Avançamos a largos passos para o encerramento do Jubileu da
Misericórdia. Com efeito, no próximo domingo dia 20 de novembro, encerrar-se-á
na Basílica de São Pedro a Porta Santa. Antecipadamente e para que as atenções
se voltassem para o Vaticano a 20 de novembro, solenidade de Jesus Cristo Rei
do Universo, as igrejas jubilares do mundo fecharam as portas da Misericórdia.
Destaca-se historicamente a Porta Santa de Bangui, na República
Centro Africana, a primeira a ser aberta pelo Papa em novembro de 2015. Mas devem
ser tidas em conta as palavras de Dom Dieudonné Nzapalainga, arcebispo de
Bangui e Presidente da Conferência Episcopal da República Centro Africana que,
apesar do encerramento oficial, sublinhou que, na Catedral, a porta permanecerá
aberta para significar que todos os dias são “tempo de misericórdia” e pediu “que
o fruto deste Ano Santo seja o fim da guerra”. Na verdade, a paz na África
Central é uma urgência, bem como a especial atenção aos “deslocados” da guerra.
Aqui temos de sublinhar que, se a misericórdia for um
objetivo, uma prática e um estilo de vida nas relações interpessoais e se, nesse
dinamismo se enquadrarem os decisores das nações, a misericórdia tem necessariamente
como fruto político a paz e cria as condições para o desenvolvimento das
pessoas no culto da sua dignidade, na procura e na oferta de pão, casa e
trabalho par cada uma, bem como o crescimento de uma sociedade sadia.
Entretanto, foram também encerradas no passado domingo, dia
13, em Roma, as portas santas das Basílicas de Santa Maria Maior, São João de
Latrão e São Paulo fora de Muros. O Cardeal Vigário Agostino Vallini, que
presidiu à celebração na Basílica de São João de Latrão, afirmou na sua homilia
que “o destino final do mundo não está nas mãos dos homens, mas na misericórdia
de Deus” e sublinhou que a “misericórdia não é um sinal de fraqueza”, mas a
“irradiação poderosa da omnipotência amorosa do Pai”. Por seu turno, o Cardeal
Santos Abril y Castello, que presidiu à celebração na Basílica de Santa Maria
Maior, afirmou que “a Porta Santa simboliza Jesus” e salientou que no caminho
rumo à santidade precisamos da “mão materna de Maria” que nos indica o caminho
para Cristo, que é a porta do Reino.
E, também nesse domingo, dia 13, Francisco recordou, na
recitação do Angelus, o encerramento das
portas santas nas catedrais e santuários do mundo e declarou que o Ano Santo nos
solicita a termos o “olhar fixo no cumprimento do Reino de Deus” e a “construir
o futuro sobre esta terra, trabalhando para evangelizar o presente”. É esta a
batalha de todos os dias.
***
O padre Manuel Morujão, um dos
padres portugueses missionários da misericórdia, diz que o Ano da Misericórdia
promovido pelo Papa foi um “treino” que deu “balanço” aos cristãos para
“exercitarem no dia a dia a misericórdia” no mundo. Em entrevista ao Programa ECCLESIA, da RTP2, o sacerdote salientou a importância de a Igreja
Católica e as suas comunidades não se deixarem ficar pelas “celebrações, com
mais ou menos pompa e circunstância”, a marcar o evento. Este jesuíta, autor do
livro ‘Celebrar e Praticar a Misericórdia’, que forneceu propostas para a
vivência deste Jubileu, sustenta que a misericórdia e as suas obras devem
concretizar-se no quotidiano “das pessoas, das famílias, das paróquias, das dioceses
e da Igreja”.
Lançado pelo Papa Francisco a 8 de dezembro de
2015, para tornar mais evidente a missão da Igreja Católica como testemunha e
praticante da misericórdia de Deus no mundo, o Jubileu da Misericórdia
congregou as dioceses e comunidades cristãs de todo o mundo numa atenção
especial aos mais marginalizados e excluídos da sociedade. Para o padre
Morujão, o evento veio numa altura em que o mundo vive “uma urgência de
misericórdia”. Nas suas palavras, “o mundo era irrespirável se não houvesse
tolerância, compreensão, aceitação, ou seja, se não vivêssemos a praticar obras
de misericórdia, nos mais variados campos”; e, neste sentido, com este Ano
Santo “procurou-se que este aspeto exterior passasse para a vida das pessoas”.
