terça-feira, 8 de novembro de 2016

No tricentenário da criação do Patriarcado de Lisboa

O dia 7 de novembro marca o tricentenário da qualificação patriarcal da diocese de Lisboa. Para assinalar a efeméride o Patriarcado programou um conjunto de iniciativas e associou-lhe outras e o Diário de Notícias publicou uma entrevista com o cardeal-patriarca Dom Manuel Clemente.
De facto, pela bula In supremo apostolatus solio, o Papa Clemente XI criou o patriarcado de Lisboa como título da capela real (sendo o patriarca o capelão do rei), que se alargaria depois a toda a diocese – primeiro a Lisboa ocidental e, em 1740, também a Lisboa oriental. Trata-se de uma decisão tão eclesial como regia, em que Dom João V se implicou ativamente, como em tudo o que entrosasse o prestígio da monarquia com a piedade pessoal que nunca lhe faltou, apesar das suas atitudes ostentatórias e comportamentos desviantes. Foi Dom Tomás de Almeida o primeiro patriarca de Lisboa.
Das razões que induziram o Papa a concessão tão insólita – o caso de Veneza não é similar dado que a cidade herdou o título patriarcal já existente no mar Adriático – sabe-se o essencial: o monarca português enviara para o Mediterrâneo uma armada, que pôde organizar graças ao ouro do Brasil, para deter o avanço turco nas águas mediterrânicas, respondendo vitoriosamente ao apelo papal aos reis cristãos que falharam, exceção feita pelo soberano de Portugal.
Na predita bula, o Pontífice menciona este facto, bem como o zelo missionário dos reis de Portugal em prol da defesa e propagação da fé católica.
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Na já aludida entrevista, o patriarca explica vários pontos atinentes à criação do patriarcado. Começa pela importância de Portugal para a cristandade ao tempo, visto que o território não se confinava à faixa retangular da parte ocidental da Península Ibérica, mas projetava-se no Atlântico Sul, mormente no Brasil, e, além do território considerado português, havia o Padroado do Oriente, constituído pelos territórios “cuja evangelização estava confiada, por papas do século XV, aos reis de Portugal e que eles iam exercendo conforme dispusessem ou não de missionários e também vencessem uma certa concorrência que outras iniciativas missionárias partidas da Europa desenvolviam”. E foi para resolver problemas conexos com o Padroado do Oriente que Dom João V enviou a Roma a embaixada liderada pelo Marquês de Fontes. E, ao mesmo tempo, a embaixada contribuiria para a “nobilitação da capela real aqui do Paço da Ribeira”. Entretanto, surge o avanço turco pelo Mediterrâneo, sobretudo no Adriático, a pôr em causa “a sobrevivência da república de Veneza”. Aí, o Papa apelou aos príncipes cristãos para ajudarem a aliviar o cerco turco. Porém, boa parte não estava disponível, dadas as sequelas da Guerra da Sucessão de Espanha.
Neste contexto, a intervenção da armada portuguesa aliviou a pressão turca no Adriático, o que foi decisivo para que, em 1716, as coisas se resolvessem depressa. Todavia, a resolução definitiva do problema aconteceu com a célebre Batalha de Matapão, travada já no tempo do patriarcado, embora o império otomano continuasse presente numa boa parte da Europa durante bastante tempo. Porém, não se pode dizer que o envio da frota de Dom João V para o cabo Matapão seja uma forma de compensar o Papado pela consecução do patriarcado para Lisboa. Vinha – diz o cardeal-patriarca – na sequência da política de presença no Mediterrâneo para deter o avanço marítimo do Império Otomano. Depois, o rei obteve mais benesses para Lisboa nos anos seguintes e até conseguiu que o patriarca de Lisboa também seja cardeal. “Era política de corte no sentido de prestigiar Lisboa”. E o rei consegue um sem número de atribuições honoríficas e litúrgicas ou paralitúrgicas e ornamentais para a sua capela real transformada em basílica patriarcal – um título que na Igreja latina só Veneza e Lisboa detêm.
Dom Manuel Clemente responde também a questões de curiosidade. Por exemplo, refere que um cardeal patriarca não precede por isso os outros cardeais, mas o patriarca, se não for cardeal (os cardeais têm precedência sobre os bispos) tem precedência honorífica sobre os outros bispos.
O entrevistado justifica o facto de ter sido necessário chegar ao século XVIII para haver o reconhecimento do empenho missionário dos reis portugueses da parte da Santa Sé, já que, desde as Descobertas, Portugal foi o país que mais fez para trazer novos cristãos. Aduz que “é preciso ver que também houve muita participação de espanhóis, houve muita participação de franceses e de italianos, até porque muitos iam para os domínios portugueses, do padroado português, através de Portugal”. Porém, D. João V mostra aquela vontade de colaborar com o Papado porque era, “realmente e à sua maneira, muito piedoso” e, no seu reinado, “fez tudo e mais alguma coisa com o muito também de que dispunha, do Brasil e de outras partes”. E o entrevistado aponta Mafra como o mais emblemático dos monumentos religiosos edificados por Dom João V, ainda existentes, o qual “tanto é um convento como é um palácio”. O soberano era “quase um rei-sacerdote por intermedio do seu capelão”, que era o patriarca (visão anacrónica).
