quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A perenidade da Misericórdia

Avançamos a largos passos para o encerramento do Jubileu da Misericórdia. Com efeito, no próximo domingo dia 20 de novembro, encerrar-se-á na Basílica de São Pedro a Porta Santa. Antecipadamente e para que as atenções se voltassem para o Vaticano a 20 de novembro, solenidade de Jesus Cristo Rei do Universo, as igrejas jubilares do mundo fecharam as portas da Misericórdia.
Destaca-se historicamente a Porta Santa de Bangui, na República Centro Africana, a primeira a ser aberta pelo Papa em novembro de 2015. Mas devem ser tidas em conta as palavras de Dom Dieudonné Nzapalainga, arcebispo de Bangui e Presidente da Conferência Episcopal da República Centro Africana que, apesar do encerramento oficial, sublinhou que, na Catedral, a porta permanecerá aberta para significar que todos os dias são “tempo de misericórdia” e pediu “que o fruto deste Ano Santo seja o fim da guerra”. Na verdade, a paz na África Central é uma urgência, bem como a especial atenção aos “deslocados” da guerra.
Aqui temos de sublinhar que, se a misericórdia for um objetivo, uma prática e um estilo de vida nas relações interpessoais e se, nesse dinamismo se enquadrarem os decisores das nações, a misericórdia tem necessariamente como fruto político a paz e cria as condições para o desenvolvimento das pessoas no culto da sua dignidade, na procura e na oferta de pão, casa e trabalho par cada uma, bem como o crescimento de uma sociedade sadia.
Entretanto, foram também encerradas no passado domingo, dia 13, em Roma, as portas santas das Basílicas de Santa Maria Maior, São João de Latrão e São Paulo fora de Muros. O Cardeal Vigário Agostino Vallini, que presidiu à celebração na Basílica de São João de Latrão, afirmou na sua homilia que “o destino final do mundo não está nas mãos dos homens, mas na misericórdia de Deus” e sublinhou que a “misericórdia não é um sinal de fraqueza”, mas a “irradiação poderosa da omnipotência amorosa do Pai”. Por seu turno, o Cardeal Santos Abril y Castello, que presidiu à celebração na Basílica de Santa Maria Maior, afirmou que “a Porta Santa simboliza Jesus” e salientou que no caminho rumo à santidade precisamos da “mão materna de Maria” que nos indica o caminho para Cristo, que é a porta do Reino.
E, também nesse domingo, dia 13, Francisco recordou, na recitação do Angelus, o encerramento das portas santas nas catedrais e santuários do mundo e declarou que o Ano Santo nos solicita a termos o “olhar fixo no cumprimento do Reino de Deus” e a “construir o futuro sobre esta terra, trabalhando para evangelizar o presente”. É esta a batalha de todos os dias.
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O padre Manuel Morujão, um dos padres portugueses missionários da misericórdia, diz que o Ano da Misericórdia promovido pelo Papa foi um “treino” que deu “balanço” aos cristãos para “exercitarem no dia a dia a misericórdia” no mundo. Em entrevista ao Programa ECCLESIA, da RTP2, o sacerdote salientou a importância de a Igreja Católica e as suas comunidades não se deixarem ficar pelas “celebrações, com mais ou menos pompa e circunstância”, a marcar o evento. Este jesuíta, autor do livro ‘Celebrar e Praticar a Misericórdia’, que forneceu propostas para a vivência deste Jubileu, sustenta que a misericórdia e as suas obras devem concretizar-se no quotidiano “das pessoas, das famílias, das paróquias, das dioceses e da Igreja”.
Lançado pelo Papa Francisco a 8 de dezembro de 2015, para tornar mais evidente a missão da Igreja Católica como testemunha e praticante da misericórdia de Deus no mundo, o Jubileu da Misericórdia congregou as dioceses e comunidades cristãs de todo o mundo numa atenção especial aos mais marginalizados e excluídos da sociedade. Para o padre Morujão, o evento veio numa altura em que o mundo vive “uma urgência de misericórdia”. Nas suas palavras, “o mundo era irrespirável se não houvesse tolerância, compreensão, aceitação, ou seja, se não vivêssemos a praticar obras de misericórdia, nos mais variados campos”; e, neste sentido, com este Ano Santo “procurou-se que este aspeto exterior passasse para a vida das pessoas”.
