O Bazar Diplomático esteve de
regresso ao Centro de Congressos de Lisboa ontem e hoje, dias 18 e 19 de
novembro, e foi inaugurado pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Trata-se de
um evento organizado pela AFDP (Associação das Famílias dos Diplomatas
Portugueses) e onde estão representadas 30 embaixadas, com produtos de
todo o mundo.
A edição deste ano, ao invés das edições anteriores,
que eram patrocinadas pela primeira-dama em situação, conta com o alto
patrocínio do Presidente da República – que não dispõe de primeira-dama – e tem
sido objeto de maior divulgação em reclames e anúncios do que as dos últimos
anos. No dia 5 de setembro, Marcelo convidou as ex-primeiras-damas,
embaixatrizes estrangeiras e membros do corpo diplomático para um encontro
privado no Museu dos Coches. Num discurso de 4 minutos, o Presidente afirmou
que o Bazar “é uma instituição enraizada” e recordou que se deve a uma
iniciativa de Manuela Eanes e da então Associação das Mulheres dos Diplomatas Portugueses,
destacando o facto de “desde a sua primeira edição em 1983” o certame ter
ajudado “dezenas de instituições de solidariedade social”.
Tal como as 32 edições anteriores deste certame
tiveram sempre um tema, também esta edição assumiu uma mística temática: “Em
2016, foi decidido associar o Bazar à iniciativa papal do Jubileu da
Misericórdia e, nesse sentido, auxiliar instituições que apoiam pessoas em
situação de pobreza extrema” – explica Maria Luís Mendes, presidente da AFDP.
Como escreve Manuela Goucha Soares no Expresso on line de 18 de novembro, “as
mulheres dos diplomatas não gostam de ser descritas como as senhoras que andam
de croquete na mão de receção em receção”. Por consequência,
“Nesta altura do ano,
arregaçam as mangas, empurram caixotes e põem de pé o Bazar Diplomático, uma
venda de Natal que nos últimos 32 anos entregou muitos milhões de euros a
instituições sociais”.
E, assim nesta sexta-feira e sábado, tem
havido produtos e comidas dos quatro cantos do mundo no Centro de Congressos de
Lisboa, sob o alto patrocínio do Presidente Marcelo.
***
A palavra “bazar” – que é, segundo
a colunista citada, “apenas um dos 18.073 arabismos presentes na língua portuguesa, que
utilizamos para designar um mercado público, onde se vende de tudo, das
quinquilharias às especiarias, e que pode ter fins beneficentes” – designa um
mercado, frequentemente
coberto, comum em áreas de influência islâmica, mas extensivo a outras
recentemente. O nome vem da palavra persa bāzār,
que por sua vez deriva do pahlavi baha-char,
que significava “o lugar dos preços”. Num bazar podem ser encontrados vários
tipos de produtos, eventualmente também objetos inusitados ou exóticos, a preços
mais baixos. Também se designa por bazar uma pequena loja que normalmente vende:
material escolar, papelaria, armarinhos, aviamento, produtos de limpeza,
artigos domésticos, roupas, produtos descartáveis, ferragens, materiais elétricos,
materiais hidráulicos, decoração e alguns artigos para presentes.
***
Entre os anos de 1984 e
1987, realizaram-se 4 edições do Bazar Diplomático no local mais simbólico de
Lisboa, o Castelo de São Jorge. Desde que foi criado, o Bazar só não se realizou em 2005, último ano do
2.º mandato de Jorge Sampaio. Em 2007, em vez do Bazar, as entidades promotoras
organizaram um almoço para angariar fundos para as crianças angolanas
amputadas.
Nada melhor do que a mescla exótica de quinquilharias
com peças de qualidade, condimentada pelos temperos de várias culturas para preencher
o Bazar Diplomático em Portugal. Desde 1983 que esta venda se realiza todos
anualmente, em novembro, com a mira de angariar fundos para causas sociais e
que, tem contado com o alto patrocínio da mulher do Presidente da República em
exercício ou, caso presente, do próprio Presidente da República, está a decorrer
nestes dias.
Maria Luís Jorge Mendes garantiu que, nos
últimos 32 anos, desde 1983, a AFDP já entregou “cerca de 4,5 milhões de euros
a diversas instituições que desenvolvem projetos sociais”. E assegura que têm “tudo
documentado” e que verificam “o destino das verbas” que entregam, para saberem “se
foram aplicadas nos projetos que selecionámos a partir das candidaturas
recebidas”. E Maria José Ritta, mulher do ex-Presidente da República Jorge
Sampaio referiu que até agora, as mulheres dos ex-Presidentes também
participaram quase sempre no “júri de seleção das instituições e projetos
candidatos”.
Parece que a maior falha da AFDP, em
termos contabilísticos e de transparência, é “não ter convertido a soma das
verbas que angariou ao longo dos anos para valores atuais”. Porém, ao que diz Manuela
Goucha Soares, o Expresso fez esse
exercício para dois anos, concluindo que “os 9976 euros angariados na primeira
edição do Bazar, em 1983, equivalem a 56.963 euros a preços de agora, enquanto
os 239.425 euros de 1992 correspondem a 433 mil euros”.
A ex-primeira-dama Maria
José Ritta, cujo envolvimento presencial no Bazar foi salientado pela embaixatriz Conceição Corte-Real, querendo divulgar os produtos tradicionais do
nosso país, montou banca no Bazar AFDP e diz:
“Tinha um projeto mais vasto para divulgar
os produtos portugueses. Entendi que fazia sentido ter um stand próprio no Bazar, onde estavam produtos de cunho tradicional
e popular, [alguns] produzidos por artesãos; era uma forma de estimular estas
atividades e divulgar bordados, doces, artesanato, etc. Queria promover aquilo
que nos distingue [enquanto país] no meio de tantos produtos”. “E foi por isso
que fiz questão de estar nesse stand,
a vender”.
