sábado, 19 de novembro de 2016

Bazar Diplomático de 2016

O Bazar Diplomático esteve de regresso ao Centro de Congressos de Lisboa ontem e hoje, dias 18 e 19 de novembro, e foi inaugurado pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Trata-se de um evento organizado pela AFDP (Associação das Famílias dos Diplomatas Portugueses) e onde estão representadas 30 embaixadas, com produtos de todo o mundo.
A edição deste ano, ao invés das edições anteriores, que eram patrocinadas pela primeira-dama em situação, conta com o alto patrocínio do Presidente da República – que não dispõe de primeira-dama – e tem sido objeto de maior divulgação em reclames e anúncios do que as dos últimos anos. No dia 5 de setembro, Marcelo convidou as ex-primeiras-damas, embaixatrizes estrangeiras e membros do corpo diplomático para um encontro privado no Museu dos Coches. Num discurso de 4 minutos, o Presidente afirmou que o Bazar “é uma instituição enraizada” e recordou que se deve a uma iniciativa de Manuela Eanes e da então Associação das Mulheres dos Diplomatas Portugueses, destacando o facto de “desde a sua primeira edição em 1983” o certame ter ajudado “dezenas de instituições de solidariedade social”.
Tal como as 32 edições anteriores deste certame tiveram sempre um tema, também esta edição assumiu uma mística temática: “Em 2016, foi decidido associar o Bazar à iniciativa papal do Jubileu da Misericórdia e, nesse sentido, auxiliar instituições que apoiam pessoas em situação de pobreza extrema” – explica Maria Luís Mendes, presidente da AFDP.
Como escreve Manuela Goucha Soares no Expresso on line de 18 de novembro, “as mulheres dos diplomatas não gostam de ser descritas como as senhoras que andam de croquete na mão de receção em receção”. Por consequência,
“Nesta altura do ano, arregaçam as mangas, empurram caixotes e põem de pé o Bazar Diplomático, uma venda de Natal que nos últimos 32 anos entregou muitos milhões de euros a instituições sociais”.
E, assim nesta sexta-feira e sábado, tem havido produtos e comidas dos quatro cantos do mundo no Centro de Congressos de Lisboa, sob o alto patrocínio do Presidente Marcelo.
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A palavra “bazar” – que é, segundo a colunista citada, “apenas um dos 18.073 arabismos presentes na língua portuguesa, que utilizamos para designar um mercado público, onde se vende de tudo, das quinquilharias às especiarias, e que pode ter fins beneficentes” – designa um mercado, frequentemente coberto, comum em áreas de influência islâmica, mas extensivo a outras recentemente. O nome vem da palavra persa  bāzār, que por sua vez deriva do pahlavi baha-char, que significava “o lugar dos preços”. Num bazar podem ser encontrados vários tipos de produtos, eventualmente também objetos inusitados ou exóticos, a preços mais baixos. Também se designa por bazar uma pequena loja que normalmente vende: material escolar, papelaria, armarinhos, aviamento, produtos de limpeza, artigos domésticos, roupas, produtos descartáveis, ferragens, materiais elétricos, materiais hidráulicos, decoração e alguns artigos para presentes.
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Entre os anos de 1984 e 1987, realizaram-se 4 edições do Bazar Diplomático no local mais simbólico de Lisboa, o Castelo de São Jorge. Desde que foi criado, o Bazar só não se realizou em 2005, último ano do 2.º mandato de Jorge Sampaio. Em 2007, em vez do Bazar, as entidades promotoras organizaram um almoço para angariar fundos para as crianças angolanas amputadas.
Nada melhor do que a mescla exótica de quinquilharias com peças de qualidade, condimentada pelos temperos de várias culturas para preencher o Bazar Diplomático em Portugal. Desde 1983 que esta venda se realiza todos anualmente, em novembro, com a mira de angariar fundos para causas sociais e que, tem contado com o alto patrocínio da mulher do Presidente da República em exercício ou, caso presente, do próprio Presidente da República, está a decorrer nestes dias.
Maria Luís Jorge Mendes garantiu que, nos últimos 32 anos, desde 1983, a AFDP já entregou “cerca de 4,5 milhões de euros a diversas instituições que desenvolvem projetos sociais”. E assegura que têm “tudo documentado” e que verificam “o destino das verbas” que entregam, para saberem “se foram aplicadas nos projetos que selecionámos a partir das candidaturas recebidas”. E Maria José Ritta, mulher do ex-Presidente da República Jorge Sampaio referiu que até agora, as mulheres dos ex-Presidentes também participaram quase sempre no “júri de seleção das instituições e projetos candidatos”.
Parece que a maior falha da AFDP, em termos contabilísticos e de transparência, é “não ter convertido a soma das verbas que angariou ao longo dos anos para valores atuais”. Porém, ao que diz Manuela Goucha Soares, o Expresso fez esse exercício para dois anos, concluindo que “os 9976 euros angariados na primeira edição do Bazar, em 1983, equivalem a 56.963 euros a preços de agora, enquanto os 239.425 euros de 1992 correspondem a 433 mil euros”.
A ex-primeira-dama Maria José Ritta, cujo envolvimento presencial no Bazar foi salientado pela embaixatriz Conceição Corte-Real, querendo divulgar os produtos tradicionais do nosso país, montou banca no Bazar AFDP e diz:
“Tinha um projeto mais vasto para divulgar os produtos portugueses. Entendi que fazia sentido ter um stand próprio no Bazar, onde estavam produtos de cunho tradicional e popular, [alguns] produzidos por artesãos; era uma forma de estimular estas atividades e divulgar bordados, doces, artesanato, etc. Queria promover aquilo que nos distingue [enquanto país] no meio de tantos produtos”. “E foi por isso que fiz questão de estar nesse stand, a vender”.
