O dia 7 de novembro marca o tricentenário da
qualificação patriarcal da diocese de Lisboa. Para assinalar a efeméride o
Patriarcado programou um conjunto de iniciativas e associou-lhe outras e o
Diário de Notícias publicou uma entrevista com o cardeal-patriarca Dom Manuel
Clemente.
De facto, pela bula In supremo apostolatus solio, o Papa Clemente XI criou o
patriarcado de Lisboa como título da capela real (sendo o patriarca o capelão do rei), que se alargaria depois a toda a
diocese – primeiro a Lisboa ocidental e, em 1740, também a Lisboa oriental.
Trata-se de uma decisão tão eclesial como regia, em que Dom João V se implicou
ativamente, como em tudo o que entrosasse o prestígio da monarquia com a
piedade pessoal que nunca lhe faltou, apesar das suas atitudes ostentatórias e
comportamentos desviantes. Foi Dom Tomás de Almeida o primeiro patriarca de
Lisboa.
Das razões que induziram o Papa a concessão tão insólita
– o caso de Veneza não é similar dado que a cidade herdou o título patriarcal
já existente no mar Adriático – sabe-se o essencial: o monarca português enviara
para o Mediterrâneo uma armada, que pôde organizar graças ao ouro do Brasil,
para deter o avanço turco nas águas mediterrânicas, respondendo vitoriosamente ao
apelo papal aos reis cristãos que falharam, exceção feita pelo soberano de
Portugal.
Na predita bula, o Pontífice menciona este facto, bem
como o zelo missionário dos reis de Portugal em prol da defesa e propagação da
fé católica.
***
Na já aludida entrevista, o patriarca explica vários
pontos atinentes à criação do patriarcado. Começa pela importância de Portugal
para a cristandade ao tempo, visto que o território não se confinava à faixa
retangular da parte ocidental da Península Ibérica, mas projetava-se no
Atlântico Sul, mormente no Brasil, e, além do território considerado português,
havia o Padroado do Oriente, constituído pelos territórios “cuja evangelização estava
confiada, por papas do século XV, aos reis de Portugal e que eles iam exercendo
conforme dispusessem ou não de missionários e também vencessem uma certa
concorrência que outras iniciativas missionárias partidas da Europa
desenvolviam”. E foi para resolver problemas conexos com o Padroado do Oriente
que Dom João V enviou a Roma a embaixada liderada pelo Marquês de Fontes. E, ao
mesmo tempo, a embaixada contribuiria para a “nobilitação da capela real aqui
do Paço da Ribeira”. Entretanto, surge o avanço turco pelo Mediterrâneo,
sobretudo no Adriático, a pôr em causa “a sobrevivência da república de Veneza”.
Aí, o Papa apelou aos príncipes cristãos para ajudarem a aliviar o cerco turco.
Porém, boa parte não estava disponível, dadas as sequelas da Guerra da Sucessão
de Espanha.
Neste contexto, a intervenção da armada portuguesa
aliviou a pressão turca no Adriático, o que foi decisivo para que, em 1716, as
coisas se resolvessem depressa. Todavia, a resolução definitiva do problema
aconteceu com a célebre Batalha de Matapão, travada já no tempo do patriarcado,
embora o império otomano continuasse presente numa boa parte da Europa durante
bastante tempo. Porém, não se pode dizer que o envio da frota de Dom João V
para o cabo Matapão seja uma forma de compensar o Papado pela consecução do
patriarcado para Lisboa. Vinha – diz o cardeal-patriarca – na sequência da
política de presença no Mediterrâneo para deter o avanço marítimo do Império
Otomano. Depois, o rei obteve mais benesses para Lisboa nos anos seguintes e
até conseguiu que o patriarca de Lisboa também seja cardeal. “Era política de
corte no sentido de prestigiar Lisboa”. E o rei consegue um sem número de
atribuições honoríficas e litúrgicas ou paralitúrgicas e ornamentais para a sua
capela real transformada em basílica patriarcal – um título que na Igreja
latina só Veneza e Lisboa detêm.