Porém, a face mais visível na promoção do bazar
diplomático é Manuela Ramalho Eanes, a mulher do primeiro Presidente eleito do
pós-25 de Abril. O Estado Novo isolara Portugal ao nível das relações
internacionais. Por isso, a promoção de novas relações diplomáticas e a
cimentação das antigas era uma das tarefas importantes dos Ministros dos
Negócios Estrangeiros e dos Presidentes da República dos primeiros anos da
Democracia.
Manuela Eanes, que tinha 37 anos quando o marido foi
eleito Presidente, em 1976, era licenciada, muito mais jovem do que qualquer uma
das suas antecessoras, tinha uma carreira profissional e um filho pequeno. Não obstante,
rapidamente sentiu que queria e devia dar o seu contributo para a divulgação do
país junto das embaixadas acreditadas em Portugal, pelo que se lançou na
organização de eventos com as mulheres dos embaixadores estrangeiros, que
passaram por pequenas excursões a várias cidades e palestras e filmes sobre a
cultura portuguesa no Palácio de Belém.
Nos diversos contactos que estabeleceu, apercebeu-se
de que muitas mulheres de diplomatas portugueses passavam por algumas
dificuldades. Com efeito, “durante anos tinham sido funcionárias sem vencimento
do Estado português, acompanhando os maridos e trabalhando ao lado deles na
divulgação do país”. Ora, “quando os maridos morriam” – e houve vários casos de
mortes relativamente precoces − “tanto elas como os filhos ficavam numa
situação vulnerável de rendimentos e proteção social”. Maria Luís Jorge Mendes acentua
o facto de a maioria dos núcleos familiares dos diplomatas “só contar com um
salário”.
Foi referido o caso de Maria Emília Caldas Faria, que,
na primeira metade da década de 1960, foi viver para o Recife com o marido,
cônsul de Portugal naquela cidade brasileira. Convidada por Gilberto Freyre para
dar aulas na Universidade do Recife, pediu autorização ao ministro dos Negócios
Estrangeiros, que lha recusou.
Quando a Associação das Mulheres dos Diplomatas
Portugueses foi fundada, em 30 de junho de 1982, Maria Emília já era viúva: “tinha
filhos a estudar e as coisas não foram fáceis.”.
Manuela Eanes, por constatar estas fragilidades na
vida destas mulheres, acertou a criação da associação com Isabel Rilvas, que
acabara de regressar de Nova Iorque, onde estivera a acompanhar o seu então
marido, Leonardo Mathias.
Isabel Rilvas, que fora piloto de aviões e assumiu o
pioneirismo português do paraquedismo feminino, regressava com ideias novas. Nos
EUA, as mulheres dos diplomatas tinham uma associação que as representava, ao
passo que, em Portugal, os filhos não tinham seguro de saúde e elas também não.
E havia mais questões de interesse comum que não estavam garantidas nem
acauteladas. Em conversa com o ministro dos Negócios Estrangeiros, André
Gonçalves Pereira, e com o responsável pelo Protocolo de Estado – ambos solteiros
e pouco sensibilizados para estas questões – conseguiram ser ouvidas. Foi-lhes
cedida uma sala no Palácio das Necessidades para fazerem uma reunião, onde
apareceram 60 pessoas, um número maior que o esperado.
Fizeram a Associação, que designaram por “Associação
das Mulheres dos Diplomatas” e a escritura de constituição foi assinada a 30 de
junho de 1982”.
O marido de Maria Emília Faria e o de Isabel Rilvas ingressaram
na carreira diplomática − no Estado Novo − quando esta era vedada a mulheres.
Um estudo do investigador Pedro Aires Oliveira, publicado em 2006, refere:
“Se quiséssemos fazer um retrato-tipo do
diplomata português durante a fase em que o regime de Salazar se encontrava já
consolidado, chegávamos mais ou menos a este perfil: homem, lisboeta,
licenciado em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa e oriundo dos estratos
sociais médios e superiores”.
Também não seria bem vista nenhuma associação de
famílias ou mulheres de diplomatas. No entanto, as embaixatrizes estrangeiras
em parceria com a Cruz Vermelha e outras entidades tinham o hábito de promover
o “Bazar da Caridade”, colocando à venda, em Lisboa, objetos que nunca se
encontravam nas lojas portuguesas. A edição de 1967, ano em que as violentas
cheias de novembro provocaram cerca de 300 mortos e milhares de desalojados na
zona da Grande Lisboa, rendeu 1100 contos para fins caritativos, ou seja 302
mil euros a preços atuais.
Com o tempo a Associação
das Mulheres dos Diplomatas mudou de nome para Associação das Famílias dos Diplomatas, pois, quiseram perceber “os
problemas dos filhos e dos cônjuges”, pois “agora há cônjuges que são homens”.
Conceição Corte-Real recorda que, em concursos de ingresso, a AFDP pede para
conversar com os jovens adidos e falar sobre “as situações específicas com que
se deparam os filhos e os cônjuges. Muitos deles nunca tinham pensado nestes
assuntos, mas a verdade é que os problemas surgem com a colocação em posto.
***
Como se vê, o Bazar, mesmo dando visibilidade a
determinadas figuras, resulta do trabalho associativo, revela fragilidades histórico-sociais,
beneficia entidades vocacionadas para a intervenção social e, sobretudo, mostra
a força da lucidez face à realidade e o poder aglutinador do associativismo na
defesa dos interesses sociais.
2016.11.19 – Louro de Carvalho
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