No entanto, recorda a esplendorosa Igreja Patriarcal, ao lado do Paço da Ribeira, mais ou menos onde agora fica a Câmara Municipal de Lisboa. Mas foi destruída pelo terramoto de 1 de novembro de 1755, tal como o Paço da Ribeira, com todas as obras de arte que lá tinha, e a Ópera do Tejo, que seria “a ópera mais esplendorosa de que hoje a Europa disporia”.
E fala da Índia onde persistem cerca de 30 milhões de cristãos. Diz que a sua projeção global a partir do século XV está profundamente ligada à presença portuguesa no mundo. E explica:
“Porque aquilo que o próprio Camões, depois quando escreve Os Lusíadas, vai dizer, que ‘foram dilatando a fé, o império’, era assim também que eles o sentiam, realmente. Porque para um português do século XVI – agora recuando dois séculos em relação a Dom João V –, o ser português e ser católico era praticamente a mesma coisa.”.
À questão se o legado português em termos do catolicismo no Oriente são os cristãos da Índia, de Timor-Leste (país maioritariamente católico) e o cristianismo nipónico, responde afirmativamente acrescentando que houve figuras que foram para o Oriente através de Portugal. E menciona Francisco Xavier, que não sendo português, daqui partiu, em meados do século XVI, para Goa e depois iria até ao Japão e até à costa da China; e, como ele outros, por exemplo, João de Brito, no século XVII, na Índia. Quem for à Índia, a Oriyur, local do seu martírio, verá como “é lá extremamente venerada a memória de João de Brito”. Aliás, quando o Papa Francisco foi ao Sri Lanka, em janeiro de 2005, canonizou José Vaz, um luso-indiano, de Goa, que foi o grande restaurador da cristandade no Ceilão. Com efeito, quando os portugueses lá estavam, no século XVI e até ao princípio do século XVII, houve um avanço grande do cristianismo. Só que essa é uma daquelas zonas que passaram para o domínio holandês no tempo dos Filipes; e os holandeses, que eram calvinistas, perseguiram o catolicismo.
É certo que há uma minoria cristã no Sri Lanka, a dos burghers, que são uma mistura de portugueses e holandeses, a que se juntaram os seus descendentes. Todavia, o que fez o padre José Vaz foi recuperar o catolicismo no Sri Lanka, que era completamente proibido, pelo que estava escondido nalgumas famílias. E ele conseguiu, de maneira notável, magnífica, revitalizar o catolicismo que estava debaixo das cinzas.
Sobre a internacionalização do Sacro Colégio e, em especial, o facto de a maioria dos cardeais ser de fora da Europa, a refletir a diversidade provinda das Descobertas, Dom Manuel diz:
“Basta dizer: eu sou bispo há 17 anos e de cada vez que vou a Roma – portanto, só há três pontificados, João Paulo II, Bento XVI e agora Francisco – vejo o mundo mais variado em tudo quanto seja serviços centrais da Igreja, participação nas comemorações, colégio dos cardeais”.
Ao hipotético simbolismo de Francisco, o primeiro Papa de fora do Velho Mundo, o cardeal reage:
“Não por vir do Velho Mundo, mas por ser o Papa, sim, com certeza. Já não é o primeiro que cá vem: já cá esteve Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI. Portanto, é um quarto. E não estou a dizer que já se torna visita habitual, mas é sempre muito bem-vindo e reforça um ponto muito importante da mensagem de Fátima e dos testemunhos dos pastorinhos – da Jacinta em particular, mas também dos outros dois – que era a ligação ao Papa. É muito interessante como aquelas crianças da serra de Aire, em 1917, já sentiam tanto a importância de rezar pelo Papa, de pedir para que tudo corresse bem com ele.”.
Sobre a rejunção da fé e da diplomacia expressa no convite que o Presidente Marcelo Rebelo Sousa fez em Brasília aos líderes dos países da CPLP para virem a Fátima no centenário, no próximo ano, referiu que, em todos aqueles países, a presença de Fátima ou o catolicismo com este pendor mariano é patente. E evocou a coincidência de, no ano em que Portugal assinala o centenário de Fátima, o Brasil fazer “a comemoração tricentenária da Aparecida, daquela pequenina imagem da Nossa Senhora da Conceição que apareceu perto de São Paulo”, acrescentando:
“E assim como em Fátima há um monumento da Senhora da Aparecida, que lá está agora, também na Aparecida há um monumento – e vi-o ainda em setembro, muito bonito, muito digno – à Senhora de Fátima. É a mesma Senhora, mas dos dois lados do Atlântico.”.