No início do Jubileu, o Papa Francisco enviou mais de mil ‘missionários da misericórdia’ pelo mundo, chamados a ser expressão do perdão de Deus e convite de conversão a todas as pessoas. Neste quadro, o sacerdote elogiou os “sinais” e “gestos” que, ao longo do ano, permitiram concretizar a preocupação com a misericórdia, sublinhando, por exemplo, a abertura das Portas Santas, simbolizando a “peregrinação” e a “abertura” do coração. E inferiu:
“É preciso uma conversão, acho que todos temos de nos converter sempre mais à misericórdia que vem da fonte de Deus, que é rico em misericórdia, diria multimilionário de misericórdia, e depois traduzir isso em gestos fraternos”.
A vivência deste Ano Santo extraordinário na história da Igreja deve servir como “rampa de lançamento” para continuar a “concretizar este ideal em obras concretas de misericórdia”.
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O Bispo do Algarve, na celebração da Eucaristia de encerramento, na diocese algarvia, do Ano Santo Extraordinário da Misericórdia, proclamado por Francisco para se realizar de 8 de dezembro de 2015 a 20 de novembro de 2016, disse que a iniciativa se conclui, “mas a misericórdia de Deus continua”. Assegurou, na celebração a que presidiu na Sé de Faro com vários sacerdotes do Algarve, que “a misericórdia de Deus não se encerra nunca”. Especificou que “a porta deste coração, donde brota esta fonte de misericórdia, fica sempre escancarada”, devendo, por conseguinte, continuar a ser lema dos cristãos o lema deste ano, “Sede misericordiosos como o Pai é misericordioso”. Na verdade, “temos que aprender, constantemente, a ser misericordiosos como Ele é misericordioso”, sabendo que este “é um critério que nos identifica e que torna mais credível o nosso testemunho”. E prosseguiu:
 “E por isso, recorda-nos também o Papa, onde estiver a Igreja, cada batizado, tem de estar presente a misericórdia do Pai. Onde houver um discípulo de Cristo tem de estar aí também presente, de maneira viva e atuante a misericórdia do Pai e continua a misericórdia de Deus a distribuir-se abundantemente por todos”.
O Bispo do Algarve desafiou mesmo a “olhar para trás” e a “fazer uma espécie de exame de consciência”, interrogando, para desafiar à continuação da crescente identificação com Jesus:
“Como é que foi este tempo para nós? Como é que celebrámos a misericórdia? De que modo é que este Ano da Misericórdia nos ajudou a ser melhores discípulos de Jesus, nos ajudou a ser membros desta Igreja que é nossa, a partir das nossas comunidades paroquiais, de maneira mais consciente, corresponsável e participativa?”.
Depois, citando o Papa, sentenciou:
“É possível estarmos contentes pelo caminho percorrido, mas que, olhando para o nosso percurso e para o estado da nossa conversão, ainda verifiquemos que nos falta muito caminhar. Esta conversão pessoal, comunitária, eclesial tem que continuar para que o nosso testemunho seja mais forte, convincente e eficaz, para que este regresso ao essencial seja permanente e constante em cada dia da nossa vida, para que esta Igreja que nós constituímos seja verdadeiramente ‘uma casa para muitos e uma mãe para todos’.”.
Considerando o Jubileu como uma “feliz iniciativa do Papa Francisco”, exclamou:
“Quanta riqueza tivemos oportunidade de beneficiar, abrindo-nos, celebrando e partilhando a misericórdia de Deus”!
E, assumindo a celebração a que presidia como um “hino de louvor e ação de graças” por tudo quanto nos foi dado “viver, celebrar e usufruir, pessoalmente, individualmente, mas também comunitariamente e eclesialmente, ao longo deste Ano Jubilar”, terminou com a seguinte referência ao Cântico do Magnificat:
“Quer exprimir este grito pessoal, mas também de toda a Igreja, particularmente da nossa Igreja diocesana, no louvor ao Senhor pelo dom deste Ano Jubilar”.