No início do Jubileu, o Papa Francisco enviou
mais de mil ‘missionários da misericórdia’ pelo mundo, chamados a ser expressão
do perdão de Deus e convite de conversão a todas as pessoas. Neste quadro, o
sacerdote elogiou os “sinais” e “gestos” que, ao longo do ano, permitiram
concretizar a preocupação com a misericórdia, sublinhando, por exemplo, a
abertura das Portas Santas, simbolizando a “peregrinação” e a “abertura” do
coração. E inferiu:
“É preciso uma conversão, acho que todos temos de nos converter
sempre mais à misericórdia que vem da fonte de Deus, que é rico em
misericórdia, diria multimilionário de misericórdia, e depois traduzir isso em
gestos fraternos”.
A
vivência deste Ano Santo extraordinário na história da Igreja deve servir como
“rampa de lançamento” para continuar a “concretizar este ideal em obras
concretas de misericórdia”.
***
O Bispo do
Algarve, na celebração da Eucaristia de encerramento, na diocese algarvia, do
Ano Santo Extraordinário da Misericórdia, proclamado por Francisco para se
realizar de 8 de dezembro de 2015 a 20 de novembro de 2016, disse que a
iniciativa se conclui, “mas a misericórdia de Deus continua”. Assegurou, na
celebração a que presidiu na Sé de Faro com vários sacerdotes do Algarve, que
“a misericórdia de Deus não se encerra nunca”. Especificou que “a porta deste
coração, donde brota esta fonte de misericórdia, fica sempre escancarada”, devendo,
por conseguinte, continuar a ser lema dos cristãos o lema deste ano, “Sede misericordiosos como o Pai é
misericordioso”. Na verdade, “temos que aprender, constantemente, a ser
misericordiosos como Ele é misericordioso”, sabendo que este “é um critério que
nos identifica e que torna mais credível o nosso testemunho”. E prosseguiu:
“E por isso, recorda-nos também o Papa,
onde estiver a Igreja, cada batizado, tem de estar presente a misericórdia do
Pai. Onde houver um discípulo de Cristo tem de estar aí também presente, de
maneira viva e atuante a misericórdia do Pai e continua a misericórdia de Deus
a distribuir-se abundantemente por todos”.
O Bispo do
Algarve desafiou mesmo a “olhar para trás” e a “fazer uma espécie de exame de
consciência”, interrogando, para desafiar à continuação da crescente
identificação com Jesus:
“Como é que foi este tempo para nós? Como é que celebrámos a misericórdia?
De que modo é que este Ano da Misericórdia nos ajudou a ser melhores discípulos
de Jesus, nos ajudou a ser membros desta Igreja que é nossa, a partir das
nossas comunidades paroquiais, de maneira mais consciente, corresponsável e
participativa?”.
Depois, citando
o Papa, sentenciou:
“É possível estarmos contentes pelo caminho percorrido, mas que, olhando
para o nosso percurso e para o estado da nossa conversão, ainda verifiquemos
que nos falta muito caminhar. Esta conversão pessoal, comunitária, eclesial tem
que continuar para que o nosso testemunho seja mais forte, convincente e
eficaz, para que este regresso ao essencial seja permanente e constante em cada
dia da nossa vida, para que esta Igreja que nós constituímos seja
verdadeiramente ‘uma casa para muitos e uma mãe para todos’.”.
Considerando
o Jubileu como uma “feliz iniciativa do Papa Francisco”, exclamou:
“Quanta riqueza tivemos oportunidade de beneficiar, abrindo-nos, celebrando
e partilhando a misericórdia de Deus”!
E, assumindo
a celebração a que presidia como um “hino de louvor e ação de graças” por tudo
quanto nos foi dado “viver, celebrar e usufruir, pessoalmente, individualmente,
mas também comunitariamente e eclesialmente, ao longo deste Ano Jubilar”,
terminou com a seguinte referência ao Cântico do Magnificat:
“Quer exprimir este grito pessoal, mas também de toda a Igreja,
particularmente da nossa Igreja diocesana, no louvor ao Senhor pelo dom deste
Ano Jubilar”.