Porém, a face mais visível na promoção do bazar diplomático é Manuela Ramalho Eanes, a mulher do primeiro Presidente eleito do pós-25 de Abril. O Estado Novo isolara Portugal ao nível das relações internacionais. Por isso, a promoção de novas relações diplomáticas e a cimentação das antigas era uma das tarefas importantes dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e dos Presidentes da República dos primeiros anos da Democracia.
Manuela Eanes, que tinha 37 anos quando o marido foi eleito Presidente, em 1976, era licenciada, muito mais jovem do que qualquer uma das suas antecessoras, tinha uma carreira profissional e um filho pequeno. Não obstante, rapidamente sentiu que queria e devia dar o seu contributo para a divulgação do país junto das embaixadas acreditadas em Portugal, pelo que se lançou na organização de eventos com as mulheres dos embaixadores estrangeiros, que passaram por pequenas excursões a várias cidades e palestras e filmes sobre a cultura portuguesa no Palácio de Belém.
Nos diversos contactos que estabeleceu, apercebeu-se de que muitas mulheres de diplomatas portugueses passavam por algumas dificuldades. Com efeito, “durante anos tinham sido funcionárias sem vencimento do Estado português, acompanhando os maridos e trabalhando ao lado deles na divulgação do país”. Ora, “quando os maridos morriam” – e houve vários casos de mortes relativamente precoces − “tanto elas como os filhos ficavam numa situação vulnerável de rendimentos e proteção social”. Maria Luís Jorge Mendes acentua o facto de a maioria dos núcleos familiares dos diplomatas “só contar com um salário”.
Foi referido o caso de Maria Emília Caldas Faria, que, na primeira metade da década de 1960, foi viver para o Recife com o marido, cônsul de Portugal naquela cidade brasileira. Convidada por Gilberto Freyre para dar aulas na Universidade do Recife, pediu autorização ao ministro dos Negócios Estrangeiros, que lha recusou.
Quando a Associação das Mulheres dos Diplomatas Portugueses foi fundada, em 30 de junho de 1982, Maria Emília já era viúva: “tinha filhos a estudar e as coisas não foram fáceis.”.
Manuela Eanes, por constatar estas fragilidades na vida destas mulheres, acertou a criação da associação com Isabel Rilvas, que acabara de regressar de Nova Iorque, onde estivera a acompanhar o seu então marido, Leonardo Mathias.
Isabel Rilvas, que fora piloto de aviões e assumiu o pioneirismo português do paraquedismo feminino, regressava com ideias novas. Nos EUA, as mulheres dos diplomatas tinham uma associação que as representava, ao passo que, em Portugal, os filhos não tinham seguro de saúde e elas também não. E havia mais questões de interesse comum que não estavam garantidas nem acauteladas. Em conversa com o ministro dos Negócios Estrangeiros, André Gonçalves Pereira, e com o responsável pelo Protocolo de Estado – ambos solteiros e pouco sensibilizados para estas questões – conseguiram ser ouvidas. Foi-lhes cedida uma sala no Palácio das Necessidades para fazerem uma reunião, onde apareceram 60 pessoas, um número maior que o esperado.
Fizeram a Associação, que designaram por “Associação das Mulheres dos Diplomatas” e a escritura de constituição foi assinada a 30 de junho de 1982”.
O marido de Maria Emília Faria e o de Isabel Rilvas ingressaram na carreira diplomática − no Estado Novo − quando esta era vedada a mulheres. Um estudo do investigador Pedro Aires Oliveira, publicado em 2006, refere:
“Se quiséssemos fazer um retrato-tipo do diplomata português durante a fase em que o regime de Salazar se encontrava já consolidado, chegávamos mais ou menos a este perfil: homem, lisboeta, licenciado em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa e oriundo dos estratos sociais médios e superiores”.
Também não seria bem vista nenhuma associação de famílias ou mulheres de diplomatas. No entanto, as embaixatrizes estrangeiras em parceria com a Cruz Vermelha e outras entidades tinham o hábito de promover o “Bazar da Caridade”, colocando à venda, em Lisboa, objetos que nunca se encontravam nas lojas portuguesas. A edição de 1967, ano em que as violentas cheias de novembro provocaram cerca de 300 mortos e milhares de desalojados na zona da Grande Lisboa, rendeu 1100 contos para fins caritativos, ou seja 302 mil euros a preços atuais.
Com o tempo a Associação das Mulheres dos Diplomatas mudou de nome para Associação das Famílias dos Diplomatas, pois, quiseram perceber “os problemas dos filhos e dos cônjuges”, pois “agora há cônjuges que são homens”. Conceição Corte-Real recorda que, em concursos de ingresso, a AFDP pede para conversar com os jovens adidos e falar sobre “as situações específicas com que se deparam os filhos e os cônjuges. Muitos deles nunca tinham pensado nestes assuntos, mas a verdade é que os problemas surgem com a colocação em posto.
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Como se vê, o Bazar, mesmo dando visibilidade a determinadas figuras, resulta do trabalho associativo, revela fragilidades histórico-sociais, beneficia entidades vocacionadas para a intervenção social e, sobretudo, mostra a força da lucidez face à realidade e o poder aglutinador do associativismo na defesa dos interesses sociais.

2016.11.19 – Louro de Carvalho

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