Leão I, apelidado de “o Grande” ou “Magno, nasceu em fins do século IV, foi eleito para o trono papal a 29 de setembro de 440 e pontificou até
à sua morte a 10 de novembro de 461 – durante 21 anos. Foi o primeiro Papa a
adotar o título de Sumo Pontífice à laia do romano pontifex maximus e o primeiro a receber postumamente o título de magno a que se seguiu Gregório Magno.
Jovem
ainda, agregou-se ao clero, recebendo as ordens menores e o diaconado. Foi
conselheiro sucessivamente dos papas Celestino I (422-432) e Sisto III
(432-440) e foi muito respeitado como teólogo, presbítero e diplomata.
Participou
na discussão dos grandes problemas da Igreja coeva e travou contacto pessoal e
epistolar com grandes personagens como Agostinho de Hipona, Cirilo de
Alexandria e João Cassiano. Este descrevia-o como “ornamento da Igreja e do
divino ministério”.
Por
morte do Papa Sisto III, Leão foi eleito seu sucessor. Tinha entre 40 e 50 anos
de idade. Recebeu, para o efeito, a ordenação episcopal no dia 29 de setembro
de 440, tendo então proferido uma alocução repleta de profunda humildade e
confiança na graça de Deus.
Aristocrata de origem toscana, na Itália, advogado e teólogo,
Leão foi o primeiro a receber o título de “o Grande” ou “Magno”. É lembrado nos textos de história
pelo prestígio moral e político de que deu prova, em 452, diante das ameaças dos
hunos de Átila (rei que prendeu no Míncio, levando-o a desistir
de Itália) e dos
vândalos de Genserico (cuja ferocidade amansou no saque de Roma
de 455). Átila era
considerado o “Flagelo de Deus”, mas, barrado por Leão, retrocedeu; e Genserico
ameaçou arrasar a cidade de Roma e torturar os seus habitantes, o que Leão
impediu pela via negocial, mas sem evitar um saque de 14 dias.
No
seu tempo, o Império romano do Ocidente estava desmoronado. A glória de Roma
passara para Constantinopla. Já se tinham perdido da Roma imperial a Bretanha,
a Espanha e a África e Itália estava a desintegrar-se. O Liber Pontificalis conta-nos que, findo o pesadelo provocado por
Genserico e quando descobriu que os cálices e patenas de prata haviam sido pilhados
de todas as igrejas de Roma, o Papa deu ordens para que se fundissem as seis
grandes urnas da Basílica de São Pedro da época constantiniana para os
substituir. Depois de Godos e Vândalos terem feito o seu pior, pouco restaria
que pilhar da velha Roma. O que interessava era a Roma cristã, felizmente imune
a quantas atrocidades os bárbaros pudessem perpetrar.
É um dos doutores da Igreja, célebre teologicamente pelo seu “Tomo
de Leão”, um documento fundamental nos debates do Concílio de Calcedónia, o 4.º
concílio ecuménico, o que tratou principalmente de questões cristológicas e elucidou a definição considerada
ortodoxa de que em Cristo há a
união hipostática de duas naturezas numa só pessoa – a natureza humana e a
natureza divina – “sem confusão e sem
divisão” (é o diofisismo). A ele se seguiu o cisma entre
os diofisitas e os monofisistas (que atribuem
Cristo só a natureza divina) e miafisitas (que diziam que Cristo tinha uma só natureza com
caraterísticas divinas e caraterísticas humanas).
Não
temos muitas notícias biográficas de Leão I, até porque o Papa não gostava de
falar de si próprio nos seus escritos. Mas sabemos que, no decurso do seu pontificado,
se realizou em torno da Sé apostólica a unidade de toda Igreja, impedindo a
usurpação de jurisdição, eliminando-se os abusos do poder, temperando-se as
ambições do patriarcado constantinoplitano e do vicariato de Arles.
Tinha Leão
uma ideia altíssima das suas funções: sabia assumir a dignidade, o poder e a
solidão de Pedro, chefe dos apóstolos. Mostra claramente que é Pedro quem
continua ao leme da Igreja, na pessoa dos seus sucessores, aos quais compete um
ministério sagrado de vigilância universal para que a fé que o Senhor legou aos
Apóstolos não seja corrompida.
Mas as
suas atitudes, constante e rigidamente sacerdotais, hieráticas, não fazem um
pano de fundo ao calor humano e ao entusiasmo que transparecem dos 96 Sermões e
das 173 Cartas que chegaram até nós. De
modo especial, as suas homilias mostram-nos o Papa, um dos maiores da história
da Igreja, paternalmente dedicado ao bem espiritual dos fiéis, a quem fala numa
linguagem acessível, traduzindo o seu pensamento em fórmulas sóbrias e eficazes
para a prática da vida cristã. As suas cartas, dado o estilo culto e
atento a certas cadências eficazes, dão a medida justa da sua rica
personalidade. Espírito muito compreensivo e de larga visão, não se apega a pormenores
das questiúnculas doutrinais na comunicação com o povo. Todavia, participa
ativamente na elaboração dogmática do grave problema teológico tratado no
concílio de Calcedónia (em
451), convocado pelo
imperador do Oriente para a condenação do monofisismo. A sua célebre Epístola dogmática a Flaviano, lida pelos delegados
romanos que presidiam à assembleia em nome do Papa, forneceu o sentido e, às
vezes, as fórmulas da definição conciliar, criando assim unidade efetiva e
solidariedade com a sede de Roma, caso único na história da Igreja, desde
aquele período até hoje. Leão foi o primeiro papa que recebeu dos pósteros o
apelido de Magno (o grande), não só pelas qualidades literárias e pela firmeza com que
sustentou o decadente império do Ocidente – pertence ao grupo dos Papas
defensores da Cidade –, mas sobretudo pela estabilidade dogmática que
transparece das suas cartas, dos seus sermões e das orações litúrgicas da época
em que são evidentes a sobriedade e a precisão marcadamente leoninas.
