Morreu,
a 25 de novembro, o homem que lutou contra a ditadura de Fulgencio Batista e
fez a revolução cubana. E o mundo reagiu de modos muito diversos: desde o politicamente
correto, que passa pelo luto de 9 dias decretado pelo Governo de Cuba e pela
expressão de condolências por parte dos chefes de Estado e de Governo ou de
seus responsáveis pela diplomacia, às manifestações mais diversas de crítica,
elogio, lamento e festejo.
De revolucionário a autoritário e controverso, em 90 anos de
vida e 47 anos de poder, Fidel Castro pronunciou-se sobre tudo e todos e mais
alguma coisa. Criticam-no os que entendem que fazia discursos muito longos, mas
esquecem que foi pelo discurso carismático que galvanizou os aderentes para a
causa evolucionária e que foi ainda o discurso secundado por atitudes de
habilidade persecutória que fez calar opositores. Apanhá-lo pelo discurso é
pouco e inadequado.
Os seus fãs e apaniguados sublinham-lhe a obra revolucionária,
que se impôs à adversidade, sobreviveu ao longo bloqueio económico da parte dos
EUA e também da Europa ocidental, se sobrepôs à inimizade diplomática de tantos
países, estabeleceu pontes de cooperação com a URSS e exportou militares e médicos
para África que foi administrada por Portugal.
Obviamente, que os revolucionários e os que pretendem parecê-lo
enaltecem-lhe a luta pela igualdade, pelo sistema de saúde, pela educação e
pela cultura; e justificam a falta de géneros que abundam noutras Repúblicas
com o bloqueio económico que a UE já fez cessar, mas que Obama ainda não
conseguiu, apesar da sua boa vontade e da plataforma de diálogo que fez reatar
as relações diplomáticas.
É o homem da revolução sofrida que teve os seus martírios e
as suas glórias. Comparam-no a Che Guevara, a Camilo Torres e a Nelson Mandela –
fruto do tempo, da dureza da vida e do ideal transformador.
Porém, os opositores têm-no por homem “patético”, líder que não soube sair do poder a tempo. Lembram a sua
importância histórica, mas não esquecem a sua ação dilacerante e martirizante na
perpetuação do tempo na governação do país. E ligam a abertura a que procedeu
com a delegação do poder, há 10 anos, nas mãos de Raul Castro, o irmão mais
novo, com o ónus da sobrevivência no concerto das nações e com a
impossibilidade da manutenção do regime revolucionário motivado pela queda do
regime da URSS.
Donald Trump
diz, não sei com que autoridade moral e política, que foi “um ditador brutal”.
O editorial do Miami
Herald não hesita em classificar Fidel como “uma figura
patética” e “uma peça de museu”, cujo triunfo maior “foi sobreviver tanto
tempo”. Muito antes de morrer, Fidel tinha-se tornado numa “irrelevância”, o “que
mais temeu durante a sua longa e dramática vida”.
Os seus adversários
(alguns
inimigos e detratores) sublinham o
facto da execução de 15 a 17 mil pessoas. Com efeito, apesar de ter
conquistado o poder apoiado pela maioria dos cubanos, com a promessa de
reinstaurar a Constituição de 1940, criar uma administração honesta,
restabelecer as liberdades civis e políticas e realizar reformas moderadas, a sua
governação rapidamente descaiu numa ditadura de sinal contrário à de Batista.
Adorado por uns e odiado por outros, passou a ser acusado por compatriotas e
pela comunidade internacional de autoritarismo, radicalismo, violação dos direitos
humanos e perseguição de religiosos e homossexuais. E, de acordo com a
estimativa de um conjunto de académicos, feita em 1997 em “O Livro Negro do
Comunismo”,
terão sido executadas pelo regime entre 15 e 17 mil pessoas.
A
situação política levou milhares de pessoas a abandonar o país, muitas delas de
forma ilegal. E, não obstante os sinais de abertura do regime desde que Fidel
se afastou nominalmente do poder, Cuba continuava a ser, em 2015, um país onde
os direitos humanos são recorrentemente violados. Recorde-se que, mesmo quando
o Papa Francisco visitou Cuba, não houve autorização para os grupos oposicionistas
para serem recebidos pelo Pontífice.
Só
nos primeiros 10 meses daquele ano, segundo um relatório do Human
Rights Watch, foram feitas mais de 6.200 detenções arbitrárias de
jornalistas, defensores dos direitos humanos e opositores políticos. Além
disso, os meios de comunicação social são atentamente controlados e o acesso à
internet é muito limitado, o que compagina a débil liberdade de expressão e
oposição.
***
Fidel
Castro nasceu a 13 de agosto de 1926 numa pequena localidade do município de
Mayari. O pai, Ángel Castro y Argiz, imigrante espanhol, tinha feito fortuna
com a plantação de cana de açúcar numa quinta em Birán. Só aos 17 anos do filho
é que o reconheceu e o registou com o nome definitivo de Fidel Alejandro Castro Ruz.Foi
no tempo de estudante na Universidade de Havana (como aluno de Direito), que Fidel começou a
interessar-se pela política. Depois de participar na revolução contra os
governos de direita na República Dominicana e na Colômbia, planeou a queda do
presidente cubano Fulgencio Batista. Após uma tentativa falhada e um ano na
prisão, mudou-se para o México onde formou um grupo de revolucionários com o
seu irmão, Raúl Castro, e Che Guevara. Regressado ao país em novembro de 1956,
desempenhou papel de destaque na revolução cubana. Tornou-se primeiro-ministro
com a queda de Batista, em 1959. Dois anos depois, declarou Cuba um estado
socialista, o que levou os EUA a cortar relações com Havana, situação que
chegou até 2015. Durante os quase 48 anos da sua liderança, Fidel governou Cuba
com mão de ferro, reprimindo a dissidência, resistindo à oposição de 10
presidentes norte-americanos (sem respeito pela limitação democrática de mandatos) e estreitando as
relações diplomáticas e económicas com o bloco socialista europeu até à sua
implosão. Até 1991, recebeu ajuda económica e militar da URSS, o que dificultou
as relações com os EUA. Barack Obama tornou-se no primeiro Presidente
norte-americano em funções a visitar a Cuba em 88 anos.
