As
últimas informações revelam exatamente o que fica plasmado em epígrafe. De facto,
é demasiado minucioso e insistente o inquérito político em torno da (re)capitalização
e da administração da Caixa Geral de Depósitos (CGD).
Mais
importante que tudo seria, do meu ponto de vista, fazer tudo para que o banco
público fosse sustentável e robusto e cumprisse a sua função de saneamento financeiro
na República, no seu desígnio social e no estímulo à economia.
O
Governo conseguiu, ao que parece agora por processos pouco ortodoxos, negociar
com a Comissão Europeia e com o Banco Central Europeu (BCE) as condições da capitalização
da CGD e da sua administração.
Para
tanto, aprovou um decreto-lei que livrava da aplicação do regime do estatuto de
gestor público os administradores da CGD e o Presidente da República promulgou-o.
Nos termos constitucionais ninguém suscitou o debate parlamentar do decreto-lei
com vista à sua ratificação, negação da mesma ou alteração. Também nenhuma das
entidades com competência para o efeito solicitou ao Tribunal Constitucional (TC) a apreciação sucessiva da sua constitucionalidade.
Sendo
assim, penso que os administradores da CGD devem entregar ao TC a declaração de
rendimentos e de património em nome da ética e da transparência, mas não por força
da lei. A lei em vigor para eles é o DL n.º 39/2016, de 28 de julho.
Como
já noutra ocasião afirmei, o TC só precisava de ser “estimulado” (termo
empregue pelo seu presidente)
para a apreciação da constitucionalidade. No caso de incumprimento da lei
perante ele, deve notificar os faltosos. Porém, no caso de haver dúvidas sobre a
interpretação da lei ou da sua aplicabilidade, deveria ter dissipado tais
dúvidas por meio de uma declaração geral pública, o que não fez. Limitou-se a
notificar em concreto os administradores da CGD para a entrega das declarações.
Parece
que, neste aspeto, TC e todos os partidos, incluindo o PS, e mesmo muitos
membros do Governo andaram a reboque da declaração do Presidente da República,
que referiu que a lei de 1983 não tinha sido revogada, funcionando como jurisconsulto
do Estado e menos como Presidente, no que foi criticado tanto por Vital Moreira
num blogue como por João Semedo na revista Visão.
Nem tinha de ser revogada. Se lei geral, em princípio, não revoga lei especial,
lei especial derroga certos aspetos da lei geral.
E
o que digo sobre declarações, digo-o sobre vencimentos. Não concordo, em nome
da ética e da decência num Portugal fragilizado, com os vencimentos
astronómicos dos administradores da CGD. Porém, à face da lei em vigor, eles
podem perceber tais vencimentos. Ademais, se a desoneração da condição de gestor
público não atinge as matérias atinentes aos vencimentos e à obrigação
declarativa, o que é que atinge de verdadeiramente importante?
De
resto, para mim é irrelevante se houve acordo prévio – verbal ou escrito (por
e-mail ou por documento contratual privado: público não houve) – entre o Governo e A. Domingues
sobre o teor do mencionado decreto-lei. Também não me impressiona que este seja
uma lei à medida, se há tantas… Quem não se lembra de que, em 2014, num simples
fim de semana, foram aprovados, promulgados, referendados e publicados dois
decretos-lei para viabilizar a resolução do BES/Novo Banco? Vejam o que se passa
em grandes sociedades de advogados sobre eventual produção de materiais para leis
à medida!
Eu
gostaria de que a CGD entrasse, o mais rapidamente possível numa via de normalidade,
que dissesse adeus de forma definitiva às administrações ruinosas no sistema de
gestões de interesses pessoais, políticos ou meramente setoriais; e gostaria de
que banisse toda a burocracia que fosse desnecessária, que se munisse sempre
das garantias necessárias para o êxito das operações financeiras e concretizasse
o desígnio económico-social do Estado.
***
Eis,
porém, que material noticioso recente dá conta de mais factos de diversão em
relação ao essencial da CGD.
Segundo o Jornal
de Negócios on line de hoje, dia 23, o presidente da CGD participou em
reuniões com a Comissão Europeia no âmbito do processo de recapitalização da
Caixa antes de assumir a liderança do banco público, confirmou Bruxelas aos
eurodeputados portugueses em representação do PSD, que integra o PPE. Também o
BCE também manteve contactos com António Domingues na mesma situação.
Com efeito, na resposta da comissária Margrethe Vestager, disponibilizada pelos
eurodeputados do PSD, pode ler-se:
“O novo plano de atividades para a CGD foi apresentado à Comissão [Europeia]
pelas autoridades portuguesas, que também consideraram necessário que o então
futuro conselho de administração da CGD (que, entretanto, foi nomeado)
participasse em algumas das reuniões e fosse informado sobre requisitos em matéria
de auxílios estatais”.
Pela resposta não é possível saber em que reuniões e respetivas datas esteve
Domingues. Mas sabe-se que decorreram depois de 16 de abril.
O certo é que, a 24 de agosto, o Ministro das Finanças anunciou que o
Governo e a Comissão tinham conseguido um acordo
de princípio que previa um reforço de capital no valor global de 5.160
milhões de euros, dos quais 2,7 mil milhões com injeção de dinheiro fresco e
sem que seja considerada ajuda de Estado. E isto é importante para o futuro
da CGD.
