terça-feira, 22 de novembro de 2016

A “chinesização” do país

Ao ler na “revista” do Expresso, de 19 de novembro, um texto de Anabela Campos e Isabel Vicente, a que deram o título de “Invasão Chinesa”, lembrei-me do romance “Os Maias – Episódios da Vida Romântica”, do indizível Eça de Queirós, pela sua acutilância social e política de perfeita atualidade.
Na obra queirosiana, João da Ega entendia que Portugal só tinha uma solução: uma invasão espanhola. Com efeito, o rotativismo político não trazia nada de novo ao país, que se afundava de crise em crise.
O tempo foi passando e Eça continua a ter razão em muitas das críticas que fazia sobre a postura medíocre e atuação interesseira dos políticos, que o povo, por mal dos seus pecados e para desgraça do seu destino olha cada vez com mais descrença e desdém, quando devia afiar a espada da crítica e da intervenção cívica. Porém, a invasão espanhola pouco mais e melhor nos traria. Na verdade, se nós não resolvemos os nossos problemas, mais ninguém no-los resolverá.
Diz-se que, em 1975, pairou no ar a hipótese duma invasão de Espanha, que só criaria o cenário da desordem, destruição, repressão e mortandade, sob a égide de Franco. De resto, as relações políticas têm sido amistosas e, em termos comerciais, a procura recíproca e alternada tem sido um facto variando conforme os setores, os tempos e as conjunturas. E o saldo é mais Espanha na nossa economia e empresas financeiras, o que não nos faz melhores. Do ponto de vista político, não há muito que rir. Portugal entrou no regime democrático por via duma revolução; e a Espanha fez a transição dentro da normalidade, após a morte do caudilho. Portugal acertou no bloco central de interesses, fragilizado agora pelo governo com apoio parlamentar à esquerda, deixou a economia à nora e não fez a regionalização; e a Espanha esteve quase um ano sem formar governo e tem o problema das autonomias. Talvez a aprendizagem recíproca e a mútua cooperação, enquadradas numa sadia relação de vizinhança, pudessem resultar melhor. É a vida!
A quebrar a pasmaceira económica e talvez a vencer e a vingar o complexo de país colonizado, os angolanos tornaram-se presentes no setor económico e financeiro de Portugal. Começaram pelo setor da energia, chegaram à banca, acederam aos meios de comunicação social, atingiram as telecomunicações, estão no imobiliário e nas pequenas e médias empresas do setor produtivo.  
Abrandado que foi o ímpeto angolano, até pelas repercussões de alguns factos na diplomacia, sobretudo do lado da justiça, e pela crise angolana, intensifica-se a entrada do capital e a força dos interesses chineses. Os governos de Sócrates tentaram a diversificação do investimento e dos potenciais compradores de dívida e a troika escancarou a porta aos chineses. E o itinerário seguido é similar ao dos angolanos. Têm comprado algumas das melhores e mais lucrativas empresas de Portugal desde 2011.
O regime político chinês em pouco se alterou, mas as empresas da China estão a internacionalizar-se e o Portugal ávido de dinheiros e de respiração económica, tornou-se um objetivo apetecido, a cuja apetência ajudou o sistema dos vistos Gold e a introdução de aulas de Mandarim em algumas escolas secundárias, bem como o mecanismo leiloeiro do tecido empresarial do Estado ou em que tinha participação maioritária ou dominante. Depois, da pulverização consolidada das lojas do chinês de grande usança e da deslocalização de várias empresas portuguesas para a China, começaram pela EDP, passaram à REN e diversificaram a participação ou o domínio pelos vários setores da economia: saúde, seguros, imobiliário, turismo, aviação e órgãos de comunicação social.
Assim, além das grandes empresas citadas, há capital de chineses na TAP, através da HNA; na Fidelidade, pela Fosun; na Luz Saúde, pela Fosun; na Global Notícias, pela KNJ Investiment Limited; e no BCP, pela Fosun, podendo vir a titular 30% do seu capital. Já é chinês, pela Haitong, o antigo BES Investimento; e o Minsheng Financial Group é um dos candidatos à aquisição do Novo Banco. Facilmente os chineses virão a deter cerca de 30% do capital financeiro nacional.
Já em 10 de maio passado, um grupo de empresários chineses mostrou ter os olhos postos em Portugal e contar dispor de 10 mil milhões de euros para investir. A intenção de investimento foi revelada pela Associação de Empresários de Xangai (Shanghai Entrepreneur Association). Dizia o seu presidente, Zheng Yonggang:
“A nossa associação é composta por duas mil das empresas mais fortes da China. Somos várias empresas grandes à procura de oportunidades. E estamos em contacto com várias entidades portuguesas.”.
E especificou que os primeiros passos seriam “no imobiliário e nas antiguidades” e, mais tarde, queriam investir “na área financeira, no desporto, turismo e alta tecnologia”. 
Um dos membros da associação é Guo Guangchang, o presidente e principal acionista da Fosun, a dona da seguradora Fidelidade e que comprou a ES Saúde.
