Os
fenómenos “Brexit” e “Trump” constituem, segundo analistas ouvidos pela edição
on line do Dinheiro vivo, de hoje, 24
de novembro, e que vou seguindo em parte, “dois efeitos políticos que apanharam
os mercados e a maior parte dos decisores e líderes de opinião de surpresa”. Não
sei se concorde, porquanto o desfecho do referendo britânico e o das eleições
norte-americanas não eram totalmente estranhos às sondagens e estudos de opinião.
Não obstante, merecem acurada reflexão da parte dos decisores políticos
europeus e, obviamente, dos portugueses.
A
saída do Reino Unido da UE surtiu efeito perturbador nas bolsas mundiais e
acarretou a desvalorização da libra esterlina para mínimos históricos, enquanto
a vitória do republicano Trump, para já, não causou a tragédia esperada nos
mercados financeiros. Porém, a configuração anunciada das políticas de investimento
público do presidente eleito induziram alguns setores a disparar e azaram a
subida dos juros da dívida pública. Por sua vez, a Europa prepara-se para
momentos que podem gerar uma verdadeira convulsão político-económica.
Em
dezembro, cumpre-se o referendo constitucional em Itália, em que as sondagens
admitem que ganhe o “não”, o que levará à demissão do Primeiro-Ministro
italiano. Trata-se do primeiro risco imediato por configurar um voto contra o
sistema.
Mas,
se este é o risco mais imediato por que passará a Europa, não será de longe o
único. As tensões na Síria, entre Rússia e Estados Unidos, bem como o previsível
enfraquecimento da NATO, são factos colaterais que emolduram gravosamente a
ameaça que surge inevitavelmente das eleições na Alemanha, na França e na Holanda,
por via do grande crescimento dos partidos populistas, em reação à crise dos migrantes
e refugiados e pelas dúvidas surgidas quanto ao futuro da política monetária, à
resolução da crise da dívida e à postura em relação à fragilidade do setor
bancário – tudo questões a suscitar a devida atenção e que os mercados acompanharão
de perto pela influência que podem daí vir a sofrer.
Depois,
o “Brexit” e a eleição de Trump produzem justificados receios da possibilidade
de contágio na Europa com o provável reforço de poder dos partidos europeus
mais extremistas que enunciam políticas de caráter populista, antieuropeístas e
anti-imigração.
Nas
palavras de Marisa Cabrita, da Orey Financial, “é neste cenário, que a França e
Alemanha terão eleições presidenciais no próximo ano, em abril/maio e setembro,
respetivamente, bem como a Noruega, a República Checa e a Hungria, em que “se
realizam eleições legislativas ou presidenciais”.
Em
França, Marine Le Pen, a candidata da Frente Nacional, partido de
extrema-direita, deverá passar à 2.ª volta nas presidenciais, o que suscita preocupação
generalizada. Na Holanda, Geert Wilders, líder do partido para a Liberdade,
anti-imigração, vai ganhando espaço. Na Áustria, Norbert Hofer, também do
partido para a Liberdade para a Áustria, aproximou-se da vitória nas eleições
do passado mês de maio. E, na Alemanha, o partido de extrema-direita e anti-imigração,
liderado por Frauke Petry, ganha visibilidade numa altura em que Angela Merkel já
anunciou candidatar-se a um quarto mandato.
Neste
cenário contextual, a próxima ronda eleitoral na Europa refletirá com toda a
probabilidade o sentimento europeu face à vaga migratória em curo; e o processo
do “Brexit” e da governação de Trump serão fatores de risco adicionais.
Pedro
Lino, da DIF, sustenta que “os maiores riscos decorrem do facto de os políticos
europeus não estarem a dar voz à vontade dos cidadãos europeus em muitas áreas”,
o que se refletirá “nos resultados do referendo italiano e nas eleições gerais
na França, Holanda e Alemanha em 2017” – podendo ficar colocada em causa “a UE
e a zona euro, como as conhecemos”.
Segundo
Filipe Garcia, economista do IMF, “este é um período em que os inimigos da
União Europeia, por filosofia ou interesse, estão muito ativos”, sendo que “socialmente,
o tema da imigração ilegal e dos refugiados ajuda a minar os sentimentos anti-UE”.
Até
o Ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schaüble, se lembrou do nazismo ao
comentar os receios em torno do crescimento do sentimento populista nos Estados
Unidos. Disse ele:
“Já
tivemos isto na Alemanha, não precisamos de mais. Não podemos fazer das
minorias bodes expiatórios de problemas que não conseguimos resolver. Quem quer
que comece isto vai acabar onde já estivemos na Alemanha, no final da história
alemã”.
Marisa
Cabrita, já mencionada, admite que, a par da fragilidade do setor bancário, os
efeitos das políticas de Trump comecem a fazer-se sentir no plano económico, referindo:
“Caso o novo presidente americano consiga fazer o delivery das suas intenções, poderemos
assistir a um ciclo de subida de taxas de juro mais agressivo nos EUA, redução
dos fluxos comerciais internacionais e, consequentemente, algum contágio e
abrandamento da economia europeia”.
Também
Albino Oliveira, da Patris Investimentos, além do risco político, insinua que
as fragilidades na zona Euro podem ser novamente postas a descoberto. Com efeito,
segundo o analista, “o principal risco está relacionado com o facto de a zona
euro permanecer incompleta, pois, “se olharmos por exemplo para Portugal, o
País continua bastante suscetível a um período de mais elevadas taxas de juro
que possa colocar em causa a sustentabilidade da dívida pública”; e a política
monetária do BCE, que tem criado um certo ambiente de estabilidade, ficará comprometida
se surgir um novo choque que volte “a criar tensões dentro da zona euro”.
