Diz-nos
o jornalista Carlos Varela, no JN de
hoje, dia 10 de novembro, que o caso da detenção do suspeito dos crimes de
Aguiar da Beira no passado dia 11 de outubro, resultante da sua apresentação às
autoridades policiais com cobertura em direto pela RTP, está a suscitar a
atenção de especialistas forenses, considerando que é a 1.ª vez que tal
acontece no nosso país.
E
o psicólogo forense Carlos Poiares, professor catedrático da Universidade
Lusófona de Humanidades e Tecnologias e seu vice-reitor, adiantou já
ter levado o processo à Universidade e que vai voltar com o caso às aulas na
próxima semana. Diz o professor:
“É uma situação única, com este contexto, e já comecei a
abordá-lo nas aulas. É um verdadeiro case-study.”
Do meu ponto de vista, todos os casos concretos que
possam ilustrar de modo significativo as unidades de ensino, nomeadamente do
ensino superior, devem ser utilizados pelos docentes. Todavia, considerar este
um caso excecional e de contornos bombásticos parece excessivo e inadequado. É este
género de referências de que estes tipos gostam, marcar a opinião pública,
impressionar a sociedade civil.
Pode o caso da autoapresentação às autoridades da parte
do suspeito agregar uma “personalidade fria, manipuladora e sedutora” (sic), mas não é caso único. Não vejo
por que motivo a cobertura televisiva e transmissão em direto haja de acrescentar
mais-valia ao mérito da abordagem científica que o catedrático reivindica para
o facto. Aliás, as razões invocadas pelos causídicos que patrocinam o suspeito
são claras: evitar que o ato de apresentação fosse flagelado por eventual
abatimento a tiro do apresentado, o que também requereu que a apresentação
fosse feita perante elementos da polícia judiciária e não da GNR. Por outro
lado, o ato configura uma capacidade organizativa fora do vulgar, uma sede de
protagonismo, um franco oportunismo e uma disponibilidade da RTP – a nossa
televisão pública. Como bem se pode recordar, a apresentação foi antecedida de uma
entrevista que será transmitida no próximo programa “Sexta às nove”. Ou seja, o
suspeito quis protagonismo e este foi-lhe dado. Deu-lho a polícia por interesse
público; deu-lho a RTP por furo jornalístico em que se pode louvar.
Porém, o cenário em que se processou publicamente a
detenção foi perfeitamente normal e nada hollywoodesco, como supõe a peça
jornalística. Foi detido em Arouca, onde se apresentou por combinação prévia e
foi transferido para a cidade da Guarda, comarca que abrange o local dos crimes
de que é suspeito. Nada de episódios de tipo faroeste!
Nem é propriamente o primeiro caso espetacular em
autoapresentação, pois, já em 2008, um homem matou a mulher de um pivô da Sport
TV, em Sacavém. E foi ele quem se apresentou, em 2013, por necessidade de
protagonismo, mostrando que controlou todos os passos.
Também Rui Abrunhosa Gonçalves, psicólogo forense e
professor da Universidade do Minho, admite levar o caso às aulas, pois entende
que o caso de Pedro Dias não é comum, dado não se lembrar de caso similar em termos
comportamentais, tendo em conta que criou uma estratégia. Sim, levar o caso às
aulas entende-se pelas razões acima expostas e não mais. Todavia, é verdade que
tanto o suspeito de Aguiar da Beira como o de Sacavém criaram uma estratégia. Neste
caso, incluiu a cobertura televisiva em direto, a entrevista, a declaração
pública de inocência (como é usual
nestes casos, chutando a responsabilidade para outrem), a
permanência por quase duas semanas na casa onde se entregou e que estava a ser
vigiada policialmente, não se percebendo porque não foi tomada a iniciativa da
detenção e agora se constitui arguida a professora de História aposentada que
lhe deu guarida.
Não vejo como a cobertura televisiva acrescente
qualquer mais-valia ao caso em termos de cientificidade, se apenas a cobertura
televisiva foi solicitada e concedida.
Recordo que Manuel Palito, no ano anterior, andou 34
dias a monte, criando o pânico na região, suspeito mais ou menos do mesmo número
de crimes. E foi detido quando, aparentemente de forma inopinada, resolveu vir
a casa. Ora, ninguém o considerou um case-study.
***
Depois, não se percebe como uma psiquiatra forense opina
que o suspeito não parece demonstrar qualquer desequilíbrio mental, parecendo
antes ser um sociopata.
Um Manual de
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais refere
que tanto a
psicopatia como a sociopatia são consideradas como transtornos antissociais e
têm muitas caraterísticas semelhantes, pelo que muitas vezes são vistas como
sinónimas. Apresentam muitos traços em comum, como a desconsideração por leis,
normas sociais e direitos de outras pessoas, falta de sentimento de culpa e
comportamento violento. Apenas a origem será diversa.
Uma das
diferenças reside no facto de frequentemente os psicopatas serem pessoas
encantadoras e populares, sendo que muitas vezes exercem cargos de liderança e
conseguem atrair pessoas para elas próprias.
O sociopata
não é muito bom em contextos sociais e não tem apego aos valores morais, sendo
muitas vezes classificado como uma pessoa antissocial. Apesar disso, o
sociopata é capaz de fingir ou forçar sentimentos, para conseguir manipular
outras pessoas, parecendo estar à vontade ou contente quando na realidade não
está. Por sua vez, o psicopata sente-se, muitas vezes, confortável em grupos,
vendo tal situação como uma oportunidade para manipular os outros em benefício
de si próprio.
Na verdade, a
sociopatia é um transtorno de
personalidade caraterizado por um egocentrismo exacerbado,
que leva à desconsideração dos sentimentos e opiniões dos outros. A sociopatia
é uma psicopatologia que
provoca um comportamento impulsivo, hostil e antissocial.
A incapacidade
do sociopata em controlar as suas emoções negativas torna muito difícil
estabelecer um relacionamento estável com outras pessoas.
A sociopatia
não tem cura, podendo, no entanto, os seus efeitos ser mitigados através da
psicoterapia e da prescrição de medicamentos.
A expressão “sociopata funcional” refere-se à pessoa que, apesar de
sofrer de sociopatia, tem essa situação sob controlo, ou seja, os efeitos da sua
sociopatia não afetam muito a sua interação com as outras pessoas.
Sendo assim,
não percebo como é que se afirma que o suspeito é sociopata, mas não tem
desequilíbrio mental. São escaninhos que não domino, mas que me deixam perplexo.
***
Pode efetivamente
dizer-se que o suspeito foi quem controlou o “reality-show”, mas porque lho
deixaram controlar, creio que não por vontade das forças policiais, mas por
insuficiência de meios, bem como por apoios ao foragido no terreno. Das vítimas
já nem se fala!
Case-study para quê, se dificilmente podem ser extrapoladas para fora
do seu âmbito as conclusões e considerações futuras?
2016.11.10 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário