Começou oficialmente ontem, dia 7, em Marraquexe, Marrocos, a 22.ª
conferência das Nações Unidas sobre alterações climáticas (COP22), reunindo perto de 20 mil pessoas (de 196
países) até ao
dia 18, com o escopo de concretizar os compromissos assumidos no Acordo de
Paris contra o aquecimento global. A Conferência
tem uma pergunta a que deve dar resposta: “Será
o concerto das nações capaz de assegurar a tempo a justiça climática para o
Planeta?”.
Patricia
Espinosa, a responsável pelo Clima nas Nações Unidas e Secretária Executiva da
Convenção das Alterações Climáticas (que ganhou o cargo
contra Jorge Moreira da Silva, ex-ministro do Ambiente de Portugal), declarou, na sessão de abertura, que “Marraquexe é
o momento de fazer avançar a ação climática” e apelou aos países que acelerem
as medidas a tomar.
Por seu
turno, Ségolène Royal – Ministra do Ambiente francesa e presidente da cimeira
que firmou o Acordo de Paris, no ano passado, assinado por 192 Estados e já
ratificado por uma centena – sustentou que a 22.ª conferência é uma oportunidade “para inventar um mundo
futuro e conseguir uma justiça climática” e instou os países que ainda não
ratificaram o Acordo de Paris “a fazê-lo antes do final do ano”.
E Salaheddine
Mezouar, chefe da diplomacia marroquina, que preside à COP22, apelou ao mundo
para “manter o espírito” de Paris, que significou uma “mobilização sem
precedentes”, traduzida no acordo adotado em finais de 2015. E, frisando que “o
que está em jogo não são só as alterações climáticas, mas uma questão de
civilização e de desenvolvimento económico”, apelou aos países a que sejam
“mais ambiciosos”.
O ministro
marroquino acentuou ainda a “responsabilidade coletiva” de resposta às
necessidades dos países mais vulneráveis, corroborada pelas declarações da
ministra francesa, que lembrou que “África é o continente que sofre mais com as
alterações climáticas sem ter responsabilidade por elas”.
Restam ainda
aos negociadores muitas matérias para acordar, de forma a tornar o Pacto
operacional, nomeadamente a definição de regras de transparência, a
apresentação das estratégias nacionais até 2050 e a ajuda financeira aos países
em desenvolvimento.
As regras de
transparência abrangem as informações que os países deverão fornecer sobre os
esforços para limitar as suas emissões e os progressos nas ajudas financeiras
públicas. Paralelamente a uma maior transparência, o acordo prevê um reforço
dos planos de ação de cada país, com vista a limitar o aquecimento global a
+2°C acima dos níveis pré-industriais. E, além do objetivo de limitar o
aquecimento a +2ºC, o Acordo de Paris prevê que os países realizem “todos os
esforços necessários” para não se ultrapassarem os 1,5 graus Celsius, evitando
assim “os impactos mais catastróficos das alterações climáticas”. No entanto, segundo
um relatório das Nações Unidas recentemente divulgado, os compromissos atuais
colocam o planeta numa trajetória de +3°C, ou até mesmo 3,4°C.
Para
conseguir manter o aquecimento abaixo dos +2ºC, as emissões de gases com efeito
de estufa, segundo os especialistas, têm de cessar de aumentar e, depois,
têm de ser reduzidas entre 40 e 70 por cento, entre 2010 e 2050. A estagnação e
a subsequente redução das emissões de gases com efeito de estufa implicam a
opção profunda por energias verdes e o abandono dos combustíveis fósseis (petróleo,
carvão e gás).
Serão
precisos investimentos avultados para tornar os setores da habitação, dos
transportes e da indústria menos dependentes de energia, tal como novas políticas
agrícolas e alimentares – o que significa que os países terão de fazer mais que
os compromissos assumidos em Paris.
O tema do
financiamento estará também no coração do debate, tanto em relação à ajuda
pública aos países em desenvolvimento de 100 mil milhões de dólares, prometidos
até 2020, como ao objetivo de tornar “mais verdes” as finanças mundiais.
Ora,
a COP22 tem pela frente um desafio essencial a que não pode escapar: estabelecer
uma data-limite para decidir as regras para a aplicação do Acordo de Paris e as
desta cimeira, sobretudo no atinente à transparência. No entanto e por estranho
que pareça ao comum dos cidadãos, a finalização das preditas regras – designadamente
no respeitante aos compromissos concretos de cada país quanto à redução das
emissões de gases com efeito de estufa, ao fornecimento de dados sobre o seu
cumprimento (transparência e prestação de contas) e a fixação de ajudas
financeiras aos países menos desenvolvidos (justiça climática) não são tarefas para estes dias,
embora Patricia Espinosa sustente que este é o “momento de fazer avançar a ação
climática”. A negociadora francesa do processo, Laurence Tubiana aconselhou um
prazo: “Se 2017 não é realista, 2018 é exequível”.
Porém,
a Terra não espera e como que se vinga da inércia dos 197 países e das agências
da ONU e da sociedade civil: nos primeiros 9 meses de 2016, a temperatura
global bateu novo recorde, com 0,98.ºC acima da média do século XX; em 2015, as
concentrações de dióxido de carbono ultrapassaram em todo o ano as 400 partes
por milhão e o nível do mar subiu cerca de 70 cm acima da média de 1993; os
glaciares de tipo alpino recuam há 36 anos consecutivos; entre 2003 e 2013, a
Gronelândia perdeu 2700 mil milhões de toneladas de gelo; e muitos dos nossos
castanheiros ficaram destruídos com o excesso de calor.
***
A este respeito,
João Camargo (vd site: esquerda.net) vê a cimeira sob a obnubilação
criada pelas eleições norte-americanas e deixa alguns alertas. Com efeito, “se pelas
ruas de toda a cidade de Marraquexe há bandeiras do país e sinais a dizer Agir
– Act – Atuar, a assinalar a necessidade de transformar o Acordo de Paris em
algo palpável”, o espectro da possível eleição de Donald Trump para presidente
dos EUA torna, durante os primeiros dias, “difícil perceber o que será esta
cimeira”. Na verdade, Trump é um negacionista das alterações climáticas,
tendo-as como um plano da China para reduzir as exportações americanas. Se ele for
o presidente, o receio de que os EUA (não ratificaram o Protocolo de Quioto) recuem do Acordo de Paris é real.
Contudo, este espectro esconde outras fragilidades maiores, que poderão revelar-se
mais nitidamente após as eleições americanas.
A COP22 tem
maiores fragilidades que a Cimeira de Paris no atinente à pressão das
petrolíferas e setores ligados aos combustíveis fósseis: nas discussões de
Marraquexe, estarão bem presentes a ExxonMobil, a Chevron, a Peabody, a BP, a
Shell, a Repsol ou a Total. Grandes organizações de interesses fósseis como a
Associação Mundial do Carvão (World Coal Organization), the Business Council of Australia ou a Business Europe participam na
COP-22 como observadores, o que significa terem acesso direto ao palco das
negociações, a “Zona Azul”, onde pressionarão os negociadores das nações, as
“partes”. Ora, seria desejável que, a exemplo do que ocorre na Conferência das
Nações Unidas de Controlo do Tabaco, donde são excluídas as empresas
tabaqueiras, também aqui as petrolíferas e os interesses que representam as
companhias de combustíveis fósseis ficassem fora do processo de
operacionalização do Acordo de Paris. Além disso, as petrolíferas lançaram hipocritamente,
há três dias, um fundo de mil milhões de dólares através da Oil & Gas
Climate Initiative, como tendo a ver com alterações climáticas, mas cujo objetivo
é investir nos combustíveis fósseis, através da cortina de fumo da Captura e
Sequestro de Carbono (CCS) e através da redução das perdas de
metano na extração e distribuição de gás natural – que emite mais gases com
efeito de estufa que o carvão. O apoio que as petrolíferas dão à problemática
das alterações climáticas é financiarem-se a si mesmas, garantindo um futuro de
combustão fóssil e de emissões sem interrupção. O presidente da BP, ao anunciar
o fundo, revelou que o dinheiro garantirá a tecnologia de monitorização da
redução das emissões perdidas de metano, essenciais para a promoção do gás
natural. Dudley recebe mensalmente mais do que aquilo que a BP pagará para o
fundo.