Dom Manuel Clemente responde também a questões de
curiosidade. Por exemplo, refere que um cardeal patriarca não precede por isso
os outros cardeais, mas o patriarca, se não for cardeal (os cardeais têm precedência sobre os
bispos) tem precedência
honorífica sobre os outros bispos.
O entrevistado justifica o facto de ter sido necessário
chegar ao século XVIII para haver o reconhecimento do empenho missionário dos
reis portugueses da parte da Santa Sé, já que, desde as Descobertas, Portugal
foi o país que mais fez para trazer novos cristãos. Aduz que “é preciso ver que
também houve muita participação de espanhóis, houve muita participação de
franceses e de italianos, até porque muitos iam para os domínios portugueses,
do padroado português, através de Portugal”. Porém, D. João V mostra aquela
vontade de colaborar com o Papado porque era, “realmente e à sua maneira, muito
piedoso” e, no seu reinado, “fez tudo e mais alguma coisa com o muito também de
que dispunha, do Brasil e de outras partes”. E o entrevistado aponta Mafra como
o mais emblemático dos monumentos religiosos edificados por Dom João V, ainda
existentes, o qual “tanto é um convento como é um palácio”. O soberano era
“quase um rei-sacerdote por intermedio do seu capelão”, que era o patriarca (visão anacrónica).
No entanto, recorda a esplendorosa Igreja Patriarcal, ao lado
do Paço da Ribeira, mais ou menos onde agora fica a Câmara Municipal de Lisboa.
Mas foi destruída pelo terramoto de 1 de novembro de 1755, tal como o Paço da
Ribeira, com todas as obras de arte que lá tinha, e a Ópera do Tejo, que seria “a
ópera mais esplendorosa de que hoje a Europa disporia”.
E fala da Índia onde persistem cerca de 30 milhões de
cristãos. Diz que a sua projeção global a partir do século XV está
profundamente ligada à presença portuguesa no mundo. E explica:
“Porque
aquilo que o próprio Camões, depois quando escreve Os Lusíadas, vai dizer, que ‘foram dilatando a fé, o império’, era
assim também que eles o sentiam, realmente. Porque para um português do século
XVI – agora recuando dois séculos em relação a Dom João V –, o ser português e
ser católico era praticamente a mesma coisa.”.
À questão se o legado português em termos do catolicismo no
Oriente são os cristãos da Índia, de Timor-Leste (país maioritariamente católico) e o cristianismo nipónico, responde
afirmativamente acrescentando que houve figuras que foram para o Oriente
através de Portugal. E menciona Francisco Xavier, que não sendo português,
daqui partiu, em meados do século XVI, para Goa e depois iria até ao Japão e
até à costa da China; e, como ele outros, por exemplo, João de Brito, no século
XVII, na Índia. Quem for à Índia, a Oriyur, local do seu martírio, verá como “é
lá extremamente venerada a memória de João de Brito”. Aliás, quando o Papa
Francisco foi ao Sri Lanka, em janeiro de 2005, canonizou José Vaz, um
luso-indiano, de Goa, que foi o grande restaurador da cristandade no Ceilão.
Com efeito, quando os portugueses lá estavam, no século XVI e até ao princípio
do século XVII, houve um avanço grande do cristianismo. Só que essa é uma daquelas
zonas que passaram para o domínio holandês no tempo dos Filipes; e os
holandeses, que eram calvinistas, perseguiram o catolicismo.
É certo que há uma minoria cristã no Sri Lanka, a dos
burghers, que são uma mistura de portugueses e holandeses, a que se juntaram os
seus descendentes. Todavia, o que fez o padre José Vaz foi recuperar o
catolicismo no Sri Lanka, que era completamente proibido, pelo que estava escondido
nalgumas famílias. E ele conseguiu, de maneira notável, magnífica, revitalizar
o catolicismo que estava debaixo das cinzas.
