ao povo” e que “conseguiu refinar a repressão, os crimes e a violência estatal” até um ponto insustentável.
E, no The Washington Post, George F. Will sente que, com a morte de Fidel, se acaba a época dos “totalitaristas carismáticos venerados por peregrinos políticos das sociedades abertas”.
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E assim se fina para o mundo o líder controverso e nasce para a História, que o julgará.
2016.11.26 – Louro de Carvalho

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