Na
verdade, se “a crise da dívida está adormecida, mas não está resolvida” como
defende Filipe Garcia, também “a estratégia de saída para a atual política
monetária do BCE é uma incógnita”.
E
José Correia, da XTB, sustenta que “Mario Draghi irá tomar uma decisão muito
importante relativamente à continuação do programa de QE, após o mês de março de
2017, e as eleições agendadas para países-chave da União Europeia podem trazer
instabilidade aos mercados”.
***
Como
é natural, os analistas preocupam-se, para já, com o resultado do referendo italiano,
por se tratar da primeira votação que pode ser claramente antissistema. O resultado
do referendo é relevante não só para o senso político de Itália, mas para as
indicações sobre a estabilização do sistema financeiro. Todavia, parece ficar afastada
a possibilidade de um outro referendo para votar a saída do Euro e os alarmismos
perante o risco de convocação de eleições antecipadas serão remotos.
Marisa
Cabrita adverte que, apesar de as sondagens indicarem o “não” ao referendo, há ainda
muitos indecisos. A analista concede que, “no cenário em que a reforma é
rejeitada, poderão aumentar as expectativas de eleições antecipadas, onde os
partidos antissistema saiam reforçados”, mas frisa que essa “não parece ser uma
possibilidade forte”.
Por
sua vez, Albino Oliveira supõe que o principal risco é a “eventual realização
de eleições antecipadas que conduzam a um bom resultado por parte do partido ‘5
estrelas’, o que poderia representar riscos acrescidos para a Zona Euro”. E,
segundo João Pereira Leite, do banco Carregosa, “poderemos ter indicações mais
concretas sobre a solução para a recapitalização da banca italiana”.
Por
seu turno, Pedro Lino, sustenta que o problema é global e justifica:
“Quando
os cidadãos deixam de ver as vantagens em pertencer a uma zona económica é
natural que tudo seja colocado em causa. Acredito que com Trump na Casa Branca
seja mais fácil às pessoas votarem numa saída do euro e pensarem que têm uma
alternativa mais vantajosa, especialmente a geração mais nova que não passou
por guerras, nem sabe o que são restrições financeiras, tais como os seus pais
e avós as conheceram.”.
A
equipa de research do BiG, não acreditando numa saída do Euro, explica:
“Não
atribuímos uma probabilidade elevada à possibilidade de um referendo para votar
a saída do Euro, o que a acontecer resultaria num aumento de risco para a
estabilidade económica, política e social da Europa”.
Porém,
Filipe Garcia, frisando que a questão é “prematura”, admite que um referendo em
Itália para votar a saída do euro fará com que “outros Estados-membro que
desejem sair comecem a exigir também referendos”. E pensa que a saída de Itália
da UE “seria muito mais disruptiva do que a do Reino Unido, até porque é um
país que faz parte do Euro”.
***
Por
sua vez, os mercados deram um sinal da sua imprevisibilidade depois de as
bolsas norte-americanas terem aberto com perdas ligeiras e terem registado alguns
ganhos ao final do dia face aos resultados das eleições norte-americanas,
depois de catastróficas previsões, em que se incluem as de recessão de Paul
Krugman, Nobel da economia. Não obstante, os impactos dos choques nos EUA e na
Europa penalizarão as principais praças europeias, sendo que os juros da dívida
serão o ativo mais afetado, bem como os setores mais expostos à sua variação.
Especialmente
uma vitória de Marine Le Pen em França, segundo Albino Oliveira, terá um efeito
provavelmente negativo. E Filipe Garcia sustenta que “os investidores irão
reagir com muito pessimismo a qualquer probabilidade de desagregação do euro”,
com o mercado da dívida “a enfrentar enorme volatilidade, com forte subida dos
juros de países mais periféricos” e a queda a pique das bolsas.
Para
os analistas é certo que, embora não seja tão afetado como os países que
passarão pelas convulsões, o impacto das mudanças políticas vai chegar a
Portugal, seja pela subida dos juros da dívida – o que já se tem verificado nos
últimos dias – seja pelo peso nas exportações.
João
Pereira Leite considera que “o risco está na subida das taxas de juro devido a
um aumento generalizado ou a um “aumento da perceção do risco do país”, pois,
“com um rácio dívida/PIB a 130%, não podemos dar-nos ao luxo de emitir dívida a
taxas elevadas”. E a equipa de research do BiG frisa que o impacto será a
subida nas yields da dívida soberana e consequentemente num “deteriorar das
condições de financiamento do Estado e empresas no mercado”.
Dado
Portugal ser um país periférico, de economia aberta, frágil e dependente, o
risco de efeito de contágio é uma forte possibilidade. Na verdade, o país está
suscetível a uma subida nos seus custos de financiamento, fruto da elevada
dívida pública e da fraca rentabilidade do setor bancário, conforme pensa Albino
Oliveira. E Pedro Lino admite que uma crise na eurozona terá para Portugal um
impacto “tanto maior quanto o impacto nos nossos parceiros comerciais”. Assim, “a
procura de mercados para os nossos produtos reveste-se de grande importância,
num mundo que irá com certeza ficar mais protecionista”.
***
Compete
aos nossos decisores políticos e aos candidatos a decisores estarem com a máxima
atenção aos fenómenos que nos circundam e aos seus efeitos, equacionar a
revisão adequada da dívida e sobretudo do seu serviço, gerir com parcimónia o possível
ruído em torno de temas de melindre político e económico e ver se fazem da
República um fator de sucesso para o país.
2016.11.24 – Louro de
Carvalho
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