São Leão Magno morreu, como se disse,
a 10 de novembro de 461. Foi originariamente
sepultado num monumento próprio. Porém, alguns anos depois da sua morte, os
restos mortais foram colocados
num túmulo que continha também os dos quatro primeiros papas chamados “Leão”.
No século XVIII, as relíquias de Leão Magno foram separadas das dos demais e
ganharam lugar numa capela à parte na Basílica de São Pedro. A sua festa
litúrgica é celebrada pela Igreja no dia 10 de novembro. Foi um dos maiores
Pontífices que honraram a Sé Romana proclamado doutor da igreja em 1754, por
Bento XIV.
(cf Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini (1983), Um santo para cada dia, ed. Paulinas;
John Julius Norwich (2012), Os Papas,
ed. Civilização)
***
Para
a Liturgia da sua Memória podem ser escolhidos os textos do comum dos Pastores
(Papas) ou dos doutores da Igreja, com
exceção das antífonas do Benedictus (em
Laudes) e do Magnificat
(em
Vésperas), da oração do ofício (e
coleta da missa), da oração sobre as oblatas e
da oração depois da comunhão, da segunda leitura do ofício de Leitura e respetivo
responsório.
E
as leituras da Missa podem ser assumidas da féria ou do comum dos pastores ou
do comum dos doutores da Igreja.
A
referida 2.ª leitura é do sermão 4 do próprio São Leão Magno, que versa o
serviço especial do ministério papal. Tendo em conta que a Igreja está
organizada em diversas ordens que conspiram para a unidade do corpo sagrado,
que subiste na diversidade dos seus membros, insiste na dignidade real de todos
e de cada um, obtida pelo batismo e emersa da cruz do Senhor e da unção do
Espírito Santo. Porém, se a participação na economia deste dom é fonte de
alegria, importa de igual modo salientar o papel de Pedro e notar como a fonte
de todos os carismas o rodeou de bênçãos tão copiosas, bem como aos seus
sucessores.
Porém,
apraz-me transcrever do sermão n.º 23, do Natal do Senhor:
“O Filho de Deus, que é Deus como seu Pai, que recebe do Pai a
sua mesma natureza, Criador e Senhor de tudo, que está presente em toda parte e
transcende o universo inteiro, na sequência dos tempos que, da sua providência
dependem, escolheu para Si este dia, a fim de, em prol da salvação do mundo,
nele nascer da bem-aventurada Virgem Maria, conservando intacto o pudor de sua
mãe. A virgindade de Maria não foi violada no parto, como não fora maculada na
conceição, ‘a fim de que se cumprisse – diz o evangelista – o que foi
pronunciado pelo Senhor, através do profeta Isaías: Eis que uma virgem
conceberá no seu seio e dará à luz um filho, ao qual chamarão Emanuel, que quer
dizer Deus connosco.”.
Mais adiante:
“Nasceu, pois, numa natureza perfeita e verdadeira de homem o
verdadeiro Deus, todo no que é seu e todo no que é nosso. ‘Nosso’ aqui dizemos
que o Criador criou em nós no início, e depois assumiu para restaurar. O que,
porém, o sedutor (o demónio) introduziu e o homem, ludibriado, aceitou, isso
não teve nem vestígio no Salvador, pois comungando com as nossas fraquezas não
participou dos nossos delitos. Elevou o humano sem diminuir o divino, dado que
a exinanição em que o Invisível se nos mostrou visível foi descida de
compaixão, não deficiência de poder.”.
E
ainda:
“Considerai atentamente, caríssimos, sob a luz do Espírito
Santo, quem nos recebeu consigo e quem recebemos connosco: sim, como o Senhor Se
tornou carne nossa, nascendo, também nós nos tornamos seu Corpo, renascendo.
Somos membros de Cristo e templos do Espírito Santo e, por isto, o Apóstolo
diz: ‘Glorificai e trazei a Deus no vosso corpo’. Apresentando-nos o exemplo de
sua humildade e mansidão, o Senhor comunica-nos aquela mesma força com que nos
remiu, conforme prometeu: ‘Vinde a mim, vós todos, que trabalhais e estais
sobrecarregados, e eu vos reconfortarei. Tomai o meu jugo sobre vós e aprendei
de mim que sou manso e humilde de coração, e encontrareis repouso para as vossas
almas”.
Na verdade, a
encarnação do Verbo espelha entre nós o Deus criador, que nos redime e no santifica.
O Deus connosco, graças à disponibilidade da Virgem, é verdadeiro Deus e
verdadeiro homem. Mostra na visibilidade da carne a invisibilidade do mistério
criador e providente. A sua condescendência é tal que nos convida d’Ele a
aprender a mansidão e a repousar n’Ele de nossas canseiras e preocupações.
Enfim, o zelo de
Leão pela Cidade e pela Igreja espelha a força e a ternura de Deus providente
pelo homem e pelo Seu povo.
Por isso, é
oportuno que se peça a intercessão de Leão para que o rebanho de Cristo “cresça
na sua liberdade e permaneça firme na verdade e no serviço da fé” e que os seus
pastores, guiados pelo Senhor, possam agradar-Lhe.
2016.11.10
– Louro de Carvalho
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