quarta-feira, 23 de novembro de 2016

É óbvio que há políticos que não querem a CGD como banco público

As últimas informações revelam exatamente o que fica plasmado em epígrafe. De facto, é demasiado minucioso e insistente o inquérito político em torno da (re)capitalização e da administração da Caixa Geral de Depósitos (CGD).
Mais importante que tudo seria, do meu ponto de vista, fazer tudo para que o banco público fosse sustentável e robusto e cumprisse a sua função de saneamento financeiro na República, no seu desígnio social e no estímulo à economia.
O Governo conseguiu, ao que parece agora por processos pouco ortodoxos, negociar com a Comissão Europeia e com o Banco Central Europeu (BCE) as condições da capitalização da CGD e da sua administração.
Para tanto, aprovou um decreto-lei que livrava da aplicação do regime do estatuto de gestor público os administradores da CGD e o Presidente da República promulgou-o. Nos termos constitucionais ninguém suscitou o debate parlamentar do decreto-lei com vista à sua ratificação, negação da mesma ou alteração. Também nenhuma das entidades com competência para o efeito solicitou ao Tribunal Constitucional (TC) a apreciação sucessiva da sua constitucionalidade.
Sendo assim, penso que os administradores da CGD devem entregar ao TC a declaração de rendimentos e de património em nome da ética e da transparência, mas não por força da lei. A lei em vigor para eles é o DL n.º 39/2016, de 28 de julho.
Como já noutra ocasião afirmei, o TC só precisava de ser “estimulado” (termo empregue pelo seu presidente) para a apreciação da constitucionalidade. No caso de incumprimento da lei perante ele, deve notificar os faltosos. Porém, no caso de haver dúvidas sobre a interpretação da lei ou da sua aplicabilidade, deveria ter dissipado tais dúvidas por meio de uma declaração geral pública, o que não fez. Limitou-se a notificar em concreto os administradores da CGD para a entrega das declarações.
Parece que, neste aspeto, TC e todos os partidos, incluindo o PS, e mesmo muitos membros do Governo andaram a reboque da declaração do Presidente da República, que referiu que a lei de 1983 não tinha sido revogada, funcionando como jurisconsulto do Estado e menos como Presidente, no que foi criticado tanto por Vital Moreira num blogue como por João Semedo na revista Visão. Nem tinha de ser revogada. Se lei geral, em princípio, não revoga lei especial, lei especial derroga certos aspetos da lei geral.
E o que digo sobre declarações, digo-o sobre vencimentos. Não concordo, em nome da ética e da decência num Portugal fragilizado, com os vencimentos astronómicos dos administradores da CGD. Porém, à face da lei em vigor, eles podem perceber tais vencimentos. Ademais, se a desoneração da condição de gestor público não atinge as matérias atinentes aos vencimentos e à obrigação declarativa, o que é que atinge de verdadeiramente importante?
De resto, para mim é irrelevante se houve acordo prévio – verbal ou escrito (por e-mail ou por documento contratual privado: público não houve) – entre o Governo e A. Domingues sobre o teor do mencionado decreto-lei. Também não me impressiona que este seja uma lei à medida, se há tantas… Quem não se lembra de que, em 2014, num simples fim de semana, foram aprovados, promulgados, referendados e publicados dois decretos-lei para viabilizar a resolução do BES/Novo Banco? Vejam o que se passa em grandes sociedades de advogados sobre eventual produção de materiais para leis à medida!
Eu gostaria de que a CGD entrasse, o mais rapidamente possível numa via de normalidade, que dissesse adeus de forma definitiva às administrações ruinosas no sistema de gestões de interesses pessoais, políticos ou meramente setoriais; e gostaria de que banisse toda a burocracia que fosse desnecessária, que se munisse sempre das garantias necessárias para o êxito das operações financeiras e concretizasse o desígnio económico-social do Estado.
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Eis, porém, que material noticioso recente dá conta de mais factos de diversão em relação ao essencial da CGD.
Segundo o Jornal de Negócios on line de hoje, dia 23, o presidente da CGD participou em reuniões com a Comissão Europeia no âmbito do processo de recapitalização da Caixa antes de assumir a liderança do banco público, confirmou Bruxelas aos eurodeputados portugueses em representação do PSD, que integra o PPE. Também o BCE também manteve contactos com António Domingues na mesma situação.
Com efeito, na resposta da comissária Margrethe Vestager, disponibilizada pelos eurodeputados do PSD, pode ler-se:
“O novo plano de atividades para a CGD foi apresentado à Comissão [Europeia] pelas autoridades portuguesas, que também consideraram necessário que o então futuro conselho de administração da CGD (que, entretanto, foi nomeado) participasse em algumas das reuniões e fosse informado sobre requisitos em matéria de auxílios estatais”.
Pela resposta não é possível saber em que reuniões e respetivas datas esteve Domingues. Mas sabe-se que decorreram depois de 16 de abril.
O certo é que, a 24 de agosto, o Ministro das Finanças anunciou que o Governo e a Comissão tinham conseguido um acordo de princípio que previa um reforço de capital no valor global de 5.160 milhões de euros, dos quais 2,7 mil milhões com injeção de dinheiro fresco e sem que seja considerada ajuda de Estado. E isto é importante para o futuro da CGD.