Fidel
ocupou o cargo de primeiro-ministro até 1976, ano em que se tornou Presidente.
Marxista-leninista até ao cerne (“sou um marxista-leninista e sê-lo-ei até ao fim dos meus
dias”, terá dito), foi ainda secretário-geral do Partido Comunista Cubano de
1961 a 2011.
A
31 de julho de 2006, Fidel Castro, devido a problemas de saúde, delegou o poder
em Raul, que iniciou um processo de abertura e de reformas no país, reconhecido
em 2009 pela UE, que levantou nesse ano as sanções a Havana. E Fidel declarou desejar
“só combater como um soldado das ideias”, continuando a escrever.
Durante
a última década, fez poucas aparições públicas, chegando a ser dado como morto
várias vezes na Internet e nas redes sociais, mas manteve contacto regular com
o mundo através dos seus artigos e a servir de anfitrião a Presidentes e outras
personalidades que visitavam a ilha caribenha, como aconteceu no mês passado
com o Presidente português e tinha acontecido com o Papa Francisco e, antes
ainda, com o Papa Bento XVI.
***
O que diz a imprensa
sob Fidel defunto? Recolhi sobre o tema, algumas amostras no Observador e no Expresso, edições on line.
O Miami Herald reconhece ao líder
comunista um importante papel na História da América Latina, chamando-lhe “um
leão cujo rugido deu voz ao ressentimento e queixas” dos povos daqueles países,
mas sustenta que “o doloroso preço que a sua sufocante tirania impôs ao povo
cubano é impossível de medir”, sendo “difícil encontrar uma única liberdade
reconhecida pelos países civilizados que Fidel não tenha violado”. Por isso, Miami
festeja a sua morte.
Juan Juan
Almeida, na BBC, assina “O dia em acariciei a barba de Fidel e deixei de acreditar nele”, texto na
1.ª pessoa sobre as memórias que tem do líder comunista. Há anos exilado em
Miami, o escritor lembra que, em criança, pediu a Fidel que deixasse mexer-lhe
na barba. Castro acedeu e prometeu que, se Juan Juan terminasse os trabalhos de
casa depressa, o deixaria andar no seu próprio carro. Mas não cumpriu a
promessa, o que fez com que parasse de crer que “ele era aquele herói honesto,
valente, decidido e que amava as crianças”. E refere que “morreu agarrado ao
poder da sua verdade e enganou-nos com a sua frase de sempre Eu vou ser breve”.
O boliviano El
Deber publica um artigo do colunista Fernando Molina a
admitir que Fidel tinha “todo o furor, toda a arrogância, todo o narcisismo,
toda a aspereza, toda a crueldade, todo o espetáculo, todo o fascínio, toda a
religiosidade, toda a popularidade, todo o exotismo, toda a coragem pessoal,
toda a lábia, todo o paternalismo, todo o apego ao poder, todo o encanto para
os pobres, toda a fé ideológica, todo o pragmatismo, toda a miséria e toda a
grandeza” dos grandes ditadores. Todavia, entende que Fidel merece
reconhecimento pelo facto de se ter atrevido a “ir aonde outros caudilhos não
foram”, procurando “eliminar a burguesia”.
O inglês The
Daily Telegraph deu também à luz um texto do editor de política
daquele jornal, James Kirkup, pouco simpático para o líder cubano. O título, “Como é que alguém empenhado na defesa dos
direitos humanos pode fazer luto por Fidel Castro – um homem que matou e
reprimiu o seu próprio povo?” revela como olha para o legado deste líder histórico.
O autor diz que não se podem branquear os crimes que o regime cometeu em meio
século.
Ignacio
Ramonet, em texto que escreveu para o jornal venezuelano Últimas
Noticias, defende que
Fidel, apesar de ter morrido, “é imortal” e “pertence a uma geração de insurgentes
míticos” como Nelson Mandela, Amílcar Cabral e Che Guevara.
No El
País, o
historiador argentino Carlos Malamud denuncia as manobras que os EUA encetaram
para tentar travar a governação e a popularidade de Fidel. Apesar da sua importância
a nível regional e mundial, este líder histórico “teve a infelicidade de ver,
com profunda resignação, que Cuba se estava a converter em algo muito diferente
do que ele tinha sonhado e por que tinha lutado e matado”.
O Diario
de Cuba, madrileno, assegura que Fidel era um “ditador emérito” que
“não cumpriu a maioria das promessas que fez ao povo” e que “conseguiu refinar
a repressão, os crimes e a violência estatal” até um ponto insustentável.
E, no The
Washington Post, George F. Will sente que, com a morte de
Fidel, se acaba a época dos “totalitaristas carismáticos venerados por
peregrinos políticos das sociedades abertas”.
***
E assim se
fina para o mundo o líder controverso e nasce para a História, que o julgará.
2016.11.26 – Louro de Carvalho
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