A Cimeira, no
dizer de Camargo, “começou numa espécie de tempestade perfeita”. De facto,
entrou em vigor o Acordo de Paris, mas muitos países ainda não o ratificaram; o
mês passado foi o mais quente desde que há registos, seguindo os 18 meses
anteriores que bateram recordes sucessivos; este será o 3.º ano consecutivo mais
quente desde que há registos, o que parece ser uma espiral de descontrolo
climático, embora, pela 1.ª vez em 2015 o investimento em renováveis tenha
ultrapassado o investimento em fósseis, chegando aos 270 mil milhões de euros,
e a capacidade instalada de energia solar, eólica e hídrica tenha ultrapassado
a de carvão.
Na cerimónia
de lançamento, Patrícia Espinosa destacou, como se referiu já, a necessidade de
as propostas individuais dos países apresentadas na última COP se tornarem lei
em cada país; e o presidente da COP, ministro dos Negócios Estrangeiros de
Marrocos, fez eco da necessidade de se trabalhar na vulnerabilidade das populações
mais pobres. A realização da COP em Marrocos poderia levantar a questão da
desigualdade e da Justiça Climática para mais próximo das negociações, quando
ficou claro em 2015 que os países mais ricos – principalmente os EUA liderados
por Obama – não estavam disponíveis para compensar os países mais pobres por
fenómenos climáticos extremos associados às alterações climáticas. A agenda é,
pois, apertada e mergulhada em constrições: resolvida a questão eleitoral americana,
manter-se-ão os monstros fósseis. As propostas individuais de cada país não
chegam para manter a temperatura do planeta abaixo dos 3,5ºC, pelo que terão de,
além de ser operacionalizadas, ganhar força de vinculação obrigatória e reduzir
muito mais drasticamente o nível de emissões.
Depois, é de perguntar:
Como medir e acompanhar as emissões reais de dióxido de carbono de cada uma das
nações (continua omisso o
metano apesar de ter 72 vezes mais efeito de estufa do que o dióxido de carbono)? E como levar por diante o financiamento
de biliões de euros para adaptar os países mais pobres e definir critérios de
compensação para a devastação por tempestades, cheias e secas magnificadas por
um clima em convulsão?
***
A este respeito, o Oficial do Pontifício Conselho da Justiça
e da Paz, Dr. Teobaldo Vinciguerra (segundo
a Rádio Vaticana, emissão para o Brasil), expressou a posição da Santa Sé, também presente, e Laudato Si nos termos seguintes:
“A Santa Sé acompanha com interesse e
benevolência os trabalhos. A contribuição da Santa Sé durante a “Cop 21”, em
Paris, foi muito baseada nos ensinamentos da Laudato Si: não
tanto o interesse pelas questões técnicas – quantos graus, de onde vem o
financiamento – mas sim a dimensão ética, a dimensão de justiça social. Este
esforço que está no coração da Santa Sé e que, por exemplo, se concretiza numa
justa transição dos trabalhadores: isto é, que não haja uma simples supressão
do trabalho nos setores mais poluentes, mas também uma criação de trabalho em
outros setores. A preocupação pela solidariedade e a justiça entre gerações:
também nisto, que mundo deixaremos às próximas gerações. A Laudato Si certamente
permanece um fator de inspiração muito forte para os Governos, para a sociedade
civil e também para o mundo privado. Vê-se como muitas empresas, mesmo grandes
multinacionais, se sentiram provocadas pela Laudato Si. Portanto, certamente o impacto da
Encíclica dura ainda muito”.
***
Aguardemos com esperança e realismo.
2016.11.08 – Louro de Carvalho
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