O comunicado enviado à imprensa pelos preditos eurodeputados assegura que “também a Presidente da Supervisão do BCE, Danièle Nouy, confirmou que esteve com Domingues numa ida sua à uma conferência a Lisboa (em maio) a pedido do próprio e que também esteve com ele na sede do BCE em Frankfurt”.
Estes eurodeputados referem que “estes dados novos foram revelados pela presidente [da Supervisão do BCE] em resposta a uma questão oral colocada pelo eurodeputado José Manuel Fernandes no dia 9 de novembro de 2016, no Parlamento Europeu”.
Estão em causa reuniões que o então futuro presidente da CGD teve com a Presidente da Supervisão do BCE e com a Comissão Europeia sobre a recapitalização da CGD quando ainda era quadro do BPI. Na verdade, o BPI comunicou à CMVM a saída de Domingues, a 30 de maio. A sua entrada efetiva na administração da Caixa foi a 31 de agosto. 
Porém, segundo o Observador de hoje, quando foi ao Parlamento, António Domingues disse que fora convidado para a Caixa a 19 de março – mas que só aceitara a 16 de abril –, e que foi a partir deste dia que efetivamente cessou funções no BPI. E confirma-se que a comunicação do BPI à CMVM sobre a renúncia de Domingues só data de 30 de maio. Porém, até essa data terão ocorrido contactos, sobre a CGD, com a Comissão Europeia e o BCE, como as ditas instituições confirmam.
A comissária europeia mencionada acima adianta que os primeiros contactos do Governo português para a recapitalização do banco público se iniciaram em abril e lembra que os interlocutores oficiais são os Estados-Membros, que têm a faculdade de dispor da escolha de quem representa o Governo nas reuniões. Margrethe Vestager especifica que “as autoridades portuguesas contactaram, primeiro, a Comissão sobre uma eventual nova recapitalização” da CGD em abril de 2016, “a fim de assegurar que a recapitalização não constitui um auxílio estatal”, recordando que a Comissão considera que, “nos procedimentos em matéria de auxílios estatais, os seus interlocutores oficiais são os Estados-Membros”. E, “no caso da CGD, os interlocutores da Comissão são as autoridades portuguesas”, competindo-lhes “decidir quem deve estar presente ao seu lado nas reuniões”.
Neste aspeto, a Comissão lava, com razão, as mãos da responsabilidade de ter um gestor de um banco concorrente a discutir a recapitalização do banco público e passa-a para o Governo.
Perante estes dados, José Manuel Fernandes, eurodeputado do PSD, afoitou-se a questionar o Governo sobre como pôde António Costa ter indicado para representar a CGD alguém que, à data, ainda não tinha entrado em funções na CGD e era administrador executivo de um banco privado e concorrente da mesma. E perguntou se isso não põe em causa as mais elementares regras de transparência e de prevenção de conflitos de interesses.
E Paulo Rangel, também eurodeputado, desafia o líder do Executivo a dar mais esclarecimentos sobre a Caixa, nos termos seguintes: 
“É importante que António Costa esclareça tudo, mas tudo, e de uma vez, sobre a Caixa: que papel teve ele no acordo para a isenção de obrigação de entrega da declaração de rendimentos? E agora, com este novo esclarecimento, como mandatou alguém para negociar a recapitalização da Caixa quando esse alguém era ainda administrador de outro banco e nem sequer tinha garantido que aceitaria o futuro cargo na Caixa?”.
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Obviamente que as questões e as dúvidas são legítimas. Porém, não podemos juntar tudo no mesmo saco. Se Domingues tivesse tomado decisões sobre a CGD no tempo em que anda era quadro e um dos administradores executivos do BPI, havia certamente conflito de interesses. Todavia, tanto quanto nos é dado saber, ele terá assessorado o Governo e estado presente à mesa das negociações com a Comissão e com o BCE. Poderá mesmo ter arquitetado um “acordo de princípio” (é esta a designação que veio a público) sobre a recapitalização da CGD e nesse âmbito ter até representado o Governo. Ora, como os efeitos do acordo, no caso de ele ser levado à prática, só valeriam após a tomada de decisão da administração da CGD – esta ou outra – não vejo que haja conflito de interesses. A não ser assim, pergunto-me se o Estado não estará ferido por múltiplos conflitos de interesses e sem que ninguém levante a questão.
E, vistas as coisas de forma realista, o Governo não ia mandatar ninguém da administração em funções ao tempo, já que não era de sua confiança. Depois, pretender que o negociador abandonasse funções anteriores sem saber se tinha condições para aceitar o cargo, talvez fosse exigir em demasia, não? Conheço indivíduos que se mantiveram em funções com proficiência em cargos anteriores, sem hiatos, enquanto faziam projetos para outros serviços que iam ocupar.
E é logo a CGD que precisava tanto de paz, ordem, rentabilidade e progresso…
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Não serão já demasiados ataques a um membro do Governo, algo inábil nesta gestão das coisas, mas que tentou tirar o banco público da fossa?
2016.11.23 – Louro de Carvalho 

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