O comunicado enviado à imprensa pelos preditos eurodeputados assegura
que “também a Presidente da Supervisão do BCE, Danièle Nouy, confirmou que
esteve com Domingues numa ida sua à uma conferência a Lisboa (em maio) a pedido
do próprio e que também esteve com ele na sede do BCE em Frankfurt”.
Estes eurodeputados referem que “estes dados novos foram revelados pela
presidente [da Supervisão do BCE] em resposta a uma questão oral colocada pelo eurodeputado
José Manuel Fernandes no dia 9 de novembro de 2016, no Parlamento Europeu”.
Estão em causa reuniões que o então futuro presidente da CGD teve com a Presidente
da Supervisão do BCE e com a Comissão Europeia sobre a recapitalização da CGD
quando ainda era quadro do BPI. Na verdade, o BPI comunicou à
CMVM a saída de Domingues, a
30 de maio. A sua entrada efetiva na administração da Caixa foi a 31 de agosto.
Porém, segundo o Observador de
hoje, quando foi ao Parlamento, António Domingues disse que fora
convidado para a Caixa a 19 de março – mas que só aceitara a 16 de abril –, e
que foi a partir deste dia que efetivamente cessou funções no BPI. E confirma-se
que a comunicação do BPI à CMVM sobre a renúncia de Domingues só data de 30 de
maio. Porém, até essa data terão ocorrido contactos, sobre a CGD, com a
Comissão Europeia e o BCE, como as ditas instituições confirmam.
A comissária europeia mencionada acima adianta que os primeiros contactos
do Governo português para a recapitalização do banco público se iniciaram em abril
e lembra que os interlocutores oficiais são os Estados-Membros, que têm a
faculdade de dispor da escolha de quem representa o Governo nas reuniões. Margrethe
Vestager especifica que “as autoridades portuguesas contactaram, primeiro, a
Comissão sobre uma eventual nova recapitalização” da CGD em abril de 2016, “a
fim de assegurar que a recapitalização não constitui um auxílio estatal”, recordando
que a Comissão considera que, “nos procedimentos em matéria de auxílios
estatais, os seus interlocutores oficiais são os Estados-Membros”. E, “no caso
da CGD, os interlocutores da Comissão são as autoridades portuguesas”,
competindo-lhes “decidir quem deve estar presente ao seu lado nas reuniões”.
Neste aspeto, a Comissão lava, com razão, as mãos da
responsabilidade de ter um gestor de um banco concorrente a discutir a
recapitalização do banco público e passa-a para o Governo.
Perante estes dados, José Manuel Fernandes, eurodeputado do PSD, afoitou-se
a questionar o Governo sobre como pôde António Costa ter indicado
para representar a CGD alguém que, à data, ainda não tinha entrado em funções
na CGD e era administrador executivo de um banco privado e concorrente da
mesma. E perguntou se isso não põe em causa as mais elementares regras de
transparência e de prevenção de conflitos de interesses.
E Paulo Rangel, também eurodeputado, desafia o líder do Executivo a dar
mais esclarecimentos sobre a Caixa, nos termos seguintes:
“É importante que António Costa esclareça tudo,
mas tudo, e de uma vez, sobre a Caixa: que papel teve ele no acordo para a
isenção de obrigação de entrega da declaração de rendimentos? E agora, com este
novo esclarecimento, como mandatou alguém para negociar a recapitalização da
Caixa quando esse alguém era ainda administrador de outro banco e nem sequer
tinha garantido que aceitaria o futuro cargo na Caixa?”.
***
Obviamente que as questões e as dúvidas são
legítimas. Porém, não podemos juntar tudo no mesmo saco. Se Domingues tivesse
tomado decisões sobre a CGD no tempo em que anda era quadro e um dos administradores
executivos do BPI, havia certamente conflito de interesses. Todavia, tanto quanto
nos é dado saber, ele terá assessorado o Governo e estado presente à mesa das
negociações com a Comissão e com o BCE. Poderá mesmo ter arquitetado um “acordo
de princípio” (é esta a designação que
veio a público) sobre a recapitalização da CGD e nesse âmbito
ter até representado o Governo. Ora, como os efeitos do acordo, no caso de ele ser
levado à prática, só valeriam após a tomada de decisão da administração da CGD –
esta ou outra – não vejo que haja conflito de interesses. A não ser assim,
pergunto-me se o Estado não estará ferido por múltiplos conflitos de interesses
e sem que ninguém levante a questão.
E, vistas as coisas de forma realista, o Governo
não ia mandatar ninguém da administração em funções ao tempo, já que não era de
sua confiança. Depois, pretender que o negociador abandonasse funções
anteriores sem saber se tinha condições para aceitar o cargo, talvez fosse exigir
em demasia, não? Conheço indivíduos que se mantiveram em funções com
proficiência em cargos anteriores, sem hiatos, enquanto faziam projetos para outros
serviços que iam ocupar.
E é logo a CGD que precisava tanto de paz,
ordem, rentabilidade e progresso…
***
Não serão já demasiados ataques a um membro do Governo,
algo inábil nesta gestão das coisas, mas que tentou tirar o banco público da
fossa?
2016.11.23
– Louro de Carvalho
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