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Quanto a iniciativas agregadas ao tricentenário da criação do patriarcado, destacam-se as seguintes, identificadas sumariamente:
- 1.º ENCONTRO DOS NÚCLEOS DE ESTUDANTES CATÓLICOS DE LISBOA, a 15 de outubro de 2016, às 16 horas, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Teve como objetivo juntar os jovens universitários para, em torno do tema “Transformados em Cristo, transformaremos o Mundo”, responderem à pergunta: “De que forma viver a fé na vida académica e, futuramente, profissional?” – reflexão que é para continuar.
- CONGRESSO DAS ASSOCIAÇÕES DE PROFISSIONAIS CATÓLICOS, a 5 novembro de 2016, das 9,30 horas às 19, na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa. Juntaram-se várias associações de profissionais católicos que partilham a mesma inquietação: “Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?”, na linha da encíclica Laudato Si, n.º 160.
- MUSICAL ‘PARTIMOS. VAMOS. SOMOS. O MUSICAL DOS 300 ANOS DO PATRIARCADO DE LISBOA’, de 18 a 20 de novembro de 2016, em horas a divulgar, no Teatro Tivoli BBVA, Lisboa. É a história da cidade e das figuras que saíram de Lisboa a evangelizar, representadas por jovens provenientes de toda a diocese – um musical destinado a todos os que quiserem viver a “Alegria do Evangelho” e tornar real o “sonho missionário de chegar a todos”.
- CONCERTO MUSICAL, a 25 novembro de 2016, no Teatro Nacional de São Carlos, Lisboa, de cuja informação se espera divulgação.
- ASSEMBLEIA SINODAL – SÍNODO DIOCESANO 2016, de 30 de novembro a 4 de dezembro de 2016, na Casa Diocesana de Espiritualidade, Turcifal. Procura responder ao “que significa hoje a missão” da Igreja de Lisboa. Durante a caminhada sinodal, iniciada em 2014, registou-se a contribuição de mil grupos e 20 mil pessoas. Depois, elaborou-se o documento de trabalho que servirá de base aos 137 convocados (entre clero, religiosos e leigos).
- Em torno da Assembleia Sinodal, há proximamente mais duas celebrações: a Celebração de abertura do Sínodo Diocesano, na Sé Patriarcal, a 27 de novembro, pelas 16 horas; e a Celebração de encerramento do Sínodo Diocesano, na igreja do Mosteiro dos Jerónimos, a 4 de dezembro, às 15 horas e 30.
- LIVRO ‘BISPOS E ARCEBISPOS DE LISBOA’ E COLÓQUIO INTERNACIONAL, a
20 de janeiro de 2017, nas vésperas da comemoração litúrgica de São Vicente, em locais e horas a definir. Trata-se de uma obra coletiva que reúne as biografias de todos os prelados lisbonenses até à criação do Patriarcado de Lisboa, no século XVIII. A culminar, realiza-se, durante esse dia, um colóquio internacional dedicado ao tema, nas instalações da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, após o que haverá um concerto desenvolvido a partir de diversas peças musicais da liturgia vicentina medieval.
- EXPOSIÇÃO SOBRE OS TRÊS SÉCULOS DO PATRIARCADO, em data a anunciar, no Museu do Mosteiro de São Vicente de Fora, Lisboa. O núcleo museológico será remodelado de modo a recorrer às novas linguagens gráficas e aos novos recursos tecnológicos. Após tal remodelação, a exposição, distribuída pelas várias salas do Museu, dará a conhecer a pré-história do Patriarcado de Lisboa, os lugares do Patriarca ao longo da história, o perfil e a memória dos prelados lisbonenses, elementos referentes à liturgia patriarcal e um núcleo de arte sacra. A predita remodelação apresentará ainda um núcleo museológico sobe a vida cristã no Patriarcado de Lisboa, com a evocação de alguns testemunhos de santidade.
- PUBLICAÇÃO DAS CARTAS PASTORAIS DOS PATRIARCAS DE LISBOA, em data e local a anunciar. Fruto do labor pastoral dos prelados lisbonenses na fase do Patriarcado, a obra apresenta a edição das cartas pastorais desde 1716, ano da qualificação patriarcal da diocese. Agrupa 240 textos cronologicamente ordenados e organizados, a que se adicionou um capítulo com textos produzidos pelo cabido, vigários capitulares e patriarcas eleitos.
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Se as razões que levaram o Papa à criação do Patriarcado são hoje consideradas de duvidoso mérito e se a figura do patriarca como capelão do rei sai diminuída eclesial e teologicamente, os tempos hoje revelam outra frescura e o patriarcado passou a ser uma referência nacional do ponto de vista pastoral e de identificação de uma boa porção da Igreja que vive em Portugal. Pelo menos, evidencia-se como um serviço de apoio consistente às suas dioceses sufragâneas e de referência organizativa e cultural para as demais.
É bom que o Patriarcado tenha encontrado, para celebração do seu tricentenário, tão boas e diversificadas iniciativas de incremento pastoral e catequético e de séria realização cultural, histórica e teológica, sem esquecer os tempos do não patriarcado e vincando a importância da Igreja e do cristianismo, hoje.

 2016.11.07 – Louro de Carvalho

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