Sobre a internacionalização do Sacro Colégio e, em especial,
o facto de a maioria dos cardeais ser de fora da Europa, a refletir a
diversidade provinda das Descobertas, Dom Manuel diz:
“Basta
dizer: eu sou bispo há 17 anos e de cada vez que vou a Roma – portanto, só há
três pontificados, João Paulo II, Bento XVI e agora Francisco – vejo o mundo
mais variado em tudo quanto seja serviços centrais da Igreja, participação nas
comemorações, colégio dos cardeais”.
Ao hipotético simbolismo de Francisco, o primeiro Papa de
fora do Velho Mundo, o cardeal reage:
“Não por
vir do Velho Mundo, mas por ser o Papa, sim, com certeza. Já não é o primeiro
que cá vem: já cá esteve Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI. Portanto, é um
quarto. E não estou a dizer que já se torna visita habitual, mas é sempre muito
bem-vindo e reforça um ponto muito importante da mensagem de Fátima e dos
testemunhos dos pastorinhos – da Jacinta em particular, mas também dos outros
dois – que era a ligação ao Papa. É muito interessante como aquelas crianças da
serra de Aire, em 1917, já sentiam tanto a importância de rezar pelo Papa, de
pedir para que tudo corresse bem com ele.”.
Sobre a rejunção da fé e da diplomacia expressa no convite
que o Presidente Marcelo Rebelo Sousa fez em Brasília aos líderes dos países da
CPLP para virem a Fátima no centenário, no próximo ano, referiu que, em todos
aqueles países, a presença de Fátima ou o catolicismo com este pendor mariano é
patente. E evocou a coincidência de, no ano em que Portugal assinala o
centenário de Fátima, o Brasil fazer “a comemoração tricentenária da Aparecida,
daquela pequenina imagem da Nossa Senhora da Conceição que apareceu perto de
São Paulo”, acrescentando:
“E assim
como em Fátima há um monumento da Senhora da Aparecida, que lá está agora,
também na Aparecida há um monumento – e vi-o ainda em setembro, muito bonito,
muito digno – à Senhora de Fátima. É a mesma Senhora, mas dos dois lados do
Atlântico.”.
***
Quanto a iniciativas agregadas ao tricentenário da criação do
patriarcado, destacam-se as seguintes, identificadas sumariamente:
- 1.º ENCONTRO DOS NÚCLEOS DE ESTUDANTES CATÓLICOS DE
LISBOA, a 15 de outubro de 2016, às 16 horas, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Teve
como objetivo juntar os jovens universitários para, em torno do tema “Transformados
em Cristo, transformaremos o Mundo”, responderem à pergunta: “De que
forma viver a fé na vida académica e, futuramente, profissional?” –
reflexão que é para continuar.
- CONGRESSO
DAS ASSOCIAÇÕES DE PROFISSIONAIS CATÓLICOS, a 5 novembro de 2016, das 9,30 horas às 19, na Universidade Católica
Portuguesa, em Lisboa. Juntaram-se várias associações de profissionais
católicos que partilham a mesma inquietação: “Que tipo de mundo queremos
deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?”, na linha
da encíclica Laudato Si, n.º 160.
- MUSICAL
‘PARTIMOS. VAMOS. SOMOS. O MUSICAL DOS 300 ANOS DO PATRIARCADO DE LISBOA’, de 18 a 20 de novembro de 2016, em horas a divulgar, no Teatro Tivoli
BBVA, Lisboa. É a história da cidade e das figuras que saíram de Lisboa a
evangelizar, representadas por jovens provenientes de toda a diocese – um musical
destinado a todos os que quiserem viver a “Alegria do Evangelho” e tornar
real o “sonho missionário de chegar a todos”.