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Também o Bispo do Porto se referiu, em nota pastoral de 6 de novembro, ao ano jubilar. Começou por dizer que, no Ano Santo da Misericórdia, o Papa “não esqueceu nada nem ninguém”, antes, “procurou integrar-nos a todos neste movimento que a misericórdia de Deus abraça, envolve e anima”. Assim se entende tudo quanto “Francisco tem dito e tem feito em mensagens e em gestos”; e assim “se devem ler as suas palavras do passado dia 21 de outubro”, aos Membros do Congresso Internacional da Pastoral Vocacional, promovido pela Congregação do Clero, em que os convidava a: “sair, ver e chamar”. Aqui radica, segundo o Papa, “a pedagogia de uma pastoral vocacional pró-ativa”, sendo que a pastoral vocacional é, “antes de mais e acima de tudo, um convite ao encontro com o Senhor Jesus” e deve “levar-nos a aprender o estilo de Jesus, que passou pelos lugares da vida quotidiana daqueles que chamou e passou sem pressa”. E fez a ponte para a vivência da Semana dos Seminários, que então começava, sob o tema: “Movidos pela misericórdia de Deus”.
Depois, vem a palavra sobre o sentido deste jubileu à semelhança dos demais:
“Como em todos os Jubileus celebrados ao longo da história, as razões que os determinaram, as motivações que lhes deram sentido no coração de cada Papa e a bênção que trouxeram à Igreja devem permanecer e continuar para lá do tempo circunscrito da sua realização”.
Acentuou o caráter providencial desta iniciativa de Francisco e garantiu:
“Percebemos bem como a Igreja precisava desta lufada de nova missão que irrompe da misericórdia divina, acolhida e traduzida na vida de todos os dias. E não nos surpreende a alma aberta do mundo que acolheu esta iniciativa do Papa Francisco com alargada aprovação e atento interesse. Todos precisávamos deste Jubileu e de quanto ele nos trouxe de bênção, de compaixão e de apelo a vidas transformadas pela misericórdia de Deus e realizadoras das obras de misericórdia.”.
Depois especificou as diversas valorações que o Jubileu trouxe: a da “urgente cultura do encontro, da proximidade, da compaixão e da misericórdia”; a da abertura “à Igreja de caminhos novos duma pastoral próxima, atenta a todos e capaz de fazer chegar a cada pessoa esta certeza única de que Deus nos ama como Pai, rico de misericórdia”; a do gosto e coragem de sabermos “que a porta da misericórdia está sempre aberta para nos conduzir a Deus na procura de reconciliação, de misericórdia, de perdão e de paz”; a do incentivo “a de sairmos ao encontro dos irmãos, renovados nas fontes da alegria”; e de ter acordado “em todos nós e bem para lá de nós o desejo e o dever de praticar as obras de misericórdia, com alegria”.
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Que a misericórdia é exigência permanente do Evangelho já o sabíamos e o Ano Santo veio lembrá-lo de muitos modos. E agora seria um verdadeiro e anacrónico episódio se quiséssemos ou pudéssemos parar. Na verdade, a afirmação de Maria, “a Sua misericórdia estende-se de geração em geração” (Lc 1,50), não conhece limites locais ou temporais, bem como a Bem-aventurança dos que “são misericordiosos porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7) ou a ordem de Jesus, “Ide aprender o que significa: quero a misericórdia e não os sacrifícios” (Mt 9,13).
De facto, a misericórdia tem de ser um estilo à imitação do Pai espelhado em Cristo. Os pobres, os homens com carências persistem e só Deus é capaz de contorcer-se e condoer-se adequadamente segundo as necessidades de cada um dos homens. Cristo mostrou-o em si próprio. Porém, por indicação, desejo e ordem de Jesus, nós somos solicitados a empreender, por imitação, o mais perfeita possível, a mesma ação de misericórdia, amor e fidelidade. Deu-nos o exemplo para que façamos como Ele fez (cf Jo 13,15).

2016.11.16 – Louro de Carvalho

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