Uma das razões para investir em Portugal é alegadamente o facto de o “povo português estar muito aberto ao investimento estrangeiro” e outra resulta do facto de os chineses terem sido bem recebidos pelas entidades oficiais portuguesas. De facto, tanto Passos Coelho como António Costa (este ainda na condição de presidente da autarquia lisbonense, o que lhe granjeou fortes críticas do Governo de então) fizeram jus a estas declarações de Guo Guangchang. Portugal está efetivamente na rota de investimento chinês, a segunda maior economia do mundo, dirigida por um Presidente empenhado na reconstrução do Império do Meio, na internacionalização das suas empresas e na expansão do seu mercado.
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A onda do investimento chinês significa, entre outras coisas, que a fração do setor privado português que estava encostada ao Estado se sente confortável encostada ao Estado, já não ao português, mas ao da China; o setor público ou participado pelo Estado, querendo sair do Estado, permaneceu no Estado, mas no da China, que não está provado que seja melhor que o português; e que o Estado chinês viu em Portugal uma via de entrada para a Europa e uma via alternativa, pelas Lajes, para a América do Norte.
A 26 de setembro do ano passado, o Primeiro-Ministro da China, Li Keqiang, aterrou na base das Lajes, acompanhado da mulher e de oito ministros do Governo de Pequim, com o fito de preparar a visita do Primeiro-Ministro de Portugal à China. Era a terceira vez que o Presidente chinês ou o seu Primeiro-Ministro aterravam nesta base açoriana concessionada aos Estados Unidos, não certamente por coincidência, mas provavelmente como sinal de afirmação da influência do Estado chinês no Atlântico. E não é inocente que tais operações de aterragem tenham acontecido em território português.
Quanto a Portugal e sua economia, por um lado, o Estado português foi pura e simplesmente substituído pelo Estado chinês, que acaba por controlar as empresas nacionais e as internacionais que adquire, através de gestores que designa para holdings e fundos, embora tudo pareça que fica na mesma, para já. Porém, todos sabemos que quem tem dinheiro acaba por mandar e impor-se. E os empresários chineses quando concorrem, quando investem, fazem-no para ganhar e não por entretenimento, não sendo de estranhar dado terem as costas quentes pelo governo de Pequim. Por outro lado, cresce de forma galopante a ambição chinesa de presença dominante no mundo. É a Europa, a África e as Américas.
A questão que se levanta é se essa presença é benéfica ou se é contrariável. Theresa May já travou algumas iniciativas da China e Trump prometeu fazer o mesmo.
Não posso esquecer que as negociações entre a China e o Reino Unido para a transferência da soberania do Reino Unido sobre Hong Kong para a China e as do mesmo teor para a transferência da soberania de Portugal sobre Macau para a China decorreram sob o princípio de um regime e dois sistemas. Um e outro território constituiriam uma e outra região administrativa especial da República da China, mas o sistema de governo de cada uma destas duas regiões seria totalmente autónomo, isto é, previsivelmente nos moldes da democracia representativa. Porém, como quem tem dinheiro manda e impõe, logo as primeiras tentativas de rebeldia contra as imposições de Pequim, tanto em Hong Kong como em Macau, foram debeladas por métodos pouco mais brandos que os inquisitoriais.  
Quanto à postura do Portugal político, podemos notar que, a 11 de outubro, Marcelo Rebelo de Sousa se referiu positivamente à importância estratégica das relações entre Portugal e a China, mas advertiu, a seguir, que, como é assaz evidente, “não há almoços grátis e estas escolhas estratégicas têm contrapartidas a prazo”. Porém, o Primeiro-Ministro, confrontado com estas afirmações proferidas pelo chefe de Estado, disse que não iria comentar declarações que desconhecia, mas declarou que “as contrapartidas são óbvias”.
De acordo com António Costa, em primeiro lugar, com o investimento chinês, “há uma contrapartida da valorização da nossa economia, com criação de emprego, estabilização do nosso sistema financeiro e potenciação da capacidade de produção industrial”. E acrescentou:
“Isto vão ser os resultados futuros da sementeira que andámos a fazer. Acho que o terreno está fértil para essa sementeira, não só para consolidar os investimentos que já existiram no passado, como também em termos de projetos para futuro.”.
Não sei se o Primeiro-Ministro enferma dum otimismo irritante ou se é um otimista informado. Com efeito, tem mostrado notória habilidade para fazer de pequenos factos fatores de vitórias políticas, de que o país tem tirado partido para, ao menos, respirar um pouco. Na verdade, enquanto o pau levanta, folgam as costas.
Mas também é lícito perguntar se a invasão chinesa a Portugal não terá resultados muito mais benéficos que a invasão espanhola preconizada por João da Ega. Que nos reservará o futuro?

 2016.11.22 – Louro de Carvalho

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