***
Também o Bispo do Porto se referiu, em nota
pastoral de 6 de novembro, ao ano jubilar. Começou por dizer que, no Ano Santo
da Misericórdia, o Papa “não esqueceu nada nem ninguém”, antes, “procurou
integrar-nos a todos neste movimento que a misericórdia de Deus abraça, envolve
e anima”. Assim se entende tudo quanto “Francisco tem dito e tem feito em
mensagens e em gestos”; e assim “se devem ler as suas palavras do passado dia
21 de outubro”, aos Membros do Congresso Internacional da Pastoral Vocacional,
promovido pela Congregação do Clero, em que os convidava a: “sair, ver e chamar”. Aqui radica, segundo
o Papa, “a pedagogia de uma pastoral vocacional pró-ativa”, sendo que a
pastoral vocacional é, “antes de mais e acima de tudo, um convite ao encontro
com o Senhor Jesus” e deve “levar-nos a aprender o estilo de Jesus, que passou
pelos lugares da vida quotidiana daqueles que chamou e passou sem pressa”. E fez
a ponte para a vivência da Semana dos Seminários, que então começava, sob o
tema: “Movidos pela misericórdia de Deus”.
Depois, vem a palavra sobre o sentido deste
jubileu à semelhança dos demais:
“Como em todos os Jubileus
celebrados ao longo da história, as razões que os determinaram, as motivações
que lhes deram sentido no coração de cada Papa e a bênção que trouxeram à
Igreja devem permanecer e continuar para lá do tempo circunscrito da sua
realização”.
Acentuou
o caráter providencial desta iniciativa de Francisco e garantiu:
“Percebemos bem como a
Igreja precisava desta lufada de nova missão que irrompe da misericórdia
divina, acolhida e traduzida na vida de todos os dias. E não nos surpreende a
alma aberta do mundo que acolheu esta iniciativa do Papa Francisco com alargada
aprovação e atento interesse. Todos precisávamos deste Jubileu e de quanto ele
nos trouxe de bênção, de compaixão e de apelo a vidas transformadas pela
misericórdia de Deus e realizadoras das obras de misericórdia.”.
Depois
especificou as diversas valorações que o Jubileu trouxe: a da “urgente cultura
do encontro, da proximidade, da compaixão e da misericórdia”; a da abertura “à
Igreja de caminhos novos duma pastoral próxima, atenta a todos e capaz de fazer
chegar a cada pessoa esta certeza única de que Deus nos ama como Pai, rico de
misericórdia”; a do gosto e coragem de sabermos “que a porta da misericórdia
está sempre aberta para nos conduzir a Deus na procura de reconciliação, de misericórdia,
de perdão e de paz”; a do incentivo “a de sairmos ao encontro dos irmãos,
renovados nas fontes da alegria”; e de ter acordado “em todos nós e bem para lá
de nós o desejo e o dever de praticar as obras de misericórdia, com alegria”.
***
Que a misericórdia é exigência permanente do Evangelho
já o sabíamos e o Ano Santo veio lembrá-lo de muitos modos. E agora seria um
verdadeiro e anacrónico episódio se quiséssemos ou pudéssemos parar. Na verdade,
a afirmação de Maria, “a Sua misericórdia
estende-se de geração em geração” (Lc 1,50), não conhece limites locais ou temporais, bem
como a Bem-aventurança dos que “são
misericordiosos porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7) ou a ordem de Jesus, “Ide
aprender o que significa: quero a
misericórdia e não os sacrifícios” (Mt 9,13).
De facto, a misericórdia tem de ser um estilo à
imitação do Pai espelhado em Cristo. Os pobres, os homens com carências persistem
e só Deus é capaz de contorcer-se e condoer-se adequadamente segundo as
necessidades de cada um dos homens. Cristo mostrou-o em si próprio. Porém, por indicação,
desejo e ordem de Jesus, nós somos solicitados a empreender, por imitação, o
mais perfeita possível, a mesma ação de misericórdia, amor e fidelidade.
Deu-nos o exemplo para que façamos como Ele fez (cf Jo 13,15).
2016.11.16
– Louro de Carvalho
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