- CONCERTO
MUSICAL, a 25
novembro de 2016, no Teatro Nacional de São Carlos, Lisboa, de cuja informação se
espera divulgação.
- ASSEMBLEIA SINODAL – SÍNODO DIOCESANO 2016, de 30 de novembro
a 4 de dezembro de 2016, na Casa Diocesana de Espiritualidade, Turcifal. Procura
responder ao “que significa hoje a missão” da Igreja de Lisboa. Durante a
caminhada sinodal, iniciada em 2014, registou-se a contribuição de mil grupos e
20 mil pessoas. Depois, elaborou-se o documento de trabalho que servirá de base
aos 137 convocados (entre
clero, religiosos e leigos).
- Em torno da Assembleia Sinodal,
há proximamente mais duas celebrações: a Celebração de abertura do Sínodo
Diocesano, na Sé Patriarcal, a 27 de novembro, pelas 16 horas; e a Celebração
de encerramento do Sínodo Diocesano, na igreja do Mosteiro dos Jerónimos, a 4
de dezembro, às 15 horas e 30.
- LIVRO
‘BISPOS E ARCEBISPOS DE LISBOA’ E COLÓQUIO INTERNACIONAL, a
20 de janeiro de 2017, nas
vésperas da comemoração litúrgica de São Vicente, em locais e horas a definir. Trata-se
de uma obra coletiva que reúne as biografias de todos os prelados lisbonenses
até à criação do Patriarcado de Lisboa, no século XVIII. A culminar, realiza-se,
durante esse dia, um colóquio internacional dedicado ao tema, nas instalações
da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, após o que haverá um concerto
desenvolvido a partir de diversas peças musicais da liturgia vicentina medieval.
- EXPOSIÇÃO
SOBRE OS TRÊS SÉCULOS DO PATRIARCADO, em data a anunciar, no Museu do Mosteiro de São Vicente de Fora, Lisboa. O núcleo museológico
será remodelado de modo a recorrer às novas linguagens gráficas e aos novos recursos
tecnológicos. Após tal remodelação, a exposição, distribuída pelas várias salas
do Museu, dará a conhecer a pré-história do Patriarcado de Lisboa, os lugares
do Patriarca ao longo da história, o perfil e a memória dos prelados
lisbonenses, elementos referentes à liturgia patriarcal e um núcleo de arte
sacra. A predita remodelação apresentará ainda um núcleo museológico sobe a
vida cristã no Patriarcado de Lisboa, com a evocação de alguns testemunhos de
santidade.
- PUBLICAÇÃO DAS CARTAS PASTORAIS DOS PATRIARCAS DE
LISBOA, em data e
local a anunciar. Fruto do labor pastoral dos prelados lisbonenses na fase do
Patriarcado, a obra apresenta a edição das cartas pastorais desde 1716, ano da
qualificação patriarcal da diocese. Agrupa 240 textos cronologicamente ordenados
e organizados, a que se adicionou um capítulo com textos produzidos pelo
cabido, vigários capitulares e patriarcas eleitos.
***
Se as razões que levaram o Papa à criação do Patriarcado são
hoje consideradas de duvidoso mérito e se a figura do patriarca como capelão do
rei sai diminuída eclesial e teologicamente, os tempos hoje revelam outra
frescura e o patriarcado passou a ser uma referência nacional do ponto de vista
pastoral e de identificação de uma boa porção da Igreja que vive em Portugal. Pelo
menos, evidencia-se como um serviço de apoio consistente às suas dioceses
sufragâneas e de referência organizativa e cultural para as demais.
É bom que o Patriarcado tenha encontrado, para celebração do
seu tricentenário, tão boas e diversificadas iniciativas de incremento pastoral
e catequético e de séria realização cultural, histórica e teológica, sem
esquecer os tempos do não patriarcado e vincando a importância da Igreja e do
cristianismo, hoje.
2016.11.07 – Louro de Carvalho
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